A.J.P.
Taylor
History
Today, Vol. 10, Nº 8, agosto 1960
Na
noite de 27 de fevereiro de 1933, o prédio do Reichstag em Berlim foi
incendiado e consumido pelas chamas. Isto foi um golpe de sorte para os nazistas.
Apesar de Hitler ter sido apontado Chanceler pelo presidente Hindenburg em 30
de janeiro, os nazistas não tinham uma maioria parlamentar, mesmo com seus
aliados nacionalistas.
O
Reichstag foi dissolvido; e os nazistas começaram uma campanha eleitoral
raivosa. Eles ainda estavam em dúvida sobre o sucesso. Eles mal precisaram usar
o perigo vermelho. Em 24 de fevereiro, a polícia invadiu a sede do partido
comunista. Foi anunciado que eles descobriram planos para uma revolução
comunista. Evidentemente, eles não descobriram muita coisa: os alegados
documentos subversivos nunca foram publicados.
Então
veio o incêndio do Reichstag. Aqui foi onde o medo vermelho realmente
aconteceu. No dia seguinte, Hindenburg promulgou um decreto emergencial “para a
proteção do Povo e do Estado”. As garantias constitucionais de liberdade
individual foram suspensas. Os nazistas foram autorizados a estabelecer um
reino legal de terror.
Graças
largamente a isto, eles e os nacionalistas fizeram uma grande maioria nas
eleições gerais de 5 de março; e, em seguida, primeiro o Partido Comunista, e
então todos os partidos exceto o Nacional Socialista foram tornados ilegais. O
incêndio do Reichstag foi o prelúdio essencial para a ditadura de Hitler.
Quem
cometeu o ato decisivo? Quem na verdade começou o incêndio do Reichstag? Os
nazistas disseram que foi trabalho dos comunistas. Eles tentaram estabelecer
este veredicto no julgamento dos supostos incendiários diante da Corte Suprema
em Leipzig. Eles falharam. Dificilmente qualquer um acreditaria que foi obra
dos comunistas.
Se
não foram os comunistas, então quem foi? As pessoas fora da Alemanha, e muitos
dentro dela, pensaram numa resposta simples: os próprios nazistas. Esta versão
foi geralmente aceita. Ela aprece nos livros de história. Os historiadores mais
respeitados, como Allan Bullock, a repetem. Eu mesmo a aceitei
inquestionavelmente, sem olhar para a evidência.
Um
servidor público aposentado, Fritz Tobias – um antinazista – recentemente olhou
a evidência. Ele publicou seus resultados no semanário alemão Der Spiegel, de onde eu tirei a
informação. Eles são surpreendentes. Aqui está a história.
Pouco
antes das vinte e uma horas de 27 de fevereiro, um estudante de teologia
chamado Hans Floter, agora um professor universitário em Bremen, estava indo
para casa após um dia na biblioteca. Quando ele atravessou o espaço aberto em
frente ao Reichstag, ele ouviu o som de vidro quebrado. Ele olhou para o alto,
e viu alguém escalando o Reichstag através de uma janela no primeiro andar. Caso
contrário, o local estava deserto.
Floter
correu para o canto e encontrou um policial. “Alguém está invadindo o
Reichstag.” Os dois homens voltaram correndo. Através da janela, eles viram não
somente uma figura, mas também chamas. Era 21:03. Floter cumpriu sua missão. Ele voltou para casa para a
janta e deixou a história. Outro transeunte juntou-se ao policial: um jovem
tipógrafo chamado Thaler, que coincidentemente foi um social-democrata. Ele
morreu em 1943.
Thaler
gritou: “Atire, homem, atire!” O policial ergueu seu revólver e disparou. A
figura desapareceu. O policial correu para o posto policial mais próximo e
acionou o alarme. O horário foi registrado
como 21:15. Em
minutos a polícia invadiu o Reichstag. Às 21:22, um policial tentou entrar na
Câmara de Debates. Ele foi afastado pelo calor das chamas. Às 21:27, a polícia
descobriu e prendeu um jovem seminu. Ele era holandês e se chamava Marinus van
der Lubbe.
Enquanto
isso, a brigada de incêndio também foi acionada. O primeiro relatório
alcançou-os às 21:13. O primeiro
caminhão chegou ao Reichstag às 21:18. Houve atrasos inevitáveis. Somente uma
porta lateral foi mantida destrancada após às 20:00.
Os
bombeiros, que não sabiam disso, foram à porta errada. Então, eles perderam
tempo apagando pequenos incêndios nas passagens. Houve confusão quando um
alarme tocava após o outro. A força total da brigada de incêndio de Berlim –
cerca de sessenta caminhões – foi mobilizada somente às 21:42. Naquele momento,
o prédio inteiro estava irreparavelmente perdido. Ele permanecia em pé, mas
como uma casca vazia.
