Quem
digitar “genocídio armênio” em um site de buscas na internet deve se preparar,
antes de apertar a tecla enter, para encontrar imagens de uma violência e
crueldade grotescas. Os sites irão mostrar um inferno de horrores: pessoas
mutiladas, crianças que são só pele e ossos agonizando, cabeças decapitadas e
espetadas em pedaços de pau, filas intermináveis de mulheres e seus filhos
fugindo a pé pelo deserto, corpos pendurados em forcas, pilhas gigantescas de
cadáveres...
Seria
desrespeitoso e historicamente incorreto comparar o genocídio sofrido pelos
armênios com massacres cometidos contra outros povos ao longo do século
passado. Mas a selvageria com que os turcos, em alguns momentos auxiliados
pelos curdos, perseguiram e assassinaram os armênios surpreende até mesmo quem
está familiarizado com a descrição de outros crimes contra a humanidade.
Por quase
três décadas, de 1895 a 1922, episódios de perseguições, assassinatos em massa
e deportações se sucederam em diferentes regiões da Turquia. Mas é a partir de
24 de abril de 1915 que teve início uma desenfreada matança que, em semanas,
provocou a morte de 1,4 milhão dos 2,1 milhões de armênios, de acordo com dados
do Patriarcado Armênio. É como se apenas os moradores do Nordeste sobrevivessem
a um massacre que trucidasse os brasileiros.
Jovens
turcos
A matança
dos armênios soa ainda mais absurda pelo fato de essa nacionalidade ser parte
integrante do dia a dia do então Império Otomano, que englobava, além da
Turquia e Armênia, partes do Líbano, Síria, Iraque e Palestina. Embora tivessem
seu próprio país, e alguns entre eles reivindicassem sua autonomia, há vários séculos
os armênios viviam nas cidades do império. Eram funcionários públicos,
professores, policiais, comerciantes, jornalistas, soldados do Exército,
médicos, sapateiros,advogados, donas de casa, artistas, que dividiam sua vida
diária com os vizinhos turcos. Contra eles se ergueu principalmente o
panturquismo, o nacionalismo radical defendido pelos Jovens Turcos, vertente
política que havia tomado o poder no Império em 1908.
À frente
do governo dos Jovens Turcos estavam três paxás. Entre eles, Mehmed Talaat
Pasha foi o mais ativo idealizador e executor do genocídio. Foi ele, ainda no
posto de ministro do Interior, quem ordenou, no fatídico 24 de abril de 1915, a
prisão e a execução de 250 intelectuais e líderes armênios que viviam na então
capital Constantinopla (a atual Istambul). Entre eles estava toda a redação do
jornal Azadamart, o principal órgão de comunicação em língua armênia no
império.
Cinco
semanas depois, Talaat proporia a Lei de Deportação Temporária, que seria a luz
verde para o grande genocídio que, de resto, já vinha sendo gestado desde
outubro do ano anterior, quando os otomanos entraram em guerra contra a Rússia
e perderam de maneira espetacular sua primeira batalha.
Como
parte do povo armênio vivia em território russo – 1,7 milhão na Rússia e 2
milhões em terras do império –, o governo dos Jovens Turcos colocou todos no
mesmo saco e acusou os armênios de traírem a Turquia.
Tal
argumento seria usado ao longo dos anos para justificar o genocídio como
consequência dos combates da Primeira Guerra, e não uma matança planejada. Mas
uma das provas apontadas pelos armênios de que em Constantinopla o genocídio
fazia parte de um plano elaborado é “uma medida insólita” tomada pelo governo:
todos os soldados e policiais armênios a serviço do império foram desarmados.
“As consequências dessa medida são fáceis de imaginar, procura-se prevenir
assim qualquer resistência à execução que virá”, escreveu o teólogo brasileiro
Aharon Sapsezian autor de História da Armênia – Drama e Esperança de
uma Nação.
E o que
veio foram ordens de Constantinopla, “seguindo um programa preciso”, conforme
esclarece relatório elaborado pelo Tribunal Permanente dos Povos, de deportar
os moradores das províncias da Armênia. Para onde? Não se sabia e não
importava. Tinham de deixar o país. A elaboração do plano ficou a cargo do
Comitê União e Progresso, em Constantinopla, que fornecia armas, veículos e
apoio à SO, ou “organização especial”, que executava as ordens. A SO tinha
poderes para demitir os funcionários que não concordassem com as medidas contra
os armênios.
Deportações
As ordens
de deportação eram anunciadas publicamente, as famílias tinham dois dias para
juntar seus pertences. Padres, políticos e jovens armênios eram obrigados a
assinar confissões forjadas e em seguida executados.
