sexta-feira, 28 de setembro de 2012

[SGM] Dois Historiadores Britânicos analisam o pior conflito do Século XX

The Economist, 9/06/2012


A História está repleta de guerras que foram mais sanguinárias que a Segunda Guerra Mundial. Proporcionalmente à população, mais pessoas foram mortas durante a rebelião Lushan na China no século XVIII, por exemplo, ou pela Guerra dos Trinta Anos no século XVII na Europa Central. Mas a real magnitude da tragédia humana da Segunda Guerra Mundial a insere em uma classe particular, e sua relativa proximidade com o presente afeta a memória coletiva mais do que os horrores do passado.

A estatística da guerra é quase impensável. As estimativas diferem entre si, mas cerca de 70 milhões de pessoas morreram como conseqüência direta da luta entre 1939 e 1945, cerca de dois terços delas não-combatentes, tornando-a em termos absolutos o conflito mais mortal da história. Aproximadamente 1 em 10 alemães morreram e 30% de seu exército. Cerca de 15 milhões de chineses morreram e 27 milhões de soviéticos. Espremida por dois vizinhos totalitários, a Polônia perdeu 16% de sua população, quase metade dela sendo judeus, que faziam parte da Solução Final de Hitler. Na média, quase 30.000 pessoas eram mortas diariamente.

Parcialmente porque é tão difícil entender o que esses números significam, historiadores atuais preferem se concentrar em teatros particulares ou aspectos da guerra com ênfase em tentar descrever como as pessoas que foram arrastadas para ela enxergavam-na. Tanto Anthony Beevor e Max Hastings são exemplos ilustres desta situação. O Sr. Hastings escreveu livros sobre a campanha de bombardeio estratégico da Grã-Bretanha, da invasão aliada da Normandia e das batalhas contra a Alemanha e Japão nos estágios finais da guerra. Com vários livros já publicados, o Sr. Beevor tornou-se conhecido em 1998 pelo seu relato épico do cerco a Stalingrado, e continuou a produzir relatos para o Dia-D e para a Queda de Berlim. Agora, ambos os escritores tentaram algo diferente: uma narrativa em volume único da história de toda a guerra. Ao fazer isso, eles estão seguindo os passos de Andrew Roberts e Michael Burleigh, que fizeram tentativas similares em, respectivamente, 2009 e 2010.

O Sr. Hastings chegou antes do Sr. Beevor. “All Hell Let loose” (Todo Inferno é Libertado, em tradução livre) foi publicado sete meses atrás (e agora está disponível em brochura) e com justiça recebeu críticas enfurecidas. A técnica do Sr. Hastings é selecionar os registros escritos daqueles que tomaram parte ativa e passivamente. Seu alcance testemunhal dos homens cujas decisões enviaram milhões para suas mortes até os soldados comuns que obedeceram essas ordens e as vítimas civis que receberam o castigo final. Cinismo e idealismo, sofrimento e euforia, coragem e terror, brutalização e sentimentalismo – tudo encontra expressão através de seu próprio testemunho. Das estradas da Birmânia aos comboios árticos, os campos de morte de Kursk e a Blitz londrina, suas vozes são ouvidas. A realização do Sr. Hastings em organizar esta massa incômoda de material em uma narrativa que transcorre confiantemente por todos os cantos do globo em conflito é impressionante.

Menores são alguns de seus julgamentos. Apesar de desenvolvidos com entusiasmo e economia (o Sr. Hastings é, acima de tudo, um jornalista completo), eles são freqüentemente injustos. Por exemplo, ele argumenta que a decisão da Grã-Bretanha e França de declarar guerra por causa do ataque alemão contra a Polônia foi um ato de cinismo porque ambos sabiam que não poderiam fazer nada para ajudar os poloneses. Isto nunca esteve em dúvida, mas os Aliados esperavam que a atitude firme contra a agressão brutal da Alemanha convenceria Hitler a retroceder da idéia da guerra, um motivo que não era nem básico nem ridículo.

A admiração repetida do Sr. Hastings pelas qualidades militares dos soldados alemães, japoneses e soviéticos em relação às forças britânicas e americanas é especialmente especulativa. A Alemanha e o Japão eram sociedades militarizadas que glorificavam a guerra e conquista, tinham pouco valor à vida humana e mantinham obediência ao Estado como virtude máxima. Os soldados russos estavam acostumados à brutalidade do jugo soviético e movidos pelo sentimento de que eles estavam lutando uma “guerra de aniquilação” contra um inimigo implacável. Se eles vacilassem, sabiam que seriam fuzilados pelos algozes do NKVD. Mais de 300.000 foram mortos pour encourager les autres (por encorajar os outros).

A maioria dos soldados cidadãos das democracias ocidentais, ao contrário, apenas queriam sobreviver e voltar à vida normal tão logo fosse possível. Isto também significava que os generais americanos e britânicos tinham que evitar a agressão enérgica de suas contrapartes alemã e russa, que poderiam tirar vidas com impunidade. Graças ao banho de sangue na Rússia, onde a Wehrmacht foi destruída e nove entre 10 soldados alemães que morreram na guerra encontraram sua morte, eles permitiam ser mais cuidadosos.

O Sr. Hastings admira excessivamente dois marechais alemães: Gerd von Rundstedt e Eric von Manstein, enquanto que somente Bill Slim e George Patton se sobressaem em relação à mediocridade do alto comando aliado. Felizmente, a virtuosidade tática dos alemães e japoneses estava mais do que compatível com sua incompetência estratégica ao declarar guerra contra a Rússia e América. Líderes menos arrogantes e melhor informados teriam percebido que aqueles dois países tinham os recursos humanos e industriais para vencer uma guerra de atrito.