Houve
um alarme de outro tipo. Transversalmente à rua do Reichstag estava a casa de
seu presidente, o líder nazista Göring. Mas este não havia ainda se mudado para
lá. A casa, ou palácio, estava desocupada exceto por um flat no topo que Göring
havia emprestado para Putzi Hanftstängel, um alpinista social ligado aos
nazistas. Hanftstängel olhou por sua janela e viu o Reichstag queimando. Ele
sabia que Hitler e Goebbels estavam em uma festa próxima do local. Ele ligou
para Goebbels.
Goebbels
achou que era mais uma das piadas de Hanftstängel e desligou o telefone. Hanftstängel ligou novamente. Goebbels
checou com o Reichstag e descobriu que a notícia era verdadeira. Em poucos
minutos, ele e Hitler e uma multidão de funcionários nazistas também estavam no
Reichstag.
Um
jornalista inglês, Sefton Delmer, conseguiu se misturar a eles. Hitler estava
ao seu lado todo frenético: “Isto é um complô comunista, o sinal de uma
rebelião. Todo comunista será fuzilado. Os parlamentares
comunistas serão enforcados!”
Talvez
ele já estivesse antevendo as vantagens. Se for assim, aqueles ao seu lado
foram todos enganados. Para eles, Hitler parecia surpreso, ultrajado e mesmo
temente.
Van
der Lubbe foi levado à delegacia mais próxima. Ele foi interrogado até as três
da manhã. Então, ele dormiu, recebeu um café da manhã e às 08:00 interrogado
novamente. Ele deu respostas claras e coerentes. Ele descreveu como ele entrou
no Reichstag; onde ele iniciou o incêndio, primeiro com a ajuda de quatro
isqueiros, então tirando suas roupas e colocando fogo nelas.
A
polícia verificou sua estória indo ao Reichstag de acordo com sua declaração
portando um cronômetro. Eles descobriram que ela se encaixava precisamente com
o momento de sua prisão.
Van
der Lubbe estava convicto sobre seu motivo. Ele esperava que todo povo alemão
protestaria contra o governo nazista. Quando isto não aconteceu, ele percebeu
que somente um indivíduo deveria fazer seu protesto.
Apesar
de o incêndio do Reichstag ter sido certamente um sinal de protesto objetivando
uma revolta – um “farol” como ele o chamou – este se restringiu a uma pessoa.
Ele negou veementemente que tivesse quaisquer associados. Ele não conhecia
nenhum nazista. Ele não era comunista – isto é, ele não era membro do partido
comunista. Ele era, de fato, um socialista com pontos de vista vagamente de
esquerda.
Van
der Lubbe também descreveu seus movimentos durante as semanas anteriores,
deslocando-se através da Alemanha de uma pensão para outra; ele mesmo descreveu
as lojas onde ele adquiriu os isqueiros e fósforos. Aqui, também, a polícia
checou sua estória. Todo detalhe estava correto. Os oficiais de polícia
concluíram que ele tinha algum problema mental, mas era inteligente, com um
senso preciso de local e direção.
Seus
interrogadores eram profissionais experientes, sem qualquer comprometimento
político. Eles se convenceram que ele falava a verdade e que havia posto fogo
no Reichstag sozinho. Os oficiais da brigada de incêndio também concordaram com
isso, pois na medida em que poderiam dizer o Reichstag queimou exatamente com
van der Lubbe o disse.
Isto
não se aplica a Hitler e a outros líderes nazistas. Eles se comprometeram desde
o primeiro momento com o ponto de vista de que o incêndio do Reichstag foi um
plano comunista. Independentemente de acreditarem ou não nisto, isto deveria
ser mantido para o público alemão.
Quando
van der Lubbe foi a júri, quatro outros o acompanharam: Torgler, líder do grupo
comunista no reichstag, e três comunistas búlgaros que viviam na Alemanha, um
deles o famoso Dimitrov.
O
julgamento diante da Suprema Corte em Leipzig teve pouco a ver com van der
Lubbe. Ele foi encontrado no Reichstag; ele começou o incêndio; as evidências
contra ele estavam tão claras que valia pouco a pena prosseguir. O promotor
público e o governo nazista por trás dele estavam preocupados em colocar a
culpa em quatro comunistas. Eles falharam completamente.
