Frederico
Aranha
Defesanet, 30 de Abril,
2015
Roger
Trinquier, Coronel
do Exército Francês (originalmente um Colonial
– Infantaria da Marinha Francesa) foi um notável operador de guerra irregular.
Em 1953, o Major Trinquier
era o responsável por todas as operações atrás das linhas inimigas na
Indochina. Comandava mais de 20.000 nativos e regulares franceses do GMI (Groupement Mixte d’Intervention),
engajados em guerra sem quartel às forças comunistas num teatro de operações de
milhares de quilômetros quadrados de território inimigo.
Após o desastre de Dien Bien Phu, a Convenção de Genebra selou o fim da formidável operação. Proibia à França suprir as forças partisan que permaneciam de qualquer modo lutando contra as forças comunistas no norte.
No relatório final, Trinquier, amargurado, lamenta a sorte da sua gente: A total supressão do apoio logístico ... resultará na progressiva liquidação dos nossos elementos (infiltrados). Não há a menor esperança dos líderes do nosso maquis escaparem da “clemência” do Presidente Ho Chi Minh. Após uma estada na França no Centro de Paraquedismo do Exército é promovido a Tenente Coronel e transferido para a 10ª Divisão de Paraquedistas, na Argélia, assumindo a área de inteligência da unidade.
O alto comando francês ordenou à Divisão que ocupasse Argel com a missão de limpar a cidade dos terroristas que infernizavam a vida dos cidadãos e desestabilizavam a autoridade, praticando atentados com bombas, assassinatos seletivos, sequestros e extorsão. Trinquier planeja, organiza e opera o desmantelamento de toda a estrutura da FLN (Front Nationale de Libération) na cidade, mediante o emprego (também) de métodos não convencionais de investigação e operação policial (entre eles tortura e ações de caça e extermínio).
Essa operação ficou plasmada em relatórios, estudos acadêmicos e militares, livros e filmes como A Batalha de Argel. Apesar do amplo sucesso da ofensiva, erradicando o problema, o destino da Argélia já estava traçado. De Gaulle apenas bateu o martelo da independência da colônia. Com base na sua intensa experiência de guerra irregular, identificou uma dicotomia entre a guerra praticada até a IIª GM, a que chamou de guerre traditionale, e a surgida posteriormente – guerra subversiva ou guerra revolucionária – a que denominou guerre moderne.
Explica: (...) Difere (esta) fundamentalmente da guerra do passado, pois a vitória não resulta do choque de dois exércitos no campo de batalha. Essa confrontação, que em tempos passados ocasionava a aniquilação do exército inimigo em uma ou mais batalhas, não mais subsiste. A guerra é agora um sistema articulado de ações – política, econômica, psicológica, militar – que visa a derrubada da autoridade estabelecida no país e sua substituição por outro regime. Conhecia como ninguém a doutrina revolucionária de Mao Tse Tung, pois não só lutara contra os adeptos dela como até a adotara no comando de forças irregulares. Pode-se dizer que praticou embrionariamente a chamada Guerra Híbrida.
Outro inovador, o teórico militar israelense Martin van Creveld prognosticou nos idos de 1980 que o conflito convencional entre forças regulares de Nações-Estado declinaria em freqüência ao passo que conflitos de baixa intensidade, levados a cabo por guerrilhas, milícias religiosas, grupos terroristas e pelo crime organizado cresceriam de forma exponencial no mundo em desenvolvimento.
Suas previsões materializaram-se nas últimas décadas, resultando num desafio direto à ortodoxia dos sistemas militares ocidentais fundados no pensamento de Clausewitz. Saliente-se que o mestre prussiano passou ao largo das Guerras Medievais ao formular sua doutrina. Considerou que foram conflitos de Não-Estados caracterizados pela participação de exércitos de senhores da guerra, de facções religiosas, mercenários e de bandos de criminosos, ausentes, portanto, o Estado e exércitos nacionais. Na visão ortodoxa de Clausewitz o exame dessas guerras não tinha lugar reservado nas grandes questões que sobressaltavam e afligiam estadistas e estrategistas na era pós-Napoleão Bonaparte, período conturbado de transição da história política e militar universal. De fato, a Idade Média presenciou, levando em conta os degraus históricos que os separam, conflitos manifestamente assemelhados aos do cotidiano de hoje em dia.
