terça-feira, 18 de julho de 2017

Guerra Civil Espanhola: Esquerda vs direita

Reinaldo José Lopes


É cômodo dizer que uma guerra era inevitável, depois de ter ocorrido. No entanto, o caso do conflito que dividiu a Espanha, a partir de julho de 1936, foi um desastre há muito anunciado. Por várias décadas, não existiu entendimento na política espanhola, e o quadro só piorou no início de 1930. O grande problema era a polarização: o país tinha se dividido no campo ideológico. Direita e esquerda viam-se em posições irreconciliáveis. Cada lado se considerava o verdadeiro representante do que a Espanha deveria ser, situação que levou vários historiadores a usar a expressão “duas Espanhas”. Aliás, “duas” é pouco. É mais correto falar em inúmeras “Espanhas”, porque diversos grupos disputavam o poder. Havia, por exemplo, dois movimentos monarquistas; organizações totalitaristas como a Falange, inspiradas no fascismo e no nazismo; vários partidos socialistas e comunistas; e – fenômeno típico do país – muitos anarquistas, que desprezavam a ordem política tradicional.

Mais soldados em ação

A divisão, porém, era mais profunda: estendia-se pelas regiões industrializadas, como o norte e a Catalunha (onde a maioria do povo era favorável à República e pendia para a esquerda), e áreas rurais e tradicionalistas, como a Andaluzia e a Galícia, com grande massa de camponeses explorados pelos senhores de terras e da Igreja.

Some-se a isso um panorama internacional também polarizado, no qual os países democráticos (como a própria Espanha, a França e o Reino Unido) estavam se tornando minoria diante de ditaduras de direita ou de esquerda (Alemanha, Itália e União Soviética). O desastre começou quando o primeiro governo republicano foi formado, após a abdicação do rei Afonso XIII, em outubro de 1931. Dominado por socialistas e liberais esquerdistas, suas primeiras medidas foram expulsar os jesuítas do país e tirar das mãos da Igreja o sistema educacional, o que enfureceu os conservadores. Além disso, o governo priorizou a regularização das condições de trabalho no campo e a reforma agrária – um golpe doloroso para os latifundiários. 

As medidas de orientação esquerdista não duraram muito. No fim de 1933, novas eleições levaram ao poder uma coalizão de centro-direita, que desfez ou minimizou boa parte das últimas reformas. No ano seguinte, rebeldes anarquistas e operários levantaram-se contra o governo nas Astúrias e na Catalunha. As rebeliões foram reprimidas pelo exército, mas outros levantes, incluindo ataques ao clero católico, continuaram durante os meses seguintes, até que as urnas recolocaram no poder as forças liberais e de esquerda, com a Frente Popular, em fevereiro de 1936.

Uma série de assassinatos políticos de ambos os lados manteve as tensões. Muitos dos principais militares espanhóis, que não simpatizavam com o novo rumo que a República havia tomado, foram mandados para comandos distantes – como aconteceu com o próprio Francisco Franco, enviado para as ilhas Canárias. Ao lado de outros generais poderosos e da direita, Franco planejou um golpe militar contra a República, incitando rebeliões em quartéis de todo o país. O plano entrou em ação em 18 de julho de 1936, mas falhou em boa parte da Espanha. O que deveria ter sido um pronunciamento (nome dado pelos espanhóis a um golpe militar) começou a se transformar em uma guerra civil.


O caminho da guerra

 14 de abril de 1931: Depois da vitória de líderes republicanos em uma eleição geral, o rei Afonso XIII abdica do trono.
 9 de dezembro de 1931: Niceto Alcalá-Zamora é eleito presidente e Manuel Azaña torna-se primeiro-ministro.
 23 de janeiro de 1932: Alcalá-Zamora assina um decreto, acabando com a ordem dos jesuítas na Espanha.
 Outubro de 1934: Mineiros das Astúrias revoltam-se e são reprimidos pelo general Francisco Franco.
 16 de fevereiro de 1936: Alcalá-Zamora convoca novas eleições, vencidas pela Frente Popular (de esquerda).
 7 de abril de 1936: O Congresso destitui Alcalá-Zamora do cargo. Manuel Azaña assume a presidência.
 Maio - julho de 1936: Assassinatos com motivação política e greves tomam conta do país.


