terça-feira, 8 de julho de 2014

[SGM] O Mapa Secreto de Hitler que colocou os EUA na guerra

William Boyd

Daily Mail, 28/06/2014

 
“Tenho em minha posse um mapa secreto, feito na Alemanha pelo governo de Hitler – pelos planejadores da Nova Ordem Mundial. Este mapa deixa claro o projeto nazista, não somente contra a América do Sul, mas também contra os Estados Unidos.”

Era 27 de outubro de 1941. O orador era Franklin D. Roosevelt, o 39º. Presidente dos Estados Unidos, um país que ainda iria se envolver na guerra e cujos cidadãos, para o desespero da Grã-Bretanha e seus aliados e amigos, não mostravam nenhum sinal de querer lutar contra os alemães.

Muitos dos cidadãos mais ricos e influentes da América eram ativamente pró-nazistas.

O mapa era um atlas hipotético da América do Sul dividida em quatro estados enormes – ou “Gaus” – a serem administrados pela Alemanha: Brasilien, Argentinien, Neuspanien e Chile.

As margens continham notas manuscritas em alemão fazendo perguntas sobre suprimentos de combustível para rotas aéreas da Lufthansa entre a África e a América do Sul e, mais importante, conexões aéreas que se estendiam para o norte, em direção do Panamá e México – direto na porta de entrada dos Estados Unidos.

 
Para Roosevelt, determinado a por fim ao isolamento dos EUA, isto era mais do que um golpe. Era uma evidência incalculável da agressão nazista cruzando o Atlântico, envolvendo seus vizinhos mais próximos.

Com as ambições imperiais da Alemanha expostas, a maré de opinião começou a mudar significativamente em favor da Grã-Bretanha, facilitando o caminho que provaria ser a intervenção decisiva da América.

Mesmo assim, as origens do incrível documento de Roosevelt permanecem totalmente misteriosas – tão obscuras quanto corajosas, mas principalmente a equipe esquecida de agentes britânicos que de alguma forma o obtiveram.

Os homens e mulheres da Coordenação de Segurança Britânica (BSC) foram enviados do outro lado do Atlântico pelo próprio Winston Churchill, determinados a não parar por nada em seus esforços para desacreditar a causa nazista.

Falsificação era sua especialidade.

Quando precisamos escrever um romance policial, algumas vezes a “sorte” é tão valiosa quanto a inspiração. Em 2005, estava decidido a escrever um romance de espionagem na Segunda Guerra Mundial, mas queria criar algo diferente e pouco familiar – nada de paraquedistas caindo sobre a França ocupada, nenhuma quebra de código em Bentchley Park.

Na época, estava intrigado pela relação entre Churchill e Roosevelt e tinha a impressão de que não era tão amigável como geralmente é mostrada e entendida pelo público. Então, enquanto lia sobre o assunto, tive um lance de sorte. Me deparei com uma observação descartável sobre “os truques sujos de Churchill nos EUA.”

Era tudo sobre isso, pensei? Logo percebi que obtive uma estória de ouro – pelo menos em relação ao meu romance. O que eu havia me deparado era um livro com o singelo título de Coordenação de Segurança Britânico.

Era uma reimpressão de um documento anônimo detalhando as atividades do tal grupo de 1940 a 1945, com cerca de 500 páginas, repleto de detalhes precisos. O BSC foi criado por Churchill em 1940, logo após ele tornar-se Primeiro Ministro. Era uma organização de coordenação que utilizava os conhecimentos do MI5, MI6[1] e a Secretaria de Operações Especiais[2] e estava encarregado especificamente de fazer qualquer coisa  seu alcance para mudar a opinião pública americana de seu isolacionismo extraordinário, seu desejo de não-intervenção e, de algum modo, trazer os EUA para a guerra na Europa.

Ao assumir o governo, Churchill declarou que este era seu objetivo principal – sem os EUA ao nosso lado, a guerra contra Hitler não poderia ser vencida.

Esquecemos hoje em dia – nesta era da assim chamada “relação especial” – como era anglofóbica a população americana em 1940. Grupos poderosos violentamente se opunham a qualquer participação na guerra na Europa. Imigrantes alemães e italianos e facções de republicanos irlandeses, todos tinham seus motivos para não querer os EUA como aliado da Grã-Bretanha.

O virulento movimento isolacionista América Primeiro, liderado pelo celebrado aviador Charles Lindberg, tinha perto de um milhão de membros e centenas de “seções” através do país. Pesquisas indicavam que cerca de 80% da população americana era contra o país ir à guerra na Europa. Neste clima ruim de opinião negativa, o desafio do BSC era enorme. A arma-chave empregada foi o que era chamado de guerra política – a difusão de propaganda negativa contra a ameaça dos países do Eixo e a promoção urgente do intervencionismo, caso britânico.

