sexta-feira, 14 de abril de 2017

[SGM] A bomba atômica de Hitler

Eduardo Sklarz



Junho de 1942. Os alemães tinham acabado de atacar várias cidades inglesas, e a Segunda Guerra Mundial estava pegando fogo. A situação não podia ficar pior. Mas ficou, quando o primeiro-ministro britânico Winston Churchill recebeu um relatório aterrador. A Alemanha, que vinha desenvolvendo armas de altíssima tecnologia, estava muito perto de concluir a maior de todas: a bomba atômica. Os Aliados também corriam para produzir a bomba (no chamado Projeto Manhattan, liderado pelos EUA), mas os cientistas nazistas estavam na frente. Churchill gelou. Em dois anos, talvez menos, Hitler teria a arma mais poderosa já criada pelo homem. Era preciso detê-lo.

A bomba atômica de Hitler começou a sair do papel nos anos 1930. O alerta amarelo soou em 1938, quando o físico alemão Otto Hahn bombardeou átomos de urânio com nêutrons e produziu partículas de bário, liberando energia. Ou seja: Hahn descobriu a fissão nuclear do urânio. Se essa fissão fosse atingida em larga escala, liberaria uma energia descomunal – suficiente para uma arma atômica. Em 1939 veio o alerta laranja: a Alemanha tirou do mercado internacional o urânio da Tchecoslováquia (então ocupada pelos nazistas), e ficou com todo o minério para si. Sinal de que estava desenvolvendo uma bomba. Em 1942, ela estava quase pronta, e os Aliados decidiram agir.

Planejaram uma missão para sabotar o coração do projeto nuclear alemão: a usina de Vemork, na Noruega ocupada. Era a única usina do mundo capaz de produzir grande quantidade de água pesada (D2O, um tipo de água que tem deutério, ou “hidrogênio pesado”, no lugar do hidrogênio comum). Como os átomos de deutério possuem um próton e um nêutron, ele é um excelente moderador, ou seja, desacelera as colisões de nêutrons produzidos pela fissão do urânio, permitindo controlar a reação em cadeia. Traduzindo: para operar um reator nuclear, e desenvolver uma bomba atômica, você precisa de água pesada. O problema é que, na natureza, ela é muito rara (menos de 1 molécula para cada 5 mil de água comum), e era extremamente difícil extraí-la. Os nazistas descobriram como fazer isso. Em 1942, a usina já produzia 12 toneladas de água pesada por ano.

Churchill se reuniu com o presidente americano, Franklin D. Roosevelt, para combinar o plano, cuja execução ficaria a cargo dos ingleses. Havia um problema: a usina ficava na beira de um penhasco, no topo de uma queda-d’água, cercada por minas e vigiada por soldados alemães. Um alvo quase impossível para um ataque terrestre. E bombardeá-la provocaria vítimas civis na cidade vizinha de Rjukan. O único caminho era tentar uma missão secreta. Em 19 de novembro, 34 soldados foram enviados para sabotar e explodir o local. Viajaram a bordo de dois planadores, rebocados por bombardeiros Halifax. O objetivo era pousar na costa do lago Mosvatn, que alimentava as turbinas da usina. Cada time, de 17 soldados, levava armas, explosivos e bicicletas desmontáveis.

O primeiro grupo deveria esperar meia hora pelo segundo. Se ele não aparecesse, deveria executar sozinho a missão: descer a montanha de bicicleta até uma ponte suspensa que atravessa o desfiladeiro, matar silenciosamente os guardas da ponte, entrar na usina, destruir as máquinas e esvaziar os estoques de água pesada. Depois, os soldados deveriam se dividir em grupos pequenos, de três pessoas cada, e fugir para a Suécia. Quem se ferisse receberia uma injeção de morfina e seria deixado para trás, para morrer em território nazista.

Os dois bombardeiros cruzaram o Mar do Norte, puxando os planadores, e começaram a sobrevoar a Noruega. Fazia muito frio, e o gelo que se acumulava sobre os aviões e os cabos de reboque causou uma tragédia. Logo após ser solto pelo avião que o puxava, o primeiro planador espatifou-se numa montanha, a nordeste do povoado de Helleland. Soldados alemães chegaram à região ao amanhecer e encontraram 14 sobreviventes – seis gravemente feridos. Todos foram fuzilados. O outro planador cruzou o Mar do Norte e penetrou na Noruega. Mas, ao atravessar uma nuvem carregada, o cabo de reboque se rompeu – e o planador caiu. Dos 17 homens a bordo, oito morreram e quatro tiveram ferimentos graves. Oficiais da Gestapo (a polícia secreta do Reich) chegaram pouco depois, prenderam e interrogaram os sobreviventes. Com eles, encontraram um mapa com um círculo azul sobre a usina de Vemork. A missão havia fracassado. E agora?