A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)


Em 1936, a Espanha estava politicamente dividida em dois campos: A Frente Nacionalista e a Frente Republicana. A Frente Nacionalista era um partido conservador, com ideias nacionalistas e fascistas, ao passo que a Frente Popular pertencia ao partido Republicano, com ideais socialistas, comunistas e anarquistas. Devido à oposição entre os dois lados, o monumental conflito deixou um rastro de sangue da matança entre espanhóis e tornou-se a precursora da Segunda Guerra Mundial.

O conflito começou em 1936 com a vitória da Frente Popular nas eleições. A Frente Nacionalista acreditava que a Frente Popular estava tentando iniciar uma revolução comunista. A Frente Popular temia um golpe de estado da Frente Nacionalista. Os temores da Frente Nacionalista foram redobrados em virtude da participação de anarquistas da Frente Popular. Em geral eles eram mais contidos, mas dessa vez resolveram apoiar a Frente Popular porque o partido havia prometido libertar todos os seus presos políticos.

A Frente Popular tomou o controle do novo governo, mas suas ações eram duvidosas. Devido à dissensão reinante entre a maioria – que incluía diferentes ideologias: republicanos, socialistas, comunistas e anarquistas – as reformas prometidas demoravam a ser implementadas. De repente, o povo resolveu começar a implementar as reformas por suas próprias mãos: a coletivização das terras e fábricas, às vezes por meio de violência. Os líderes comunitários e os industriais, que não tinham nenhuma confiança na determinação da Frente Popular para manter a ordem, estavam amedrontados. Milícias trabalhistas e nacionalistas competiam. O caos se instalava no país.

O assassinato do deputado e líder da direita monarquista, José Calvo Sotelo, por milícias republicanas, provocou o início da guerra civil, em 13 de julho de 1936. O golpe de estado aconteceu em 17 de julho de 1936, quando Franco, general do exército, tomou o controle do exército espanhol em Marrocos. O governo tentou uma reconciliação e propôs um acordo, mas não foi bem sucedido porque nem o lado republicano nem o nacionalista queriam ceder.
Algumas regiões rapidamente caíram em mãos nacionalistas comandadas por Franco: Navarra, Castilha, Galícia, partes da Andalucía e Aragon. Madri, Valencia e Barcelona permaneceram em mãos republicanas. Após uma semana, a Espanha estava dividida em duas áreas iguais: uma em mãos nacionalistas, a outra sob controle republicano. Os Republicanos mantiveram controle das regiões mais ricas e industrializadas.

A guerra civil tornou-se um dos primeiros frutos do que seria a Segunda Guerra Mundial: o exército nacionalista era apoiado por dois países poderosos, a Alemanha e a Itália; eles forneciam armas aos Nacionalistas. Já os Republicanos receberam o apoio da União Soviética. A ajuda da Alemanha e da Itália permitiu que as tropas de Franco passassem o Estreito de Gibraltar em 5 de agosto para se juntar ao resto do exército. Eles avançaram para o norte. Os Republicanos contra-atacaram formando colunas que avançavam em territórios nacionalistas: a mais famosa delas foi a “Coluna Durruti”, composta por soldados e anarquistas liderados pelo General Durruti.

Franco chegou aos portões de Madri, mas preferiu desviar suas tropas para o sul para ajudar insurgentes em Alcazar. Quando ele retornou aos portões de Madri em novembro de 1936, os Republicanos tiveram tempo de organizar suas defesas. A luta foi acirrada, mas a cidade estava bem protegida e em março de 1937, Franco teve que admitir que havia falhado.

Ele não sabia lidar com o fracasso, então decidiu derrubar a resistência republicana no País Basco e nas Astúrias. A luta prosseguiu para a região de Santander, que caiu em 26 de agosto. As Astúrias capitularam em 17 de outubro, tornando as forças nacionalistas as líderes de toda a costa Atlântica. 


