sábado, 19 de setembro de 2015

[SGM] Os Muçulmanos na Guerra de Hitler

David Moadel

History Today, Vol. 65, Nº 9, set/2015


Tunis, 19 de dezembro de 1942. Era o dia da Eid Al-Adha, a festa islâmica do sacrifício. A retirada do exército de Rommel tornou a cidade um enorme campo militar. No final da tarde, uma frota alemã de quatro carros grandes percorreu calmamente a principal rua de Tunis, a Avenida de Paris, deixando a capital em direção da cidade costeira de Hamman Lif. O comboio continha o General de Divisão Hans-Jürgen Von Armin, comandante da Wehrmacht na Tunísia, Rudolf Rahn, o cônsul de Hitler em Tunis e o mais alto funcionário do Reich na África do Norte, e alguns alemães de alta patente. Eles iriam  visitar o governador de Tunis, Muhammad VII Al-Munsif, que permaneceu o governante nominal da Tunísia, para desejar-lhe felicidades pelo feriado sagrado e mostrar seu respeito ao Islã. Em frente ao Palácio de Inverno de Hamman Lif, centenas de populares saudavam o comboio; a guarda tunisiana estendeu-lhes boas-vindas oficiais. Nas conversações com o monarca, os alemães prometeram que o próximo Eid Al-Adha ou Eid Al-Kabir, como é conhecido na Tunísia, aconteceria em uma época de paz e que a Wehrmacht faria tudo para manter a guerra longe da população muçulmana. Mais importante que as consultas, contudo, foi o respeito público alemão para o Islã. De volta ao quartel em Tunis, Rahn entusiasticamente telefonou para Berlim, clamando para o uso propagandístico da “recepção solene” na celebração Eid al-Kabir. Nos dias seguintes, a propaganda nazista espalhou as notícias pela África do Norte, retratando o Terceiro Reich como protetor do Islã.

No auge da Segunda Guerra Mundial, em 1941-42, enquanto as tropas de Hitler marchavam nos territórios habitados por muçulmanos na África do Norte, os Balcãs, Criméia e o Cáucaso e se aproximava do Oriente Médio e Ásia Central, diplomatas em Berlim começaram a ver o Islã como politicamente significativo. Nos anos seguintes, eles fizeram tentativas significativas para promover uma aliança com o “mundo islâmico” contra os supostos inimigos de ambos: o Império Britânico, a União Soviética, a América e os judeus.

Mesmo assim, a razão pelo engajamento do Terceiro reich com o Islã não era somente que regiões habitadas por muçulmanos tornaram-se também zonas de guerra, mas também, talvez mais importante, é que simultaneamente a situação militar da Alemanha havia se deteriorado. Na União Soviética, a estratégia da Blitzkrieg de Hitler falhou. Enquanto a Wehrmacht era pressionada, Berlim começou a buscar coalizões de guerra mais amplas, assim demonstrando um pragmatismo extraordinário. O cortejo dos muçulmanos era para pacificar os territórios ocupados e mobilizar os crentes a lutarem ao lado dos exércitos alemães.

Diplomatas alemães flertaram gradativamente com o Islã desde o final do século XIX, quando o Kaiser governava sobre boa parte das populações muçulmanas em suas colônias do Togo, Camarões e África Oriental alemã. Aqui, os alemães conseguiram empregar a religião como uma ferramenta de controle. Tribunais da Sharia eram reconhecidos. Dotes islâmicos foram mantidos intactos, instituições de ensino mantidas abertas e feriados religiosos respeitados. Diplomatas coloniais governavam por meio de intermediários islâmicos que, por sua vez, davam legitimidade ao Estado colonial. Em Berlim, o Islã era além disso considerado uma oportunidade para exploração no contexto da Weltpolitik gulhermiana. Isto tornou-se mais óbvio durante a viagem ao Oriente Médio de Guilherme II em 1898 e seu discurso dramático, dado após visitar a tumba de Saladino em Damasco, na qual ele declarou-se um “amigo” dos 300 milhões de mamoetanos mundiais e, analogamente, nos esforços de Berlim para mobilizar os muçulmanos vivendo nos impérios britânico, francês e russo durante a Primeira Guerra Mundial. Apesar de todas as tentativas para espalhar a jihad em 1914 tenham falhado, os estrategistas alemães mantiveram um interesse forte na geopolítica do Islã.