São incontáveis as interpretações de especialistas buscando caracterizar a cognominada Guerra Híbrida: Nathan Freier do CSIS (Center for Strategic and International Studies), supostamente criador do termo, resume a Guerra Híbrida em quatros ameaças:
(1) tradicional ou convencional;
(2) irregular;
(3) terrorismo catastrófico e,
(4) caos.– proporcionando campo aos ativistas para explorar a melhor tecnologia visando contra atacar a superioridade militar.
O Tenente Coronel David Kilcullen (Australian Army, Ret.), conselheiro do Departamento de Defesa Americano e assessor do Gen. David Petraus, antigo Comandante Supremo no Iraque e no Afeganistão, classifica “Guerra Híbrida” como a melhor definição para os conflitos modernos, abrangendo uma combinação de guerra irregular, terrorismo e crime organizado para alcançar objetivos políticos.
Amanda Paul, jornalista investigativa turca de nomeada, afirma que a operação de ocupação e anexação da Criméia é o mais recente exemplo de Guerra Híbrida: (...) Começou com a presença em Fevereiro de 2014 dos ‘little green men’ na península, homens fortemente armados sem insígnia e identificação. Espraiaram-se e tomaram pontos chave da infraestrutura, pavimentando o caminho para a separação da Criméia. Na ocasião, Putin, questionado, insistiu que se tratava de ‘forças de autodefesa locais’. Mais tarde, após a anexação, admitiu que tropas russas estavam envolvidas na operação. A expressão little green men é um eufemismo de active intelligence empregada pelos soviéticos para abertamente cognominar grupo de irregulares (na verdade regulares) comandados e patrocinados secretamente pelo Estado.
O primeiro registro do termo se encontra em memorando de Stalin a Molotov datado de 07 de outubro de 1929, se referindo aos grupos armados de tropas soviéticas sem identificação infiltrados na Manchúria para combater e eliminar as milícias dos Senhores de Guerra chineses ao longo do eixo da Estrada de Ferro Chinesa do Leste, que a União Soviética por fim passou a controlar (Letters Stalin Molotov. 1925 - 1936. Collection of Documents. M., "Young Russia", 1995, str.167-168).
Ao examinarmos essas e outras definições e evidências, verificamos que todas têm em comum a mesma raiz: o conflito descentralizado, disperso (mas capaz de se concentrar rapidamente), caótico e, aparentemente, sem um objetivo estratégico convencional. Na verdade, a Guerra Híbrida não pode ser entendida e explicada à luz dos pensamentos político e militar ortodoxos.
O país mais sensível às profundas alterações da estratégia conservadora é os EEUU. De acordo com o manual National Defense Strategy, melhorar a capacidade das forças armadas dos Estados Unidos em guerra irregular é a prioridade máxima do departamento de Defesa. Em artigo na Foreign Affairs, o antigo Secretário de Defesa americanoRobert Gates declarou enfaticamente que era hora de fomentar algum pensamento não convencional no Pentágono.
Mas, afinal, o que é a Guerra Híbrida? Pode-se cogitar de um conflito no qual os atores, Estado ou Não-Estado, exploram todos os modos de guerra simultaneamente, empregando armas convencionais avançadas, táticas irregulares, tecnologias agressivas, terrorismo e criminalidade visando desestabilizar a ordem vigente.
