Resumo do livro homônimo, publicado em
1932 [1]
O Método Dialético [2]
Dois
são os processos lógicos fundamentais que a razão humana emprega na descoberta
das leis naturais: o método indutivo, que institui os princípios, e o método
dedutivo, que deles tira as consequências.
O
único meio de dominar um mundo mutável permitindo-nos registrá-lo, a fim de que
possamos atuar sobre ele, é descobrir uniformidades sobre as quais possamos nos
apoiar, aí estabelecendo pontos fixos. É o que faz o pensamento real. Ele forma
conceitos dotados de significação fixos religados uns aos outros mediante
relações lógicas fixas e os aplica depois a um mundo que não é fixo. Infligem
ao mundo, assim, uma certa violência, falsificando-o de certo modo, mas
permitindo que nele nos orientemos. Um exemplo disso é a lei angular de Tales
ela nos mostra como podemos construir uma infinidade de triângulos diversos
apesar de não podermos construir no mundo real nenhum triângulo plano e
retilíneo.
O
aspecto do método da “postulação” que empregam os teóricos do Comunismo, e que
serve de base a todos os seus raciocínios, é chamado de dialética de Hegel. Semelhante método consiste em pretender-se
deduzir sem haver antes induzido os princípios fundamentais, mediante falsos
postulados. A dialética a que se filiam Hegel e tantos outros metafísicos peca
por excesso de subjetivismo só considerando como reais as ideias abstratas, das
quais os seres concretos não passam de meras cópias. A metafísica não tem
capacidade para construir coisa alguma, pois não procura as leis, que são o
único material possível de construção, limitando-se a discussões intermináveis
e estéreis acerca de questões insolúveis.
A
dialética de Hegel baseia-se num supremo postulado, arbitrariamente inventado,
segundo o qual tanto o subjetivo como o objetivo se baseiam na “identidade dos
contrários”. Assim, um fenômeno, bem como um pensamento qualquer, ao
realizar-se, tem de passar por três fases sucessivas, que são: a tese, a
antítese e a síntese. Na primeira fase (tese), há a afirmação da existência; na
segunda (antítese) dá-se uma segunda existência que se opõe à anterior e,
finalmente, na terceira fase (síntese) a afirmação e a negação se harmonizam numa
realidade superior às duas. Cada síntese torna-se, por sua vez, o ponto de
partida de uma nova tese, e assim indefinidamente. Por exemplo, tese: “a
cadeira é de madeira”; antítese: “a cadeira não é só feita de madeira”; e
síntese: “a cadeira é produto do trabalho humano com o auxílio de
instrumentos.” É esse falso pensamento dialético que tem exacerbado as
discórdias humanas, emprestando um aspecto frenético de lutas eternas.
Ora,
a ideologia hegeliana consiste em subordinar o espetáculo histórico à concepção
lógica de sua dialética, o que equivale subordinar o objetivo ao subjetivo. É
como se em lugar de subordinar o animal ao meio em que vive, pretendêssemos
fazer o meio físico ficar sujeito ao animal, que o transformaria ao seu bel
prazer.
É
assim que procede o falso método da postulação que, além de subordinar a
contemplação à meditação, ainda subordina a dedução à indução.
Foi
por processo semelhante a esse que Hegel e seus discípulos erigiram como
postulado arbitrário a dialética contraditória da tese, antítese e síntese, ao
invés do induzir para deduzir, a fim de construir. Disso decorre, por exemplo,
o falso postulado sociológico da luta inconciliável entre as classes sociais.
Marx,
depois de haver sido inteiramente hegeliano, sofreu a reação materialista de
Feuerbach, e caiu no exagero oposto, numa preponderância do objetivo sobre o
subjetivo, numa espécie de fatalismo cego em que o homem passa a ser um simples
joguete das forças materiais, nada podendo a vontade contra elas.
No
prefácio de sua obra “O Capital”, Marx caracteriza sua filosofia dizendo que
ele nada mais fez do que inverter a filosofia de Hegel, partindo da matéria
para o espírito e não o contrário, como praticava Hegel, mas conservando a
mesma evolução dialética em três tempos. Assim, em vez de ver na evolução
humana o contínuo aperfeiçoamento do sentimento, da inteligência e da
atividade, que continuamente se aprimoram, Marx, no drama da história, só
vislumbra a luta incessante oriunda do eterno choque dos antagonismos imaginários
de sua falsa dialética.