Com o início da Segunda Guerra Mundial e o envolvimento das tropas alemãs nas regiões habitadas pelos muçulmanos, diplomatas em Berlim começaram novamente a considerar o papel estratégico do mundo islâmico. Uma instrumentalização sistemática do Islã foi primeiramente proposta no final de 1941 em um memorando do diplomata Ebhard Von Stohrer, o ex-embaixador de Hitler no Cairo. Stohrer sugeriu que deveria haver um “programa extensivo do Islã”, que incluiria uma declaração sobre “a atitude geral do Terceiro Reich em relação ao Islã”. Entre o final de 1941 e final de 1942, o Departamento do Exterior criou um programa do Islã, que incluía o emprego de figuras religiosas, mais ativamente o Mufti de Jerusalém, Amin al-Husayni, que chegou em Berlim no final de 1941. Em 18 de dezembro de 1942, os nazistas inauguraram o Instituto Central Islâmico em Berlim, que tornou-se um ponto central dos esforços de propaganda da Alemanha no mundo islâmico; o jornal do partido, o Völkischer Beobachter, escreveu um título promissor, “Esta guerra poderia trazer liberdade para o Islã!” À medida que a guerra progredia e as tropas alemãs entravam em áreas muçulmanas nos Balcãs e na União Soviética, outros departamentos do Estado nazista seguiram essas políticas.

Diplomatas alemães tendiam a ver as populações muçulmanas sob a rubrica de “Islã”. Uma vantagem de usar o Islã ao invés das categorias étnico-nacionais era que Berlim poderia evitar o assunto espinhoso da independência nacional. Além disso, a religião parecia ser uma política útil e ferramenta de propaganda para acessar populações étnica, liguistica e socialmente heterogêneas. Os alemães viam o Islã como uma fonte de autoridade que poderia legitimar o envolvimento em um conflito e mesmo justificar a violência. Em termos de barreiras raciais, o regime mostrou pragmatismo extraordinário: turcos (não-judeus), iranianos e árabes já haviam sido excluídos de qualquer discriminação racial oficial nos anos 1930, seguindo intervenções diplomáticas dos governos em Teerã, Ankara e Cairo. Durante a guerra os alemães mostraram pragmatismo semelhante quando encontraram muçulmanos dos Balcãs e das minorias turcas na União Soviética. Os muçulmanos, estava claro para todo diplomata alemão do Saara ao Cáucaso, deveria ser tratado como aliado.

Em solo africano, em contato com as populações costeiras, oficiais do exército tentaram evitar problemas. Ainda em 1941, a Wehrmacht distribuiu o panfleto Der Islam para treinar as tropas segundo o correto comportamento em relação aos muçulmanos. No deserto líbio e egípcio, autoridades alemãs cortejavam dignitários religiosos, de forma mais importante os xeiques das influentes ordens Sufi. O problema era que a força religiosa mais poderosa na zona de guerra cirenaica[1], a ordem Sanusi Islâmica[2], era a cabeça de lança da resistência anticolonial contra o domínio italiano e lutavam ao lado do exército de Montgomery contra o Eixo. De qualquer forma, as promessas de Berlim de libertar os muçulmanos e proteger o Islã tornaram-se um contraste gritante com a violência e destruição que a guerra havia trazido para a África do Norte e os alemães, no final, falharam em incitar um maior movimento pró-Eixo muçulmano na região.