Essas atividades multimodais podem se realizar por meio de unidades operacionais separadas embora capazes de serem dirigidas e coordenadas de forma operacional e tática no âmbito da batalha principal, de forma a obter efeitos sinergéticos na dimensão física e dimensão psicológica do conflito. Sem embargo, o Coronel Frank G. Hoffman (USMC, Ret.), formulador da teoria da Guerra Híbrida, admite que a guerra híbrida não significa a derrota ou substituição da guerra antiga ou guerra convencional pela nova. Ainda assim, representa um fator embaraçoso para o planejamento da defesa no século 21.
Enfatiza que ocombate futuro premiará as forças versáteis, ágeis, adaptáveis e de mente expedicionária. Se refere, sem dúvida a tropas de elite, forças especiais e congêneres, unidades vistas com reserva por militares conservadores, o grosso dos altos comandos no mundo ocidental. A guerra ainda significa aplicar a força cinética, não importa o apelido que se lhe dê e o meio que se emprega.
A mais recente doutrina naval estadunidense reflete a visão de futuro do comando do Corpo de Fuzileiros Navais, do Chefe das Operações Navais e do comandante da Guarda Costeira a respeito: Os conflitos se caracterizam cada vez mais por uma mescla híbrida de táticas tradicionais e irregulares, planejamento e execução descentralizados e agentes que são Não-Estado e que utilizam tecnologias simples e as sofisticadas de forma inédita.
A Guerra Híbrida pode ser uma variação moderna do que se chamou guerra composta – começa com uma força regular e aumenta sua capacidade operacional agregando atividades irregulares ou vice-versa. Na Guerra da Península Ibérica Wellington expulsou os franceses da Espanha conduzindo uma luta convencional contra os marechais de Napoleão enquanto empregava as guerrilhas espanholas em ataques à retaguarda francesa. O Marechal de Campo Allenby operou de igual forma na Palestina contra os turcos na Grande Guerra, lançando um amplo assalto frontal de armas combinadas ao mesmo tempo em que irregulares beduínos e árabes, sob o comando de Lawrence da Arábia, infiltravam-se nas linhas interiores turcas, interrompendo comunicações e linhas de abastecimento e destruindo a infraestrutura.
Mao Tse Thung foi o primeiro a entender a alternância entre técnicas de guerra regular e as de guerra irregular. O líder chinês deduziu a teoria original da guerra revolucionária como o emprego de um misto de técnicas de guerra. Estabeleceu que a guerra revolucionária é, antes de mais nada, política, não militar, e que a primeira fase do conflito sempre envolve técnicas de guerra irregular. Não obstante, a vitória só será alcançada por meio do combate regular com forças convencionais. Destarte, sem cunhar o termo, o conceito da Guerra Híbrida nascia. Ho Cho Min empregou-a com sucesso contra japoneses, franceses, vietnamitas do sul e norte-americanos.
O plano operacional da Guerra Híbrida de que tratamos, inicia com a guerra irregular – as forças irregulares aumentam sua capacidade com armas convencionais. O termo em si captura a essência do problema ao definir sua organização e meios. Como já se viu neste século, essa situação cria um novo nível de ferocidade, combinando o fanatismo da guerra irregular com a capacidade militar convencional. Um bom exemplo é o Hezbolah na sua luta contra o Estado de Israel, acionando forças regulares as quais acresce grupos irregulares aptos a operar armas sofisticadas e atuando de forma independente com comando descentralizado.
Pode
ocorrer também quando uma Nação-Estado converte suas formações regulares em
combatentes irregulares como fez Saddam com seus fedayens em 2003. Exemplo marcante é o
das forças regulares chechenas do antigo Exército Soviético transformadas em
facções irregulares independentes, agindo em pequenas unidades e impondo
derrotas contundentes ao Exército Russo.
Ron Tira, do Jaffa Center de Israel, observa que os atores híbridos são geralmente imunes à aplicação da força convencional, como o fazem os EEUU e Israel: empregar o conceito Schock and Awe e o método operacional de resultados contra uma organização guerrilheira do tipo Hezbolah, usando força alheia às circunstâncias, aos fatos e à natureza da guerra, é como tentar quebrar os ossos de uma ameba.