O BSC era controlado e supervisionado por um milionário canadense chamado William Stephenson. Ele realocou seus escritórios para o Rockfeller Center em Manhattan onde, no auge de seu poder e influência, o BSC ocupava três andares. Ele usava o disfarce do Departamento de Controle de Passaportes (uma seção da Embaixada britânica), mas de fato logo tornou-se o núcleo de um esforço maciço de manipulação da mídia e operações de cobertura que iam do Chile às Bermudas e até Vancouver.

O BSC operava secretamente sua própria estação de rádio poderosa, o WRUL. Parecia uma estação comum americana, mas ela difundia uma torrente constante de propaganda pró-britânica e anti-isolacionista. Uma agência de notícias foi criada, a Agência de Notícias Ultramarina (ONA), que fornecia notícias aos jornais americanos.

Os “intermediários”[3], como os simpatizantes americanos e subagentes eram conhecidos, eram usados para esconder as fontes desta informação. Ninguém jamais soube o número de pessoas trabalhando para o BSC durante a guerra, mas pode ter atingido as centenas, senão milhares.

Todo tipo de intriga era criado pelo BSC para alimentar o sentimento antinazista. Walter Winchell, cuja coluna era lida por 25 milhões de americanos, recebeu uma carta forjada, com evidência documental – supostamente informada por um navegador americano – sobre os esforços de propaganda nos EUA. Ela realmente foi publicada em sua coluna.

Um astrólogo húngaro falso, Louis de Wohl, foi enviado da Grã-Bretanha para os EUA em uma viagem de palestras, dizendo às plateias que as estrelas prediziam que Hitler estava para morrer. Ele afirmava que o horóscopo de Hitler mostrava que Netuno estava na casa da morte e que naquele verão de 1941, Urano e Netuno coincidiriam para trazer sua partida.

O BSC também teve uma afirmação semelhante no Egito por outro astrólogo, Sheikh Youssef Afiti, que independentemente corroborou as previsões de de Wohl, dizendo que “um planeta vermelho surgirá no horizonte oriental e indicará que o maligno perigoso, que conduziu o mundo ao sangue, morrerá.”

Simultaneamente, correspondentes na Nigéria relatavam que um sacerdote conhecido, chamado Ulokoigbe, teve uma visão na qual a figura de Hitler – o “Cabelo Longo” – “escorregava de uma montanha e caía gritando feito um louco.”

Estas estórias foram totalmente publicadas pela imprensa americana, fazendo a profecia de de Wohl parecer estranha. O grande objetivo do BSC era que esse tipo de informação chegasse aos ouvidos de Hitler, que era conhecido por ser um simpatizante da astrologia.

O BSC desenvolveu um jogo travesso chamado “Vik” – um “passatempo novo fascinante para os amantes da democracia.” Equipes de jogadores do Vik nos EUA somavam pontos dependendo do nível de embaraço e irritação que eles causassem aos simpatizantes nazistas. Os jogadores eram conclamados a provocar uma série de perseguições – chamadas telefônicas noturnas erradas; ratos mortos jogados nas caixas d´agua residenciais; entrega de encomendas pesadas com cobrança na entrega; esvaziamento de pneus de carros; contratação de músicos de rua para tocar “Deus salve o Rei” na porta das casas dos simpatizantes nazistas, e assim por diante.

Um departamento especial foi criado como “fábrica de boatos”. Por exemplo, um boato foi divulgado que os britânicos haviam desenvolvido uma carga de profundidade devastadora com um explosivo novo e incrível. Isto deveria desmoralizar as tripulações dos submarinos alemães. O ONA colocou a estória com um cabeçalho de Ankara, Turquia, que foi transmitida para o correspondente em Washington da Tass, da União Soviética. Isto foi transmitido de Moscou – em 1940 a Rússia ainda não estava em guerra contra a Alemanha – citando uma fonte neutra.

Esta notícia foi comprada pela imprensa americana, onde reapareceu como uma estória autêntica nos jornais – de modo que interesse relativo à guerra, fabricado no Rockfeller Center, atravessava o mundo para reemergir na mídia americana como notícia autêntica.

Entretanto, quando era para minar o América Primeiro – que era altamente suspeito de encobrir atividades alemãs – o BSC tinha que ser mais astuto.

Nas reuniões do América Primeiro, o nome de Churchill seria saudado com vaias enquanto que o de Hitler receberia um silêncio respeitoso. Em uma reunião no Madison Square Garden, em Nova York, o BSC forjou milhares de bilhetes de entrada, provocando grande confusão quando as pessoas encontravam seus lugares já ocupados.

Em outra reunião, em Milwaukee, um congressista violentamente antibritânico, Hamilton Fish, recebeu um bilhete no qual estava escrito em letras garrafais, “O Fuhrer agradece sua lealdade.” Ele foi colocado por um fotógrafo infiltrado e teve excelente repercussão. Pelo menos algo estava sendo feito para divulgar a causa britânica junto ao público americano e os esforços do BSC eram impressionantes – mas eles seriam capazes de mudar a percepção do público americano em relação à guerra?