Segundo
Lênin, a lógica dialética ensina que não há verdade abstrata; toda verdade é
forçosamente concreta. Porém, a verdade é a harmonia entre nossas concepções
subjetivas e as impressões objetivas de onde aquelas necessariamente emanam. A
verdade é a hipótese mais simples, mais estética e mais altruísta. A verdade é,
pois, uma aproximação ideal da realidade. Assim, já foi uma verdade afirmar-se
que a Terra era plana; hoje, com os dados que possuímos, tal afirmação não
corresponde mais à verdade. A verdade concreta tem por guia, portanto, a
verdade abstrata, pois são as leis abstratas e gerais que dirigem nossas ações
quando passamos do abstrato para o concreto. Consequentemente, Lênin confundiu
abstrato com concreto e o objetivo com o subjetivo, não percebendo bem os
limites de separação dos dois domínios.
A
contradição é uma atitude mental que age acionada pelo instinto de destruição.
Ela está sempre em oposição à realidade ambiente e vê sempre branco o que é
preto. Assim sendo, vê-se como a contradição é o instrumento lógico para servir
à ação destruidora do Comunismo. Daí o sucesso da dialética contraditória de
Hegel, que é o seu instrumento ideal.
Essa lógica da contradição é posta ao serviço de vários postulados
errôneos, sem bases reais na observação dos fatos sociais, entre os quais estão
o dogma chamado “Materialismo Histórico”.
Materialismo Histórico
Preliminarmente,
é preciso notar que o que se pretende significar na expressão “materialismo
histórico” não é a história, simples narrativa dos acontecimentos humanos, ou
massa concreta dos fatos, mas sim uma pseudofilosofia da história, ou falsa
teoria sociológica, que reduz a evolução humana somente ao seu objeto de
atividade econômica ou material, apresentada como causa e não como efeito.
Segundo
Engels, “a concepção materialista da história baseia-se na ideia de que a
produção, a troca de produtos, os valores, etc., constituem o fundamento da
organização social toda. Em cada sociedade humana, a repartição das riquezas e
a formação das classes e dos estados na sociedade são o resultado do modo de
produção e de troca praticados pela mesma sociedade.”
Em
sua concepção da história, Marx só enxerga forças materiais, sempre em
contradição com aquilo que ele chama de “relações de produção”, resolvendo-se a
luta dessas duas entidades, tese e antítese, numa unidade superior, ou síntese,
que é a causa do movimento social. Vemos, assim, que tendo partido, em suas
origens hegelianas, do princípio que “o espírito é o único motor da história”,
chega Marx ao extremo oposto, tendo substituído essa suprema entidade pelas
forças materiais da produção, que passam a ser, então, o princípio motor da
história.
O
materialismo histórico procura explicar a evolução do organismo social como
resultando das transformações sucessivas de uma estrutura inicial de tal modo
que a sociedade futura deve ser formada de uma classe única, a classe
proletária. Esse “transformismo”[3] histórico é, assim, baseado no
transformismo biológico de Darwin. Apresentando as transformações das
sociedades como resultantes de uma luta pela sobrevivência fica claro que o
progresso depende da luta de classes. O estado revolucionário é apresentado,
portanto, não só como uma fatalidade, mas também como um benefício. Ao invés de
desenvolvimento, a transformação. Eis como se explica como o Comunismo
apresenta o transformismo, a luta das espécies, como um dogma científico. É que
pretende apresentar nela a luta de classes como um dogma científico e
inevitável.
Na
produção social dos seus meios de subsistência, os homens estabelecem relações
determinadas e necessárias, independentemente de sua vontade, relações de
produção que correspondem a uma fase do desenvolvimento definido de suas forças
produtivas, materiais. É o conjunto dessas relações de produção que forma a
estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma
superestrutura jurídica e política e a que correspondem formas definidas de
consciência. Não é a consciência dos homens que determina essa sua maneira de
ser; é essa maneira de ser social que determina a consciência dos homens.
Com
efeito, esse trecho encerra os três princípios fundamentais de Hegel, a saber:
1) Toda evolução
da sociedade humana é explicada pela ação de uma causa única, que são as forças
de produção, isto é, a vida material;
2) Os homens não
tem consciência dessa causa geral, apenas de suas repercussões posteriores nas
relações jurídicas, políticas, religiosas, etc., que constituem a
superestrutura da sociedade; e
3) Essa causa
única obedece a um processo de contradição lógica.