É, talvez, a assimetria moral o maior diferencial no campo de operações da Guerra Híbrida. Insurgentes taliban, iraquianos e soldados do Hezbolah, entre tantos outros irregulares, lutam, de um modo geral, por sua terra, sua religião e sua família, e mostram uma determinação de assumir ações de risco e morrer, o que tem alta significação tática.
O que parece perdido neste e em outros debates em que há empenho constante para reinventar princípios e teorias de guerra é o fato de ambos terem permanecido constantes, embora com nuances resultantes do desenvolvimento tecnológico, da ordem e desordem econômica e política, das ideologias e da alteração do quadro de poder mundial.
O criador e formulador da Teoria da Guerra de Quarta Geração, uma das variantes que pretende conceituar os conflitos contemporâneos, Coronel Thomas X. Hammes (USMC, Ret.), após o 11 de Setembro ponderou a respeito: Não há nada de misterioso com relação à Guerra de 4ª Geração. Assim como todas as guerras, objetiva alterar a posição política do inimigo. (...) Como todas as guerras reflete a sociedade de que faz parte. (...) Como todas as prévias gerações da guerra, evolui em consonância com a sociedade como um todo. Evolui porque gente prática resolve problemas específicos relacionados com suas metas políticas e com as lutas contra inimigos mais poderosos. Frente a adversários que não podem bater empregando a guerra convencional, adotam outra conduta.
O famigerado Tenente–General confederado Nathan Bedford Forrest, considerado por muitos historiadores militares o mais destacado comandante de cavalaria da Idade Moderna, tinha razão: Guerra quer dizer lutar e lutar quer dizer matar.
Os denominados paradigmas revolucionários da arte da guerra não podem alterar esta realidade.
Ron Tira, do Jaffa Center de Israel, observa que os atores híbridos são geralmente imunes à aplicação da força convencional, como o fazem os EEUU e Israel: empregar o conceito Schock and Awe e o método operacional de resultados contra uma organização guerrilheira do tipo Hezbolah, usando força alheia às circunstâncias, aos fatos e à natureza da guerra, é como tentar quebrar os ossos de uma ameba.
É, talvez, a assimetria moral o maior diferencial no campo de operações da Guerra Híbrida. Insurgentes taliban, iraquianos e soldados do Hezbolah, entre tantos outros irregulares, lutam, de um modo geral, por sua terra, sua religião e sua família, e mostram uma determinação de assumir ações de risco e morrer, o que tem alta significação tática.
O que parece perdido neste e em outros debates em que há empenho constante para reinventar princípios e teorias de guerra é o fato de ambos terem permanecido constantes, embora com nuances resultantes do desenvolvimento tecnológico, da ordem e desordem econômica e política, das ideologias e da alteração do quadro de poder mundial.
O criador e formulador da Teoria da Guerra de Quarta Geração, uma das variantes que pretende conceituar os conflitos contemporâneos, Coronel Thomas X. Hammes (USMC, Ret.), após o 11 de Setembro ponderou a respeito: Não há nada de misterioso com relação à Guerra de 4ª Geração. Assim como todas as guerras, objetiva alterar a posição política do inimigo. (...) Como todas as guerras reflete a sociedade de que faz parte. (...) Como todas as prévias gerações da guerra, evolui em consonância com a sociedade como um todo. Evolui porque gente prática resolve problemas específicos relacionados com suas metas políticas e com as lutas contra inimigos mais poderosos. Frente a adversários que não podem bater empregando a guerra convencional, adotam outra conduta.
O famigerado Tenente–General confederado Nathan Bedford Forrest, considerado por muitos historiadores militares o mais destacado comandante de cavalaria da Idade Moderna, tinha razão: Guerra quer dizer lutar e lutar quer dizer matar.
Os denominados paradigmas revolucionários da arte da guerra não podem alterar esta realidade.
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