Daily
Mail, 28/06/2014
Era
27 de outubro de 1941. O orador era Franklin D. Roosevelt, o 39º. Presidente dos
Estados Unidos, um país que ainda iria se envolver na guerra e cujos cidadãos,
para o desespero da Grã-Bretanha e seus aliados e amigos, não mostravam nenhum
sinal de querer lutar contra os alemães.
Muitos
dos cidadãos mais ricos e influentes da América eram ativamente pró-nazistas.
O
mapa era um atlas hipotético da América do Sul dividida em quatro estados
enormes – ou “Gaus” – a serem administrados pela Alemanha: Brasilien,
Argentinien, Neuspanien e Chile.
As
margens continham notas manuscritas em alemão fazendo perguntas sobre
suprimentos de combustível para rotas aéreas da Lufthansa entre a África e a
América do Sul e, mais importante, conexões aéreas que se estendiam para o
norte, em direção do Panamá e México – direto na porta de entrada dos Estados
Unidos.
Com
as ambições imperiais da Alemanha expostas, a maré de opinião começou a mudar
significativamente em favor da Grã-Bretanha, facilitando o caminho que provaria
ser a intervenção decisiva da América.
Mesmo
assim, as origens do incrível documento de Roosevelt permanecem totalmente
misteriosas – tão obscuras quanto corajosas, mas principalmente a equipe
esquecida de agentes britânicos que de alguma forma o obtiveram.
Os
homens e mulheres da Coordenação de Segurança Britânica (BSC) foram enviados do
outro lado do Atlântico pelo próprio Winston Churchill, determinados a não
parar por nada em seus esforços para desacreditar a causa nazista.
Falsificação
era sua especialidade.
Quando
precisamos escrever um romance policial, algumas vezes a “sorte” é tão valiosa
quanto a inspiração. Em 2005, estava decidido a escrever um romance de
espionagem na Segunda Guerra Mundial, mas queria criar algo diferente e pouco
familiar – nada de paraquedistas caindo sobre a França ocupada, nenhuma quebra
de código em Bentchley Park.
Na
época, estava intrigado pela relação entre Churchill e Roosevelt e tinha a
impressão de que não era tão amigável como geralmente é mostrada e entendida
pelo público. Então, enquanto lia sobre o assunto, tive um lance de sorte. Me
deparei com uma observação descartável sobre “os truques sujos de Churchill nos
EUA.”
Era
tudo sobre isso, pensei? Logo percebi que obtive uma estória de ouro – pelo menos
em relação ao meu romance. O que eu havia me deparado era um livro com o
singelo título de Coordenação de Segurança Britânico.
Era
uma reimpressão de um documento anônimo detalhando as atividades do tal grupo
de 1940 a 1945, com cerca de 500 páginas, repleto de detalhes precisos. O BSC
foi criado por Churchill em 1940, logo após ele tornar-se Primeiro Ministro.
Era uma organização de coordenação que utilizava os conhecimentos do MI5,
MI6[1] e a Secretaria de Operações Especiais[2] e estava encarregado
especificamente de fazer qualquer coisa
seu alcance para mudar a opinião pública americana de seu isolacionismo
extraordinário, seu desejo de não-intervenção e, de algum modo, trazer os EUA
para a guerra na Europa.
Ao
assumir o governo, Churchill declarou que este era seu objetivo principal – sem
os EUA ao nosso lado, a guerra contra Hitler não poderia ser vencida.
Esquecemos
hoje em dia – nesta era da assim chamada “relação especial” – como era
anglofóbica a população americana em 1940. Grupos poderosos violentamente se
opunham a qualquer participação na guerra na Europa. Imigrantes alemães e
italianos e facções de republicanos irlandeses, todos tinham seus motivos para
não querer os EUA como aliado da Grã-Bretanha.
O
virulento movimento isolacionista América Primeiro, liderado pelo celebrado
aviador Charles Lindberg, tinha perto de um milhão de membros e centenas de “seções”
através do país. Pesquisas indicavam que cerca de 80% da população americana
era contra o país ir à guerra na Europa. Neste clima ruim de opinião negativa,
o desafio do BSC era enorme. A arma-chave empregada foi o que era chamado de
guerra política – a difusão de propaganda negativa contra a ameaça dos países
do Eixo e a promoção urgente do intervencionismo, caso britânico.
O
BSC era controlado e supervisionado por um milionário canadense chamado William
Stephenson. Ele realocou seus escritórios para o Rockfeller Center em Manhattan
onde, no auge de seu poder e influência, o BSC ocupava três andares. Ele usava
o disfarce do Departamento de Controle de Passaportes (uma seção da Embaixada
britânica), mas de fato logo tornou-se o núcleo de um esforço maciço de
manipulação da mídia e operações de cobertura que iam do Chile às Bermudas e
até Vancouver.