Na frente oriental, a situação era bem diferente. Os muçulmanos da Criméia e do Cáucaso setentrional estavam enfrentando o poder central desde a anexação czarista nos séculos XVIII e XIX e a tomada de poder bolchevista conseguiu piorar a situação. Sob Stalin, as áreas muçulmanas sofreram perseguição política e religiosa sem precedentes. A literatura islâmica foi censurada, a lei sharia banida e a propriedade das comunidades islâmicas expropriadas. Membros do partido tomaram o controle das mesquitas, pintaram slogans soviéticas nas paredes, hastearam bandeiras vermelhas em seus mirantes e caçaram porcos no interior de suas salas sagradas. Apesar disso, o Islâ continuou a ter um papel principal na vida social e política. Após a invasão do Cáucaso e Criméia, as autoridades militares alemãs, sedentas em encontrar colaboradores locais para estabilizar as áreas de retaguarda voláteis, não perderam a oportunidade para se apresentar como libertadores do Islã. O general Edwald Von Kleist, comandante do Grupo de Exércitos A, que ocupou o Cáucaso, clamou a seus oficiais para respeitar os muçulmanos e estarem atentos às implicações pan-islâmicas das ações da Wehrmacht: “Entre todos os grupos de exército, o grupo A foi o que avançou mais. Estamos diante dos portões do Mundo Islâmico. O que fazemos, e como nos comportamos aqui será transmitido para o Iraque, Índia, e tão longe quanto as fronteiras da China. Devemos estar constantemente cientes dos efeitos de longo alcance de nossas ações e inações.” Ordens semelhantes foram emitidas pelo general Erich Von Manstein na Criméia. Em sua ordem infame de 20 de novembro de 1941, que exigia que “o sistema judaico-bolchevista seja exterminado de uma vez por todas” e que se tornou um documento-chave usado pela procuradoria em Nuremberg após a guerra, Manstein clamou a suas tropas para tratar a população muçulmana bem: “Respeito pelos costumes religiosos dos tártaros maometanos deve ser obedecida.”

Em sua tentativa de controlar áreas da retaguarda estratégicas, os alemães fizeram uso extensivo das políticas religiosas. Eles ordenaram a reconstrução das mesquitas, salas de oração e instituições de ensino e o restabelecimento dos feriados religiosos. No Cáucaso, eles organizaram celebrações enormes ao final do Ramadã em 1942, do qual o mais notável aconteceu na cidade de Karachai de Kislovodsk. Sob o domínio soviético, os muçulmanos de Kislovodsk não poderiam atender abertamente o Eid al-Fitr e a celebração tornou-se um momento-chave da diferença entre o domínio alemão e soviético. Presenciada por um grande número de altos oficiais da Wehrmacht, ela incluiu orações, discursos e trocas de presentes; os alemães levaram armas capturadas e Alcorões. No centro de Kislovodsk, uma parada de cavaleiros karachai foi organizada. Atrás da tribuna honorária para os líderes muçulmanos e oficiais da Wehrmacht, um Alcorão de grandes dimensões feito de papel mache foi apresentado, mostrando duas citações em escrita árabe. Na página direita havia o shahada, a declaração de fé: “Não existe outro deus exceto Alá/Maomé é o Seu Profeta.” Na esquerda estava o popular verso corânico (61:13): “Ajuda de Alá/e uma vitória próxima virá”. Pregada acima do Alcorão estava uma enorme águia de madeira do Reich com uma suástica. Na Criméia, os alemães chegaram a estabelecer uma administração islâmica, os chamados “Comitês Muçulmanos”. No final, as esperanças de liberdade entre os muçulmanos das fronteiras soviéticas foram despedaçadas. As atitudes dos oficiais nazistas em relação à população muçulmana esfriaram quanto maior era o período de ocupação. Soldados comuns alemães, influenciados pela propaganda difamando os povos asiáticos da União Soviética como sub-humanos, não estavam preparados para lidar com os muçulmanos. Mesmo pior, após a retirada alemã, Stalin acusou as minorias muçulmanas de colaboração coletiva com o inimigo e ordenou sua deportação.

