domingo, 6 de abril de 2014

Cheiro de guerra no ar

Eric Margolis, 29/03/2014


Cheiro de guerra está no ar. Cinquenta mil soldados russos e blindados foram descolados para a fronteira oriental da Ucrânia. A Europa e Washington preocupam-se que o renascido Exército Vermelho possa partir para o ocidente através da Ucrânia, Romênia e os países bálticos – mesmo na Polônia.

O Ocidente está sofrendo de um caso grave de calafrios.

Não somente as potências ocidentais estão preocupadas, elas estão descobrindo que não dispõem dos meios de parar possíveis incursões russas no que era o antigo Império Soviético.

Elas não deveriam se surpreender que a Rússia está novamente dando sinais de vida.

Frederico, o Grande, o conhecido rei-guerreiro prussiano, alertou: “Aquele que tenta defender tudo, não defende nada.”

Todo jovem oficial deveria ter as palavras de Frederico gravadas em sua mão direita. Logo após o colapso da União Soviética em 1991, um pequeno número de estrategistas, incluindo este analista que vos escreve, alertou a OTAN, “não se mova para o leste. É uma ponte longe demais.”

O líder soviético Mikhail Gorbachev havia concordado em deixar a rebelde Alemanha Oriental escapar do controle soviético – mas em troca, pediu a promessa da OTAN para não se mover para leste em direção das áreas previamente dominadas pelos soviéticos na Europa Oriental e Cáucaso. Os EUA e a OTAN concordaram, então rapidamente quebraram sua promessa.

O avanço da OTAN em direção da Europa Oriental, o Báltico e o Cáucaso – sem mencionar a antiga Ásia Central Soviética – acabou levando a aliança com os EUA diretamente sobre as fronteiras russas. Os sistemas antimísseis americanos foram programados para serem instalados na Polônia, próximo do território russo. Novas bases americanas foram criadas na Bulgária, Romênia e Ásia Central.

Esforços públicos dos EUA para trazer a Ucrânia e a base naval de Sevastopol na Criméia sob o controle da OTAN – sem dúvida para punir a Rússia pelo seu apoio à Síria e ao Irã – provou ser a gota d´agua para o Kremlin.

Falar grosso é fácil. Defender a Europa Oriental de uma possível invasão russa não será. O problema principal é que, enquanto as garantias da aliança EUA/OTAN avançaram em direção das sensíveis fronteiras russas, sua capacidade militar não foi. Ou seja, comprometimento sem capacidade[1].

As forças russas poderiam tomar o controle das repúblicas bálticas em uma tarde. Boa parte de sua população é formada de russos étnicos.

A OTAN não está preparada e equipada para uma guerra na Ucrânia: suas tropas estão posicionadas muito a oeste, sem sistemas logísticos ou cobertura aérea. Além disso, as potências europeias, exceto por um punhado de neonazistas na Dinamarca e nacionalistas na Ucrânia, não querem fazer parte de uma guerra contra a Rússia – isto foi deixado para os falcões vivendo confortavelmente em Washington.

A barreira das sanções econômicas que Washington está impondo à Rússia é um ato de pré-guerra. Devemos lembrar que as sanções americanas ao Japão em 1941 levaram ao ataque de Tóquio contra as potências ocidentais.

Durante a Guerra Fria, os EUA tinham algo como 400.000 soldados na Europa, 800 aviões de guerra e poderosas forças navais. Hoje, os EUA têm somente 43.000 soldados no continente: duas brigadas de combate e alguma força aérea e pessoal de logística. Os velhos dias quando a União Soviética tinha 50.000 tanques apontados para a Europa Ocidental acabaram, mas as modernas forças armadas russas ainda podem causar estrago.

Enquanto isso, os EUA espalharam suas forças por todo o globo no que Frederico, o Grande, chamaria de um esforço de defender tudo. Em particular, as tropas americanas foram para o Afeganistão, Iraque, então Kuweit e muitas de volta ao país. As divisões mais fortes da América estão agora defendendo o Kansas e o Texas ao invés de Fulda Gap[2] e Hanover na Alemanha.

O poder militar americano foi dissipado em pequenas guerras coloniais, exatamente como aconteceu com a Grã-Bretanha no século XIX. Quando as tropas imperiais britânicas tiveram que enfrentar os soldados alemães, eles foram massacrados. Analogamente, as forças americanas, reconfiguradas após o Vietnã para enfrentar guerrilhas[3], não estão preparadas hoje para enfrentar os netos do outrora poderoso Exército Vermelho.

Precavido, o paciente Vlad Putin não deverá intervir agora na Polônia. O perigo real, o que aconteceria se os russos étnicos vivendo no Báltico, Ucrânia e Romênia se rebelassem e exigissem reunificação com a Mãe Rússia?[4]

Deveria a Rússia ir à sua ajuda? A Europa e os EUA deveriam estar preparados para o risco de uma guerra nuclear por causa de lugares desconhecidos como Luhansk, Kharkov, Chisinau ou Kaunus?

Na Ucrânia e Criméia estamos vendo agora os resultados da geopolítica agressiva ocidental. A Rússia não pode ser subestimada. Uma crise entre potências nucleares jamais deveria ser permitida. É loucura suicida. Como uma criança brincando com uma faca.

Notas:

[1] Basicamente o que ocorreu em 1939, quando a Grã-Bretanha e França deram garantias de soberania à Polônia contra as intenções do Terceiro Reich em expandir suas fronteiras a leste, mesmo sem ter condições militares e logísticas de enfrentar a Alemanha.

[2] Fulda Gap é uma área entre a fronteira Hesse-Turíngia (a antiga fronteira interna entre as Alemanhas Ocidenal e Oriental) e Frankfurt am Main que contém dois corredores de planícies onde tanques poderiam se deslocar em um ataque surpresa dos soviéticos e seus aliados do Pacto de Varsóvia para alcançar o Rio Reno.

[3] Guerrilhas, terrorismo, guerra urbana, etc. são classificadas modernamente como “Guerra Irregular”, já que não empregam métodos tradicionais das guerras entre nações.

[4] Situação análoga à da Europa nos anos 1930, quando em 1938 e 1939, alemães étnicos vivendo na Áustria, Tchecoslováquia e Polônia, exigiram unificação com a Alemanha.

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