Dejan
Stankovic
Galileu, 19/05/2015
Quando os aliados desembarcaram na Normandia, na
França, o coronel norte-americano George Taylor disse: “Só dois tipos de homens
ficarão nesta praia: os mortos e aqueles que vão morrer”. Era dia 6 de junho de
1944, data que entrou para a história como o Dia D.
Os militares
não estavam tão confiantes. Afinal, era difícil ser discreto numa região
dominada por 156 mil soldados em 7 mil
embarcações, 20 mil veículos e 13 mil aviões nazistas. Por garantia, um dia antes, o então general Eisenhower até escreveu uma carta assumindo a
culpa em caso de fracasso.
Os alemães sabiam do ataque. Mas esperaram pelo inimigo em Pas-de-Calais, a mais de 300 quilômetros do lugar certo. Hitler baseou-se na mensagem de um espião, o espanhol Juan Pujol García. O Führer só não sabia que o espião era agente duplo, mentor da maior mentira do século 20. E ele não foi o único a atuar em Lisboa durante a Segunda Guerra.
Os alemães sabiam do ataque. Mas esperaram pelo inimigo em Pas-de-Calais, a mais de 300 quilômetros do lugar certo. Hitler baseou-se na mensagem de um espião, o espanhol Juan Pujol García. O Führer só não sabia que o espião era agente duplo, mentor da maior mentira do século 20. E ele não foi o único a atuar em Lisboa durante a Segunda Guerra.
No início do
conflito, Portugal apressou-se a declarar “neutralidade equidistante”. A simpatia do ditador
António de Oliveira Salazar estava com os alemães, mas ele precisava honrar a
aliança com os ingleses — a mais antiga em vigor no mundo, de 1373.
Com o
fechamento dos portos, Lisboa tornou-se o único ponto de saída da Europa, como
bem sabiam Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, no filme Casablanca. Enquanto os outros países se
digladiavam, Portugal permaneceu um oásis de paz, e a proximidade física
mostrou-se ideal para as atividades dos serviços secretos.
James Bond da
Vida Real
O Hotel Palácio ficava perto da capital portuguesa, na luxuosa região do Estoril. Em 1940, hospedou-se lá o iugoslavo Duško Popov. Festeiro, ele era o estereótipo do boêmio mulherengo. Ou seja, o exato oposto da figura discreta de um espião.
Na verdade,
Popov era agente duplo. Além de trabalhar para a Abwehr, a agência de
informação alemã, ele também era funcionário do governo britânico. Em uma
viagem aos Estados Unidos, namorou estrelas de Hollywood, gastou quantias
obscenas e não recolheu nenhum dado útil para os alemães. A única informação
digna que conseguiu foi para os norte-americanos: ele previu o ataque japonês a
Pearl Harbor. Infelizmente, a informação foi ignorada por J. Edgar Hoover,
então diretor do FBI, que o considerou pouco confiável depois de saber que seu codinome
era Triciclo, porque gostava de ménage à trois. Mas a previsão mostrou-se
verdadeira. A avaliação errada de Hoover — que gostava de se vestir de mulher e
frequentar orgias, segundo a biografia Official and Confidential (“Oficial e
confidencial”, em tradução livre), escrita por Anthony Summers — custou muitas
vidas norte-americanas.
Na
autobiografia Spy — Counterspy (“Espião — contraespião”, em tradução
livre), Popov narra a ocasião em que cruzou com Ian Fleming, autor de James
Bond, no Casino Estoril. À mesa de bacará estava um lituano de má figura,
metido a gastador. Como Popov já o conhecia, quis dar-lhe uma lição: tirou do
bolso um maço de US$ 30 mil, que recebera dos alemães para viajar aos Estados
Unidos, e colocou tudo sobre o pano verde para aposta.
Seguiu-se um
momento de silêncio e tensão. Ninguém cobria a aposta. O lituano não tinha como
se safar de maneira honrosa. Popov, então, recolheu o dinheiro, dirigiu-se ao
bar e, mesmo tendo ganhado muito, resmungava contra a política pouco séria do
cassino. Ao passar por Fleming, captou uma inconfundível expressão de
admiração.
Há quem afirme que Fleming modelou o caráter
de James Bond pensando nesse episódio. Não há provas. Mas alguns
críticos consideram que a cena mais marcante da bibliografia do inglês é uma de
seu primeiro romance, Cassino Royale, na qual ele descreve um jogo de bacará
com 007. Anos depois, o escritor afirmou que foram essas noites no Estoril que
lhe serviram de inspiração.
Depois do fim
da guerra, Popov casou-se várias vezes. Um integrante da sua família revelou
que, na infância, fora certa vez com os pais para a Provença, na França,
visitar o velho tio James Bond. Encontraram-no sentado na soleira de casa,
doente, magro e tomando sol com um casaco de pele. A uns outros amigos meus
ficou devendo dinheiro. No fim da vida, sempre tinha frio. E assim morreu em
1981.
Meu Nome é
Fleming
Durante a guerra, o escritor Ian Fleming prestava serviço no departamento de informações da marinha de guerra do Reino Unido — era um espião. Mas, como o trabalho era de natureza administrativa, sua dedicação pouco contribuiu para a vitória dos aliados.