Panfleto alemão sobre o Islã

A situação nos Balcãs era novamente diferente. Quando os alemães invadiram e dissolveram a Iugoslávia em 1941, eles inicialmente não se envolveram nas regiões habitadas pelos muçulmanos, das quais as mais importantes eram a Bósnia e Herzegovina, caíram sob o controle do novo Estado croata ustasha. O regime ustasha, liderado pelo ditador fantoche de Hitler, Ante Pavelich, oficialmente tentou cortejar seus cidadãos muçulmanos, enquanto matava judeus e ciganos e perseguia os sérvios ortodoxos. A partir do início de 1942, contudo, a região tornou-se gradativamente engolida por um conflito grave entre o regime croata, os partisans comunistas de Tito e os sérvios chetnics ortodoxos de Mihailovich, que estavam lutando por uma grande Sérvia. A população muçulmana era repetidamente atacada pelas três facções. As autoridades ustasha empregaram unidades armadas muçulmanas para lutar tanto contra os partisans de Tito quanto contra as milícias chetnics. Logo, vilas muçulmanas tornaram-se objeto de ataques retaliatórios. O número de vítimas muçulmanas cresceu às dezenas de milhares. As autoridades ustasha fizeram pouco para prevenir esses massacres. Representantes da liderança muçulmana buscaram ajuda dos alemães, pedindo autonomia muçulmana sob a proteção de Hitler. Em um memorando de 1º. de novembro de 1942, eles declararam seu “amor e obediência” ao Führer e se ofereceram em lutar com o Eixo contra o “judaísmo, maçonaria, bolchevismo e os exploradores britânicos.” Diplomatas em Berlim ficaram excitados.

À medida que a guerra civil nos Balcãs fugiu ao controle, os alemães tornaram-se mais e mais envolvido com as áreas de população muçulmana. Em suas tentativas de pacificar a região, a Wehrmacht e, mais acentuadamente, a SS viram os muçulmanos como aliados bem-vindos e promoveram a Alemanha Nazista como protetora do Islã na Europa meridional. A campanha começou na primavera de 1943, quando a SS enviou o Mufti de Jerusalém em uma viagem para Zagreb, Banja Luka e Sarajevo, onde ele encontrou líderes religiosos e fez discursos pró-Eixo. Quando visitou a grande mesquita de Gazi Husrev Beg em Sarajevo, ele fez um discurso tão emocionado que algumas pessoas caíram em lágrimas. Nos meses seguintes, os alemães lançaram uma campanha maciça de propaganda religiosamente carregada. Simultaneamente, eles começaram a se envolver mais intimamente com dignitários e instituições islâmicas, já que eles acreditavam que os líderes religiosos mantinham grande influência sobre o povo. Os muçulmanos estavam formalmente sob a autoridade do conselho mais alto religioso, o Ulema-Medzlis, e funcionários nazistas repetidamente consultavam seus membros e tentavam cooptá-los. Muitos líderes muçulmanos esperavam que os alemães os ajudariam a fundar um Estado islâmico. Logo, contudo, tornou-se claro que a Wehrmacht e a SS não seriam capazes de pacificar a região; ao mesmo tempo, o apoio alemão à população muçulmana alimentou o ódio partisan e chetnic contra eles. A violência escalou. No final, um quarto de milhão de muçulmanos morreu no conflito.

Quando a maré da guerra voltou-se contra o Eixo a partir de 1941, a Wehrmacht e a SS recrutaram dezenas de milhares de muçulmanos, incluindo bósnios, tártaros criméios e muçulmanos do Cáucaso e Ásia central – principalmente para salvar sangue alemão. Os soldados muçulmanos lutaram em todas as frentes, eles foram colocados em Stalingrado, Varsóvia e na defesa de Berlim. Os oficiais do exército alemão garantiam a esses recrutas uma grande variedade de concessões religiosas, levando em conta o calendário islâmico e as leis religiosas, tal como as exigências dietéticas. Eles inclusive liberaram o ritual do sangramento, uma prática que foi proibida por razões antissemitas pela lei de Hitler da proteção de animais de 1933[3] Um papel central nas unidades foi retratado pelos imãs militares, que eram responsáveis não somente pela saúde espiritual, mas também pela doutrinação religiosa. Quando falou a membros do partido nazista sobre o recrutamento de muçulmanos na SS em 1944, Himmler explicou que o apoio do Islã tinha apenas motivos pragmáticos: “Não tenho nada contra o Islã, porque ele educa os homens nesta divisão para mim e promete o paraíso a eles quando eles lutam e são mortos em combate. Uma religião prática e atraente para soldados!” Após a guerra, muitos muçulmanos que lutaram nas unidades alemãs, especialmente aqueles da União Soviética e Balcãs, enfrentaram uma retaliação brutal.