Torgler
esteve em seu escritório mo Reichstag até as 20:00. Então, ele foi embora;
testemunhas o viram ir. Tudo então ficou quieto no Reichstag. Não houve
evidência ligando-o a van der Lubbe. Quanto a Dimitrov e os outros dois
búlgaros, não havia nenhuma evidência para ligá-los tanto a van der Lubbe
quanto ao fogo. Isto foi embaraçoso aos juízes da Suprema Corte. Eles eram
advogados conscientes, não nazistas. Eles não condenariam indivíduos sem
evidência. Mas eles desejavam agradar ao governo nazista onde nenhuma injustiça
flagrante a indivíduos parecia estar envolvida.
A
Suprema Corte, assim, escutou complacentemente enquanto os supostos
especialistas demonstraram que o incêndio não poderia ter começado por somente
um homem. Talvez a Suprema Corte mesmo acreditasse nos especialistas, como
algumas vezes os juízes acreditam. Estes especialistas não eram bombeiros,
policiais ou cientistas forenses. Eles eram professores de química e
criminologia, que teorizaram a respeito do incêndio, sem mesmo visitar o
Reichstag.
Van
der Lubbe estava desesperado. Ele queria abalar o governo nazista. Ao invés disso,
ele consolidou sua ditadura e, também, envolveu pessoas inocentes. Pela maior
parte do tempo, ele permaneceu em arrasado, com sua cabeça afundada em seu
peito. Algumas pessoas associaram isso ao uso de drogas. Fisiologistas
independentes que o examinaram acharam que não havia nada de errado com ele,
exceto desespero.
Uma
vez ele se manifestou. Por seis horas, ele tentou convencer os juízes que ele
havia iniciado o incêndio sozinho. Ele falou de forma clara, coerente e
precisa. Um observador holandês – ele próprio um juiz criminal experiente –
ficou convencido de que van der Lubbe estava falando a verdade.
Os
juízes alemães pensaram o contrário. Com um preconceito inabalável, eles
partiram para a intimidação. Como, eles perguntaram, ele podia se opor à
evidência das testemunhas especialistas? Van der Lubbe respondeu: “Eu estava
lá, e não eles. Eu sei como pôde ter acontecido porque eu o fiz.”
A
Corte Suprema chegou a um veredicto estranho. Van der Lubbe foi considerado
culpado, e, apesar de o incêndio culposo não ser um crime capital quando ele
cometeu sua transgressão, Hitler o tornou pela retroatividade da lei. Van der
Lubbe foi assim sentenciado à morte e executado por decapitação.
Os
quatro comunistas foram absolvidos, mas os juízes lembraram que van der Lubbe
deve ter tido assistentes. O Reichstag, portanto, foi queimado por pessoas
desconhecidas; e os nazistas tiveram que se satisfazer com a implicação de que
estas pessoas misteriosas, nunca vistas e sem deixar nenhum rastro, eram
comunistas.
Tem
havido uma reclamação na Alemanha, e principalmente nos países comunistas, que
o Sr. Tobias, ao ressuscitar o caso, limpou a barra dos nazistas. Mesmo que
isso fosse verdade, isto é culpa daqueles que produziram o Livro Marrom[1], e
não o Sr. Tobias. Este é o pior tipo de falsificação.
Mas
a nova versão não absolve, de fato, os nazistas. Mesmo que eles não tenham tido
nada a ver com o incêndio, mesmo que eles acreditassem verdadeiramente que foi
trabalho dos comunistas, isto não justifica suas subsequentes ilegalidades e
reino do terror. Eles continuam sendo maus como sempre foram.
Mas
o caso deveria mudar nosso pensamento sobre os métodos de Hitler. Ele estava
longe de ser o planejador detalhista que geralmente é pensado ser. Ele tinha um
gênio para a improvisação; e seu comportamento em relação ao incêndio do
Reichstag foi um exemplo maravilhoso disto. Quando tornou-se Chanceler, ele não
tinha nenhuma ideia como transformaria sai posição constitucional em uma ditadura.
A solução apareceu diante dele como um raio quando ele olhou as ruínas
chamuscadas do Reichstag naquela noite de fevereiro.
O
incêndio foi, em suas próprias palavras, “uma oportunidade caída dos céus”; e
podemos concordar com ele que chegou-lhe nas mãos por um evento externo, apesar
de dificilmente ser dos céus. Este é o modo como a história trabalha. Os
eventos acontecem aleatoriamente; e os homens então os moldam segundo um padão.
Van der Lubbe ateou fogo no Reichstag; mas a lenda de que os nazistas o fizeram
provavelmente continuará indestrutível.
Nota:
[1]
O Livro Marrom do Terror Nazista foi escrito pelo chefe de propaganda do
Partido Comunista Alemão (KPD) Willy Münzenberg em conjunto com o comunista e
agente soviético tcheco Otto Katz.
Um comentário:
https://www.youtube.com/watch?v=GMCOKNCwHmQ
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