Todas
essas incongruências resultam, evidentemente, de querer resolver o problema
sociológico isolando-o do conjunto dos outros e, sobretudo, desconhecendo a
Moral, que é a ciência que estuda as leis que regem a natureza humana. Não é
isso o mundo às avessas, a completa inversão da ordem natural das coisas?
Não
pode haver atividade industrial regular senão baseada numa arte técnica, a
qual, por sua vez, repousa numa teoria científica. Ora, como quem constrói as
teorias é a inteligência e não a força, segue-se que é a ação que fica
subordinada à mente, e não o contrário, como afirma Marx quando diz: “o modo de
produção dos meios de subsistência condiciona o processo da vida social,
política e espiritual.”
Dizer,
pois, que a sociedade humana é um simples agregado de negócios e atividades
materiais é o mesmo que reduzir o homem a um mero mecanismo destituído de
sentimento e de inteligência. Assim, Marx inverte arbitrariamente a natureza
humana ao afirmar que “não é a consciência dos homens que determina sua maneira
de ser, mas pelo contrário, é a sua maneira de ser social que determina sua
consciência.”
Marx
afirma que as transformações materiais das condições de produção são
inconscientes, como resultante da ação de forças externas ao homem, por obra de
um meio social óculo e ideológico, uma espécie de entidade onipotente e
distinta capaz de formar a consciência do homem. Tais modificações da vida
econômica só chegam ao conhecimento do homem quando o conflito explode entre o
capital e o trabalho. A verdade é, porém, que quando um conflito explode
encontramos formas antagônicas de egoísmo - isto é, o sentimento de amor
próprio – pelo choque de interesses pessoais. A origem dos conflitos humanos é,
portanto, de ordem moral e não a atividade econômica que condiciona o
sentimento.
É
o maior dos absurdos reduzir os fenômenos sociológicos aos simples fatos
econômicos. A evolução humana não pode ser bem compreendida senão quando
apreciada no seu tríplice aspecto moral, intelectual e prático. É justamente o
contrário do que pretendem Marx e Engels com o materialismo histórico. Aí fica
tudo subordinado ao empirismo prático. Não se pode, portanto, senão
abusivamente, isolar a influência de qualquer uma das duas forças propulsoras (inteligência
e atividade) do movimento humano (fenômenos sociais).
Progresso
Em
sua célebre “Carta a Lassale”[4], Marx preconiza o darwinismo como sendo a
maior confirmação de suas teorias, enquanto Engels, na introdução de “O
Manifesto Comunista”, de 1880, declara peremptoriamente que a teoria de Marx
está para história assim como a teoria de Darwin está para a biologia.
Dessa
doutrina (darwinismo) é que o Marxismo tira sua falsa noção de progresso
humano, apresentando como resultado de um “transformismo social” uma luta
necessária entre as classes. O evolucionismo materialista vê na progressão
social uma transformação completa e radical, de modo que cada fase desaparece à
medida que transmutasse para a seguinte, tal como se supõe na biologia, onde
cada espécie desaparece ao transmutar-se para outra mais elevada. O erro fatal
seria apresentar o progresso da sociedade humana como o resultado de uma luta,
isto é, proveniente do instinto destruidor. Pelo contrário, é evidente que só o
contínuo crescimento da sociabilidade (altruísmo) pode explicar o progresso.
É
dessa monstruosa concepção do desaparecimento dos estágios anteriores, anulados
na transformação, que emana o desprezo e o ódio ao passado. O passado, porém,
não desaparece. Vive em nós, no sangue e nas forças da hereditariedade, em
virtude das quais transmitiremos ao futuro todos os aperfeiçoamentos que
herdamos. Daí essa crença alucinada no poder miraculoso dos cataclismos sociais
como meio único de transformar a sociedade atual numa outra, inteiramente
diferente.
Falando
desse estado futuro da sociedade, diz Lênin: “Assim que estiver realizada a
igualdade de todos por intermédio de quais etapas e medidas práticas atingirá a
humanidade esse objetivo ideal, nós não sabemos e não poderemos saber.”