O
BSC operava secretamente sua própria estação de rádio poderosa, o WRUL. Parecia
uma estação comum americana, mas ela difundia uma torrente constante de
propaganda pró-britânica e anti-isolacionista. Uma agência de notícias foi
criada, a Agência de Notícias Ultramarina (ONA), que fornecia notícias aos
jornais americanos.
Os
“intermediários”[3], como os simpatizantes americanos e subagentes eram
conhecidos, eram usados para esconder as fontes desta informação. Ninguém
jamais soube o número de pessoas trabalhando para o BSC durante a guerra, mas
pode ter atingido as centenas, senão milhares.
Todo
tipo de intriga era criado pelo BSC para alimentar o sentimento antinazista.
Walter Winchell, cuja coluna era lida por 25 milhões de americanos, recebeu uma
carta forjada, com evidência documental – supostamente informada por um
navegador americano – sobre os esforços de propaganda nos EUA. Ela realmente
foi publicada em sua coluna.
Um
astrólogo húngaro falso, Louis de Wohl, foi enviado da Grã-Bretanha para os EUA
em uma viagem de palestras, dizendo às plateias que as estrelas prediziam que
Hitler estava para morrer. Ele afirmava que o horóscopo de Hitler mostrava que Netuno
estava na casa da morte e que naquele verão de 1941, Urano e Netuno
coincidiriam para trazer sua partida.
O
BSC também teve uma afirmação semelhante no Egito por outro astrólogo, Sheikh
Youssef Afiti, que independentemente corroborou as previsões de de Wohl,
dizendo que “um planeta vermelho surgirá no horizonte oriental e indicará que o
maligno perigoso, que conduziu o mundo ao sangue, morrerá.”
Simultaneamente,
correspondentes na Nigéria relatavam que um sacerdote conhecido, chamado
Ulokoigbe, teve uma visão na qual a figura de Hitler – o “Cabelo Longo” – “escorregava
de uma montanha e caía gritando feito um louco.”
Estas
estórias foram totalmente publicadas pela imprensa americana, fazendo a
profecia de de Wohl parecer estranha. O grande objetivo do BSC era que esse
tipo de informação chegasse aos ouvidos de Hitler, que era conhecido por ser um
simpatizante da astrologia.
O
BSC desenvolveu um jogo travesso chamado “Vik” – um “passatempo novo fascinante
para os amantes da democracia.” Equipes de jogadores do Vik nos EUA somavam
pontos dependendo do nível de embaraço e irritação que eles causassem aos
simpatizantes nazistas. Os jogadores eram conclamados a provocar uma série de
perseguições – chamadas telefônicas noturnas erradas; ratos mortos jogados nas
caixas d´agua residenciais; entrega de encomendas pesadas com cobrança na
entrega; esvaziamento de pneus de carros; contratação de músicos de rua para
tocar “Deus salve o Rei” na porta das casas dos simpatizantes nazistas, e assim
por diante.
Um
departamento especial foi criado como “fábrica de boatos”. Por exemplo, um
boato foi divulgado que os britânicos haviam desenvolvido uma carga de
profundidade devastadora com um explosivo novo e incrível. Isto deveria
desmoralizar as tripulações dos submarinos alemães. O ONA colocou a estória com
um cabeçalho de Ankara, Turquia, que foi transmitida para o correspondente em
Washington da Tass, da União Soviética. Isto foi transmitido de Moscou – em 1940
a Rússia ainda não estava em guerra contra a Alemanha – citando uma fonte
neutra.
Esta notícia foi comprada pela imprensa americana, onde reapareceu como uma estória autêntica nos jornais – de modo que interesse relativo à guerra, fabricado no Rockfeller Center, atravessava o mundo para reemergir na mídia americana como notícia autêntica.
Entretanto,
quando era para minar o América Primeiro – que era altamente suspeito de encobrir
atividades alemãs – o BSC tinha que ser mais astuto.
Nas
reuniões do América Primeiro, o nome de Churchill seria saudado com vaias
enquanto que o de Hitler receberia um silêncio respeitoso. Em uma reunião no
Madison Square Garden, em Nova York, o BSC forjou milhares de bilhetes de
entrada, provocando grande confusão quando as pessoas encontravam seus lugares já
ocupados.
Em
outra reunião, em Milwaukee, um congressista violentamente antibritânico,
Hamilton Fish, recebeu um bilhete no qual estava escrito em letras garrafais, “O
Fuhrer agradece sua lealdade.” Ele foi colocado por um fotógrafo infiltrado e
teve excelente repercussão. Pelo menos algo estava sendo feito para divulgar a
causa britânica junto ao público americano e os esforços do BSC eram
impressionantes – mas eles seriam capazes de mudar a percepção do público
americano em relação à guerra?
O
BSC precisava de uma ameaça mais tangível e uma de suas mais elaboradas operações
foi colocada em ação no final de 1941, originária na neutra, porém
significativamente pró-Eixo, Buenos Aires, Argentina.
