Jacinto
Antón
El
País, 10/05/2015
A
batalha das Ardenas, ou do escape, travada em condições muito sacrificantes no
inverno de 1944-45, durante quase sete semanas, foi um dos grandes
enfrentamentos da II Guerra Mundial e a última grande ofensiva do Exército
alemão na frente ocidental. As imagens dos tanques Tiger e Panther avançando
rapidamente sobre a neve, dos soldados norte-americano cavando trincheiras no
solo gelado e dos combates sem quartel nos bosques, povoados e encruzilhadas
fazem parte das mais icônicas do confronto, assim como figuram entre seus nomes
emblemáticos os de Malmedy, Bastogne, a operação aérea Bodenplatte, o
Kampfgruppe Peiper e os comandos de Skorzeny –que causaram grande confusão se
infiltrando com uniforme inimigo–. Hitler lançou o melhor que tinha, 300.000
soldados (muitos fantasmagoricamente vestidos de branco), 1.800 tanques e
destruidores de tanques e 2.400 aviões, em uma tentativa desesperada de mudar o
curso da guerra.
O ataque, iniciado em 16 de dezembro,
pegou completamente desprevenidos os Aliados, que, meio ano depois do
desembarque na Normandia, davam a guerra quase que como acabada. Após um início
promissor, lutas de uma brutalidade tremenda e uma defesa tenaz das tropas dos
EUA –é famosa a resposta do general McAuliffe, da 101ª Aerotransportada, ao
receber uma demanda para entregar Bastogne: “Nuts!” (loucos, em
versão livre)– os alemães se viram obrigados a interromper seu avanço sem
conseguir o novo Dunkerque desejado pelo Führer. Vários livros e filmes
recriaram a luta, entre estes últimos, o mais famoso é A Batalha das Ardenas
(1965) –com sua conhecida cena dos jovens tripulantes de carros alemães
entoando o cântico de sprit
de corps conhecido como Panzerlied–,
além de O Preço da
Glória (1949) e Noites
Calmas (1992), sem esquecer dos capítulos correspondentes no
seriado de televisão Band
of Brothers (sem dúvida, o melhor).
No 70º aniversário da batalha, e à
espera da iminente publicação do novo e aguardado livro de Antony Beevor sobre
ela, o historiador sueco Christer Bergström faz um relato monumental e
detalhado em The
Ardennes, 1944-1945: Hitler's Winter Offensive, que oferece, além
de uma perspectiva insólita, uma surpreendente reinterpretação daquele
confronto, do qual destaca que nenhum veterano entre os que entrevistou conta
qualquer história amável, mas só coisas terríveis. “Está claro que foi uma das
experiências bélicas mais assustadoras desses homens”, diz. Algumas imagens do
livro ficam gravadas na memória, como o regimento alemão avançando em corrida
gritando “ianques filhos da puta!”, os soldados norte-americanos que descobrem
em 13 de janeiro os corpos congelados dos presos executados pela SS na estrada
de Malmedy em dezembro, que continuam deitados no lugar em que foram abatidos,
o Panther que se confunde e se mete em uma coluna de carros Sherman e a luta
com granadas em uma casa de Thirimont, em que cada lado ocupava um andar.
Bergström, autor de 22 livros sobre a
II Guerra Mundial, inicia seu relato detalhado a partir do ponto de vista de
uma das unidades blindadas lançadas ao rio Mosa com a mira voltada para o porto
de Amberes: toda uma declaração de princípios, pois uma das coisas do livro que
mais surpreende o leitor, acostumado com as versões anglo-saxãs, é que muito da
narração dos fatos seja feita da perspectiva do lado alemão. Mas tem muito
mais: Bergström considera que os alemães estavam melhores preparados do que se
considera normalmente, que seu moral era elevado, seu equipamento excelente,
seus comandantes muito bons e Hitler não estava tão perdido em seus planos como
se acredita. A operação não estava condenada ao fracasso e, em alguns de seus
aspectos, era inclusive “magistral”.
