A Europa, tal como a conhecemos, está condenada a
desaparecer? Pelo que apresenta em seu conjunto, o novo livro do jornalista
Douglas Murray mostra que, do ponto de vista cultural, o continente é um
suicida que não pretende interromper o seu intento de tirar a própria vida.
São as elites políticas e intelectuais as
responsáveis pela Estranha Morte da Europa que
dá título ao livro, análise que se concentra nos problemas da imigração,
identidade e Islã. Que a edição portuguesa publicada
pela editora Saídas de Emergência tenha substituído “Islã” por
“religião” no subtítulo só atesta a tese do autor.
Decretos de morte de uma cultura, de uma nação, de
uma ideologia, não são novidades na história intelectual. O que Murray faz no
livro é mostrar as tentativas recorrentes de suicídio da cultura europeia
perpetradas por pessoas que odeiam o capital cultural dos seus próprios países
e que, quando ascendem ao poder ou conquistam alguma influência, são
implacáveis no seu intento.
Talvez a forma mais rápida e eficaz de fazê-lo seja
por meio de políticas públicas e pela legitimação intelectual destinadas a promover
imigração descontrolada de muçulmanos que odeiam a Europa tanto quanto aquelas
elites políticas e intelectuais, que na Inglaterra, país de Murray, são
representadas pelos trabalhistas (com destaque para o governo de Tony Blair) e
seus apoiadores e, na Alemanha, por Angela Merkel, a líder do governo que tem
sido protagonista na aceitação irresponsável da imigração em massa para a
Europa.
Num artigo que escrevi para a Gazeta
do Povo em março de 2017, citei a confissão do jornalista conservador Peter Hitchens, um
ex-marxista que colaborou na criação do problema, segundo a qual a esquerda
britânica incentivou o multiculturalismo e apoiou a imigração em massa de
pessoas oriundas de países muçulmanos não porque gostasse dos imigrantes, mas
porque não gostava da Grã-Bretanha.
Sem atacar a imigração per se, mas um tipo específico
de política imigratória, Murray, mostra, no entanto, que se é verdade que
governos trabalhistas foram decisivos, governos conservadores foram omissos e
pagaram para ver. Como escrevi àquela altura, sucessivos
governos Tory e Labour ignoraram a profundidade e os perigos da
questão – ou não quiseram assumir os riscos políticos de propor uma solução
enérgica. O resultado foi catastrófico: diversos atentados terroristas, 3 mil
muçulmanos suspeitos eram monitorados 24 horas por dia e, desde 2016, é alta a
probabilidade de ocorrer ataques no Reino Unido.
A morte cultural da Europa tal como a conhecemos
tem sido justificada com base na tirania da culpa. Segundo Murray, “os europeus
de hoje esperam, muito antes de alguém levantar a questão, suportar uma culpa
histórica específica que compreende não só a culpa da guerra, e especificamente
a culpa do Holocausto, mas todo um leque de culpas anteriores”, que incluem “a
culpa permanente do colonialismo e do racismo” (p. 161 da edição portuguesa).
Em Portugal, onde estou há 20 dias, os preparativos
para o suicídio vêm sendo organizados gradualmente. A grande questão não é
(ainda) a imigração islâmica, mas os inimigos internos (e externos) da tradição
e cultura portuguesas.
Um debate motivado pela tirania da culpa foi sobre
o espaço em Lisboa que se chamaria Museu das Descobertas. A rejeição barulhenta
de uma minoria estridente com força política e acadêmica levou à mudança do
nome. O museu deverá se chamar “A viagem”, nome que certamente
atrairá aqueles que só tinham como destino final a cidade de Amsterdã.
Os mais de cem acadêmicos de Portugal e de outras
partes do mundo (incluindo professores brasileiros da USP, Unicamp, UFBA e
UFF), que usaram o prestígio de suas credenciais para legitimar o objetivo
comum, rejeitaram o nome porque este designaria uma “incorrecção histórica”.