O envolvimento dos alemães com muçulmanos não era de modo algum harmonioso. As políticas nazistas em relação ao Islã, como elaboradas pelos burocratas em Berlim, regularmente se chocavam com as realidades do campo de batalha. Nos primeiros meses após a invasão da União Soviética, os esquadrões da SS executaram milhares de muçulmanos, especificamente prisioneiros de guerra, pensando que sua circuncisão significasse que eram judeus. Um encontro de alto nível da Wehrmacht, SS e o Ministério do Reich para os Territórios Orientais Ocupados foi realizada no verão de 1941, na qual o coronel Erwin Von Lahousen, que representou Wilhelm Canaris, o chefe da inteligência da Wehrmacht, teve uma discussão acalorada com o chefe da Gestapo Heinrich Müller sobre estas execuções. Em particular, a seleção de centenas de muçulmanos tátaros que foram enviados para “tratamento especial” porque eles foram confundidos com judeus, foi levantado. Müller calmamente reconheceu que a SS havia cometido alguns erros a esse respeito. Era a primeira vez, ele afirmou, que ele havia ouvido falar que muçulmanos também eram circuncidados. Umas poucas semanas depois, Reinhard Heydrich, o chefe do Departamento de Segurança do Reich da SS de Himmler, enviou uma ordem alertando as Forças-Tarefa da SS para serem mais cuidadosas: “A circuncisão e aparência judaica não constituem prova suficiente da descendência judaica.” Muçulmanos não deveriam ser confundidos com judeus. Nas áreas ocupadas por muçulmanos, outras características, como nomes, deveriam ser levados em consideração.

Nas fronteiras meridionais da União Soviética, porém, os esquadrões da morte nazistas ainda tinham dificuldades de diferenciar muçulmanos de judeus. Quando o Einsatzgruppe D começou a matar a população judaica do Cáucaso e Criméia, ela encontrou uma situação especial em relação a três comunidades judaicas que estavam há muito tempo convivendo com a população muçulmana e eram influenciados pela cultura islâmica: os Caraites e os krimchaques na Criméia e os Tat-judeus, também conhecidos como “judeus das montanhas”, no Cáucaso meridional[4].                        

Na Criméia, os oficiais da SS ficaram intrigados quando encontraram os Caraitas e Krimchaques de língua turca. Ao visitar Simferopol em dezembro de 1941, dois oficiais da Wehrmacht, os majores Fritz Donner e Ernst Seifert, relataram que era interessante notar que: “Uma grande parte destes judeus da Criméia é de fé maometana, enquanto também existem grupos raciais do Oriente Próximo de caráter não semita que, curiosamente, adotaram a fé judaica.” A confusão entre os alemães sobre a classificação dos Caraitas e Krimchaques  que eram, de fato, ambas comunidades judaicas, foi surpreendente. No final, os Caraitas foram classificados como turcos e poupados, enquanto os krimchaques foram considerados etnicamente judeus e mortos. De acordo com Walter Gross, chefe do Departamento Racial do NSDAP (Partido Nazista), os caraitas foram excluídos da perseguição por causa de sua relação próxima com os tártaros muçulmanos aliados.

