Evan
Andrews
History
in the Headlines, 03/06/2015
No
verão de 1940, a Alemanha Nazista arquitetou um esquema aparentemente estranho:
exilar a população judaica da Europa na ilha africana de Madagáscar. Apoio à
proposta surgiu após a emissão de um memorando de 3 de junho do Departamento do
Exterior Alemão e foi colocado quase imediatamente em ação antes de as vitórias
aliadas na Segunda Guerra Mundial o tornassem inviável. Setenta e cinco anos
após ter sido proposto, é interessante relembrar o plano de deportação brutal
que precedeu os horrores do Holocausto.
“A
vitória próxima dá a Alemanha a possibilidade, e sob muitos aspectos também a
obrigação, de resolver a Questão Judaica na Europa. A solução desejada é: todos
os judeus fora da Europa.” Assim foi como Franz Rademacher, chefe do “Setor
Judaico” do Departamento do Exterior Alemão iniciou o memorando para o Alto
Comando Nazista no verão de 1940. No documento que se seguiu, ele desenvolveu
um audacioso plano para banir milhões de judeus europeus para a ilha africana
de Madagáscar. O esquema previa que a cidadania europeia dos judeus fosse
revogada e sua propriedade e riquezas pessoais fossem confiscadas para ajudar
no estabelecimento do novo “superguetto” no Oceano Índico. Uma vez
reassentados, seriam governados por uma força policial da SS. Rademacher
argumentou que a escolha da ilha poderia ser vendida como propaganda para
mostrar ao mundo a “generosidade” do povo alemão. Em uma nota mais sinistra,
ele acrescentou que “os judeus permanecerão sob jugo alemão como uma promessa
de bom comportamento para os membros de sua raça na América.” Os judeus de Madagáscar
não seriam apenas exilados – eles também seriam reféns.
A
proposta de Rademacher foi a mais ambiciosa das várias tentativas do Terceiro
Reich de Hitler de expulsar os judeus. Assim que assumiram o poder no início
dos anos 1930, os nazistas implementaram uma série de políticas repressivas
antissemitas que retirou dos judeus seus direitos e forçou muitos deles a
deixar o país. A perseguição piorou após o início da Segunda Guerra Mundial,
quando os nazistas começaram a obrigar os judeus a viver em campos e guetos.
Seguindo o plano abortado de transformar o distrito polonês de Lublin em uma
reserva gigante judaica, os alemães desviaram seu foco em direção de remover os
judeus de todo o continente. Em uma carta de maio de 1940 para Hitler, o chefe
da SS Heinrich Himmler expressou seu desejo “... que o conceito de judeu será
completamente extinto por meio da possibilidade da emigração em larga escala de
todos os judeus para a África ou qualquer outra colônia.”
Madagáscar
apresentava-se como um destino possível em maio e junho de 1940, quando as forces
alemãs começaram a avançar pela Europa Ocidental. A vitória sobre a França
parecia iminente, e com ela veio a dominação sobre seu vasto império colonial,
que incluía Madagáscar e outras partes da África. Franz Rademacher enviou o
primeiro de vários memorandos sobre o “Projeto Madagáscar” em 3 de junho, e a
ideia rapidamente se espalhou entre os vários níveis da hierarquia nazista. A
aprovação de Adolf Eichmann e do Ministro do Exterior Joachim Von Ribbentrop e
a menção dele por Hitler num encontro com Benito Mussolini ajudaram a
divulgá-lo ainda mais. Na Polônia, a construção de guetos foi temporariamente
interrompida em antecipação ao plano, já que eles não seriam mais necessários.
Os líderes judeus foram informados sobre o plano num encontro secreto no começo
de julho, e não demorou muito para alcançar as ruas. Adam Czerniakow, um
funcionário judeu em Varsóvia, notou que um burocrata alemão lhe disse que “a
guerra estaria terminada em um mês e que todos nós estaríamos sendo enviados
para Madagáscar.”