Dentre as contra-ofensivas das tropas republicanas, duas foram memoráveis. A primeira foi na cidade de Teruel, que foi responsável por uma das mais acirradas lutas de toda a Guerra Civil. Nela, os republicanos tomaram a cidade das mãos dos nacionalistas nos primeiros dias de 1937, mas perderam o controle em menos de um mês. A outra foi a batalha de Ebro, que começou em 25 de julho de 1938, mas que também foi uma campanha fracassada.

Por isso, a Catalunha foi facilmente conquistada pelos Nacionalistas em fevereiro de 1939. Pouco tempo depois, Madri também foi conquistada pelos Nacionalistas. Em 1º de abril de 1939, Franco declara o fim da guerra.


Franquismo

Cláudio Fernandes


O franquismo, assim como o salazarismo em Portugal, foi uma modalidade de fascismo praticada na Espanha que faz referência à figura do general Francisco Franco (1892-1975), que esteve no poder desse país de 1939 a 1975, quando morreu. O franquismo é um termo usado para definir tanto o modo de se fazer política de Francisco Franco quanto o culto à sua personalidade.

O general Franco passou a destacar-se como figura pública na Espanha a partir do momento em que a República Espanhola, que havia sido instituída logo no início da década de 1930, passou a ser contestada por setores conservadores e por militares ligados a esses setores. A contestação dava-se pelo fato principal de ser a república eminentemente de esquerda, controlada pela Frente Popular.
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Em julho de 1936, Franco e outros membros do exército que eram simpatizantes do fascismo, desenvolvido na Itália, e do nazismo, desenvolvido na Alemanha, como Gonzalo Queipo de Llano, Emilio Mola e José Sanjturjo, articularam um golpe contra o governo de esquerda. Como esse governo era apoiado pela URSS, de Stálin, e Franco e os demais fascistas eram apoiados por Hitler, Mussoloni e Oliveira Salazar, de Portugal, logo se instalou uma guerra civil na Espanha que duraria até o ano de 1939.

Em meio a essa guerra, no ano de 1937, os nazistas que apoiavam Franco bombardearam a cidade de Guernica com o objetivo de testar seu maquinário militar que seria utilizado na Segunda Guerra Mundial. A vitória das forças fascistas espanholas lideradas pelo general Franco consolidou-se em 1939, ano em que se iniciou o segundo conflito mundial. Com o fim da Segunda Guerra em 1945, o fascismo tornou-se um modelo político desprestigiado, entretanto, Franco e outros líderes, como Salazar, continuaram a ostentar o seu poder autoritário. Da década de 1940 à década de 1970, o governo de Franco procurou engendrar, tal como tipicamente se fazia nos regimes fascistas, uma máquina de propaganda para enaltecer a figura do ditador. Associada a essa máquina de propaganda, uma manipulação da memória histórica da nação espanhola também foi gestada. A pesquisadora Janete Abraão, em seu ensaio “O dois de maio, a 'Guerra de Independência e a Memória manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo'”, acentuou bem a forma como o franquismo usou a memória da luta da Espanha contra o imperialismo napoleônico do início do século XIX a seu favor:

Cabe afirmar que o mito da 'Espanha indomável' de 1808, que se opõe à dominação estrangeira, teve enorme repercussão durante o regime franquista (1939-1975). Mas há que se levar em consideração o fato de que, o franquismo, não fez senão capitalizar, em seu interesse, o discurso romântico nacionalista, tradicionalista e católico de fins do século XIX, com toda a sua carga emocional. Foi nesse sentido que o franquismo relacionou o Dois de Maio de 1808 ao Dezoito de Julho de 1936. Dessa forma, a historiografia de cunho franquista não duvidou em afirmar que os acontecimentos históricos de maior transcendência para a 'pátria espanhola' eram a 'Guerra de Independência' (1808-1814) e a “Guerra de Libertação” (1936-1939).”[1]

Dessa forma, o franquismo procurou instituir uma imagem particular da história espanhola ajustada ao seu interesse. Essa perspectiva só foi revista e discutida após a morte de Franco e o processo de redemocratização da Espanha, que só se deu a partir de 1978.

Nota:

[1] Abrão, Janete. “O dois de maio, a 'Guerra de Independência e a Memória manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo'”. In: Abrão, Janete (org.) Espanha: política e cultura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. p. 25


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