O BSC precisava de uma ameaça mais tangível e uma de suas mais elaboradas operações foi colocada em ação no final de 1941, originária na neutra, porém significativamente pró-Eixo, Buenos Aires, Argentina.

Em outubro de 1941, um mensageiro alemão da embaixada se envolveu em um acidente de trânsito em Buenos Aires. Ele era seguido por agentes da BSC e na confusão, sua pasta foi roubada e saqueada.

Dentro dela, supostamente, havia um mapa alemão dividindo a América do Sul em feudos alemães. Isto foi enviado a Nova York e encaminhado ao FBI e, em seguida, ao próprio Roosevelt – com resultados positivos. Foi o grande golpe do BSC? Possivelmente, mas haviam alegadamente somente duas cópias deste mapa – um mantido por Hitler e outro pelo embaixador alemão na Argentina.

Uma vez feito o discurso de Roosevelt, os alemães investigados e foi descoberto que ambos os mapas ainda estavam com seus donos – de modo que o terceiro mapa, aquele que Roosevelt citou, deveria ser uma cópia.

Mas quem o copiou e por que um documento secreto e extraordinário estava sendo carregado em uma pasta comum por um mero mensageiro da embaixada? O mapa da América do Sul era, estou convencido, uma farsa elaborada, realizada pelo departamento especialista em falsificações do BSC (conhecido como Estação M e localizado no Canadá). Ele fisgou o chefe da FBI J. Edgard Hoover e Roosevelt e, tendo visto uma reprodução dele, posso dizer de sua autenticidade – as margens rabiscadas por algum funcionário alemão anônimo, perguntando questões pertinentes sobre suprimentos de combustível e participação mexicana, sendo o golpe de mestre.

Nos registros das operações secretas esta foi talvez a mais significativa e bem sucedida. O sucesso notável do BSC não tem um lugar em nossa história de espionagem comparado com, por exemplo, Bentchley Park e as decodificações do Enigma.

Pode ter sido o mapa sul americano o catalisador para os EUA finalmente abandonarem seu isolacionismo? Jamais saberemos porque em 7 de dezembro de 1941, apenas 41 dias após a denúncia de Roosevelt contra as ambições nazistas regionais, a frota americana em Pearl Harbor, Havaí, foi atacada pelos japoneses. Os EUA imediatamente declararam guerra ao Japão e um dia depois, Itália e Alemanha, os aliados do Japão, declararam guerra à América. O principal objetivo do BSC, a ordem crucial de Churchill, foi eficazmente alcançada – graças aos japoneses.

O BSC permaneceu nas Américas até 1945, quando então foi dissovido e sua história foi escrita, sendo um dos seus três autores Ronald Dahl, que foi diretor do BSC em 1942.

E então todo mundo “esqueceu” dele. Os detalhes das operações secretas britânicas de guerra nos EUA foram varridas para debaixo do tapete tanto quanto foi possível – não é de surpreender, quando consideramos a maciça extensão da penetração do BSC na mídia americana e sua manipulação brilhante da imprensa do país.

Um comentarista americano que lei a história do BSC lembrou: “Como muitas operações de inteligência, esta envolveu ambiguidade moral requintada. Os britânicos usaram métodos implacáveis para atingir seus objetivos; para nossos padrões atuais, algumas de suas atividades podem parecer ultrajantes.”

No auge de seu poder, o BSC foi capaz de plantar propaganda pró-britânica e propaganda negativa antinazista em todos os setores da mídia americana, dos jornais de maior circulação até os colunistas e radialistas mais influentes. Ele foi mesmo capaz de alcançar a mesa do próprio presidente.

Qualquer que seja a explicação do mapa, a história secreta do BSC e do feito extraordinário de suas operações secretas nos Estados Unidos provaram ser – 60 anos depois – munição vital e oportuna para meu objetivo literário. Um escritor britânico é extremamente agradecido.                       

Notas:

[1] O MI5, oficialmente designado Security Service (Serviço de Segurança), é o serviço britânico de informações (ou inteligência) de segurança interna e contra-espionagem. MI5 é a abreviatura de Military Intelligence, section 5, que é a designação tradicional, ainda vulgarmente usada, do Serviço de Segurança.

Os outros três serviços de informações (ou inteligência) britânicos são o MI6 (espionagem), o GCHQ - Government Communications Headquarters (com funções de interceptação de sinais de telecomunicações e de garantia da segurança da informação) e o DIS - Defence Intelligence Staff (informações de defesa), actuando os quatro sob a coordenação do JIC - Joint Intelligence Committee.

[2] Serviço secreto militar britânico durante a Segunda Guerra Mundial, criado em 1940 para conduzir operações e coordenar os movimentos de resistência na Europa e mais tarde o Extremo Oriente.

[3] No original em inglês, “cut-out”.


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