Eis
aí a formal confissão da completa ignorância do futuro na boca do “sábio”
Lênin! Não é acirrando ódios irracionais e espicaçando as forças antissociais
do egoísmo, em suas várias modalidades, que se conseguirá atingir o progresso
necessário. O problema social só pode ser resolvido mediante o desenvolvimento
do altruísmo, do sentimento social, de modo que todos, patrões e operários,
sintam que estão concorrendo para o bem-estar geral. Responde, em nossos dias,
Henry Ford na seguinte reflexão de ordem moral: “O que é a prosperidade? É um
período de tempo em que um maior número de pessoas se sente bem. Esse bem-estar
geral, e não o lucro auferido pela indústria, é que indica a prosperidade.”
Se
a sociedade humana apresenta seres coletivos, como a família, a pátria ou a
humanidade, é que existe também forçosamente uma força especial de coesão que
vincula os seres humanos uns aos outros. Essa força é o altruísmo. Jamais
poderia ser o egoísmo, que é o amor próprio de cada um, uma força de repulsão.
E uma das modalidades de egoísmo é o instinto destruidor que impele à luta como
pretendem os comunistas. Não resiste, pois, à mínima análise essa extravagância
de se atribuir à luta o mérito de ser o dínamo do progresso humano.
A
ideia central do Comunismo moderno, tal qual detalhada por Lênin em “O Estado e
a Revolução”, é a seguinte: o Estado é o produto e a manifestação do
antagonismo inconciliável das classes. Esse raciocínio troglodita denuncia
imediatamente a ideia monista[5] de transformação regressiva à unidade – isto
é, a redução de todas as classes a uma única, o proletariado – e a ideia de
luta como condição imprescindível àquela transformação.
Todo
esse frenesi de mudar sempre, embora para pior, é característica das épocas de
anarquia. O verdadeiro movimento evolutivo marcha sempre num mesmo sentido, que
é o do aperfeiçoamento. A anarquia contemporânea, antes de ser material, é
sobretudo moral e mental. É preciso, pois, para remediá-la, modificar o cérebro
humano, desenvolvendo os bons sentimentos. Pretender resolver tudo com medidas
políticas, legislativas e eleitorais é pura ilusão. A questão é cerebral, é
moral, isto é, afetiva.
Igualdade e Liberdade
Do
mesmo quilate é o falso postulado da igualdade, que não resiste à mais leve
análise. Não é possível ser-se comunista sem se adotar a igualdade como axioma.
É que ser comunista e não aceitar a igualdade é como alguém dizer-se católico e
não acreditar em Deus.
É
um erro confundir igualdade com equidade ou justiça. A verdadeira equidade
consiste justamente em tratar desigualmente seres que são desiguais. As
injustiças sociais não residem nas desigualdades inevitáveis, que existem e
sempre existirão, mas sim em pretender nivelar arbitrariamente essas mesmas
desigualdades, retribuindo com a mesma moeda os que merecem e os que não
merecem. A verdadeira igualdade é a moral. É a igualdade moral de todas as
funções em virtude de sua utilidade social.
E
tal é a obsessão por esse falso postulado de uma “igualdade” inexistente que
até já se prega a igualdade dos sexos, desconhecendo-se as diferenças
biológicas, sociais e morais, tão patentes entre homem e mulher. Só numa época
de profunda anarquia, como a atual, seria possível ver a mulher pleitear o seu
próprio desnivelamento como se isso fosse uma ascensão!
Qualquer
que seja o disfarce sob o qual se apresente o espírito revolucionário moderno –
Comunismo, Socialismo, Coletivismo, Anarquismo, Fascismo – gira ele em torno da
escola filosófica de Voltaire e da escola política de Rousseau: uma cética,
proclamando a liberdade; a outra, anárquica, voltada à igualdade. Todavia, a de
Rousseau logo tornou-se dominante por ser a única a possuir uma doutrina,
embora aparente, durante os poucos anos em que “O Contrato Social” inspirou
mais confiança do que a Bíblia.
Essa
famosa obra, onde Rousseau pretende provar que as instituições civis e
políticas da sociedade humana resultaram de um pacto voluntário e bilateral
entre o Estado e a população. É na explanação dessa tese que Rousseau institui
o famoso postulado da igualdade humana, onde incide no erro de pretender fazer
distinções entre as leis naturais e leis civis, desconhecendo que os fenômenos
humanos, como quaisquer outros, só são regidos por leis naturais, nas quais a
vontade só intervém no domínio restrito da intensidade e não na substância da
própria lei, ou como Montesquieu explicou: “As leis, na sua significação mais
ampla, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; neste
sentido, todos os seres têm as suas leis.”