A Operação Gunnerside

Os Aliados se viram numa encruzilhada: bombardear a usina, e matar milhares de civis na cidade vizinha, ou tentar outra sabotagem? Ganhou a segunda opção. A Inglaterra selecionou seis voluntários do Exército da Noruega, especialmente treinados em sabotagem. Tinha início a Operação Gunnerside. O chefe era o tenente norueguês Joachim Rönneberg, de 23 anos. Os demais também tinham 20 e poucos: tenente Knut Haukelid, sargento Fredrik Kayser, sargento Hans Storhaug, tenente Kasper Idland e sargento Birger Strömsheim.

O maior desafio era entrar na usina sem chamar a atenção. As portas de aço estariam trancadas, e explodir uma delas causaria muito barulho. Além disso, Rönneberg não queria trocar tiros com os guardas, para não provocar vítimas desnecessárias nem alertar os cerca de 300 soldados alemães estacionados em Rjukan e Vemork. O gerente da usina, Jomar Brun, era informante dos Aliados. E conhecia uma brecha. “Existe um duto que liga a parte de fora da usina até o porão do edifício, onde estão as máquinas que vocês têm de destruir. Tem espaço para uma pessoa entrar rastejando.”

Na madrugada de 17 de fevereiro de 1943, Rönneberg e seu grupo saltaram de paraquedas sobre Hardanger, a 29 km do alvo. Pousaram em plena tempestade de neve, a 20 graus negativos. Andaram por horas até achar uma cabana, onde se protegeram das tormentas por cinco dias antes de prosseguir. Os alemães haviam espalhado minas ao redor das comportas e metralhadoras ao longo das trilhas que conduziam a Vemork pelo lado sul do vale. Os sabotadores só podiam ingressar pelo norte, e para isso deveriam atravessar um desfiladeiro. Esse setor não era minado, pois os alemães confiaram na proteção natural. Só um doido escalaria aquela encosta. Na noite de 27 de fevereiro de 1943, Rönneberg anunciou: “Vamos, pessoal!” Às 22h, eles desceram o desfiladeiro até o rio congelado ao pé do vale. Esconderam os esquis, cruzaram o rio e iniciaram a escalada. Chegaram do outro lado às 23h45, encharcados de suor.

O risco era enorme, e cada soldado recebeu uma cápsula de veneno. (Se fosse capturado, bastaria mordê-la para morrer em poucos segundos.) Mas um estranho senso de tranquilidade os acompanhava quando avistaram os oito andares da usina erguendo-se feito um mamute sobre o penhasco. Rönneberg repassou o plano: ao entrar na sala de alta concentração, onde ficavam os tanques de água pesada, tudo teria de ser feito em menos de 7 minutos.

Os homens entraram na usina à 0h30, e chegaram à sala de alta concentração alguns minutos depois. No meio dela, um cientista norueguês fazia anotações num caderno.

“Mãos ao alto!”, gritaram Kayser e Rönneberg. “Nada lhe acontecerá se fizer o que mandarmos.” O cientista, Gustav Johansen, entregou a chave de uma porta de aço pela qual era possível fugir da usina. Ficou quieto enquanto Rönneberg colava os explosivos de nitrocelulose, em formato de salsicha, nos 18 tanques de água pesada.

Os detonadores tinham 120 centímetros, e queimavam ao ritmo de 1 cm por segundo. Ou seja: explodiriam em 2 minutos. Na verdade, bem menos do que isso. Rönneberg casou os detonadores dois a dois, para só ter de acender nove deles, e cortou o último pavio, para que durasse apenas 30 segundos. Esse último pavio, mais curto, detonaria todos os 18 explosivos (os outros detonadores, de 2 minutos, eram apenas um backup, caso o principal falhasse). Em suma: depois de acender o pavio, eles teriam apenas 30 segundos para sair correndo de lá. Kayser abriu a porta de aço. Tudo pronto. Rönneberg riscou o fósforo.

