quinta-feira, 19 de junho de 2014

[SGM] A Blitz esquecida da França

BBC News, 04/06/14

 
Historiadores acreditam que os bombardeios aliados mataram quase tantos franceses quanto as bombas alemãs mataram britânicos durante a Blitz.

De acordo com pesquisa conduzida por Andrew Knapp, professor de história na Universidade de Reading na Grã-Bretanha, as missões aéreas britânicas, americanas e canadenses resultaram em 57.000 baixas civis francesas na Segunda Guerra Mundial.

“Este é um número um pouco abaixo, mas comparável aos 60.500 britânicos mortos como resultado do bombardeio da Luftwaffe no mesmo período,” diz Knapp que é coautor de Blitzes Esquecidas e um livro recentemente publicado na França chamado Os Franceses sob o Bombardeio Aliado (Les francais sous les bombes alliees 1940-1945).

“Também é verdade que a França levou sete vezes mais toneladas de bombas aliadas que a Grã-Bretanha da Alemanha Nazista,” diz Knapp. “Aproximadamente 75.000 toneladas de bombas foram despejadas no Reino Unido (incluindo os mísseis V de Hitler). Na França, ficou na ordem de 518.000 toneladas,” ele diz.

Crimes de Guerra

Winston Churchill, que se dirigiu aos franceses sobre as missões aéreas com confiança, e mesmo um certo alívio, em francês, disse-lhes como aliados apesar da colaboração com os nazistas de uma parte da população francesa.

Mas a tática de bombardeio empregada nem sempre refletiu isso.

Knapp divide os bombardeios aliados em três categorias: “Alguns foram precisos e causaram perdas mínimas civis. A segunda categoria, podemos ver por que eles fizeram, mas o nível de perdas civis pode ser considerado desproporcional em relação à vantagem militar. E a terceira categoria é realmente difícil de compreender, mesmo com perspectiva, por que eles o fizeram.”

O exemplo mais perturbador é o bombardeio de Le Havre em setembro de 1944. Quase toda a cidade foi reduzida a pó e 5.000 franceses – homens, mulheres e crianças – foram mortos. A infantaria aliada tomou o porto poucos dias mais tarde mas, muitos acreditam, eles o poderiam ter feito sem o bombardeio.

“É muito claro que,” diz Knapp, “com base nos tratados que assinamos agora – não os tratados assinados na época – algumas destas missões poderiam ser classificadas como crimes de guerra.”

Silêncio “surpreendente”

Catherine Monfajon, autora de um documentário sobre o assunto que foi recentemente mostrado na TV francesa, diz que os franceses frequentemente mostravam grande espírito.

No funeral de mais de 100 estudantes franceses mortos em um bombardeio aliado em Saint Nazaire, quando um funcionário do governo Vichy falou das “aves da morte”, uma vaia de desaprovação surgiu na parte onde estavam os pais das crianças mortas.

No fim da guerra, Saint Nazaire foi classificada como 100% destruída, mas falar sobre a destruição dela e de outras 1.500 cidades era um tabu.

“O silêncio era surpreendente e me surpreendia,” diz Monfajon. “A França foi o terceiro país mais bombardeado depois da Alemanha e Japão pelos aliados e isto é raramente mencionado nos livros de história.”

Isto é devido em sua maior parte ao modo como o regime colaboracionista de Vichy usou estas baixas em sua propaganda no sentido de jogar o público contra os aliados.

Desde então, questionar o bombardeio era considerado suspeito, ela diz. “E as pessoas estavam divididas entre sua dor, sua raiva e sua gratidão a esses pilotos que lhes trouxeram a liberdade. Quem morreu por isso.”

Escombros e Cinzas

À medida que os bombardeios das cidades francesas se intensificou na proximidade do Dia D, Churchill expressou que a escala de perdas civis poderia prejudicar por longo tempo as relações anglo-francesas mesmo após a guerra ter sido ganha.

Arthur “Bombardeiro” Harris, chefe do Comando de Bombardeiros da RAF, queria todos os seus aviões atingindo a Alemanha.

Apesar de insensível à carnificina imposta aos civis alemães, ele ficou arrependido pelas perdas francesas ao ponto de fazer campanha de arrecadação de dinheiro para ajudar os órfãos do bombardeio aliado.

Quase metade das tripulações do Comando de Bombardeiros foi morta em ação. Suas ações, seus comandantes argumentavam, ajudariam a ganhar a guerra mais rapidamente.

Mas, como os franceses finalmente ousam dizer, a libertação das cidades da Normandia como Saint Lo, Caen e Le Havre transformou-as em terras desertas de escombros e pó.

No próprio Dia D, 2.500 soldados aliados foram mortos. Aproximadamente o mesmo número de civis franceses também foi morto.

Sem heróis talvez. Mas, como o presidente francês afirmará nas praias de desembarque em 6 de junho, seu sacrifício pela liberdade foi grande.


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