Mauro Tracco
O general e estrategista prussiano Carl von
Clausewitz, autor de Da
Guerra, escreveu: "A forma defensiva de guerrear é
intrinsecamente mais forte que a ofensiva. Deve ser usada somente quando
compelida pela fraqueza e abandonada assim que nos tornarmos fortes o
suficiente para perseguir um objetivo definido. Quando alguém usa as medidas
defensivas de forma competente, uma balança favorável de força costuma ser
criada. Por isso o curso natural em uma guerra é começar na defesa e terminar
no ataque".
Em julho de
1943, no episódio conhecido como Batalha de Kursk, o Exército Vermelho mostrou
a força de sua defesa e o poder de seu contra-ataque. Pela primeira vez, não só
uma blitzkrieg foi
detida em seus estágios iniciais como os soviéticos se mostraram capazes de
triunfar sobre os alemães no verão. Depois da virada de mesa em Kursk, a
iniciativa na frente oriental mudou de lado.
Na linha de frente nazista, entre as posições
avançadas de Orel e Kharkov, ficava o saliente de Kursk, sob domínio do
Exército de Stalin. Os dois lados sabiam que aquela "protuberância
vermelha", localizada no sul da União Soviética, era o ponto de ataque
mais óbvio dos alemães. A Alemanha enxergava o saliente como o alvo perfeito
para repetir os sucessos dos anos anteriores, cercando e destruindo vastos
exércitos soviéticos. Para os soviéticos, era a chance de provar que a vitória
em Stalingrado, no início de 1943, não havia sido apenas um golpe de sorte.
Àquela
altura da guerra, diante do crescente poderio militar da União Soviética, os
nazistas já não tinham a ilusão de esmagar o inimigo, mas se viram obrigados a
tomar uma atitude para impedir sua iniciativa na frente oriental. Se o objetivo
fosse alcançado, Hitler acreditava que eliminaria a possibilidade de uma
ofensiva do Exército Vermelho em 1943 e, dessa forma, ficaria livre para
transferir algumas de suas tropas para combater a inevitável invasão aliada no
oeste.
Operação cidadela
A última
grande ofensiva nazista recebeu o nome de Operação Cidadela. Deveria ser a
quinta demonstração de força da blitzkrieg.
Uma demonstração que, desde setembro de 1939, ocorria anualmente nos finais de
primavera ou no verão. Toda operação anterior de tamanha escala estratégica
obteve vitórias fulminantes em seus estágios iniciais e intermediários, apesar
de, em 1941, não terem conquistado o objetivo final, Moscou, e de em 1942 as
operações terem se esticado até o desastroso desfecho de Stalingrado.
Os
comandantes insistiram que a ofensiva deveria ser lançada o quanto antes, para
que o inimigo não tivesse tempo de fortalecer suas linhas de defesa, mas Hitler
adiou o ataque para esperar a chegada dos novos tanques Panzer V (Pantera), VI
(Tigre) e a instalação de blindagem extra nos Panzers III e IV.
Os soviéticos estavam cientes dos planos nazistas
graças aos relatórios enviados por espiões. Esse fato, somado aos três meses de
espera pelos super tanques de Hitler, deram aos comunistas tempo de sobra para
preparar suas posições e trincheiras antitanque, instalar 400 mil minas,
aumentar o número de canhões autopropulsados e trazer tanques modelos T-34 e o
novíssimo KV-85. Os comunistas estavam bem preparados também na retaguarda,
onde um novo front foi montado, a 100 quilômetros de distância. Todas as suas
unidades contavam com capacidade de força total.
A Operação
Cidadela consistia em ataques simultâneos em dois flancos, um ao norte e outro
ao sul do saliente. Os alemães estavam em menor número, mas confiavam em suas
táticas de blitzkrieg e
em seu equipamento tecnologicamente mais avançado para garantir a vitória, tal
qual havia ocorrido em operações anteriores.
As forças
alemãs deveriam avançar uma em direção a outra até se encontrar e assim atacar
juntas os soviéticos ilhados. Pelo norte, o 9º Exército e seus batalhões de
tanques Tigres e canhões autopropulsados Ferdinand deveriam corroer as defesas
inimigas e abrir espaço para as divisões armadas. Os destacamentos de blindados
pesados precederiam o avanço de tanques médios e leves e da infantaria
motorizada que ajudaria a destruir as defesas soviéticas. No total, cerca de
1,2 mil tanques e canhões autopropulsados seriam utilizados no flanco
setentrional.