Efetivamente
colocado diante da desigualdade geral, que é o fato natural, viu Rousseau que
só poderia encontrar a “igualdade” no passado mais remoto, na vida primitiva do
homem pré-histórico. Para dar esse salto no abismo, ele teve de pintar o homem
primitivo como um anjo de candura, a fruir contente as delícias da vida
edênica, com o agravante de apontar à espécie humana, como ideal de futuro, o
regresso a esse estado selvagem inicial, de completa igualdade material. A
verdade é, porém, que a única igualdade realmente existente é a igualdade
moral, isto é, a igualdade de todos perante o dever de cada um. É a igual
dignidade de toda e qualquer função social ao regular o funcionamento do
organismo coletivo.
Outra
das vantagens que Rousseau aponta ao regresso à vida selvagem, além da igualdade
niveladora, é a da liberdade absoluta. Um erro muito generalizado é supor-se
que um animal solto é mais livre que o homem civilizado, pois que a vida em
sociedade facultou um maior desenvolvimento de suas faculdades. Não se deve
confundir, portanto, a liberdade absoluta, ou “livre arbítrio”, com a
verdadeira liberdade, sempre relativa, ou ligada às leis que a regem. Sem leis,
isto é, sem estradas que possamos seguir, o que resta é o caos. Ademais, mesmo
que pudesse existir a tal liberdade absoluta, ela não seria assim tão
“absoluta”, pois o mais homogêneo dos rebanhos não dispensa os serviços de um
pastor.
A
liberdade, como a entende o Comunismo, arrasta à ideia anárquica do progresso
ilimitado e vago; é a insurreição do egoísmo, não só contra o passado, mas
também contra o presente, reagindo em nome do “direito” individual contra os
deveres sociais que lhe incumbem. Daí a repercussão que encontra nas massas
ignorantes e rudes a incitação à destruição, à pilhagem e a todas as
manifestações da bestialidade egoísta. É que há uma cachaça pior do que a
alcoólica: é a cachaça verbal, que embriaga a inteligência e deleita aos
sentidos, mascarando com a música e o esplendor do verbo as mais monstruosas
ideias.
Em
resumo, a antiga fórmula revolucionária: liberdade, igualdade e fraternidade da
Revolução Francesa de 1789, deve ficar reduzida à última, que sintetiza sozinha
o altruísmo, sinônimo de liberdade, e a legítima igualdade, que é a de todos
perante o dever social de cada um.
Luta de Classes / Capital e Trabalho /
Propriedade
A
existência social, como mostrou Aristóteles, repousa simultaneamente na divisão
de ofícios e na convergência dos esforços. Deste modo, não são absolutamente
inconciliáveis, como afirma o Comunismo, os antagonismos existentes entre as
classes produtoras, isto é, entre o Capital e o trabalho.
Esse
pseudodeterminismo econômico, que é o eufemismo sob o qual os comunistas
mascaram a obsessão diabólica da fatalidade irremovível desse antagonismo, é
uma consequência da deformação mental que lhes imprimiu ao cérebro o hábito de
raciocinar segundo as arestas anavalhadas da dialética contraditória de Hegel,
que só estimula o antagonismo. A verdade é que os comunistas, coerentes na sua
obtusa cegueira, chegam até a negar a existência da família, da pátria e da
humanidade.
Para
dominar a Natureza, o homem precisa obedecer as leis físicas respectivas. Além
disso, ainda necessita se organizar internamente. A lei que preside essa
atividade prática, segundo Aristóteles, é a divisão de ofícios (independência)
seguida da convergência de esforços coletivos (concurso). De fato, se
observarmos uma fábrica de automóveis, cada operário faz uma peça diversa sem
saber, às vezes, a sua serventia e sem conhecer o que fazem os milhares de
outros operários. Esse conjunto de ofícios constitui aquilo que se chama de
indústria, que é a ação real e útil do homem sobre a Terra, para dela tirar
tudo aquilo de que necessita.
A
indústria moderna, ou grande indústria, originou-se da multiplicação do uso das
máquinas. Assim, ao passo que a antiga indústria (artesanato) era
individualista e trabalhava segundo encomendas que ia recebendo, a grande
indústria (após o século XVIII) torna-se cada vez mais coletiva, tendo que
acumular estoques na previsão de futuras demandas locais ou internacionais.
