Natalia Yudenitsch
Para um cavaleiro medieval, perder um cavalo
significava desespero. Além do alto custo de adquirir um novo animal de boa
linhagem com todos os equipamentos necessários, a cavalaria era, por volta do
século 12, intimamente associada à nobreza - ou seja, lutar a pé era uma
evidente perda de status.
Por isso,
compreende-se o apelo angustiado do rei inglês Ricardo III: “Um cavalo, um
cavalo, meu reino por um cavalo!”, ele repetia, ao perder sua montaria durante
a Batalha de Bosworth, em 1485 - e a fala está na peça Ricardo III do
dramaturgo inglês William Shakespeare. Dá uma boa ideia do que representavam o
cavaleiro e a montaria na Idade Média. Eram fundamentais nos combates. Alguns
viraram lendas pelas atuações nas batalhas e nos torneios de cavaleiros, outros
foram idealizados em contos, livros e peças como a de Shakespeare. "Não é
à toa que os cavalos recebiam um tratamento muitas vezes superior ao despendido
aos soldados. A perda do cavalo em combate podia custar a vida de seu
cavaleiro, já que suas armaduras eram mais leves do que as dos soldados
desmontados, resistindo bem menos a flechas e golpes de espada”, diz o
professor Wolfgang Henzler, especialista em história e armas medievais da
Universidade de Freiburg, na Alemanha.
A formação
A conexão
do futuro cavaleiro, sempre de linhagem nobre e muitas vezes com sangue real,
com a prática começava cedo. Ao 7 anos, o garoto era iniciado em sua formação
como pajem. Aos 12, passava a servir seu senhor feudal, quando recebia
instrução militar e subia ao posto de escudeiro. Era com esse status que partia
com seu suserano para assistir a suas primeiras batalhas reais e aprendia o
manejo da lança e da espada. Se sobrevivesse à experiência, provasse seu valor
e tivesse dinheiro suficiente para arcar com os custos, entre os 18 e 20 anos
ele era armado cavaleiro num ritual que marcava a passagem da adolescência para
a idade adulta.
O ritual de
sagração de cavaleiro dava a medida da importância do título. Implicava em
mostrar sua virilidade em combates simulados durante uma festa – às vezes até
em presença do rei –, na observação do jejum e em uma noite de vigília das
armas, seguida da comunhão, que incluía a bênção da espada do aspirante. O
rapaz fazia então seu juramento, prometendo seguir os códigos de lealdade e
honra. De acordo com Henzler, "ele recebia um tapa no rosto ou um golpe no
ombro ou na nuca do seu senhor, que finalmente dizia: `Eu te faço cavaleiro em
nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, de São Miguel e de São Jorge. Sê
valente, destemido e leal´. E dali saía montado em seu cavalo".
No campo de
batalha, as formações da cavalaria começavam com as lanças. Funcionava assim:
cada lança trazia uma fileira com o cavaleiro, seu escudeiro, um pajem e dois
arqueiros ou besteiros. Cerca de seis lanças se configuravam como uma bandeira,
que por sua vez constituíam uma companhia de homens de armas.
Era uma
tática absolutamente brutal: a carga transmitia toda a força do cavalo a um
frágil corpo humano, concentrada em uma ponta. Quem era atingido diretamente
não tinha nenhuma chance de sobreviver, mas não parava por aí: a isso se seguia
o próprio cavalo, treinado para atropelar humanos, em meio a uma formação de
infantaria. Diante disso, os inimigos perdiam a formação e, em pânico, tentavam
salvar suas vidas. Às vezes, só a visão da cavalaria já os fazia se
dispersarem.
Quanto à
lança em si, raramente sobrevivia ao ataque. O cavaleiro então sacava sua
espada ou maça e continuava a atacar montado, ou recuava e pegava outra lança
para outra carga.
Fim do domínio
No século
12, na era das cruzadas, a cavalaria ganhou um aspecto mais religioso,
especialmente com o surgimento das ordens militares – como as de hospitalários
e templários. O cavaleiro passou a ser defensor contra hereges e infiéis.
“Durante a Guerra dos Cem Anos, ao mesmo tempo em que chegava ao auge no
imaginário popular, ele viu sua importância militar perder força. Primeiro por
causa da melhoria das armas, como o arco longo, e depois com a chegada das
armas de fogo”, afirma Jill Diana Harries, professora de história antiga
da Universidade de St. Andrews, na Escócia. A infantaria também foi se tornando
mais profissional e organizada. Com longas lanças, os piques, uma unidade
disciplinada era capaz de evitar uma carga - os cavalos nem tentavam avançar
contra uma paliçada de piques.
Com o
tempo, os próprios cavaleiros passaram a desmontar e lutar como infantaria -
com suas armaduras, é claro, que os diferenciava de meros plebeus também no
solo. O auge da armadura aconteceu nos séculos 15 e 16, quando já havia armas
de fogo - e elas eram feitas para resistir a tiros imprecisos, em ângulo ou de
longa distância. Quando as armas de fogo se tornaram potentes demais para que
uma armadura de corpo inteiro pudesse ser feita com um peso viável, elas
finalmente tornaram-se meras couraças, e depois abandonadas completamente, ao
longo do século 16.
Nesse
processo, o cavaleiro em armadura brilhante era cada dia mais uma realidade
reservada aos torneios do que às batalhas reais. Esse eventos, como definiu no
século 12 o historiador medieval inglês Roger of Hoveden, eram “um exercício
militar sem o espírito de hostilidade”. Muito populares na Europa, tinham
regras simples: cada cavaleiro levava três armas – uma espada, uma lança e um
rondel (um tipo de adaga medindo entre 30 e 50 cm) – e o vencedor era o que
conseguisse derrubar o oponente do cavalo com a lança. Se ambos caíssem, dava
empate - resolvido em um duelo no solo, até que sobrasse apenas um homem em pé.
Num por prazer, para a diversão da plateia, usavam-se armas com pontas rombudas
- não era o plano matar ninguém, mas a violência do impacto era a mesma de um
campo de batalha, e acidentes eram frequentes.
Cavaleiro
acabaria por se tornar um mero título honorífico. Com soldados plebeus, a
cavalaria seria usada como uma força auxiliar, atacando partes vulneráveis da
formação inimiga com sabres, não mais lanças. Isso perduraria até a Primeira
Guerra, quando metralhadoras finalmente silenciaram o som das ferraduras contra
o solo.
Histórias de cavaleiro
Os romances cavalaria, aventuras que exaltavam a defesa dos fracos
e oprimidos e que vinham sempre recheadas de aventuras e histórias de amor,
fizeram a fama do cavaleiro medieval que persiste até hoje. Com uma concepção
de amor mais realista do que a literatura cortês, os contos de cavalaria foram
também usados como um instrumento de doutrina da Igreja, que incentivava a
ideia da busca pelo Graal sagrado, cálice que teria contido o sangue de Cristo
após a crucificação – como a descrita nas várias narrativas do ciclo arturiano
sobre a saga dos Cavaleiros da Távola Redonda. Em seu ápice heroico, estão as
visões de cavaleiros baseadas na lenda de Tristão e Isolda, como a do alemão
Gottfried von Strassburg, e o romance Lancelot, de Chrétien de Troyes, escrito no
século 12. O crepúsculo da cavalaria, porém, não deixou de ser registrado pelas
letras. Don Quixote de La Mancha, do espanhol Miguel de Cervantes, retrata com
uma pontinha nostálgica o que restara do cavaleiro andante na entrada do século
17: uma figura patética e anacrônica, que perseguia moinhos acreditando serem
esses gigantes - ainda que com certa dignidade.
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