No Cáucaso, representantes dos Tat-judeus, uma minoria de ancestralidade iraniana, levou seu caso às autoridades alemãs. A SS iniciou investigações, visitando casas, participando de celebrações e pesquisando os hábitos da comunidade. O Oberführer da SS Walter Bierkamp, então chefe do Einsatzgruppe D, pessoalmente visitou uma vila dos “judeus da montanha” na área Nalchik. Durante esta visita, os judeus Tat foram extremamente hospitaleiros e Bierkamp encontrou que, fora sua religião, eles não tinham nada a ver com judeus. Ao mesmo tempo, ele reconheceu a influência islâmica, já que os Tats também praticavam relações poligâmicas. Bierkamp imediatamente deu ordens que esses povos não fossem perseguidos e que, no lugar de “judeus das montanhas”, o termo “Tats” fosse usado.

Em outras zonas de guerra, analogamente, as autoridades nazistas e seus colaboradores locais enfrentaram dificuldades em distinguir entre judeus e muçulmanos, particularmente nos Balcãs. A posição privilegiada dos muçulmanos (e, de fato, católicos) no Estado ustasha parecia, para muitos judeus, oferecer uma oportunidade para evitar a perseguição. Logo, muitos tentaram escapar da repressão e deportação por meio da conversão ao Islã. Somente em Sarajevo, cerca de 20% da população judaica deve ter convertido ao Islã ou ao catolicismo entre abril e outubro de 1941; dada sua circuncisão, muitos acharam mais fácil a opção do Islã. No outono de 1941, as autoridades utasha finalmente intervieram, proibindo estas conversões e mesmo aqueles que já haviam se convertido ainda não estavam a salvo da perseguição já que era a raça, e não a religião, que definia o judaísmo na visão dos alemães e dos burocratas utasha. Mesmo assim, um número de judeus convertidos e não-convertidos conseguiu fugir do país disfarçados de muçulmanos; alguns deles – homens e mulheres – vestindo roupas típicas.

Finalmente, o assassinato dos ciganos europeus envolveu os muçulmanos diretamente. À medida que os alemães começaram a varrer os territórios ocupados da União Soviética, eles logo encontraram muitos ciganos muçulmanos. De fato, a maioria dos ciganos na Criméia eram islâmicos. Eles tinham, por séculos, sido assimilados pelos tártaros, que agora mostravam solidariedade extraordinária para com eles. Os representantes muçulmanos enviaram várias petições aos alemães pedindo a proteção aos seus correligionários ciganos. Apoiados pelos tártaros, muitos ciganos muçulmanos pensaram em se passar por tártaros para escapar da deportação. Alguns usaram o Islã. Um exemplo foi do cerco aos ciganos em Simferopol em dezembro de 1941, quando aqueles capturados tentaram usar símbolos religiosos para convencer os alemães que sua prisão era um erro. Uma testemunha anotou em seu diário:

Os ciganos chegaram em massa em carruagens ao prédio Talmud-Torá. Por algum motivo, eles ergueram uma bandeira verde, o símbbolo do Islã, e colocaram um mulá[5] à frente da procissão. Os ciganos tentaram convencer os alemães de que eles não eram ciganos; alguns afiramaram ser tártaros, outros turcos. Mas seu protesto foi ignorado e todos foram colocados dentro do grande prédio.

No final, muitos ciganos muçulmanos foram mortos, mas como os alemães tinham dificuldade em distinguir o muçulmano cigano do muçulmano tártaro, alguns – cerca de 30% - sobreviveu. Durante seu interrogatório no Julgamento dos Einsatzgruppen em Nuremberg, quando perguntado sobre a perseguição aos ciganos na Criméia, Ohlendorf[6] explicou que a varredura foi prejudicada pelo fato de que muitos ciganos compartilhavam da mesma religião dos tártaros da Criméia: “Esta era a dificuldade, pois alguns dos ciganos – senão todos eles – eram muçulmanos, e por este motivo dedicamos grande importância ao assunto em não ter problemas com os tártaros e, portanto, pessoas foram empregadas nesta tarefa que sabiam os lugares e os povos.”