Idosos,
mulheres e crianças tinham, no início do genocídio, direito a serem
transportados em comboios. Depois, atravessavam a pé o deserto da Mesopotâmia,
onde é hoje o noroeste do Iraque. Há relatos de que barcos repletos de armênios
eram afundados no Mar Negro e Rio Tigre. Nas aldeias remotas, onde havia poucas
testemunhas, foi muito pior. Mulheres eram estupradas, crianças, crucificadas e
milhares enforcados ou decapitados por soldados do Exército, policiais e
membros da SO. Com seus proprietários expulsos, as casas eram vendidas, os
pertences saqueados. Outras vezes, queimavam-se as residências com os moradores
dentro.
Em uma
foto da época tirada no deserto, a caminho dos campos de concentração em Alepo,
hoje cidade síria, pode-se ver mulheres e crianças andando em fila e, ao seu
lado, um soldado carregado de mantas e outros objetos que lhes roubou. Não
havia água ou comida para todos. Milhares andavam até cair e morrer magros como
esqueletos. Raros são os descendentes de armênios que não tiveram bisavôs,
avôs, pais ou mesmo irmãos assassinados.
A
diáspora espalhou armênios por todo o Ocidente. Dos 7 milhões atuais, estima-se
que 4 milhões estejam fora da Armênia. O Brasil é um dos países que receberam
grande número de imigrantes, que hoje já estão na terceira geração por aqui.
“Sou filha da diáspora”, diz Sossi Amiralian, doutora em Literatura Armênia
pela USP, nascida no Líbano, onde a família havia se refugiado. “Meus pais
viveram o genocídio de perto. Os dois perderam seus pais”, conta. O avô paterno
de Sossi, Levon Amiralian, era influente na cidade de Marach. Pelo lado
materno, Mardiros Kehiaian vivia em Adana. As duas cidades foram especialmente
atingidas pelos genocidas. “Não conheci meus avós, foram decapitados quando
meus pais ainda eram crianças.”
Joias
costuradas
O pai de
Sossi, Garabad, e a avó dela tiveram sorte, seu tio-avô tinha amizade com
algumas autoridades turcas que se apiedaram da família e lhes providenciaram
transporte seguro. Não fosse isso, afirma Sossi, não haveria como resistir aos
turcos. “Os armênios não tinham armas; minha avó contava que para defender seus
filhos deixava permanentemente uma panela de água fervente com pimenta sobre o
fogão. Caso fosse atacada lançaria aquela mistura nos soldados.”
Outras
mães não tiveram nem mesmo a oportunidade de tentar se defender. Flora
Kuyumjian demorou décadas até conseguir contar para seus netos como foi o
ataque à sua casa. Depois de agarrarem seu marido, Minas, e o levarem para
fora, degolaram seus dois filhos diante dos seus olhos. O bebê recém-nascido
que estava em seus braços lhe foi tomado e afogado na bacia de água na qual
lavava a roupa. “Ela levou um golpe no pescoço e desmaiou, quando acordou
estava boiando no mar e foi recolhida por uma família de turcos que a tomaram como
escrava, para cuidar da sua filha”, conta a diretora de arte Moema Kuyumjian,
sua neta.Flora não ficou mais do que dois dias junto com os seus algozes.
Cristã convicta, como a grande maioria dos armênios, fugiu atormentada pela
ideia obsessiva que vinha à sua cabeça de matar por vingança a criança sob os
seus cuidados. Se não tinha sobre o fogão uma panela de água fervente para
defender-se contra seus agressores, Flora tomara outros cuidados para enfrentar
aquele genocídio que se anunciava havia algum tempo. Na barra da sua saia,
costurou as poucas joias que possuía. Foi com elas que subornou um soldado
turco para chegar à Síria. Ali, mendigou e sobreviveu comendo restos de feira.
Um dia encontrou-se por acaso com o marido, Minas, também vagando como pedinte.
Flora
lembrava que seu sofrimento a havia feito tão dura que não chorou nem se
emocionou. Com o tempo, tiveram outros dois filhos. “Ela os batizou Arthur e
Eduardo, que foi o meu pai”, diz Moema. “Os mesmos nomes dos dois filhos
assassinados pelos turcos.” Da Síria, Minas e Flora passaram ao Líbano, onde a
família conseguiu passaportes. Vieram para o Brasil e se estabeleceram em São
José do Rio Preto, São Paulo, em 1926.
