Eduardo Sklarz
Junho de 1942. Os alemães tinham acabado de atacar várias cidades
inglesas, e a Segunda Guerra Mundial estava pegando fogo. A situação não podia
ficar pior. Mas ficou, quando o primeiro-ministro britânico Winston Churchill
recebeu um relatório aterrador. A Alemanha, que vinha desenvolvendo armas de
altíssima tecnologia, estava muito perto de concluir a maior de todas: a bomba
atômica. Os Aliados também corriam para produzir a bomba (no chamado Projeto
Manhattan, liderado pelos EUA), mas os cientistas nazistas estavam na frente.
Churchill gelou. Em dois anos, talvez menos, Hitler teria a arma mais poderosa
já criada pelo homem. Era preciso detê-lo.
A bomba atômica de Hitler começou a sair do papel
nos anos 1930. O alerta amarelo soou em 1938, quando o físico alemão Otto Hahn
bombardeou átomos de urânio com nêutrons e produziu partículas de bário,
liberando energia. Ou seja: Hahn descobriu a fissão nuclear do urânio. Se essa
fissão fosse atingida em larga escala, liberaria uma energia descomunal –
suficiente para uma arma atômica. Em 1939 veio o alerta laranja: a Alemanha
tirou do mercado internacional o urânio da Tchecoslováquia (então ocupada pelos
nazistas), e ficou com todo o minério para si. Sinal de que estava
desenvolvendo uma bomba. Em 1942, ela estava quase pronta, e os Aliados
decidiram agir.
Planejaram uma missão para sabotar o coração do
projeto nuclear alemão: a usina de Vemork, na Noruega ocupada. Era a única
usina do mundo capaz de produzir grande quantidade de água pesada (D2O, um tipo
de água que tem deutério, ou “hidrogênio pesado”, no lugar do hidrogênio
comum). Como os átomos de deutério possuem um próton e um nêutron, ele é um
excelente moderador, ou seja, desacelera as colisões de nêutrons produzidos
pela fissão do urânio, permitindo controlar a reação em cadeia. Traduzindo:
para operar um reator nuclear, e desenvolver uma bomba atômica, você precisa de
água pesada. O problema é que, na natureza, ela é muito rara (menos de 1
molécula para cada 5 mil de água comum), e era extremamente difícil extraí-la.
Os nazistas descobriram como fazer isso. Em 1942, a usina já produzia 12
toneladas de água pesada por ano.
Churchill se reuniu com o presidente americano,
Franklin D. Roosevelt, para combinar o plano, cuja execução ficaria a cargo dos
ingleses. Havia um problema: a usina ficava na beira de um penhasco, no topo de
uma queda-d’água, cercada por minas e vigiada por soldados alemães. Um alvo
quase impossível para um ataque terrestre. E bombardeá-la provocaria vítimas
civis na cidade vizinha de Rjukan. O único caminho era tentar uma missão
secreta. Em 19 de novembro, 34 soldados foram enviados para sabotar e explodir
o local. Viajaram a bordo de dois planadores, rebocados por bombardeiros
Halifax. O objetivo era pousar na costa do lago Mosvatn, que alimentava as
turbinas da usina. Cada time, de 17 soldados, levava armas, explosivos e
bicicletas desmontáveis.
O primeiro grupo deveria esperar meia hora pelo
segundo. Se ele não aparecesse, deveria executar sozinho a missão: descer a
montanha de bicicleta até uma ponte suspensa que atravessa o desfiladeiro,
matar silenciosamente os guardas da ponte, entrar na usina, destruir as
máquinas e esvaziar os estoques de água pesada. Depois, os soldados deveriam se
dividir em grupos pequenos, de três pessoas cada, e fugir para a Suécia. Quem
se ferisse receberia uma injeção de morfina e seria deixado para trás, para
morrer em território nazista.
Os dois bombardeiros cruzaram o Mar do Norte,
puxando os planadores, e começaram a sobrevoar a Noruega. Fazia muito frio, e o
gelo que se acumulava sobre os aviões e os cabos de reboque causou uma
tragédia. Logo após ser solto pelo avião que o puxava, o primeiro planador
espatifou-se numa montanha, a nordeste do povoado de Helleland. Soldados
alemães chegaram à região ao amanhecer e encontraram 14 sobreviventes – seis
gravemente feridos. Todos foram fuzilados. O outro planador cruzou o Mar do
Norte e penetrou na Noruega. Mas, ao atravessar uma nuvem carregada, o cabo de
reboque se rompeu – e o planador caiu. Dos 17 homens a bordo, oito morreram e
quatro tiveram ferimentos graves. Oficiais da Gestapo (a polícia secreta do
Reich) chegaram pouco depois, prenderam e interrogaram os sobreviventes. Com
eles, encontraram um mapa com um círculo azul sobre a usina de Vemork. A missão
havia fracassado. E agora?