Os muçulmanos dos Balcãs também foram afetados pela perseguição aos ciganos, já que muitos deles tinham fé islâmica. Quando os alemães e seus aliados utasha começaram a perseguir a população cigana, eles inicialmente alvejavam o grande assentamento de muçulmanos ciganos da Bósnia e Herzegovina, os chamados “ciganos brancos”. No verão de 1941, os ciganos muçulmanos reclamaram às autoridades religiosas islâmicas sobre sua discriminação. Uma delegação de representantes muçulmanos solicitou às autoridades que os ciganos muçulmanos deveriam também ser considerados parte da comunidade muçulmana e que qualquer ataque a eles seria considerado um ataque à própria comunidade islâmica. Ansiosos em cortejar os muçulmanos, diplomatas ustasha e alemães eventualmente excluíram os ciganos muçulmanos da perseguição e deportação. Quando lançaram suas políticas pró-muçulmanas, os burocratas alemães não tinham considerado que o grupo populacional (racialmente definido), “muçulmanos”, que eles tentavam conseguir como aliados, poderia conter grupos populacionais (racialmente definidos), judeus e ciganos, que deveriam ser perseguidos.

Nos últimos meses de Guerra, Escondido no bunker de Berlim, Hitler lamentou que as tentativas do Terceiro Reich em mobilizar o mundo islâmico tenham falhado, já que eles não eram fortes o bastante. “Todo o Islã vibrou com as notícias de nossas vitórias e os muçulmanos estavam preparados para erguer em revolta,” ele disse a seu secretário, Martin Bormann. “Um movimento poderia ter sido incitado na África do Norte que teria agitado o resto do mundo islâmico. Apenas pense no que poderíamos ter feito para ajudá-los, mesmo para incitá-los, assim como poderia ter sido feito para nossa missão e interesse!”

No final, as tentativas alemãs de tornar os muçulmanos aliados foram menos bem sucedidas do que os estrategistas de Berlim haviam calculado. Eles foram mobilizados muito tarde e enfrentaram as duras realidades da guerra. Mais importante, as afirmações do Terceiro Reich de que ele protegia a fé careciam de credibilidade, já que muitos muçulmanos nas zonas de guerra estavam cientes de que eles serviam a interesses políticos profanos. Os alemães também falharam em incitar um levante maior muçulmano contra os aliados. Apesar de dezenas de milhares de muçulmanos tenham sido recrutados nos exércitos nazistas, no final, os britânicos, franceses e soviéticos foram mais bem sucedidos em mobilizar suas populações islâmicas: centenas de milhares lutaram contra a Alemanha nazista. Somente da África do Norte francesa, quase um quarto de milhão. Os muçulmanos se alistaram nas forças de de Gaulle, tomando parte na libertação da Europa.  


Notas:

[1] Cirenaica é o nome da costa oriental da moderna Líbia, uma referência à cidade mais importante da região na antiguidade, Cirene.

[2] Em 1843, Muhammad ibn Ali al-Sanusi fundou a Ordem Sanusi, que era um movimento que pregava o renascimento islâmico, defendendo uma visão austera, um retorno ao islamismo simples e ortodoxo pregado por Maomé, em oposição ao sufismo, que tinha grande presença na região.

[3] Ver tópico “Animais no Terceiro Reich: Política de Proteção e Holocausto”

 

http://epaubel.blogspot.com.br/2014/12/pol-animais-no-terceiro-reich-politica.html

 

[4] Caraísmo é uma religião abraâmica que defende a crença única e absoluta em Deus e que sua revelação única foi dada através de Moisés na Torá (que não admite adições ou subtrações) e nos profetas da Tanakh. Confiam na Providência divina e esperam a vinda do Messias e a Ressurreição dos Mortos. Seguem um calendário baseado no Abib* e com início de mês na lua nova vísivel.

 

* Nissan é o nome dado ao primeiro mês do calendário judaico religioso (sétimo mês do calendário civil), que se inicia com a primeira Lua nova da época da cevada madura em Israel. O nome Nissan tem origem babilônica: na Torá o nome do mês é Abib.