Vamos por partes: a situação do
exército alemão não era então tão ruim ao final de 1944? “Em novembro-dezembro,
em absoluto”, explica o autor, que esteve com veteranos em Bastogne em dezembro
passado devido ao aniversário da batalha. “O fato de os alemães terem
conseguido deter os Aliados ocidentais na fronteira de seu país, a vitória de
Arnhem, a promessa das novas armas maravilhosas (reatores, foguetes, submarinos
elétrico, etc) e –não menos importante– o plano Morgenthau dos britânicos e
norte-americanos que estabelecia mais ou menos a destruição industrial da
Alemanha tinham elevado o moral da luta de uma forma que, em muitos casos,
inclusive excedia o nível normal nos primeiros compassos da guerra”. Quanto ao
equipamento militar, o historiador sueco afirma de forma muito clara: “Os
alemães eram absolutamente superiores nos campos mais importantes, na verdade,
pela primeira vez na guerra. O tanque pesado Königstiger, ou Tiger II, superava
qualquer coisa que os Aliados tinham –em janeiro de 1945, dois desses
aniquilaram uma companhia inteira de tanques Sherman, sem sofrer um arranhão–,
e nenhum tanque médio podia competir com o Panther. Tinham o primeiro fuzil de
assalto do mundo, o Sturmgewehr 44, os aviões Me-262 e Ar 234 eram totalmente
superiores no ar”.
O livro se desprende da crença de que
a ofensiva alemã das Ardenas foi uma tentativa desesperada, e aponta que tinha
chances reais de sucesso. “Na verdade, da perspectiva de Hitler, era o mais
inteligente que podia fazer, enquanto esperava a ofensiva russa seguinte no
Vístula. Foi cuidadosamente planejada e preparada, e fracassou principalmente
por dois fatores que poderiam não ter ocorrido: primeiro, porque as linhas de
abastecimento alemães foram cortadas pela aviação Aliada quando o tempo
melhorou no oitavo dia da ofensiva, e, segundo, porque as SS, menos competentes
que o exército regular, a Wehrmacht, receberam a responsabilidade de conseguir
os objetivos mais importantes. Mas esses dois fatores, como disse, poderiam ter
sido diferentes. Se os alemães tivessem reposicionado sua aviação de elite,
enviada para a frente do Leste, no Oeste, a aviação Aliada provavelmente não teria
sido capaz de cortar as linhas de abastecimento alemães. Então, os alemães
teriam 50% de possibilidades de alcançar a Antuérpia, cortar as forças Aliadas
em duas e cercar o grupo de exércitos de Montgomery".
A melhor aviação alemã estava no
Leste? “Exatamente. Havia uma enorme diferença entre os pilotos de uma frente e
da outra. Enquanto a maioria de aviadores do Oeste era, em 1944, de novatos
treinados de forma inadequada, uma parte importante dos pilotos alemães no
Leste era formada pelo que os padrões norte-americanos descrevem como ases. Lá
havia pilotos como Erich Hartmann e Gerhard Barkhorn, com 300 vitórias cada um,
ou pilotos de ataque ao chão como Hans-Ulrich Rudel, com experiência em 2.000
missões de combate. Os pilotos alemães com experiência em 500 ou mais saídas de
combate não eram incomuns no Leste no final de 1944. Os pilotos Aliados no
Oeste não tinham essa experiência”.
Em termos claros e futebolísticos, os
alemães eram melhores no campo do que os norte-americanos? “Sim, seus comandos
eram melhores, suas táticas eram melhores, muitas de suas tropas estavam mais
motivadas (com exceção das tropas aerotransportadas dos EUA), e seu armamento
era melhor, com exceção também da artilharia dos EUA”. Bergström é ainda mais
polêmico quando lhe pergunto se deveríamos repensar a (in)capacidade de Hitler
como comandante militar. “Acho que deveríamos. Apesar de Hitler carecer de alta
educação militar, tinha comprovado ter uma intuição das possibilidades no campo
de batalha. Os ataques no Oeste em 1940 e 1944 são bons exemplos. No entanto,
essa intuição falhou em várias ocasiões no final da guerra, a mais notável
talvez em Falaise, em agosto de 44. Mas a ideia de atacar nas Ardenas com o
objetivo de pegar rápido os exércitos de Montgomery foi brilhante”.
Voltando às SS, no livro se destaca
algumas vezes que a Wehrmacht lutou melhor nas Ardenas que as SS, contrariando
que as Waffen SS eram superiores. “Sem dúvida nenhuma foi assim. Muitos
depoimentos, de comandos da Wehrmacht e dos EUA, comprovam de fato que as SS
combateram de forma bastante inferior, como amadores, durante a batalha das
Ardenas. Essa era a regra geral –ainda que com exceções notáveis– para as
tropas novatas das SS em suas primeiras campanhas no campo de batalha durante
toda a II Guerra Mundial”.
