Reinaldo José Lopes
É cômodo dizer que uma guerra era
inevitável, depois de ter ocorrido. No entanto, o caso do conflito que dividiu
a Espanha, a partir de julho de 1936, foi um desastre há muito anunciado. Por
várias décadas, não existiu entendimento na política espanhola, e o quadro só
piorou no início de 1930. O grande problema era a polarização: o país tinha se
dividido no campo ideológico. Direita e esquerda viam-se em posições
irreconciliáveis. Cada lado se considerava o verdadeiro representante do que a
Espanha deveria ser, situação que levou vários historiadores a usar a expressão
“duas Espanhas”. Aliás, “duas” é pouco. É mais correto falar em inúmeras
“Espanhas”, porque diversos grupos disputavam o poder. Havia, por exemplo, dois
movimentos monarquistas; organizações totalitaristas como a Falange, inspiradas
no fascismo e no nazismo; vários partidos socialistas e comunistas; e –
fenômeno típico do país – muitos anarquistas, que desprezavam a ordem política
tradicional.
Mais soldados
em ação
A divisão, porém, era mais profunda:
estendia-se pelas regiões industrializadas, como o norte e a Catalunha (onde a
maioria do povo era favorável à República e pendia para a esquerda), e áreas
rurais e tradicionalistas, como a Andaluzia e a Galícia, com grande massa de
camponeses explorados pelos senhores de terras e da Igreja.
Some-se a isso um panorama
internacional também polarizado, no qual os países democráticos (como a própria
Espanha, a França e o Reino Unido) estavam se tornando minoria diante de
ditaduras de direita ou de esquerda (Alemanha, Itália e União Soviética). O
desastre começou quando o primeiro governo republicano foi formado, após a
abdicação do rei Afonso XIII, em outubro de 1931. Dominado por socialistas e
liberais esquerdistas, suas primeiras medidas foram expulsar os jesuítas do
país e tirar das mãos da Igreja o sistema educacional, o que enfureceu os
conservadores. Além disso, o governo priorizou a regularização das condições de
trabalho no campo e a reforma agrária – um golpe doloroso para os
latifundiários.
As medidas de orientação esquerdista
não duraram muito. No fim de 1933, novas eleições levaram ao poder uma coalizão
de centro-direita, que desfez ou minimizou boa parte das últimas reformas. No
ano seguinte, rebeldes anarquistas e operários levantaram-se contra o governo
nas Astúrias e na Catalunha. As rebeliões foram reprimidas pelo exército, mas
outros levantes, incluindo ataques ao clero católico, continuaram durante os
meses seguintes, até que as urnas recolocaram no poder as forças liberais e de
esquerda, com a Frente Popular, em fevereiro de 1936.
Uma série de assassinatos políticos de
ambos os lados manteve as tensões. Muitos dos principais militares espanhóis,
que não simpatizavam com o novo rumo que a República havia tomado, foram
mandados para comandos distantes – como aconteceu com o próprio Francisco
Franco, enviado para as ilhas Canárias. Ao lado de outros generais poderosos e
da direita, Franco planejou um golpe militar contra a República, incitando
rebeliões em quartéis de todo o país. O plano entrou em ação em 18 de julho de
1936, mas falhou em boa parte da Espanha. O que deveria ter sido um
pronunciamento (nome dado pelos espanhóis a um golpe militar) começou a se
transformar em uma guerra civil.
O caminho da guerra
➽ 14
de abril de 1931: Depois da vitória de líderes
republicanos em uma eleição geral, o rei Afonso XIII abdica do trono.
➽ 9
de dezembro de 1931: Niceto Alcalá-Zamora é eleito
presidente e Manuel Azaña torna-se primeiro-ministro.
➽ 23
de janeiro de 1932: Alcalá-Zamora assina um decreto,
acabando com a ordem dos jesuítas na Espanha.
➽ Outubro
de 1934: Mineiros das Astúrias revoltam-se e
são reprimidos pelo general Francisco Franco.
➽ 16
de fevereiro de 1936: Alcalá-Zamora convoca novas
eleições, vencidas pela Frente Popular (de esquerda).
➽ 7
de abril de 1936: O Congresso destitui
Alcalá-Zamora do cargo. Manuel Azaña assume a presidência.
➽ Maio
- julho de 1936: Assassinatos com motivação
política e greves tomam conta do país.