Num abaixo-assinado sobretudo ideológico, representação
inequívoca da “culpa permanente do colonialismo” citado por Murray, os
acadêmicos não escondem a que vieram:
Apesar do vocábulo
‘descobrimento’, no singular e no plural, ter sido utilizado nos séculos XV e XVI
para descrever o facto de se terem encontrado terras e mares desconhecidos na
Europa, a verdade é que, na quase totalidade dos casos, ele apenas se refere à
percepção da realidade do ponto de vista dos povos europeus. É inquestionável
que Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia, para quem, naquela
altura, vivia na Europa Ocidental. Precisamente porque um dos aspectos que
resultou deste e de outros episódios de ‘expansão’ foi o contacto entre povos
de culturas muito diversas, é que é tão importante considerar o ponto de vista
e a percepção de todos os envolvidos. Para os não europeus, a ideia de que
foram ‘descobertos’ é problemática.
No fundo, eles querem que Portugal deixe de ser o
que é ao renegar a sua história, que, como toda história, é constituída por
elementos positivos e negativos. Rejeitar um termo historicamente consolidado
que descreve o passado é promover uma higienização histórica, intelectual e
linguística que passa por uma autoimolação destinada a prestar contas da parte
menos nobre do que aconteceu.
O que essas pessoas sabem e rejeitam é que Portugal
é o que é – e a Europa é o que é – também pelos erros que foram cometidos e
cujas responsabilidades não podem ser atribuídas à sociedade do presente. Os
equívocos devem servir de aprendizado, não como justificativa idiota para
posições estúpidas.
Os abortistas também fazem parte do grupo dos
inimigos internos de Portugal. Mesmo num país católico, conseguiram em 2007 o
apoio político e a anuência de parte da sociedade para aprovar em plebiscito, e
depois no Parlamento, a legalização do aborto. Desde então, além das hipóteses
já previstas em lei (má formação do feto, estupro e risco de morte para a mãe),
o abortou passou a ser permitido até as dez primeiras semanas de gravidez por decisão
única da mulher sem que seja necessário apresentar qualquer justificativa que
não a vontade individual de se livrar do filho.
Outro exemplo de ataque à cultura católica
portuguesa foi a proposta para descriminalização da eutanásia. Em maio de 2018,
por pouco, o Partido Socialista (PS) e o Bloco de Esquerda (BE) falharam em
aprovar a mudança na lei. Não conseguiram os votos nem do Partido Comunista
Português, que ainda segue a antiga cartilha segundo a qual só um Estado
comunista deve ter o privilégio de matar. Para PS e BE, a perda da batalha não
significou, entretanto, a derrota na guerra. Os partidos já afirmaram a
disposição para recolocar o projeto em votação após as eleições de 2019.
Considerando a vitória no aborto, a aprovação da eutanásia não parece ser uma
luta tão difícil.
Os projetos sobre aborto e eutanásia são
importantes temas de políticas públicas dos partidos de esquerda porque se tem
uma coisa que socialistas e comunistas entendem é morte em grande escala. Se
conseguirem alterar por lei uma agenda contrária à Igreja Católica, conseguirão
mudar o comportamento e a mentalidade dos católicos portugueses sem que eles
sequer percebam.
A destruição da religiosidade, dos valores, das
tradições, da história, dos hábitos por meio de mudanças na lei do país atende
ao propósito de retirar quaisquer obstáculos à engenharia social que fundamenta
o projeto revolucionário. É fato: o assassinato da cultura católica num país
católico significará a morte de Portugal tal qual o conhecemos.
Se os portugueses quiserem saber antecipadamente
quais são as implicações culturais dessa revolução em curso basta olhar para o
Brasil de hoje, país cujo estranho suicídio cultural vem sendo tentado desde o
dia 15 de novembro de 1889. Felizmente, estamos a experimentar aqui e agora uma
reação cultural, ainda incipiente, mas que já tem dado frutos. Enquanto ainda
há tempo, que os portugueses aprendam conosco, precisamente, o que fazer e o
que não fazer.
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