E como lutaram os norte-americanos na
que foi a sua pior batalha na guerra, em intensidade e baixas? “Segundo todos
os depoimentos, as tropas aerotransportadas foram muito bem, assim como outras
unidades, como a 30ª e a 84ª divisões de Infantaria. Mas, no geral, devo dizer
que considerando sua crescente vantagem numérica, esperava-se que o Exército
dos EUA se comportasse melhor em um bom número de casos durante a batalha. A
contraofensiva de Patton, que na verdade foi um grande fracasso em comparação
com seus objetivos, é um bom exemplo em que se pode ver que se os alemães
desfrutassem das mesmas vantagens, provavelmente teriam obtido muito mais
sucesso”.
Ser sueco parece dar uma visão
diferente, mais objetiva e mais neutra, à história da II Guerra Mundial. “Acho
que simplesmente é natural que se seja influenciado pela perspectiva da
sociedade em que vive, em muitos casos é o seu próprio país. Mais ainda, quando
se trata de história militar, muito do que se pensa é influenciado pela
propaganda de guerra da época. Isso obrigatoriamente tem uma grande influência
na forma em que se aprende a história, de forma que ser de um país neutro é uma
grande vantagem se sua vontade é proporcionar uma descrição neutra e objetiva
de uma batalha como essa.”
Uma das conclusões mais surpreendentes
de Bergström é que a batalha foi uma vitória para... os soviéticos. “Com
certeza. A ofensiva das Ardenas enfraqueceu os Aliados ocidentais; de forma
material e, particularmente, psicológica teve um impacto prejudicial em seus próprios
planos de ofensiva, e os deixou extremamente cautelosos. Graças a isso, a União
Soviética conseguiu o crédito de capturar Berlim”. A história tem, segundo o
historiador, um corolário estremecedor: uma vitória alemã nas Ardenas poderia
ter representado que fossem duas cidades alemães as vítimas das bombas atômicas
em vez de Hiroshima e Nagasaki. “Se Hitler tivesse conseguido cercar e talvez
aniquilar o exército de Montgomery, pode ser que tivesse sido capaz de aguentar
até o verão de 1945. Nesse caso, as bombas atômicas provavelmente seriam
lançada contra a Alemanha, como era o plano original. Da forma que aconteceu,
os alemães se renderam antes que as bombas atômicas estivessem disponíveis”.
Christer Bergström está de acordo que
chegou a hora de se fazer um bom filme moderno sobre a batalha. “É verdade, a
batalha das Ardenas tem tudo que é preciso para se fazer um grande filme de
guerra de sucesso: o drama do combate, o milagre
quando o céu abre no último minuto permitindo às forças aéreas dos EUA salvar
suas tropas terrestres, o retorno inesperado dos alemães em janeiro de 1945, a
luta interna entre os generais Aliados (particularmente Patton e Montgomery), e
os dois anjos
femininos que trabalharam como enfermeiras e salvaram tantas vidas na assediada
Bastogne”. O historiador lembra bem a cena dos militares alemães cantando o Panzerlied no filme
de 1965. “Essa cena foi ideia do general Meinrad von Lauchert, um veterano da
batalha das Ardenas, Cruz de Cavalheiro com folhas de carvalho, que comandou
uma das pontas de lança alemães durante a ofensiva, e que foi assessor do
filme”. Do último filme sobre a II Guerra Mundial, Corações de Ferro, com Brad Pitt, diz
que recentemente falou com vários veteranos das forças norte-americanas que
serviram na batalha das Ardenas e todos concordam que Corações de Ferro é
um dos filmes de guerra mais realistas que já viram. “Logicamente, eu tenho que
compartilhar essa opinião”.
A Batalha que Comoveu a Europa, sobre a
batalha de Poltava, de Peter Englund, A
Beleza e a Dor, do mesmo autor, e seu próprio Ardenas parecem
mostrar um auge da história militar sueca. “O primeiro livro de Englund
mencionado abriu caminho para um novo interesse pela história militar na
Suécia. Os livros de História, particularmente história militar e, em especial,
sobre a II Guerra Mundial, são muito populares na Suécia. A edição sueca do meu
livro das Ardenas vendeu quase 3.000 cópias em seis meses e foi feita uma
segunda edição, o que não está ruim em um país de 9 milhões de habitantes”.
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