Sem
reconhecimento
Centenas
de milhares de armênios não tiveram tanta “sorte” quanto os pais e avós de
Sossi e Moema. Após o genocídio, na porção da Armênia em território turco quase
já não havia mais armênios. Os que viviam no lado russo sofreram menos com os
ataques. A derrota final na Primeira Guerra, em 1918, depôs o governo dos Jovens
Turcos e desmantelou o Império Otomano. O Estado armênio seria reconhecido pela
Turquia. Mas as matanças ainda se repetiriam até os primeiros anos da década de
20.
O governo
turco tem dificuldade em admitir publicamente que houve, em 1915, um genocídio planejado
e conduzido oficialmente, semelhante ao Holocausto que foi promovido pelo
governo nazista alemão contra os judeus na Segunda Guerra. Entre os argumentos
oficiais está o de que o êxodo e a morte de centenas de milhares de armênios
seria um efeito colateral das batalhas e da divisão europeia na Primeira
Guerra. Os defensores de que de fato houve um genocídio liderado pelo governo
do Império Otomano alegam, e divulgam, o conteúdo de comunicação do governo
instruindo sobre como deveria ser feita a eliminação dos armênios.
Em seu História
da Armênia, Aharon Sapsezian cita o livro Memórias, escrito
pelo jornalista armênio Naim Bey, que, segundo Sapsezian, era o responsável por
receber em Alepo seus compatriotas refugiados. O jornalista reproduz em seu livro,
publicado em 1920, documentos oficiais que teriam sido enviados pelo ministro
do Interior, Talaat Pasha, ao prefeito de Alepo. Um deles: “O governo decidiu
exterminar os armênios habitantes na Turquia. Aqueles que se opuserem a essa
ordem e decisão não poderão integrar o quadro governamental. Sem nenhuma
consideração, nem mesmo pelas crianças, mulheres ou pelos enfermos, por mais
trágicos que sejam os meios de exterminação utilizados, e sem se deixar levar
pelos apelos da consciência, é preciso pôr termo à sua existência”.
Linha do
tempo
Violência começou
no século 19 manifestação pacífica foi estopim para 25 anos de
perseguições e matanças
1895
30 DE
SETEMBRO
Manifestação
em Constantinopla contra o governo termina em violência. Dezenas de armênios
são mortos pela polícia. Ataques se estendem e milhares de armênios morrem pelo
país.
1896
Incitados
pelo governo, curdos e soldados do Exército turco atacam e saqueiam aldeias na
Armênia. Mais de 20 mil mortos pelas armas ou pela fome. Em Constantinopla,
atualmente Instambul, os armênios trucidados chegam a 6 mil.
1908
24 DE
JULHO
Um grupo
de reformadores nacionalistas, autodenominado “Os Jovens Turcos”, chega ao
poder anunciando a intenção de “turquizar” o país, senha para subjugar as
minorias do Império Otomano que lutam por independência.
1909
6 DE
ABRIL
Uma briga
de rua entre turcos e um armênio em Adana, cidade da região da Cilícia (enclave
armênio no litoral turco no Mediterrâneo) transforma-se em dez dias de
carnificina
e saques, matando 30 mil, quase todos armênios.
1914
28 DE
OUTUBRO
O Império
Otomano bombardeia portos russos no Mar Negro e entra na Primeira Guerra.
Armênios que viviam na Rússia se voltam contra os otomanos.
11 DE
NOVEMBRO
Autoridades
religiosas islâmicas decretam uma jihad contra Inglaterra, França e
Rússia. Os armênios, cristãos, vistos como aliados dos russos, são perseguidos.
A vila de
Otsni é atacada. Um padre e um grupo de armênios são os primeiros mortos na
jihad.
1915
JANEIRO
O governo
turco determina que todos os soldados e policiais armênios a seu serviço sejam
desarmados.
31 DE
MARÇO
Começam
as deportações. O primeiro grupo de armênios é obrigado a deixar a cidade de
Zeitun e caminhar através do Deserto de Konia até Der-el-Zor, na Síria.
17 DE
ABRIL
Forças
turcas e curdas cercam a cidade de Van, fortaleza medieval e bastião armênio na
Anatólia, que se recusa a enviar 4 mil voluntários para lutar pela Turquia – há
o temor de que serão mortos. Estima-se que 50 mil armênios morreram nos
combates que se seguiram.
24 DE
ABRIL
Um grupo
de 250 intelectuais e líderes armênios é preso pelo governo em Constantinopla.
São levados para campos de prisioneiros no deserto e executados. A data é
lembrada pelos armênios como o marco inicial do genocídio.
6 DE MAIO
Uma nova
lei determina que refugiados turcos ficarão com as propriedades dos armênios
expulsos.
