Este texto faz parte do livro “Inflated by Air: Common Perceptions of Civilian Casualties from Bombing.”
Em 26 de abril de 1937, talvez a incursão de bombardeio convencional mais famosa de todos os tempos foi conduzida durante a Guerra Civil Espanhola. Naquele dia, Guernica, uma cidade basca, e centro cultural, foi arrasada pela Luftwaffe (a força aérea alemã), que estava servindo sob o comando do governo nacionalista espanhol. O bombardeio de Guernica foi rapidamente transformado em um evento de proporções místicas e a versão dos eventos aceita pelo público e lideranças da Europa e América pareciam provar as piores predições das baixas civis que resultariam de um bombardeio aéreo. Guernica foi caracterizada como “bombardeio de terror” de civis inocentes conduzido com o intuito de castigar os não-combatentes e aterrorizar os sobreviventes até a submissão. O governo basco transformou o bombardeio de Guernica em uma grande propaganda e afirmou que 1.654 civis morreram e 889 ficaram feridos no ataque. As estatísticas de baixas e a interpretação padrão da incursão como um prelúdio para o bombardeio de terror de civis na Segunda Guerra Mundial continuou até hoje na literatura popular e histórica com poucas mudanças.
Os
fatos sobre o bombardeio de Guernica guardam pouca semelhança com o mito.
Guernica era uma pequena cidade de 5.000 a 7.000 pessoas que em abril de 1937
estava localizada próxima das frentes de combate. A Legião Condor alemã
escolheu-a como alvo por razões puramente táticas. Guernica tinha uma ponte e
uma importante interseção de estradas que eram vitais para a retirada da
maioria dos 23 batalhões do exército basco, localizado a leste de Guernica, e
no processo de evacuação para as linhas fortificadas próximas a Bilbao. A
interseção de estradas, dois batalhões do exército basco estacionados na
cidade, e a preocupação dos nacionalistas que os bascos pudessem fortificar a
cidade tornaram legítima sua seleção como alvo para ataque aéreo.
Os
alemães atacaram a cidade com 43 bombardeiros e caças e despejaram entre 40 e
50 toneladas de bombas de alto explosivo e incendiárias, que destruíram metade
da cidade e infligiram grandes baixas. A incursão foi absolutamente típica da
Guerra Civil Espanhola. Devido à baixa precisão dos bombardeios contra alvos
pontuais, as tripulações consideravam as vilas como sendo melhores alvos. O
raciocínio foi revelado em um relatório da Legião Condor de 1938: “Temos tido
resultados notáveis em atingir alvos próximos do front, especialmente no
bombardeio de vilas que mantém reservas e o quartel-general do inimigo. Temos
tido grande sucesso porque estes alvos são fáceis de encontrar e podem ser
destruídos totalmente pelo bombardeio geral.” A liderança nacionalista estava
totalmente ansiosa sobre o bombardeio de pequenas cidades próximas das linhas
de combate. Mesmo as histórias oficiais da Guerra Civil espanhola contém
fotografias e relatos do bombardeio de pequenas cidades ocupadas por legalistas
pela Força Aérea Nacionalista.
Correspondentes
estrangeiros escrevendo para o Times
de Londres e o New York Times em
conjunto com os membros do governo basco, entretanto rapidamente classificaram
o bombardeio de Guernica como “ataque terrorista”. Um correspondente escreveu: “O
objetivo do bombardeio parece ter sido a desmoralização da população civil e a
destruição do legado da raça basca.” A estória tornou-se gradativamente mais
embelezada. Os jornais de Nova York e Londres escreveram extensivamente sobre o
ataque. O New York Post publicou uma
charge sobre Guernica mostrando pilhas de corpos de civis mortos na “Cidade
Santa de Guernica” com Hitler pairando sobre a cidade arrasada com uma espada
coberta de sangue que foi nomeada como “incursões aéreas”. O Registro
Congressista americano mesmo indicou o uso de gás venenoso em Guernica – um evento
que jamais ocorreu. No Parlamento britânico, discursos foram feitos denunciando
o ataque e imprecisamente descrevendo Guernica como “cidade aberta” que não
continha nenhum alvo militar. O relato do governo basco de 1.654 mortos e 889
feridos foi aceito sem críticas pela imprensa mundial. De fato, a impressão foi
dada que Guernica era uma metrópole ao invés de uma pequena cidade e que a
Luftwaffe de 1937 já possuía a capacidade de apagar cidades inteiras do mapa –
algo que estava muito além da capacidade da força aérea alemã na época. Acima
de tudo, a imprensa já estava condicionada a esperar a destruição de cidades
inteiras pelo ar e a seleção de alvos civis seria a primeira consequência das guerras
vindouras. Parecia que o futuro havia chegado.