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
Em 1936,
a Espanha estava politicamente dividida em dois campos: A Frente Nacionalista e
a Frente Republicana. A Frente Nacionalista era um partido conservador, com
ideias nacionalistas e fascistas, ao passo que a Frente Popular pertencia ao
partido Republicano, com ideais socialistas, comunistas e anarquistas. Devido à
oposição entre os dois lados, o monumental conflito deixou um rastro de sangue
da matança entre espanhóis e tornou-se a precursora da Segunda Guerra Mundial.
O
conflito começou em 1936 com a vitória da Frente Popular nas eleições. A Frente
Nacionalista acreditava que a Frente Popular estava tentando iniciar uma
revolução comunista. A Frente Popular temia um golpe de estado da Frente
Nacionalista. Os temores da Frente Nacionalista foram redobrados em virtude da
participação de anarquistas da Frente Popular. Em geral eles eram mais
contidos, mas dessa vez resolveram apoiar a Frente Popular porque o partido
havia prometido libertar todos os seus presos políticos.
A Frente
Popular tomou o controle do novo governo, mas suas ações eram duvidosas. Devido
à dissensão reinante entre a maioria – que incluía diferentes ideologias:
republicanos, socialistas, comunistas e anarquistas – as reformas prometidas
demoravam a ser implementadas. De repente, o povo resolveu começar a
implementar as reformas por suas próprias mãos: a coletivização das terras e
fábricas, às vezes por meio de violência. Os líderes comunitários e os
industriais, que não tinham nenhuma confiança na determinação da Frente Popular
para manter a ordem, estavam amedrontados. Milícias trabalhistas e
nacionalistas competiam. O caos se instalava no país.
O
assassinato do deputado e líder da direita monarquista, José Calvo Sotelo, por
milícias republicanas, provocou o início da guerra civil, em 13 de julho de
1936. O golpe de estado aconteceu em 17 de julho de 1936, quando Franco,
general do exército, tomou o controle do exército espanhol em Marrocos. O
governo tentou uma reconciliação e propôs um acordo, mas não foi bem sucedido
porque nem o lado republicano nem o nacionalista queriam ceder.
Algumas
regiões rapidamente caíram em mãos nacionalistas comandadas por Franco:
Navarra, Castilha, Galícia, partes da Andalucía e Aragon. Madri, Valencia e
Barcelona permaneceram em mãos republicanas. Após uma semana, a Espanha estava
dividida em duas áreas iguais: uma em mãos nacionalistas, a outra sob controle
republicano. Os Republicanos mantiveram controle das regiões mais ricas e
industrializadas.
A guerra civil tornou-se um dos
primeiros frutos do que seria a Segunda Guerra Mundial: o exército nacionalista
era apoiado por dois países poderosos, a Alemanha e a Itália; eles forneciam
armas aos Nacionalistas. Já os Republicanos receberam o apoio da União
Soviética. A ajuda da Alemanha e da Itália permitiu que as tropas de Franco
passassem o Estreito de Gibraltar em 5 de agosto para se juntar ao resto do
exército. Eles avançaram para o norte. Os Republicanos contra-atacaram formando
colunas que avançavam em territórios nacionalistas: a mais famosa delas foi a
“Coluna Durruti”, composta por soldados e anarquistas liderados pelo General
Durruti.
Franco chegou aos portões de Madri,
mas preferiu desviar suas tropas para o sul para ajudar insurgentes em Alcazar.
Quando ele retornou aos portões de Madri em novembro de 1936, os Republicanos
tiveram tempo de organizar suas defesas. A luta foi acirrada, mas a cidade
estava bem protegida e em março de 1937, Franco teve que admitir que havia
falhado.
Ele não sabia lidar com o fracasso,
então decidiu derrubar a resistência republicana no País Basco e nas Astúrias.
A luta prosseguiu para a região de Santander, que caiu em 26 de agosto. As
Astúrias capitularam em 17 de outubro, tornando as forças nacionalistas as
líderes de toda a costa Atlântica.
Dentre as contra-ofensivas das tropas
republicanas, duas foram memoráveis. A primeira foi na cidade de Teruel, que
foi responsável por uma das mais acirradas lutas de toda a Guerra Civil. Nela,
os republicanos tomaram a cidade das mãos dos nacionalistas nos primeiros dias
de 1937, mas perderam o controle em menos de um mês. A outra foi a batalha de
Ebro, que começou em 25 de julho de 1938, mas que também foi uma campanha
fracassada.