12 DE
MAIO
Doze mil
soldados armênios são massacrados pelo próprio Exército turco a que serviam, em
um vilarejo próximo de Diarbekir.
27 DE
MAIO
É
promulgada a Lei Temporária de Deportações de “Pessoas Suspeitas”. Os
governantes re gionais e a polícia são encarregados da limpeza étnica, que
atinge os armênios indiscriminadamente. O genocídio se aprofunda.
6 DE MAIO
O
Exército russo invade a Anatólia, socorrendo os armênios, mas fica só até 4 de
agosto, deixando a defesa de Van mais uma vez para a população local.
15 DE
JUNHO
Em praça
pública, 21 líderes do partido armênio Hnchukyan são enforcados em
Constantinopla.
15 DE
SETEMBRO
Após
meses de deportações em massa em toda a Turquia, o ministro do Interior, paxá
Talaat, envia telegrama a Alepo determinando a remoção e eliminação dos
armênios
locais.
1916
6 DE
JULHO
Forças
russas ocupam novamente a Anatólia, lutando ao lado dos armênios e rechaçando
as tropas otomanas. No entanto, a maioria da população local já foi morta ou
deportada a essa altura.
1918
3 DE
MARÇO
Pelo Tratado
de Brest-Litovsk, que decreta a paz entre os dois países, a Rússia aceita que a
Armênia continue parte da Turquia em troca da proteção da população local.
12 DE
MARÇO
Paxá
Enver, ministro da Guerra do Império Otomano e um dos instigadores do genocídio,
ordena o assassinato em 48 horas de todos os civis armênios com mais de 5 anos
de idade.
5 DE
ABRIL
A Turquia
reocupa Van, que vinha sendo cogitada para fazer parte de uma futura Armênia
nas negociações após a Primeira Guerra Mundial. Os armênios “pacíficos” são
autorizados a voltar à Anatólia.
26 DE
JUNHO
O governo
turco condena, de uma vez, 16 mil armênios a trabalhos forçados. Os massacres
de milhares de pessoas a cada vez continuam.
26 DE
OUTUBRO
Tropas aliadas
ocupam a cidade de Alepo, salvando 125 mil armênios de morrerem de fome no
deserto. Mas 30 mil armênios são mortos na cidade de Baku.
30 DE
OUTUBRO
O Império
Otomano se rende aos Aliados. Os três paxás que planejaram o massacre armênio
fogem do país. O Parlamento turco cobra uma investigação pelos crimes de
guerra.
1919
1° DE
FEVEREIRO
Corte
Marcial é instalada em Constantinopla para julgar crimes contra as minorias do
país. Autoridades e chefes militares são enforcados em público ou se suicidam.
1920
5 DE
FEVEREIRO
As
matanças em massa retornam. Dez mil armênios são mortos em Marash.
10 DE
AGOSTO
A Turquia
reconhece, temporariamente, a Armênia como país independente.
1921
18 DE
JANEIRO
O governo
cancela a Corte Marcial. Vários responsáveis pelos massacres são liberados ou
voltam ao país após o exílio.
1922
9 DE
SETEMBRO
Em meio à
guerra entre Grécia e Turquia, Smyrna, na Anatólia, a milhares de quilômetros,
é atacada pelo Exército turco. Armênios e gregos são chacinados e suas casas,
saqueadas e incendiadas.
1923
24 DE
JULHO
No
Tratado de Lausanne, que reconhece a sua independência, a Turquia se compromete
a proteger suas minorias, mas a Armênia turca continua sob a posse do país. É o
fim oficial da perseguição.
1984
15 DE
ABRIL
O
Tribunal Permanente dos Povos decide que o governo turco é responsável pelo
genocídio de dois terços dos 2 milhões de armênios que viviam no país, nos
massacres
de 1915.
1987
18 DE
JUNHO
O
Parlamento Europeu, em uma decisão histórica, exorta o governo turco a
reconhecer o genocídio perpetrado contra os armênios.
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Um comentário:
O início do genocídio moderno foi contra os cristãos armênios.
Os cristãos, como ocorreu com Cristo, são os mais perseguidos por sua fé.
O mundo que jaz no maligno não julgou e condenou os infames e demoníacos turcos que promoveram, apoiaram e praticaram esse que é considerado um dos mais bárbaros massacres contra a humanidade, mas com certamente eles já ardem no inferno.
Que Deus, por meio de Jesus Cristo e da Virgem Santíssima, tenha em seu seio cada alma massacrada desse povo, principalmente das crianças. Que Deus não permita nunca mais que esse povo sofra o que sofreu seus avós e seus pais.
Amém!
Eduardo
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