Dessas
imperiosas circunstâncias de ter de produzir indefinidamente em grandes massas
padronizadas, originou-se a necessidade de separarem-se os empreendedores ou
gestores da massa geral dos trabalhadores. A luta entre essas duas partes, uma
incumbida da execução e a outra da direção, é motivada pela mútua incompreensão
dos respectivos deveres sociais. A solução é moral e não material, como prega o
Comunismo, o qual acirra o ódio e complica cada vez mais a questão que pretende
resolver. Notemos que há ainda a necessidade de uma outra direção geral, de
atuação maior, que abranja todos eles, conciliando-os convenientemente, para
obter a sinergia de ação comum: o poder público.
A
luta entre o Capital e o trabalho não terá como solução este último engolir o
primeiro e as outras classes, inclusive o governo, mas sim mediante sua
harmonização com elas. A famosa dialética hegeliana, que é o supremo postulado,
de onde os defensores do Comunismo tiram por dedução todas as suas extravagantes
teorias, não é senão uma concepção subjetiva. As distinções entre o Bem e o
Mal, entre o Justo e o Injusto, são aspectos naturais das coisas humanas,
regidas por leis morais, variáveis em intensidade com que entram nelas o
egoísmo e o altruísmo.
Uma
vez que a sociedade humana pode ser reduzida a uma única classe – a do
operariado – o problema que se impõe é o da harmonia dessas classes a fim de
obter delas a necessária cooperação. Porém, para o Comunismo é impossível tal
cooperação, pois Marx apresenta a luta de classes como irremovível, não como
uma luta realmente concreta entre massas humanas, mas sim como um conflito
abstrato entre entidades que ele denomina “forças de produção” e “relações de
produção”.
Sendo
a vida uma dupla troca contínua entre um organismo qualquer e o meio ambiente
correspondente, é evidente que, no caso particular do homem, não só se exige os
alimentos como também a habitação e o vestuário. Contudo, o homem verificou
que, não podendo satisfazer sozinho suas múltiplas necessidades, ser-lhe-ia
mais fácil associar-se a outro homem para isso, de modo que cada um fosse
responsável por um produto para depois trocá-los entre si. Ficou assim
instituído o princípio aristotélico da cooperação. Essa cooperação transferiu
os resultados acumulados à geração seguinte. E como seria possível semelhante
transmissão dos recursos se eles não tivessem durabilidade e se o homem não
fosse capaz de produzir mais do que aquilo que consome?
Isto
posto, o sociólogo francês Augusto Comte elaborou duas leis econômicas, quais
sejam:
1) Cada homem
pode produzir mais do que aquilo que consome; e
2) Os produtos do
trabalho duram mais do que o tempo indispensável à sua reprodução.
Foram
essas duas leis, a da durabilidade e a do excesso de produção que permitiram a
formação dessa coisa transmitida de uma geração à outra chamada de “capital”. A
própria divisão de trabalho seria impossível sem a existência do capital.
Então,
o que vem a ser o capital senão a acumulação do trabalho, que passa de uma
geração à outra? Está claro, portanto, que o capital não é só material, mas
também intelectual. Foi assim, graças à acumulação do trabalho material, que se
formaram e criaram as outras classes que com ele colaboraram. Tão evidente é,
porém, a utilidade do capital que os próprios marxistas acabaram por concentrar
seus ataques não sobre o capital propriamente dito, mas sobre a propriedade, a
apropriação individual absoluta do capital.
Todos
sabem que, em geral, os ricos não gastam senão uma pequena parte do capital que
dispõem. E, apesar de não poderem usufruí-lo todo, buscam aumentá-lo durante
toda vida. O lucro é, portanto, o estimulante indispensável ao desenvolvimento
produtivo do capital, inspirado pelo desejo de transmiti-lo aumentado à
posteridade. E essa transmissão deve ser livre, podendo ser aos seus
descendentes ou mesmo a estranhos.
Por
que então os comunistas se opõem obstinadamente a essa apropriação individual
de capital? Os comunistas apresentam os capitalistas como homens totalmente
destituídos de altruísmo, ao passo que planejam substituí-los por uma sociedade
quimérica na qual os operários seriam inteiramente isentos de egoísmo. Desse
erro, decorre sua oposição à apropriação individual de capital e a defesa da
apropriação coletiva da propriedade, isto é, a socialização desta última.
