Roberto Caiafa
A guerra é,
antes de tudo, um fenômeno social.
A despeito do enorme protagonismo
atribuído aos soldados nos campos de batalha, são as sociedades, e não os
exércitos ou seus generais, que produzem as guerras.
Essa assertiva, aparentemente trivial,
nos permite concluir que transformações na conduta da guerra decorrem,
primeiramente, de transformações sociais.
No momento em que a humanidade deixa a
era industrial para ingressar na era da informação, passando por rápidas e
profundas alterações, devemos procurar entender, de forma objetiva, como essas
mudanças afetam a natureza dos conflitos armados e contribuem para a
redefinição do atual ambiente estratégico.
Ou seja, o curso da história da
humanidade, necessariamente, insere as confrontações armadas em um contexto
social, político, geopolítico, econômico, ambiental e científico-tecnológico
mais amplo. É a conjunção desses fatores que define a natureza da guerra, e não
o contrário.
Constatamos rotineiramente que a
compreensão acerca da violência armada, nestas primeiras décadas do século XXI,
goza de muito pouco consenso. Na verdade, a estrutura conceitual que, ao longo
do tempo, tem orientado o Estado na promoção de segurança e defesa já não
atende mais às legítimas demandas da sociedade.
Dentro desse contexto, podemos
observar que os conflitos em curso ao redor do mundo divergem
significativamente do modelo de confrontação armada consagrado no século XX.
Atualmente, as guerras apresentam uma
enorme multiplicidade de atores e motivações que dão forma a ambientes
extremamente complexos, não se limitando apenas à rivalidade entre Estados
nacionais antagônicos, que recorrem a suas forças armadas por razões
estritamente políticas, como aconteceu, por exemplo, durante as duas Guerras
Mundiais.
Criado, segundo a concepção
vestfaliana do século XVII, para assegurar a liberdade e a independência de
povos e nações autônomos, o Estado-nação enfrenta novos desafios em um mundo
globalizado, caracterizado por intensas relações de interdependência e
interconectividade, que ignoram deliberadamente as fronteiras políticas.
O Estado deixou de ser o único ator de
relevo na ordem internacional. Ademais, se defronta com limites cada vez mais
severos para o exercício pleno e absoluto do seu próprio poder no plano
doméstico. Como entes políticos, eles ainda competem acirradamente entre si.
Todavia, têm diversificado as formas
de enfrentamento e procurado reduzir a visibilidade das ações estratégicas, em
face de uma opinião pública, cada vez mais, intolerante e impaciente, e menos
disposta a arcar com os custos de uma guerra total.
Ao uso de outros meios que não somente
as alternativas militares tradicionais, soma-se o predomínio de uma forma de
violência que se caracteriza por ser, a um só tempo: armada, organizada, não
estatal, endêmica e hiper-difusa.
A guerra civil na Síria, que por sua
dramaticidade e importância tem recebido justo destaque da imprensa
internacional, ilustra muito bem a dinâmica dos conflitos atuais. Atores
armados não estatais, como o Hezbollah, o Estado
Islâmico, dezenas de facções rebeldes e outros grupos jihadistas,
compartilham o mesmo teatro de operações com forças militares iranianas,
russas, israelenses, norte-americanas, além de outros países da OTAN e, é
claro, do enormemente desgastado governo do ditador Bashar al-Assad,
encastelado em Damasco.
É fato que a sociedade tem apresentado
demandas por segurança que, apesar de não serem inéditas em sua essência, são
requeridas em um novo contexto. Nem tanto pela dimensão dos danos
experimentados, mas, sobretudo, pela conectividade e interdependência dos mais
variados fatores.
Crimes transfronteiriços, terrorismo
doméstico e internacional, fluxos migratórios, pressão demográfica, urbanização
incontida, fortalecimento de identidades étnicas e culturais, globalização,
escassez de recursos e questões ambientais são apenas alguns dos componentes
desse intricado mosaico, que conta, ainda, com a real política do
Estado-nação para tornar seus contornos mais obscuros e indefinidos.
Grupos rebeldes, organizações
terroristas, movimentos insurgentes e quadrilhas armadas demonstram possuir
motivações diversas, não necessariamente centradas em uma agenda política.
Até mesmo, organizações criminosas e
gangues territoriais têm desenvolvido o potencial de desestabilizar gravemente
a ordem interna, extrapolando as fronteiras nacionais por meio de suas práticas
delituosas e conexões globais.
Na América
Latina, por exemplo, criminalidade de alta intensidade e insurgência criminal
tornaram-se as principais ameaças à paz e à estabilidade regionais.
Todavia, o excessivo apego a uma visão
ortodoxa dos conflitos armados tem contribuído, sobremaneira, para agravar a
desordem e o sofrimento que afligem os povos que habitam este planeta.
Assim sendo, compreender a natureza da
guerra na era da informação tornou-se uma questão crucial. Porquanto, interpretar
a violência sob uma nova ótica, decerto, oferecerá novas perspectivas para a
paz.
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