sábado, 6 de junho de 2015

[POL] O Incêndio do Reichstag: A História de uma Lenda

A.J.P. Taylor

History Today, Vol. 10, Nº 8, agosto 1960


Na noite de 27 de fevereiro de 1933, o prédio do Reichstag em Berlim foi incendiado e consumido pelas chamas. Isto foi um golpe de sorte para os nazistas. Apesar de Hitler ter sido apontado Chanceler pelo presidente Hindenburg em 30 de janeiro, os nazistas não tinham uma maioria parlamentar, mesmo com seus aliados nacionalistas.

O Reichstag foi dissolvido; e os nazistas começaram uma campanha eleitoral raivosa. Eles ainda estavam em dúvida sobre o sucesso. Eles mal precisaram usar o perigo vermelho. Em 24 de fevereiro, a polícia invadiu a sede do partido comunista. Foi anunciado que eles descobriram planos para uma revolução comunista. Evidentemente, eles não descobriram muita coisa: os alegados documentos subversivos nunca foram publicados.

Então veio o incêndio do Reichstag. Aqui foi onde o medo vermelho realmente aconteceu. No dia seguinte, Hindenburg promulgou um decreto emergencial “para a proteção do Povo e do Estado”. As garantias constitucionais de liberdade individual foram suspensas. Os nazistas foram autorizados a estabelecer um reino legal de terror.

Graças largamente a isto, eles e os nacionalistas fizeram uma grande maioria nas eleições gerais de 5 de março; e, em seguida, primeiro o Partido Comunista, e então todos os partidos exceto o Nacional Socialista foram tornados ilegais. O incêndio do Reichstag foi o prelúdio essencial para a ditadura de Hitler.

Quem cometeu o ato decisivo? Quem na verdade começou o incêndio do Reichstag? Os nazistas disseram que foi trabalho dos comunistas. Eles tentaram estabelecer este veredicto no julgamento dos supostos incendiários diante da Corte Suprema em Leipzig. Eles falharam. Dificilmente qualquer um acreditaria que foi obra dos comunistas.

Se não foram os comunistas, então quem foi? As pessoas fora da Alemanha, e muitos dentro dela, pensaram numa resposta simples: os próprios nazistas. Esta versão foi geralmente aceita. Ela aprece nos livros de história. Os historiadores mais respeitados, como Allan Bullock, a repetem. Eu mesmo a aceitei inquestionavelmente, sem olhar para a evidência.

Um servidor público aposentado, Fritz Tobias – um antinazista – recentemente olhou a evidência. Ele publicou seus resultados no semanário alemão Der Spiegel, de onde eu tirei a informação. Eles são surpreendentes. Aqui está a história.

Pouco antes das vinte e uma horas de 27 de fevereiro, um estudante de teologia chamado Hans Floter, agora um professor universitário em Bremen, estava indo para casa após um dia na biblioteca. Quando ele atravessou o espaço aberto em frente ao Reichstag, ele ouviu o som de vidro quebrado. Ele olhou para o alto, e viu alguém escalando o Reichstag através de uma janela no primeiro andar. Caso contrário, o local estava deserto.

Floter correu para o canto e encontrou um policial. “Alguém está invadindo o Reichstag.” Os dois homens voltaram correndo. Através da janela, eles viram não somente uma figura, mas também chamas. Era 21:03. Floter cumpriu sua missão. Ele voltou para casa para a janta e deixou a história. Outro transeunte juntou-se ao policial: um jovem tipógrafo chamado Thaler, que coincidentemente foi um social-democrata. Ele morreu em 1943.

Thaler gritou: “Atire, homem, atire!” O policial ergueu seu revólver e disparou. A figura desapareceu. O policial correu para o posto policial mais próximo e acionou o alarme. O horário foi registrado como 21:15. Em minutos a polícia invadiu o Reichstag. Às 21:22, um policial tentou entrar na Câmara de Debates. Ele foi afastado pelo calor das chamas. Às 21:27, a polícia descobriu e prendeu um jovem seminu. Ele era holandês e se chamava Marinus van der Lubbe.
Enquanto isso, a brigada de incêndio também foi acionada. O primeiro relatório alcançou-os às 21:13. O primeiro caminhão chegou ao Reichstag às 21:18. Houve atrasos inevitáveis. Somente uma porta lateral foi mantida destrancada após às 20:00.

Os bombeiros, que não sabiam disso, foram à porta errada. Então, eles perderam tempo apagando pequenos incêndios nas passagens. Houve confusão quando um alarme tocava após o outro. A força total da brigada de incêndio de Berlim – cerca de sessenta caminhões – foi mobilizada somente às 21:42. Naquele momento, o prédio inteiro estava irreparavelmente perdido. Ele permanecia em pé, mas como uma casca vazia.