Pelo sul, o
4º Exército Panzer e o destacamento militar Kempf, posicionados nas cercanias
de Belgorod, atacariam as defesas da região meridional do cinturão e marchariam
rumo ao norte até se encontrarem com o 9º Exército, perto de Kursk; 1,5 mil
tanques e canhões autopropulsados seriam usados.
Para
receber o ataque nazista, as divisões que defendiam a saliência contavam com
3,3 mil tanques e armas motorizadas. Afastados do front, mais 1,6 mil tanques
integravam uma gigantesca força militar reserva, que estava lá para
providenciar o poder bélico para um contra-ataque.
Banho de sangue
O que se
viu na Batalha de Kursk foi um banho de sangue. Soldados veteranos afirmaram
que esse foi o mais brutal engajamento de toda a guerra. A ofensiva foi lançada
na madrugada do dia 5 de julho. A retaliação foi imediata, com bombardeios em
todos os locais de concentração alemã encontrados. A Luftwaffe tentou aniquilar
a Força Aérea soviética ainda no chão, mas falhou.
No norte,
os combates davam-se tanque contra tanque, canhão contra canhão e,
principalmente, soldado contra soldado. O 9º Exército empregava mais homens e
máquinas a cada batalha e acabou esgotando seu poder ofensivo sem conseguir
avanços significativos. Não apenas os soviéticos conseguiram segurar as linhas
como tomaram a ofensiva no dia 12 contra a saliência de Orel, que estava nas
mãos dos nazistas desde o outono de 1941.
No sul, a coisa foi mais encarniçada. Os comunistas
encaravam o que restava do melhor da tecnologia militar alemã. A Wehrmacht
avançava um pouco a cada dia, porém, os tão aguardados Panzers não paravam de
quebrar, atolar nos lamaçais e sucumbir às minas plantadas pelo inimigo. Foi no
dia 12, em Prokhorova, que aconteceu o maior embate de tanques de toda a
Batalha de Kursk. O resultado do confronto pulverizou as chances de uma vitória
nazista. No dia 13, Hitler abortou a Operação Cidadela e o exército do Reich
recuou para novas posições de defesa, localizadas próximas ao ponto de partida
da ofensiva.
Os alemães
haviam desfalcado seu poder de ataque e exaurido suas reservas táticas. Apesar
de terem sofrido baixas severas, os soviéticos eram superiores em número e
podiam lançar tropas frescas para sua contra-ofensiva sobre um inimigo
enfraquecido. No dia 5 de agosto, Orel e Belgorod voltaram às mãos soviéticas
e, no dia 23, a recaptura de Khar- kov marcou o fim da batalha. O cerco nazista
que colocara Kursk em posição perigosa fora eliminado. Dali em diante, uma maré
vermelha se alastraria pela Europa oriental até chegar a Berlim.
Em Kursk,
forças blindadas foram integradas às táticas defensivas em um grau nunca antes
visto, aumentando o risco à infantaria inimiga. A maioria dos soldados
soviéticos contava com o apoio de tanques e artilharia autopropulsada, mas esse
não era seu único trunfo. Relatos alemães destacam a tenacidade dos defensores
e o alto preço pago pelas unidades nazistas que tentaram superá-los. Um
veterano alemão disse que soldados desacompanhados continuavam a lutar mesmo
quando suas linhas haviam sido penetradas. O esforço combinado desses homens,
somado aos batalhões blindados, desgastaram o moral e a capacidade de combate
do inimigo. O colapso da até então inabalável blitzkrieg em
Kursk anunciou ao mundo que, para cada teoria ofensiva, existe uma defensiva à
altura, disponível àqueles que se propõem a devotar o planejamento necessário
para desenvolvê-la.
A Batalha de Kursk
➽Quem: URSS X Alemanha
➽Quando: 5 de julho a 23 de agosto de 1943
➽Onde: Redondezas de Kursk, na URSS
➽Forças: Alemanha: 900 mil homens, 2,7 mil tanques e
canhões autopropulsados e 1,8 mil aviões / URSS: 1,3 milhão de homens, 4,9 mil
tanques e canhões autopropulsados e 2,4 mil aviões
➽Baixas: Alemanha: 500 mil mortos e feridos / URSS:
800 mil mortos e feridos durante os combates
➽Resultado: Vitória da URSS
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