“Esperem!”, suplicou o físico. “Meus óculos estão na mesa. Preciso deles!” Rönneberg sabia que os nazistas haviam confiscado todos os instrumentos ópticos da Noruega, e era muito difícil conseguir outro par de lentes. Apagou o fósforo, pegou a caixa dos óculos e entregou ao cientista. Riscou outro fósforo, mas ouviu Johansen de novo. “Por favor, espere! Os óculos não estão na caixa!” Aí já era demais. Incrivelmente, Rönneberg apagou o fósforo, correu para a mesa e achou os óculos. Entregou-os para Johansen – mas aí outro norueguês apareceu na sala. Era o supervisor noturno Gunnar Engebretsen, que ficou petrificado ao ver o que estava acontecendo. “Leve os dois para as escadas”, disse Rönneberg. “Depois que eu acender os pavios, diga a eles para subir o mais rápido que puderem. Devem chegar ao segundo andar antes da explosão.”

Rönneberg acendeu os pavios e gritou: “Agora!” Saíram, fecharam a porta e correram. Estavam a 20 metros dela quando sentiram um ventinho entre as pernas. Era a explosão.

Para quem estava fora do edifício, ela foi um ruído seco, contido. Um baque abafado pelas grossas paredes de concreto da usina. Tão abafado que nem chamou a atenção dos soldados. Vemork era cheia de barulhos estranhos, e aquele parecia outro estampido inócuo. Longos segundos se passaram até que um único soldado, desarmado, foi dar uma olhada. Foi até a porta de aço, viu que estava trancada como sempre e retornou.

Quando os alemães descobriram a sabotagem, Rönneberg e seus homens já estavam fora do desfiladeiro, de volta às montanhas. A operação foi um sucesso: embora não tenha liquidado Vemork, provocou um atraso de meses na produção de água pesada. Foi um atraso decisivo, que impediu Hitler de construir a bomba a tempo de usá-la na 2a Guerra Mundial. Não que ele não tenha tentado. A usina foi reconstruída e, em meados de 1943, os alemães retomaram a produção de água pesada. Não dava mais para tentar uma ação de sabotagem, pois a segurança do local tinha sido fortemente ampliada. Aí, os Aliados decidiram bombardear o lugar.

Em 16 de novembro, aviões B-24 americanos lançaram mais de 700 bombas sobre Vemork. Atacaram ao meio-dia para tentar minimizar vítimas, já que a maioria dos funcionários estaria fora para o almoço. Mas as nuvens espessas, e geradores de fumaça instalados pelos nazistas, atrapalharam a visão dos pilotos. Alguns deles confundiram o alvo e atacaram uma usina de nitrato a 5 km de lá. Choveu bomba em todo canto, e 22 pessoas morreram. Apenas quatro bombas atingiram Vemork, e não exatamente sobre os tanques de água pesada.

Em 9 de fevereiro de 1944, espiões britânicos descobriram que os nazistas iriam levar toda a água pesada, em barris, até a Alemanha. Iriam transportá-la a bordo de um ferry boat pelo lago Tinn. Hitler queria guardar e usar a água numa usina mais segura. Foi quando Haukelid, um dos sabotadores, voltou à ação: colocou explosivos no ferry, que afundou no meio do lago em 20 de fevereiro de 1944. E os planos de um Terceiro Reich atômico, literalmente, foram por água abaixo.

O reator nazista na Argentina

Hitler não conseguiu a bomba atômica, mas seu programa nuclear continuou vivo. Em 1949, o presidente argentino Juan Perón contratou o físico austríaco Ronald Richter, que iniciou a construção de um reator de fusão nuclear na ilha Huemul, a 7 km de Bariloche. Richter foi indicado pelo engenheiro alemão Kurt Tank, que havia servido ao Terceiro Reich e estava desenvolvendo caças para o regime peronista. A fusão nuclear é uma fonte abundante de energia (é o que acontece dentro do Sol), mas cheia de desafios técnicos – até hoje a ciência não conseguiu produzir um reator de fusão comercialmente viável. Richter achou que tinha conseguido, e anunciou isso em 1951. A notícia gerou incerteza no Brasil e no mundo. Será que a Argentina abrigaria o Quarto Reich? Estariam nossos hermanos, na verdade, desenvolvendo uma bomba atômica? Que nada. Em 1952, cientistas argentinos inspecionaram a ilha e descobriram que tudo não passava de uma farsa: o reator não funcionava. Richter ficou cinco dias preso. Devolveu as condecorações que havia recebido de Perón, foi solto e morou na Argentina até morrer, em 1991.

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