Houve um alarme de outro tipo. Transversalmente à rua do Reichstag estava a casa de seu presidente, o líder nazista Göring. Mas este não havia ainda se mudado para lá. A casa, ou palácio, estava desocupada exceto por um flat no topo que Göring havia emprestado para Putzi Hanftstängel, um alpinista social ligado aos nazistas. Hanftstängel olhou por sua janela e viu o Reichstag queimando. Ele sabia que Hitler e Goebbels estavam em uma festa próxima do local. Ele ligou para Goebbels.

Goebbels achou que era mais uma das piadas de Hanftstängel e desligou o telefone. Hanftstängel ligou novamente. Goebbels checou com o Reichstag e descobriu que a notícia era verdadeira. Em poucos minutos, ele e Hitler e uma multidão de funcionários nazistas também estavam no Reichstag.

Um jornalista inglês, Sefton Delmer, conseguiu se misturar a eles. Hitler estava ao seu lado todo frenético: “Isto é um complô comunista, o sinal de uma rebelião. Todo comunista será fuzilado. Os parlamentares comunistas serão enforcados!”

Talvez ele já estivesse antevendo as vantagens. Se for assim, aqueles ao seu lado foram todos enganados. Para eles, Hitler parecia surpreso, ultrajado e mesmo temente.

Van der Lubbe foi levado à delegacia mais próxima. Ele foi interrogado até as três da manhã. Então, ele dormiu, recebeu um café da manhã e às 08:00 interrogado novamente. Ele deu respostas claras e coerentes. Ele descreveu como ele entrou no Reichstag; onde ele iniciou o incêndio, primeiro com a ajuda de quatro isqueiros, então tirando suas roupas e colocando fogo nelas.

A polícia verificou sua estória indo ao Reichstag de acordo com sua declaração portando um cronômetro. Eles descobriram que ela se encaixava precisamente com o momento de sua prisão.

Van der Lubbe estava convicto sobre seu motivo. Ele esperava que todo povo alemão protestaria contra o governo nazista. Quando isto não aconteceu, ele percebeu que somente um indivíduo deveria fazer seu protesto.

Apesar de o incêndio do Reichstag ter sido certamente um sinal de protesto objetivando uma revolta – um “farol” como ele o chamou – este se restringiu a uma pessoa. Ele negou veementemente que tivesse quaisquer associados. Ele não conhecia nenhum nazista. Ele não era comunista – isto é, ele não era membro do partido comunista. Ele era, de fato, um socialista com pontos de vista vagamente de esquerda.

Van der Lubbe também descreveu seus movimentos durante as semanas anteriores, deslocando-se através da Alemanha de uma pensão para outra; ele mesmo descreveu as lojas onde ele adquiriu os isqueiros e fósforos. Aqui, também, a polícia checou sua estória. Todo detalhe estava correto. Os oficiais de polícia concluíram que ele tinha algum problema mental, mas era inteligente, com um senso preciso de local e direção.

Seus interrogadores eram profissionais experientes, sem qualquer comprometimento político. Eles se convenceram que ele falava a verdade e que havia posto fogo no Reichstag sozinho. Os oficiais da brigada de incêndio também concordaram com isso, pois na medida em que poderiam dizer o Reichstag queimou exatamente com van der Lubbe o disse.

Isto não se aplica a Hitler e a outros líderes nazistas. Eles se comprometeram desde o primeiro momento com o ponto de vista de que o incêndio do Reichstag foi um plano comunista. Independentemente de acreditarem ou não nisto, isto deveria ser mantido para o público alemão.

Quando van der Lubbe foi a júri, quatro outros o acompanharam: Torgler, líder do grupo comunista no reichstag, e três comunistas búlgaros que viviam na Alemanha, um deles o famoso Dimitrov.

O julgamento diante da Suprema Corte em Leipzig teve pouco a ver com van der Lubbe. Ele foi encontrado no Reichstag; ele começou o incêndio; as evidências contra ele estavam tão claras que valia pouco a pena prosseguir. O promotor público e o governo nazista por trás dele estavam preocupados em colocar a culpa em quatro comunistas. Eles falharam completamente.