Conexões Íntimas

No geral, contudo, o Sr. Hastings faz um trabalho admirável de conectar profundamente estórias pessoais com eventos grandes e alta estratégia. Isto levanta a questão de se outro livro cobrindo essencialmente o mesmo assunto é necessário. A resposta depende do que o leitor está procurando. O Sr. Beevor, que é conhecido por usar diários insuportavelmente tocantes de soldados comuns para lançar nova luz em velhas batalhas, é por outro lado menos generoso que o Sr. Hastings no espaço que ele dá às fontes primárias. Ele escreveu o que pode ser visto como uma história militar mais convencional. Mas onde ele é bom, ele é muito bom.

O sr. Beevor é cheio de intuição a respeito das conexões entre as coisas – ele ajeita as coisas “para entender como as peças se encaixam.” Assim, a relativamente pouco conhecida Batalha de Khalkhin-Gol, na qual os planos do Japão de tomar à força território soviético a partir de sua base na Manchúria foram desfeitos no verão de 1939 pelo maior e mais impiedoso general do Exército Vermelho, Georgi Zhukov, teve enormes conseqüências. A frente sul japonesa prevaleceu sobre a do norte, garantindo a Stalin não ter que lutar uma guerra em duas frentes quando os alemães lançaram a Operaçõa Barbarossa em 1941. O Sr. Beevor despreza a desagradável tentative de “Bombardeiro” Harris em ganhar a Guerra levando destruição e morte para todas as principais cidades alemãs como uma falha moral e estratégica. Mas ele também esclarece que ao forçar os nazistas a deslocar esquadrões de caças da Luftwaffe da Rússia para defender a Pátria, a campanha de Harris permitiu à força aérea soviética estabelecer uma supremacia aérea vital.

O Sr. Beevor é mais claro em relação ao sr. Hastings em descrever como as grandes batalhas terrestres aconteceram. Apesar de seus julgamentos serem menos raivosamente divertidos do que de seu rival, eles são mais bem calculados. Ele é notavelmente mais generoso em relação à contribuição da Grã-Bretanha na derrota de Hitler, a qual o Sr. Hastings algumas vezes pensar estar restrita principalmente ao centro de decodificação em Bletchley Park e, após derrotar a Luftwaffe em 1940, fornecer um “porta-aviões insubmergível” para o estabelecimento do poder militar americano.

O sr. Beevor é mais perspicaz do que o sr. Hastings em detalhar o horror. Ele é particularmente vivido em descrever as crueldades que se tornaram lugar comum durante a carnificina na frente oriental. Corpos congelados de alemães espalhados nos campos de batalha freqüentemente apareciam com as suas pernas faltando, não porque elas tenham sido destruídas, mas porque os soldados do Exército Vermelho estavam de olho em suas botas e só poderiam pegá-las após as pernas terem sido descongeladas em fogueiras. Nos arredores da cidade sitiada de Leningrado, pedaços de corpos eram roubados de hospitais militares e corpos roubados de covas coletivas para tornarem-se alimentos. Dentro da cidade, 2.000 pessoas foram presas por canibalismo. Aqueles que corriam maior risco eram as crianças, que eram comidas por seus próprios pais.

As crueldades perpetradas pelos japoneses contra civis na China (o Sr. Beevor encara o conflito sino-japonês que começou com o massacre de Nanking em 1937 como o verdadeiro estopim da Segunda Guerra Mundial) e qualquer dos países infelizes o suficiente para entrarem na “Esfera de Co-Prosperidade da Grande Ásia Oriental” eram quase tão sistemáticas quanto os crimes cometidos pelos nazistas. Os comandantes japoneses ativamente encorajaram a desumanização de suas tropas na crença de que com isso elas seriam mais formidáveis. Os prisioneiros eram queimados em piras aos milhares e matar os habitantes locais para roubar comida era oficialmente permitido.

O Sr. Beevor também dá mais atenção do que o sr. Hastings em relação aos apavorantes atos de violência sofridos por mulheres quando os exércitos invasores chegaram. Novamente, foram os japoneses que lançaram o estupro em massa com zelo metódico. Centenas de milhares de garotas chinesas e coreanas foram obrigadas a se tornar “mulheres para conforto”; 10.000 mulheres foram estupradas por gangues após a queda de Hong Kong. Mas a vingança dos soldados do Exército Vermelho dói um pouco melhor. As forças soviéticas, enquanto pilhavam em seu caminho para Berlim, estupraram cerca de dois milhões de mulheres e garotas.

Este é, entretanto, um livro menos satisfatório do que os anteriores do Sr. Beevor, trabalhos mais específicos. Há uma desigualdade de qualidade. O autor tem um tremendo entendimento das coisas que ele escreveu anteriormente, em particular a luta titânica entre Hitler e Stalin. Mas ele é formal ao invés de estimulante em se tratando de algumas passagens e teatros de guerra. O relato da campanha na África do Norte é cansativo, e os leitores americanos podem ficar decepcionados com as suas observações sobre a guerra no Pacífico. A batalha de Midway, sem dúvida o confronto naval decisivo entre Japão e América, possui somente duas páginas. Em outras passagens, há detalhes em excesso: uma sucessão de generais, exércitos e batalhas chegam e vão embora. Os estudiosos da Segunda Guerra e estudantes de história militar conseguirão mais do que estão procurando com o Sr. Beevor, mas leitores menos comprometidos acharão o trabalho do Sr. Hastings mais fácil de compreender e uma leitura melhor. Existe espaço para os dois livros? Absolutamente.

All Hell Let Loose: The World at War 1939-1945. por Max Hastings. HarperPress; 748 páginas.




The Second World War. por Antony Beevor. Little, Brown; 863 páginas.




http://www.economist.com/node/21556542

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