O
Comunismo confunde lamentavelmente funções públicas com serviços públicos, intentando
loucamente estatizar toda atividade industrial, transformando o operário em
empregado público. Uma coisa são os serviços públicos, que são diretamente
fiscalizados pela população, que se serve deles a preço fixo e que não se
destinam a dar lucro. Outra coisa são os serviços da indústria privada, onde
temos a fiscalização dos produtos e serviços pelo empresário, que produz os
artigos a preços variáveis que oscilam com as flutuações da oferta e da
procura.
Salários e Mais-Valia [6]
É sabido que Marx popularizou a ideia de que os
capitalistas exploram os trabalhadores apropriando-se de uma parte de seu
trabalho. O argumento, quando despido de toda o seu linguajar pomposo, é
relativamente simples: segundo Marx, as mercadorias produzidas pelos
trabalhadores são vendidas por um valor que é igual ao tempo de trabalho
socialmente necessário para produzi-las; sendo assim, em um mundo justo, cada
trabalhador deveria ganhar um salário equivalente ao fruto integral de seu
trabalho, isto é, equivalente ao valor exato da mercadoria que ele produziu.
Consequentemente, o capitalista, que não efetua trabalho físico, retém
para si uma parte do valor desses bens que os trabalhadores produziram, e ele
consegue fazer isso graças ao seu monopólio dos meios de produção (os quais,
vale dizer, são bens complementares indispensáveis ao trabalhador, sem os quais
os trabalhadores nada conseguiriam produzir).
Falando mais especificamente, o capitalista remunera o trabalho com $100
(D), esse trabalho gera mercadorias (M), e essas mercadorias são vendidas por
$120 (D'). Segundo Marx, isso só é possível de ocorrer porque há uma
parte do trabalho que não foi remunerada pelo capitalista (D'-D), mas que de
fato produziu mercadorias com um valor de troca.
Essa diferença é justamente a mais-valia, que é a mensuração exata da
"exploração laboral" — ou seja, o trabalhador prestou um serviço para
o capitalista e não obteve a devida remuneração.
A solução de Marx? Confiscar os meios de produção da burguesia e
repassá-los aos trabalhadores para que estes possam reter o produto integral do
seu trabalho sem que haja intermediários capitalistas que se apropriam de parte
do suor de seu rosto.
Há vários problemas com essa teoria
marxista. Em primeiro lugar, ela parte do princípio de que todo o valor
de troca de uma mercadoria depende exclusivamente do trabalho incorrido em sua
produção, e não de sua utilidade marginal; o fato de que o valor de um bem é
totalmente subjetivo é ignorado pela teoria. Há também uma questão ainda
mais problemática, que é a natureza distorcida que Marx atribui ao capital:
Marx assume que o valor do capital (por exemplo, o valor de uma máquina
utilizada na produção de uma mercadoria) também é determinado pelo trabalho que
foi incorrido em sua produção, e que o valor desse capital se transforma, em
função de sua depreciação, no valor da mercadoria final; trata-se de uma
espécie de contabilidade de custos que se dá de acordo com o tempo de trabalho
utilizado.
Os
capitalistas, ao adiantarem seu capital e sua poupança para todos os seus
fatores de produção (pagando os salários da mão-de-obra e comprando
maquinário), esperam ser remunerados pelo tempo de espera e pelo risco que
assumem. Por outro lado, os trabalhadores, ao receberem seu salário no
presente, estão trocando a incerteza do futuro pelo conforto da certeza do
presente.
O fato de o trabalhador não receber o "valor total" da
produção futura não tem nada a ver com exploração; simplesmente reflete o fato
de que é impossível o homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja
um desconto. O pagamento salarial representa bens presentes, ao passo que
os serviços de sua mão-de-obra representam apenas bens futuros.
A relação trabalhista, longe de ser uma situação de exploração, é
apenas uma relação de troca entre bens presentes (o capital do capitalista) por
bens futuros (os bens que serão produzidos pelos trabalhadores e pelo
maquinário utilizado, e que só estarão disponíveis no futuro).
Assim,
o salário, que o operário recebe da sociedade por intermédio do capitalista, é
uma simples indenização, destinada a substituir as provisões consumidas por ele
e os instrumentos gastos no exercício da função. Tal salário deve ser
constituído de duas partes: uma, fixa, destinada ao sustento próprio e de sua
família, a outra, variável, sendo uma gratificação tendo por objetivo
incentivar a produção individual. Portanto, o rendimento deve ser obtido pela
qualidade do trabalho. É preciso que o operário veja a possibilidade de ganhar
mais pelos seus próprios méritos, e não como acontece nos regimes socialistas,
onde o salário dos operários é pago de forma uniforme, independentemente da
produção individual.