A Operação Gunnerside
Os Aliados se viram numa encruzilhada: bombardear a
usina, e matar milhares de civis na cidade vizinha, ou tentar outra sabotagem?
Ganhou a segunda opção. A Inglaterra selecionou seis voluntários do Exército da
Noruega, especialmente treinados em sabotagem. Tinha início a Operação
Gunnerside. O chefe era o tenente norueguês Joachim Rönneberg, de 23 anos. Os
demais também tinham 20 e poucos: tenente Knut Haukelid, sargento Fredrik
Kayser, sargento Hans Storhaug, tenente Kasper Idland e sargento Birger
Strömsheim.
O maior desafio era entrar na usina sem chamar a
atenção. As portas de aço estariam trancadas, e explodir uma delas causaria
muito barulho. Além disso, Rönneberg não queria trocar tiros com os guardas,
para não provocar vítimas desnecessárias nem alertar os cerca de 300 soldados
alemães estacionados em Rjukan e Vemork. O gerente da usina, Jomar Brun, era
informante dos Aliados. E conhecia uma brecha. “Existe um duto que liga a parte
de fora da usina até o porão do edifício, onde estão as máquinas que vocês têm
de destruir. Tem espaço para uma pessoa entrar rastejando.”
Na madrugada de 17 de fevereiro de 1943, Rönneberg e seu grupo saltaram
de paraquedas sobre Hardanger, a 29 km do alvo. Pousaram em plena tempestade de
neve, a 20 graus negativos. Andaram por horas até achar uma cabana, onde se
protegeram das tormentas por cinco dias antes de prosseguir. Os alemães haviam
espalhado minas ao redor das comportas e metralhadoras ao longo das trilhas que
conduziam a Vemork pelo lado sul do vale. Os sabotadores só podiam ingressar
pelo norte, e para isso deveriam atravessar um desfiladeiro. Esse setor não era
minado, pois os alemães confiaram na proteção natural. Só um doido escalaria
aquela encosta. Na noite de 27 de fevereiro de 1943, Rönneberg anunciou:
“Vamos, pessoal!” Às 22h, eles desceram o desfiladeiro até o rio congelado ao
pé do vale. Esconderam os esquis, cruzaram o rio e iniciaram a escalada.
Chegaram do outro lado às 23h45, encharcados de suor.
O risco era enorme, e cada soldado recebeu uma
cápsula de veneno. (Se fosse capturado, bastaria mordê-la para morrer em poucos
segundos.) Mas um estranho senso de tranquilidade os acompanhava quando
avistaram os oito andares da usina erguendo-se feito um mamute sobre o
penhasco. Rönneberg repassou o plano: ao entrar na sala de alta concentração,
onde ficavam os tanques de água pesada, tudo teria de ser feito em menos de 7
minutos.
Os homens entraram na usina à 0h30, e chegaram à
sala de alta concentração alguns minutos depois. No meio dela, um cientista
norueguês fazia anotações num caderno.
“Mãos ao alto!”, gritaram Kayser e Rönneberg. “Nada
lhe acontecerá se fizer o que mandarmos.” O cientista, Gustav Johansen,
entregou a chave de uma porta de aço pela qual era possível fugir da usina.
Ficou quieto enquanto Rönneberg colava os explosivos de nitrocelulose, em
formato de salsicha, nos 18 tanques de água pesada.
Os detonadores tinham 120 centímetros, e queimavam ao ritmo de 1 cm por
segundo. Ou seja: explodiriam em 2 minutos. Na verdade, bem menos do que isso.
Rönneberg casou os detonadores dois a dois, para só ter de acender nove deles,
e cortou o último pavio, para que durasse apenas 30 segundos. Esse último
pavio, mais curto, detonaria todos os 18 explosivos (os outros detonadores, de
2 minutos, eram apenas um backup, caso o principal falhasse). Em suma: depois
de acender o pavio, eles teriam apenas 30 segundos para sair correndo de lá.
Kayser abriu a porta de aço. Tudo pronto. Rönneberg riscou o fósforo.
“Esperem!”, suplicou o físico. “Meus óculos estão
na mesa. Preciso deles!” Rönneberg sabia que os nazistas haviam confiscado todos
os instrumentos ópticos da Noruega, e era muito difícil conseguir outro par de
lentes. Apagou o fósforo, pegou a caixa dos óculos e entregou ao cientista.