Por
incrível que pareça, a ideia de colocar os judeus em Madagáscar não era nova. O
plano foi originalmente proposto em 1885 pelo acadêmico alemão Paul de Lagarde,
cujos escritos tiveram uma grande influência em Hitler. Ele foi mais tarde
adotado por uma grande variedade de políticos e figuras antissemitas na Europa,
algumas das quais acreditavam erroneamente que os judeus eram ancestrais dos
nativos malgaxes da ilha. Em 1937, o governo polonês chegou a enviar uma missão
a Madagáscar para investigar a possibilidade para um novo lar judeu. A
delegação formada por judeus voltou convencida de que as temperaturas
sufocantes e a infraestrutura quase inexistente a tornava uma péssima escolha,
e eles estimaram que ela seria capaz de abrigar somente poucas centenas de
famílias.
Se
Madagáscar poderia manter de forma segura um fluxo maciço de imigrantes era de
pouca importância para os nazistas no verão de 1940. Em agosto, Rademacher,
Eichmann e outros submeteram várias propostas revisadas ao Alto Comando
nazista. Seus planos solicitavam provisões para uma colônia judaica em Madagáscar
como parte de um tratado de paz com os franceses. Os alemães reassentariam e
compensariam os colonos franceses que viviam lá, e então começariam a mover os
judeus para a ilha após a guerra a uma taxa de 1 milhão por ano. Para dar uma
ilusão de propriedade, os judeus assentados em Madagáscar teriam direito a ter
seu próprio prefeito, agência de correios e força policial, ainda que o poder
real estivesse nas mãos de um governador indicado pelos nazistas. Grandes partes da ilha também receberiam bases
militares alemãs.
Muitos
líderes alemães viam o Plano Madagáscar como uma resposta ideal à assim chamada
“Questão Judaica”, mas em setembro de 1940, seu futuro parecia incerto. O
esquema dependia essencialmente da rapidez com que os nazistas conquistavam a
Europa, e seu progresso empacou junto com seus exércitos. O principal problema
era a Grã-Bretanha, que suportou teimosamente o ataque aéreo durante a Batalha
da Inglaterra. Os nazistas esperavam se apropriar da Marinha Real para
transportar os judeus para Madagáscar, mas com a Grã-Bretanha ainda de pé, a
logística de repente tornou-se impossível. A Alemanha não tinha navios
suficientes para forçar a deportação por sua própria conta, e os navios de
guerra aliados tornavam os caminhos marítimos intransponíveis. No final de
1940, o plano foi interrompido, porém não esquecido. O tiro de misericórdia foi
dado em maio de 1942, quando forças britânicas desembarcaram em Madagáscar em
uma invasão anfíbia chamada “Operação Ironclad” A ilha caiu em mãos aliadas no
final do ano.
No
final, nenhum judeu foi enviado à África como parte do Plano Madagáscar.
Historiadores ainda debatem o que teria acontecido se os judeus tivessem sido
levados para lá, mas não há dúvidas de que teria sido brutal. Muitas pessoas
teriam sucumbido diante das doenças tropicais ou fome devido à falta de
recursos e aqueles que sobrevivessem teriam sido sujeitos a abuso ou morte nas
mãos da SS. Com isto em mente, muitos estudiosos argumentam que o
reassentamento era uma sentença de morte. Outros ponderam que era um
subterfúgio para mascarar as reais intenções de Hitler em exterminar os judeus[1].
Pelo menos, foi uma ação em direção da infame “Solução Final” que logo se
seguiria. Menos de um ano após o Plano Madagáscar ter sido abandonado, os
campos de extermínio foram criados e o Holocausto começou.
Nota:
[1]
Se o objetivo era exterminar os judeus, por que todo o trabalho de
transportá-los para uma ilha distante? Será que os líderes poloneses também
pensavam assim quando elaboraram seu próprio “Plano Madagáscar”? Este plano
deveria resolver definitivamente a “Questão Judaica”. Fico imaginando quantas
vidas teriam sido salvas com esse reassentamento e como seria hoje o Oriente
Médio se Israel não existisse.
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Judaica” na visão dos Nazistas
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