Afinal, o que é Comunismo?
Lançando-se
um olhar retrospectivo das bases teóricas do Comunismo, verifica-se que elas
não oferecem a mínima consistência. Tanto o seu instrumento lógico, que é a
Dialética de Hegel, como suas pretensas bases científicas, que são o
materialismo histórico e a luta pela sobrevivência do evolucionismo de Darwin,
além do dogma da igualdade, não resistem a uma análise mais profunda. Ora, não
possuindo bases teóricas em que assentar sua construção, os comunistas não
podem apresentar um plano para a sociedade.
É
que o Comunismo é uma concepção quimérica. Tanto o socialismo como o
anarquismo, que são doutrinas opostas, são fáceis de conceber, enquanto que o
Comunismo, que é uma simbiose das duas, não comporta uma definição precisa. O Anarquismo
entrincheira-se na cidadela da independência individual, repelindo o concurso
social. O Socialismo, ao contrário, acastela-se no concurso, sacrificando a
independência individual. Trata-se, pois, de uma concepção híbrida, que quer
ser as duas coisas ao mesmo tempo e, portanto, nenhuma delas. Os comunistas
pretendem disfarçar esta berrante contradição apresentando os regimes
comunistas do século XX como uma etapa de transição para passar da sociedade
capitalista ao Comunismo futuro. É a chamada “ditadura do proletariado”. Para
chegar à supressão do governo, organizam o mais ferrenho dos governos!
O
erro essencial do Comunismo, como aliás do Capitalismo atual também, consiste
em dar soluções políticas a problemas morais. Isto é, ambos preocupam-se exclusivamente
com as riquezas, como se estas fossem as únicas forças sociais mal repartidas e
mal administradas.
O
Comunismo, desconhecendo a família e a pátria, pretende formar uma humanidade
impossível, constituída de átomos individuais, diretamente ligados num bloco
único. Tal é, porém, impossível porquanto cada modalidade de altruísmo vai
formando um ser coletivo, e são esses seres coletivos que vão se ligando para
formar os de ordem superior. Logo, a humanidade é um bloco de pátrias, e as
pátrias são conglomerados de famílias. Consequentemente,
destruindo as famílias, destrói-se a Nação. [7] Tal é a ordem natural, que
não depende do arbítrio do homem. Sem as famílias que domesticam o homem,
jamais este último teria se elevado à concepção altruísta de pátria e de
humanidade.
Notas
[1]
Procurei na internet mais dados sobre o autor, porém eles são vagos.
Aposentou-se como professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro em 1944 no
posto de coronel. Alfredo Severo era
seguidor do Positivismo do sociólogo francês Augusto Comte (1798 – 1857). No
livro, Severo detalha aspectos dessa doutrina, mas só selecionei aquilo que foi
usado para desmascarar o Comunismo. Pelo fato de ter sido escrito no final dos
anos 1920, o texto apresenta algumas incorreções, principalmente em se tratando
de neurociência fisiológica e anatômica. Em relação à Teoria da Evolução de
Charles Darwin, hoje amplamente aceita como um fato científico, Severo era
crítico dela e usou isso para destruir um dos argumentos do materialismo
histórico marxista. Mesmo sendo o evolucionismo, até o momento, uma verdade,
selecionei os trechos onde Severo compara a luta de classes com a luta pela
sobrevivência darwinista, pois me pareceram lógicos.
[2]
Dialética é um método de diálogo cujo foco é a
contraposição e contradição de ideias que levam a outras ideias.
[3] teoria biológica
que, por oposição ao fixismo, afirma que as espécies vivas não são imutáveis,
mas suscetíveis de transformação, e apareceram por evolução de formas mais
simples.
[4] Carta a Ferdinand
Lassale, 22/07/1861.
[5] Monismo: concepção que remonta ao
eleatismo grego, segundo a qual a realidade é constituída por um princípio
único, um fundamento elementar, sendo os múltiplos seres redutíveis em última
instância a essa unidade.
[6] Parte do texto
extraído de “A teoria marxista da exploração não
faz nenhum sentido”, disponível em https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1856
[7] Esse texto grifado
é meu.
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