 

Como a maioria das línguas de judeus, o Krymchak apresenta muitas palavras originárias da língua hebraica.. Antes da era da União Soviética era escrita com o alfabeto hebraico. Durante o domínio soviético nos anos 1930 foi escrita com o alfabeto turcomano uniforme, uma variante do alfabeto latino, como ocorreu com a língua tártara da Crimeia e com o Karaim. A comunidade judaico-Krimchaque” foi dizimada durante o Holocausto nazista. Quando em 1944 a maioria dos Tártaros da Crimeia foi deportada para o Uzbequistão soviético, muitos dos falantes do Krimchaque estavam entre essas pessoas e alguns ficaram nessa nação. Hoje a língua está praticamente extinta.

 

Juhuri é a língua tradicional dos Judeus das montanhas do leste da cordilheira do Cáucaso, especialmente no Azerbaijão e no Daguestão (Rússia), hoje língua que é falada mais em Israel. A língua é relacionada com o Persa e pretence ao grupo sudoeste das línguas iranianas, divisão das línguas indo-européias. A Tat, é uma língua bem similar, mas é outra língua que é falada pelo povo Tat, muçulmanos, um grupo com o qual os Judeus da Montanha foi confundido de forma equivocada durante a era da história da União Soviética. Os termos Juhuri e Juhuro são literalmente traduzidos como "Judeu" .

[5] Mulá é geralmente usado para se referir a um homem muçulmano, educado na teologia islâmica e na lei sagrada.

[6] Otto Ohlendorf (1907 – 1951) foi um oficial alemão que serviu na SS nazista com a patente de Gruppenführer e também foi chefe da Inland-SD (responsável pela inteligência e pela segurança interna), uma subdivisão da Sicherheitsdienst (SD). Ohlendorf foi comandante da Einsatzgruppe D, que perpetrou vários assassinatos e outras atrocidades na Moldávia, no sul da Ucrânia, na Crimeia e, durante 1942, no norte do Cáucaso russo. Por estas ações, Otto Ohlendorf foi considerado uma das figuras mais proeminentes do Holocausto. Em 1951, ele foi condenado e executado por crimes de guerra e contra a humanidade cometidos durante a Segunda Guerra Mundial.

 



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Negociando com o demônio

 

http://epaubel.blogspot.com.br/2015/03/hol-negociando-com-o-demonio.html

3 comentários:

Anônimo disse...

Consta que os guardas dos campos de extermínio nazistas chamavam os prisioneiros alquebrados pela má alimentação e trabalho pesado excessivo de 'muselmänner' (muçulmanos), o que indica que na verdade não viam o islamismo com simpatia:

https://en.wikipedia.org/wiki/Muselmann

Unknown disse...

SENSACIONAL sua pesquisa e agradeço por compartilhar toda essa informação! Estou escrevendo um artigo sobre a islamização do ocidente e citarei seu blog como fonte em meu site, onde publico a REVISTA ELETRÔNICA. Vamos nos unir para dar mais visibilidade a esta parceria entre o islã e os NEONAZI europeus!
Abraço.

Emerson Paubel disse...

Olá, obrigado por gostar do artigo. Porém, existe uma diferença entre o apoio ao Islã pelos nazistas e a atual islamização do Ocidente. No primeiro caso, os nazistas usaram os muçulmanos como recurso militar e político; a intenção era fortalecer o nacionalismo desses povos dentro da União Soviética e na África do Norte para enfraquecer, respectivamente, o governo de Stalin e o Império Britânico. A islamização do Ocidente é outra coisa, é a tomada gradativa dos países europeu e dos países de língua inglesa por hordas de refugiados muçulmanos e africanos; neste caso, a islamização ocorre por culpa dos próprios europeus e anglo-saxões que foram tomados pela ideologia do Politicamente Correto, que colocou na cabeça de todo mundo que os brancos são culpados por toda a desgraça atual.