Em
outubro de 1941, um mensageiro alemão da embaixada se envolveu em um acidente
de trânsito em Buenos Aires. Ele era seguido por agentes da BSC e na confusão,
sua pasta foi roubada e saqueada.
Dentro
dela, supostamente, havia um mapa alemão dividindo a América do Sul em feudos
alemães. Isto foi enviado a Nova York e encaminhado ao FBI e, em seguida, ao
próprio Roosevelt – com resultados positivos. Foi o grande golpe do BSC?
Possivelmente, mas haviam alegadamente somente duas cópias deste mapa – um mantido
por Hitler e outro pelo embaixador alemão na Argentina.
Uma
vez feito o discurso de Roosevelt, os alemães investigados e foi descoberto que
ambos os mapas ainda estavam com seus donos – de modo que o terceiro mapa,
aquele que Roosevelt citou, deveria ser uma cópia.
Mas
quem o copiou e por que um documento secreto e extraordinário estava sendo
carregado em uma pasta comum por um mero mensageiro da embaixada? O mapa da
América do Sul era, estou convencido, uma farsa elaborada, realizada pelo
departamento especialista em falsificações do BSC (conhecido como Estação M e
localizado no Canadá). Ele fisgou o chefe da FBI J. Edgard Hoover e Roosevelt
e, tendo visto uma reprodução dele, posso dizer de sua autenticidade – as margens
rabiscadas por algum funcionário alemão anônimo, perguntando questões
pertinentes sobre suprimentos de combustível e participação mexicana, sendo o
golpe de mestre.
Nos
registros das operações secretas esta foi talvez a mais significativa e bem
sucedida. O sucesso notável do BSC não tem um lugar em nossa história de espionagem
comparado com, por exemplo, Bentchley Park e as decodificações do Enigma.
Pode
ter sido o mapa sul americano o catalisador para os EUA finalmente abandonarem
seu isolacionismo? Jamais saberemos porque em 7 de dezembro de 1941, apenas 41
dias após a denúncia de Roosevelt contra as ambições nazistas regionais, a
frota americana em Pearl Harbor, Havaí, foi atacada pelos japoneses. Os EUA
imediatamente declararam guerra ao Japão e um dia depois, Itália e Alemanha, os
aliados do Japão, declararam guerra à América. O principal objetivo do BSC, a
ordem crucial de Churchill, foi eficazmente alcançada – graças aos japoneses.
O
BSC permaneceu nas Américas até 1945, quando então foi dissovido e sua história
foi escrita, sendo um dos seus três autores Ronald Dahl, que foi diretor do BSC
em 1942.
E
então todo mundo “esqueceu” dele. Os detalhes das operações secretas britânicas
de guerra nos EUA foram varridas para debaixo do tapete tanto quanto foi
possível – não é de surpreender, quando consideramos a maciça extensão da
penetração do BSC na mídia americana e sua manipulação brilhante da imprensa do
país.
Um
comentarista americano que lei a história do BSC lembrou: “Como muitas
operações de inteligência, esta envolveu ambiguidade moral requintada. Os
britânicos usaram métodos implacáveis para atingir seus objetivos; para nossos
padrões atuais, algumas de suas atividades podem parecer ultrajantes.”
No
auge de seu poder, o BSC foi capaz de plantar propaganda pró-britânica e
propaganda negativa antinazista em todos os setores da mídia americana, dos
jornais de maior circulação até os colunistas e radialistas mais influentes. Ele foi mesmo capaz de alcançar a mesa do próprio
presidente.
Qualquer
que seja a explicação do mapa, a história secreta do BSC e do feito extraordinário
de suas operações secretas nos Estados Unidos provaram ser – 60 anos depois –
munição vital e oportuna para meu objetivo literário. Um escritor britânico é
extremamente agradecido.
Notas:
[1] O MI5, oficialmente designado Security Service (Serviço de
Segurança), é o serviço britânico de informações (ou inteligência) de segurança
interna e contra-espionagem. MI5 é a abreviatura de Military Intelligence,
section 5, que é a designação tradicional, ainda vulgarmente usada, do
Serviço de Segurança.
Os outros
três serviços de informações (ou inteligência) britânicos são o MI6 (espionagem),
o GCHQ - Government Communications Headquarters (com funções de
interceptação de sinais de telecomunicações e de garantia da segurança da
informação) e o DIS - Defence Intelligence Staff (informações de
defesa), actuando os quatro sob a coordenação do JIC - Joint Intelligence
Committee.
[2]
Serviço secreto militar britânico durante a Segunda Guerra Mundial, criado em
1940 para conduzir operações e coordenar os movimentos de resistência na Europa
e mais tarde o Extremo Oriente.
[3]
No original em inglês, “cut-out”.
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