quarta-feira, 5 de julho de 2017

[SGM] Kursk: A aurora das máquinas

Mauro Tracco


O general e estrategista prussiano Carl von Clausewitz, autor de Da Guerra, escreveu: "A forma defensiva de guerrear é intrinsecamente mais forte que a ofensiva. Deve ser usada somente quando compelida pela fraqueza e abandonada assim que nos tornarmos fortes o suficiente para perseguir um objetivo definido. Quando alguém usa as medidas defensivas de forma competente, uma balança favorável de força costuma ser criada. Por isso o curso natural em uma guerra é começar na defesa e terminar no ataque". 

Em julho de 1943, no episódio conhecido como Batalha de Kursk, o Exército Vermelho mostrou a força de sua defesa e o poder de seu contra-ataque. Pela primeira vez, não só uma blitzkrieg foi detida em seus estágios iniciais como os soviéticos se mostraram capazes de triunfar sobre os alemães no verão. Depois da virada de mesa em Kursk, a iniciativa na frente oriental mudou de lado.

Na linha de frente nazista, entre as posições avançadas de Orel e Kharkov, ficava o saliente de Kursk, sob domínio do Exército de Stalin. Os dois lados sabiam que aquela "protuberância vermelha", localizada no sul da União Soviética, era o ponto de ataque mais óbvio dos alemães. A Alemanha enxergava o saliente como o alvo perfeito para repetir os sucessos dos anos anteriores, cercando e destruindo vastos exércitos soviéticos. Para os soviéticos, era a chance de provar que a vitória em Stalingrado, no início de 1943, não havia sido apenas um golpe de sorte.

Àquela altura da guerra, diante do crescente poderio militar da União Soviética, os nazistas já não tinham a ilusão de esmagar o inimigo, mas se viram obrigados a tomar uma atitude para impedir sua iniciativa na frente oriental. Se o objetivo fosse alcançado, Hitler acreditava que eliminaria a possibilidade de uma ofensiva do Exército Vermelho em 1943 e, dessa forma, ficaria livre para transferir algumas de suas tropas para combater a inevitável invasão aliada no oeste.

Operação cidadela

A última grande ofensiva nazista recebeu o nome de Operação Cidadela. Deveria ser a quinta demonstração de força da blitzkrieg. Uma demonstração que, desde setembro de 1939, ocorria anualmente nos finais de primavera ou no verão. Toda operação anterior de tamanha escala estratégica obteve vitórias fulminantes em seus estágios iniciais e intermediários, apesar de, em 1941, não terem conquistado o objetivo final, Moscou, e de em 1942 as operações terem se esticado até o desastroso desfecho de Stalingrado.


Os comandantes insistiram que a ofensiva deveria ser lançada o quanto antes, para que o inimigo não tivesse tempo de fortalecer suas linhas de defesa, mas Hitler adiou o ataque para esperar a chegada dos novos tanques Panzer V (Pantera), VI (Tigre) e a instalação de blindagem extra nos Panzers III e IV.

Os soviéticos estavam cientes dos planos nazistas graças aos relatórios enviados por espiões. Esse fato, somado aos três meses de espera pelos super tanques de Hitler, deram aos comunistas tempo de sobra para preparar suas posições e trincheiras antitanque, instalar 400 mil minas, aumentar o número de canhões autopropulsados e trazer tanques modelos T-34 e o novíssimo KV-85. Os comunistas estavam bem preparados também na retaguarda, onde um novo front foi montado, a 100 quilômetros de distância. Todas as suas unidades contavam com capacidade de força total.

A Operação Cidadela consistia em ataques simultâneos em dois flancos, um ao norte e outro ao sul do saliente. Os alemães estavam em menor número, mas confiavam em suas táticas de blitzkrieg e em seu equipamento tecnologicamente mais avançado para garantir a vitória, tal qual havia ocorrido em operações anteriores.

As forças alemãs deveriam avançar uma em direção a outra até se encontrar e assim atacar juntas os soviéticos ilhados. Pelo norte, o 9º Exército e seus batalhões de tanques Tigres e canhões autopropulsados Ferdinand deveriam corroer as defesas inimigas e abrir espaço para as divisões armadas. Os destacamentos de blindados pesados precederiam o avanço de tanques médios e leves e da infantaria motorizada que ajudaria a destruir as defesas soviéticas. No total, cerca de 1,2 mil tanques e canhões autopropulsados seriam utilizados no flanco setentrional.