Riscou outro fósforo, mas ouviu Johansen de novo. “Por favor, espere! Os óculos
não estão na caixa!” Aí já era demais. Incrivelmente, Rönneberg apagou o
fósforo, correu para a mesa e achou os óculos. Entregou-os para Johansen – mas
aí outro norueguês apareceu na sala. Era o supervisor noturno Gunnar
Engebretsen, que ficou petrificado ao ver o que estava acontecendo. “Leve os
dois para as escadas”, disse Rönneberg. “Depois que eu acender os pavios, diga
a eles para subir o mais rápido que puderem. Devem chegar ao segundo andar
antes da explosão.”
Rönneberg acendeu os pavios e gritou: “Agora!”
Saíram, fecharam a porta e correram. Estavam a 20 metros dela quando sentiram
um ventinho entre as pernas. Era a explosão.
Para quem estava fora do edifício, ela foi um ruído seco, contido. Um
baque abafado pelas grossas paredes de concreto da usina. Tão abafado que nem
chamou a atenção dos soldados. Vemork era cheia de barulhos estranhos, e aquele
parecia outro estampido inócuo. Longos segundos se passaram até que um único
soldado, desarmado, foi dar uma olhada. Foi até a porta de aço, viu que estava
trancada como sempre e retornou.
Quando os alemães descobriram a sabotagem,
Rönneberg e seus homens já estavam fora do desfiladeiro, de volta às montanhas.
A operação foi um sucesso: embora não tenha liquidado Vemork, provocou um
atraso de meses na produção de água pesada. Foi um atraso decisivo, que impediu
Hitler de construir a bomba a tempo de usá-la na 2a Guerra Mundial. Não que ele
não tenha tentado. A usina foi reconstruída e, em meados de 1943, os alemães
retomaram a produção de água pesada. Não dava mais para tentar uma ação de
sabotagem, pois a segurança do local tinha sido fortemente ampliada. Aí, os
Aliados decidiram bombardear o lugar.
Em 16 de novembro, aviões B-24 americanos lançaram
mais de 700 bombas sobre Vemork. Atacaram ao meio-dia para tentar minimizar vítimas,
já que a maioria dos funcionários estaria fora para o almoço. Mas as nuvens
espessas, e geradores de fumaça instalados pelos nazistas, atrapalharam a visão
dos pilotos. Alguns deles confundiram o alvo e atacaram uma usina de nitrato a
5 km de lá. Choveu bomba em todo canto, e 22 pessoas morreram. Apenas quatro
bombas atingiram Vemork, e não exatamente sobre os tanques de água pesada.
Em 9 de fevereiro de 1944, espiões britânicos
descobriram que os nazistas iriam levar toda a água pesada, em barris, até a
Alemanha. Iriam transportá-la a bordo de um ferry boat pelo lago Tinn. Hitler
queria guardar e usar a água numa usina mais segura. Foi quando Haukelid, um
dos sabotadores, voltou à ação: colocou explosivos no ferry, que afundou no
meio do lago em 20 de fevereiro de 1944. E os planos de um Terceiro Reich
atômico, literalmente, foram por água abaixo.
O reator nazista na Argentina
Hitler não conseguiu a bomba atômica, mas seu
programa nuclear continuou vivo. Em 1949, o presidente argentino Juan Perón contratou
o físico austríaco Ronald Richter, que iniciou a construção de um reator de
fusão nuclear na ilha Huemul, a 7 km de Bariloche. Richter foi indicado pelo
engenheiro alemão Kurt Tank, que havia servido ao Terceiro Reich e estava
desenvolvendo caças para o regime peronista. A fusão nuclear é uma fonte
abundante de energia (é o que acontece dentro do Sol), mas cheia de desafios
técnicos – até hoje a ciência não conseguiu produzir um reator de fusão
comercialmente viável. Richter achou que tinha conseguido, e anunciou isso em
1951. A notícia gerou incerteza no Brasil e no mundo. Será que a Argentina
abrigaria o Quarto Reich? Estariam nossos hermanos, na verdade, desenvolvendo
uma bomba atômica? Que nada. Em 1952, cientistas argentinos inspecionaram a ilha
e descobriram que tudo não passava de uma farsa: o reator não funcionava.
Richter ficou cinco dias preso. Devolveu as condecorações que havia recebido de
Perón, foi solto e morou na Argentina até morrer, em 1991.
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