Torgler esteve em seu escritório mo Reichstag até as 20:00. Então, ele foi embora; testemunhas o viram ir. Tudo então ficou quieto no Reichstag. Não houve evidência ligando-o a van der Lubbe. Quanto a Dimitrov e os outros dois búlgaros, não havia nenhuma evidência para ligá-los tanto a van der Lubbe quanto ao fogo. Isto foi embaraçoso aos juízes da Suprema Corte. Eles eram advogados conscientes, não nazistas. Eles não condenariam indivíduos sem evidência. Mas eles desejavam agradar ao governo nazista onde nenhuma injustiça flagrante a indivíduos parecia estar envolvida.

A Suprema Corte, assim, escutou complacentemente enquanto os supostos especialistas demonstraram que o incêndio não poderia ter começado por somente um homem. Talvez a Suprema Corte mesmo acreditasse nos especialistas, como algumas vezes os juízes acreditam. Estes especialistas não eram bombeiros, policiais ou cientistas forenses. Eles eram professores de química e criminologia, que teorizaram a respeito do incêndio, sem mesmo visitar o Reichstag.

Van der Lubbe estava desesperado. Ele queria abalar o governo nazista. Ao invés disso, ele consolidou sua ditadura e, também, envolveu pessoas inocentes. Pela maior parte do tempo, ele permaneceu em arrasado, com sua cabeça afundada em seu peito. Algumas pessoas associaram isso ao uso de drogas. Fisiologistas independentes que o examinaram acharam que não havia nada de errado com ele, exceto desespero.

Uma vez ele se manifestou. Por seis horas, ele tentou convencer os juízes que ele havia iniciado o incêndio sozinho. Ele falou de forma clara, coerente e precisa. Um observador holandês – ele próprio um juiz criminal experiente – ficou convencido de que van der Lubbe estava falando a verdade.

Os juízes alemães pensaram o contrário. Com um preconceito inabalável, eles partiram para a intimidação. Como, eles perguntaram, ele podia se opor à evidência das testemunhas especialistas? Van der Lubbe respondeu: “Eu estava lá, e não eles. Eu sei como pôde ter acontecido porque eu o fiz.”

A Corte Suprema chegou a um veredicto estranho. Van der Lubbe foi considerado culpado, e, apesar de o incêndio culposo não ser um crime capital quando ele cometeu sua transgressão, Hitler o tornou pela retroatividade da lei. Van der Lubbe foi assim sentenciado à morte e executado por decapitação.

Os quatro comunistas foram absolvidos, mas os juízes lembraram que van der Lubbe deve ter tido assistentes. O Reichstag, portanto, foi queimado por pessoas desconhecidas; e os nazistas tiveram que se satisfazer com a implicação de que estas pessoas misteriosas, nunca vistas e sem deixar nenhum rastro, eram comunistas.

Tem havido uma reclamação na Alemanha, e principalmente nos países comunistas, que o Sr. Tobias, ao ressuscitar o caso, limpou a barra dos nazistas. Mesmo que isso fosse verdade, isto é culpa daqueles que produziram o Livro Marrom[1], e não o Sr. Tobias. Este é o pior tipo de falsificação.
Mas a nova versão não absolve, de fato, os nazistas. Mesmo que eles não tenham tido nada a ver com o incêndio, mesmo que eles acreditassem verdadeiramente que foi trabalho dos comunistas, isto não justifica suas subsequentes ilegalidades e reino do terror. Eles continuam sendo maus como sempre foram.

Mas o caso deveria mudar nosso pensamento sobre os métodos de Hitler. Ele estava longe de ser o planejador detalhista que geralmente é pensado ser. Ele tinha um gênio para a improvisação; e seu comportamento em relação ao incêndio do Reichstag foi um exemplo maravilhoso disto. Quando tornou-se Chanceler, ele não tinha nenhuma ideia como transformaria sai posição constitucional em uma ditadura. A solução apareceu diante dele como um raio quando ele olhou as ruínas chamuscadas do Reichstag naquela noite de fevereiro.

O incêndio foi, em suas próprias palavras, “uma oportunidade caída dos céus”; e podemos concordar com ele que chegou-lhe nas mãos por um evento externo, apesar de dificilmente ser dos céus. Este é o modo como a história trabalha. Os eventos acontecem aleatoriamente; e os homens então os moldam segundo um padão. Van der Lubbe ateou fogo no Reichstag; mas a lenda de que os nazistas o fizeram provavelmente continuará indestrutível.

Nota:

[1] O Livro Marrom do Terror Nazista foi escrito pelo chefe de propaganda do Partido Comunista Alemão (KPD) Willy Münzenberg em conjunto com o comunista e agente soviético tcheco Otto Katz.


Um comentário:

Anônimo disse...

https://www.youtube.com/watch?v=GMCOKNCwHmQ