Pelo sul, o 4º Exército Panzer e o destacamento militar Kempf, posicionados nas cercanias de Belgorod, atacariam as defesas da região meridional do cinturão e marchariam rumo ao norte até se encontrarem com o 9º Exército, perto de Kursk; 1,5 mil tanques e canhões autopropulsados seriam usados.

Para receber o ataque nazista, as divisões que defendiam a saliência contavam com 3,3 mil tanques e armas motorizadas. Afastados do front, mais 1,6 mil tanques integravam uma gigantesca força militar reserva, que estava lá para providenciar o poder bélico para um contra-ataque.



Banho de sangue

O que se viu na Batalha de Kursk foi um banho de sangue. Soldados veteranos afirmaram que esse foi o mais brutal engajamento de toda a guerra. A ofensiva foi lançada na madrugada do dia 5 de julho. A retaliação foi imediata, com bombardeios em todos os locais de concentração alemã encontrados. A Luftwaffe tentou aniquilar a Força Aérea soviética ainda no chão, mas falhou.

No norte, os combates davam-se tanque contra tanque, canhão contra canhão e, principalmente, soldado contra soldado. O 9º Exército empregava mais homens e máquinas a cada batalha e acabou esgotando seu poder ofensivo sem conseguir avanços significativos. Não apenas os soviéticos conseguiram segurar as linhas como tomaram a ofensiva no dia 12 contra a saliência de Orel, que estava nas mãos dos nazistas desde o outono de 1941.

No sul, a coisa foi mais encarniçada. Os comunistas encaravam o que restava do melhor da tecnologia militar alemã. A Wehrmacht avançava um pouco a cada dia, porém, os tão aguardados Panzers não paravam de quebrar, atolar nos lamaçais e sucumbir às minas plantadas pelo inimigo. Foi no dia 12, em Prokhorova, que aconteceu o maior embate de tanques de toda a Batalha de Kursk. O resultado do confronto pulverizou as chances de uma vitória nazista. No dia 13, Hitler abortou a Operação Cidadela e o exército do Reich recuou para novas posições de defesa, localizadas próximas ao ponto de partida da ofensiva.

Os alemães haviam desfalcado seu poder de ataque e exaurido suas reservas táticas. Apesar de terem sofrido baixas severas, os soviéticos eram superiores em número e podiam lançar tropas frescas para sua contra-ofensiva sobre um inimigo enfraquecido. No dia 5 de agosto, Orel e Belgorod voltaram às mãos soviéticas e, no dia 23, a recaptura de Khar- kov marcou o fim da batalha. O cerco nazista que colocara Kursk em posição perigosa fora eliminado. Dali em diante, uma maré vermelha se alastraria pela Europa oriental até chegar a Berlim.

Em Kursk, forças blindadas foram integradas às táticas defensivas em um grau nunca antes visto, aumentando o risco à infantaria inimiga. A maioria dos soldados soviéticos contava com o apoio de tanques e artilharia autopropulsada, mas esse não era seu único trunfo. Relatos alemães destacam a tenacidade dos defensores e o alto preço pago pelas unidades nazistas que tentaram superá-los. Um veterano alemão disse que soldados desacompanhados continuavam a lutar mesmo quando suas linhas haviam sido penetradas. O esforço combinado desses homens, somado aos batalhões blindados, desgastaram o moral e a capacidade de combate do inimigo. O colapso da até então inabalável blitzkrieg em Kursk anunciou ao mundo que, para cada teoria ofensiva, existe uma defensiva à altura, disponível àqueles que se propõem a devotar o planejamento necessário para desenvolvê-la.

A Batalha de Kursk
Quem: URSS X Alemanha
Quando: 5 de julho a 23 de agosto de 1943
Onde: Redondezas de Kursk, na URSS
Forças: Alemanha: 900 mil homens, 2,7 mil tanques e canhões autopropulsados e 1,8 mil aviões / URSS: 1,3 milhão de homens, 4,9 mil tanques e canhões autopropulsados e 2,4 mil aviões
Baixas: Alemanha: 500 mil mortos e feridos / URSS: 800 mil mortos e feridos durante os combates
Resultado: Vitória da URSS


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