Em
Guernica, todos os principais componentes deste estudo chegaram em foco
prematuro, porém nítido. Os governos republicanos espanhol e basco tinham todos
os motivos para exagerar nas baixas civis em Guernica para efeitos
propagandísticos. De fato, a versão do ataque que foi disseminada teve grande
efeito na causa republicana. Simultaneamente, a imprensa, o público e a
liderança política foram condicionados a aceitar números exagerados para as
baixas civis. Mesmo assim, outro elemento é a persistência da estória original.
Poucos historiadores tem se interessado em examinar criticamente os eventos de
Guernica, e décadas mais tarde, o número original de 1.654 mortos é ainda
citado em textos históricos.
Portanto,
o número oficial de baixas em Guernica merece uma análise mais detalhada. Se os
números oficiais estão corretos, então o bombardeio da Legião Condor de
Guernica resultou em 41 fatalidades por tonelada de bomba (1654 mortos para 40
toneladas de bomba aproximadamente). Este é um número extraordinário quando comparamos
Guernica com os ataques aéreos mais devastadores da Segunda Guerra Mundial. Na
incursão de Hamburgo de julho de 1943, a RAF despejou 4.644 toneladas de bombas
produzindo cerca de 7,5 fatalidades por tonelada de bombas. No bombardeio
anglo-americano de Dresden em fevereiro de 1945, as forças aéreas aliadas
despejaram 3.431 toneladas de bombas produzindo entre 7,2 a 10,2 fatalidades
por tonelada. Em contraste com as incursões de bombardeiros contra cidades na
Segunda Guerra Mundial, o número de baixas de Guernica parece simplesmente
inacreditável. Hoje, é impossível obter um número exato para as baixas de
Guernica já que os nacionalistas espanhóis afirmam que a cidade nunca foi
atacada por ar e os republicanos dinamitaram a cidade para uso propagandístico.
O número chutado foi mantido oficialmente durante a ditadura de quarenta anos
de Francisco Franco e, presumivelmente, a polícia secreta de Franco eliminou
qualquer evidência sólida (atestados de óbito, registros de hospitais e
igrejas, etc.) do bombardeio conduzido sob ordens nacionalistas. Entretanto,
mesmo uma estimativa realista considerando uma alta taxa de eficiência (7 a 12
fatalidades por tonelada de bomba) conduziria a um número de fatalidades entre
300 e 400 em Guernica. Certamente, trata-se de um evento sanguinário, mas
relatar que uma pequena cidade teve algumas centenas de mortos não tem o mesmo
efeito que dizer que uma metrópole bombardeada teve quase 1.700 mortos.
Os
relatórios do bombardeio de Guernica tiveram o efeito de confirmar as previsões
dos teóricos do poder aéreo em relação às baixas civis. No gabinete francês
durante as sessões de estratégia de 1938, estimativas extravagantes foram
feitas a respeito da capacidade alemã em infligir baixas na população francesa
por bombardeio. O general francês da força aérea, Dentz, previu na época da
crise dos Sudetos em 1938 que as cidades francesas tornar-se-iam ruínas. Um
membro do gabinete francês disse a respeito do possível bombardeio aéreo alemão
das cidades francesas que “nossas cidades serão varridas, nossas mulheres e
crianças serão massacradas.” Durante a Crise de Munique em 1938, cerca de um
terço da população parisiense abandonou a cidade para evitar o bombardeio
alemão.
Na
Grã-Bretanha, durante os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, as atitudes
e estatísticas dos efeitos do bombardeio aéreo foram praticamente os mesmos. O
cientista britânico Lorde J.B.S. Haldane escreveu um livro sobre defesa contra
incursões aéreas em 1938 que postulava uma fórmula de 20 fatalidades para cada
tonelada de bomba despejada sobre Londres. Ele previu que uma força de
bombardeiros alemães de 270 aviões poderia despejar 400 toneladas de bombas e
provavelmente matar 8.000 pessoas e ferir mais de 15.000. Ele esclareceu que
isso poderia ser feito diversas vezes por dia e que o “golpe explosivo” poderia
matar entre 50.000 e 100.000 londrinos. O staff da RAF disse ao governo nos
anos 1930 esperar cerca de 20.000 baixas por dia se os alemães atacassem. No
início da guerra, o governo esperava fornecer 750.000 leitos para os hospitais
para receber o número esperado de vítimas. De fato, mesmo nos dias mais
sombrios da Blitz, não mais que 6.000 leitos foram necessários. Como Harold
McMillam mais tarde lembrou sobre as
percepções daquela época, “Pensávamos na guerra aérea em 1938 como as pessoas
pensam hoje da guerra nuclear.”
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