No início do
conflito, o escritor foi encarregado de desenvolver um plano de defesa de
Gibraltar, para o caso de o ditador espanhol Francisco Franco decidir entrar na
guerra ao lado de Hitler e invadir esse estratégico território ultramarino
britânico, que liga o sul da Espanha ao norte do Marrocos. O nome da operação
era Goldeneye.
Com essa
missão, Fleming passou por Lisboa. Mas, dos relatórios, depreende-se que ele
fazia que sua vida imitasse a ficção, como na ocasião em que, sem motivo
plausível, alugou um avião de Tânger, no Marrocos para Lisboa, pagando uma
fortuna e enfurecendo seus superiores.
Impossibilidade Necessária
Em 1940,
apareceu na embaixada britânica de Madri um sujeito meio calvo. Pediu para
falar com alguém do serviço secreto e foi atendido. Disse ser Juan Pujol
García, da Catalunha, e oferecia seus serviços como espião, mas não conseguiu a
vaga.
Um ano
antes, a Inglaterra declarara guerra à Alemanha. A solidariedade de Pujol
intensificou-se quando ele soube dos campos de concentração. “Meus instintos
humanistas não me permitiriam fechar os olhos para o sofrimento causado por
esses psicopatas”, escreveu o agente no livro Operation Garbo.
Foi com
esse humanismo aguçado que ele surgiu pela segunda vez na embaixada britânica
para tentar uma vaga como espião. Foi novamente dispensado. Nessa época já não
restava dúvida: tratava-se de um louco.
Dois anos depois, em 1942, através das mensagens
inimigas interceptadas, os ingleses souberam que os alemães tinham uma rede de
agentes secretos em solo britânico. E iniciaram uma busca.
No meio
da comoção provocada por aquela informação, apareceu na embaixada britânica,
desta vez em Lisboa, um sujeito meio calvo. Pediu para falar com alguém do
serviço secreto e foi atendido. Disse ser Juan Pujol García, o chefe da rede de
espiões procurada na Inglaterra. Na verdade, seus relatórios eram fictícios e
estavam sendo enviados de Lisboa, não de Londres.
Pujol
explicou então que, em 1940, depois de ter sido rejeitado pelos ingleses em
Madri, decidira aproximar-se dos alemães com a mesma proposta. Convencera a
Abwehr e, sob o codinome Arabel, recebera formação básica em técnicas de
espionagem e cerca de US$ 900 para ir à Inglaterra.
Passando
por Lisboa, única rota possível para Londres, Pujol decidiu ficar. Inventou uma
rede de subagentes secretos imaginários e começou a enviar seus relatórios
falsos, que se baseavam em pesquisas nas revistas da Biblioteca Nacional e nas
notícias que chegavam a Portugal. Às vezes acertava alguma informação por
sorte, o suficiente para tornar-se um nazista confiável. Sem sequer ter saído
de Lisboa.
Mas Pujol não queria trabalhar para Hitler. Encantados
com seu esquema, os britânicos lhe ofereceram um emprego. Por considerarem-no
um grande ator, atribuíram-lhe o sobrenome da diva sueca Greta Garbo. E Garbo tornou-se
agente duplo.
“Os mortos e aqueles que vão morrer”
Graças
aos aviões de reconhecimento alemães que sobrevoavam a França, Hitler sabia que
a Inglaterra estava preparando alguma coisa. Então, um novo plano começou a ser
pensado pelos ingleses. Se Hitler acreditasse que um ataque à França (dominada
pelos nazistas) aconteceria em determinado ponto, os aliados poderiam
desembarcar em outro lugar e chegar de surpresa. O problema era movimentar 156
mil soldados em segredo. Para resolver o impasse, a rede de espiões imaginários
de Garbo entrou em ação.
De acordo
com Stephan Talty, no livro Agent
Garbo, os aliados não economizaram esforços para fazer os alemães
acreditarem que eles atacariam Pas-de-Calais, o ponto mais próximo entre a
França e a Inglaterra, e não a Normandia. Criou-se um exército falso chamado
First United States Army Group
(“Primeiro Grupo das Forças Armadas dos Estados Unidos”, em tradução livre), ou
Fusag, bem como uma estrutura inventada, com pistas de pouso, hospitais e
acampamentos de madeira, tudo produzido por equipes de cinema. A encenação era
levada tão a sério que, toda noite, um grupo de soldados era encarregado de
mover os tanques de guerra infláveis para simular um movimento real.
Em posições
estratégicas, os agentes falsos de Garbo
relatavam a preparação cada vez mais intensa de um iminente ataque inglês.Os
alemães não tinham dúvida de que o Fusag era real e de que o ataque aconteceria
perto de Pas-de-Calais. Assim, o batalhão dos aliados chegou à praia de Omaha,
na Normandia, sem ser percebido, na manhã de 6 de junho de 1944.
Depois da
guerra, Pujol temia represálias dos nazistas sobreviventes. Com a ajuda dos
ingleses, viajou para Angola, onde fingiu a própria morte por malária. Às
escondidas, mudou-se para a Venezuela e lá abriu uma livraria. Em 6 de junho de
1984, 40º aniversário do Dia D, o ex-agente foi convidado para a grande
celebração nas praias da Normandia. Lá, fez sua última apresentação teatral:
quando os sobreviventes vieram agradecer-lhe por ter ajudado, Garbo desatou a
chorar. Chorou por não ter feito mais. Ele morreu em Caracas, em 1988.
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