Por isso, a Catalunha foi facilmente
conquistada pelos Nacionalistas em fevereiro de 1939. Pouco tempo depois, Madri
também foi conquistada pelos Nacionalistas. Em 1º de abril de 1939, Franco
declara o fim da guerra.
Franquismo
Cláudio Fernandes
Cláudio Fernandes
O franquismo,
assim como o salazarismo em
Portugal, foi uma modalidade de fascismo praticada na Espanha
que faz referência à figura do general Francisco
Franco
(1892-1975),
que esteve no poder desse país de 1939 a 1975, quando morreu. O franquismo é um
termo usado para definir tanto o modo de se fazer política de Francisco Franco
quanto o culto à sua personalidade.
O general
Franco passou a destacar-se como figura pública na Espanha a partir do momento
em que a República Espanhola, que havia sido instituída logo no início da
década de 1930, passou a ser contestada por setores conservadores e por
militares ligados a esses setores. A contestação dava-se pelo fato principal de
ser a república eminentemente de esquerda, controlada pela Frente Popular.
Em julho de
1936, Franco e outros membros do exército que eram simpatizantes do fascismo,
desenvolvido na Itália, e do nazismo, desenvolvido na Alemanha, como Gonzalo
Queipo de Llano, Emilio Mola e José Sanjturjo, articularam um golpe contra o
governo de esquerda. Como esse governo era apoiado pela URSS, de Stálin, e
Franco e os demais fascistas eram apoiados por Hitler, Mussoloni e Oliveira
Salazar, de Portugal, logo se instalou uma guerra civil na Espanha que duraria
até o ano de 1939.
Em meio a essa
guerra, no ano de 1937, os nazistas que apoiavam Franco bombardearam a cidade
de Guernica com o objetivo de testar seu maquinário militar que seria utilizado
na Segunda Guerra Mundial. A vitória das forças fascistas espanholas lideradas
pelo general Franco consolidou-se em 1939, ano em que se iniciou o segundo
conflito mundial. Com o fim da Segunda Guerra em 1945, o fascismo tornou-se um
modelo político desprestigiado, entretanto, Franco e outros líderes, como
Salazar, continuaram a ostentar o seu poder autoritário. Da década de 1940 à
década de 1970, o governo de Franco procurou engendrar, tal como tipicamente se
fazia nos regimes fascistas, uma máquina de propaganda para enaltecer a figura
do ditador. Associada a essa máquina de propaganda, uma manipulação da memória
histórica da nação espanhola também foi gestada. A pesquisadora Janete Abraão,
em seu ensaio “O dois de maio, a 'Guerra de Independência e a Memória
manipulada durante a Guerra Civil e o Franquismo'”, acentuou bem a forma como o
franquismo usou a memória da luta da Espanha contra o imperialismo napoleônico
do início do século XIX a seu favor:
“Cabe
afirmar que o mito da 'Espanha indomável' de 1808, que se opõe à dominação
estrangeira, teve enorme repercussão durante o regime franquista (1939-1975).
Mas há que se levar em consideração o fato de que, o franquismo, não fez senão
capitalizar, em seu interesse, o discurso romântico nacionalista,
tradicionalista e católico de fins do século XIX, com toda a sua carga
emocional. Foi nesse sentido que o franquismo relacionou o Dois de Maio de 1808
ao Dezoito de Julho de 1936. Dessa forma, a historiografia de cunho franquista
não duvidou em afirmar que os acontecimentos históricos de maior transcendência
para a 'pátria espanhola' eram a 'Guerra de Independência' (1808-1814) e a
“Guerra de Libertação” (1936-1939).”[1]
Dessa forma, o
franquismo procurou instituir uma imagem particular da história espanhola ajustada
ao seu interesse. Essa perspectiva só foi revista e discutida após a morte de
Franco e o processo de redemocratização da Espanha, que só se deu a partir de
1978.
Nota:
[1] Abrão,
Janete. “O dois de maio, a 'Guerra de Independência e a Memória manipulada
durante a Guerra Civil e o Franquismo'”. In: Abrão, Janete (org.) Espanha: política e cultura.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. p. 25
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