terça-feira, 20 de novembro de 2012

[PGM] Os Prisioneiros Esquecidos da Grande Guerra

Panikos Panayi


Próximo da costa ocidental da Ilha de Man, próximo ao porto de Peel, vemos uma placa comemorativa da presença de milhares de prisioneiros, a maior parte alemães, que encontravam-se atrás do arame farpado na Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra Mundial, alcançando um pico de 115.950 em novembro de 1918. De fato, pelo final do conflito, a Grã-Bretanha mantinha meio milhão de prisioneiros em escala global, entre os 8,7 milhões de pessoas que foram capturadas durante a Grande Guerra.




Aqueles mantidos na Grã-Bretanha (quase todos homens) caíam em três categorias. Primeiro, internos civis da comunidade alemã estabelecidos na Grã-Bretanha durante o século XIX que tiveram a infelicidade de se encontrar no país durante a eclosão da guerra. Segundo, alemães presos nas colônias britânicas e alemãs, assim como em navios em alto mar, e transportados para campos ao redor do mundo sob um sistema completo de encarceramento desenvolvido pelo Império Britânico. O quartel-general disto estava em Knockaloe, que, em seu pico, manteve 20.000 prisioneiros. Finalmente, militares também foram encarcerados em território britânico. Enquanto estes incluíam tripulações de Zeppelins que haviam aterrissado e membros da marinha alemã (alguns de submarinos) a maioria foi capturada na frente ocidental e, a partir de 1917, enfrentaram transferência crescente para a Grã-Bretanha, onde eles ajudariam com a colheita agrícola.

Durante a guerra, estes internos certamente caíram na boca do povo. Na Grã-Bretanha, a imprensa e políticos lideraram uma campanha para garantir que um internamento completo acontecesse, uma política que tornou-se realidade após o afundamento do navio de passageiros Lusitânia por um submarino alemão em maio de 1915 e tumultos anti-germânicos resultarem do incidente. Simultaneamente, alguns parlamentares e jornais tornaram-se fixados com a idéia de que os prisioneiros alemães na Grã-Bretanha eram bem tratados, enquanto os britânicos na Alemanha, acima de tudo aqueles mantidos no campo de internamento em Ruhleben, próximo de Berlim, sofriam tratamento brutal. Enquanto Ruhleben tornou-se um local de terror nas mentes britânicas, o campo de oficiais em Donington Hill, a mansão majestosa em Derbyshire, começou a simbolizar a aparente mordomia desfrutada pelos prisioneiros alemães na Grã-Bretanha, embora não exatamente.

Vista do Campo de Knockaloe durante a Guerra


Vista atual do Campo de Knockaloe


A percepção na Alemanha de seus cidadãos mantidos em cativeiro na Grã-Bretanha claramente era diferente. De fato, a opinião pública e os parlamentares do Reichstag focaram nas experiências positivas dos prisioneiros mantidos na Alemanha e comparavam isto com o apelo de seu próprio povo aprisionado nos impérios francês, britânico e russo. Parentes de alemães aprisionados na Grã-Bretanha e em outros lugares garantiam que o apelo de seus familiares não estava esquecido, através das atividades de uma série de caridades, acima de tudo a Cruz Vermelha alemã. Enquanto isso, uma enxurrada de livros e panfletos surgiu, e que se prolongou até o final dos anos 1930, enfatizando as experiências dos alemães aprisionados na Grã-Bretanha durante a Grande Guerra. Alguns desses relatos, especialmente aqueles publicados por órgãos governamentais, focaram no mau tratamento experimentado pelos prisioneiros alemães na Grã-Bretanha e em outros lugares. Simultaneamente, uma série de aventuras também surgiu, principalmente “As Aventuras do Aviador de Tsingtao” (Die Abenteuer des Fliegers von Tsingtau), do aviador Günther Plüschow, publicada em 1916, que contava a viagem do autor da China até a Grã-Bretanha e suas façanhas em uma série de campos de internamento, incluindo Donington Hill, de onde ele tornou-se um dos três prisioneiros alemães durante a Grande Guerra que conseguiu escapar da Grã-Bretanha e voltar para casa. Outros relatos simplesmente focaram na realidade da vida diária na prisão. O mais incisivo destes, Time Stood Still, foi escrito na verdade pelo artista e escritor austríaco, Paul Cohen Portheim (1880 – 1932), que encontrava-se pintando na Inglaterra no verão de 1914. Incapaz de voltar, ele gastou boa parte da guerra em um campo de internamento em Wakefield, onde permaneceu até sua libertação em fevereiro de 1918.

Na Alemanha, os anos imediatamente posteriores à Guerra viram o estabelecimento de um número de grupos essencialmente paramilitares estabelecidos por antigos prisioneiros, que haviam sido aprisionados na Grã-Bretanha, França e Rússia. A “Liga do Reich para a Proteção de Prisioneiros Alemães Civis e Militares” (Reichsbund zum Schutze der deutschen Kriegs und Ziviligefangenen), fundada em dezembro de 1918, no início dos anos 1920 tinha mais de 400.000 membros.

Enquanto os prisioneiros alemães se mantiveram em suas memórias após a guerra, os britânicos rapidamente esqueceram-se delas, focando ao invés disso nos antigos internos de Ruhleben e outros campos alemães. A popular germanofobia da Grande Guerra, que resultou na deportação em massa de civis alemães no final do conflito, sobreviveria bem além de 1918. Um dos poucos bretões que tentou preservar as experiências dos internos alemães foi o escritor de Manx Hall Caine (1853 – 1931), que publicou “A Mulher de Knockaloe” (The Woman of Knockaloe) em 1923. A novela centrava na relação entre Mona Craine, a filha do fazendeiro local, e um interno levado para lá da ilha principal, Oskar Heine, um engenheiro previamente empregado por uma empresa inglesa em Mersey. Um conto de amor fadado ao fracasso, o casal eventualmente jogou-se do alto de uma montanha na Ilha de Man por causa da hostilidade britânica e alemã com a sua relação. A estória tornou-se o filme de Hollywood “Arame Farpado” (Barbed Wire) em 1927, apesar do local ter sido mudado da Ilha de Man para a Normandia e a estória teve um final feliz quando o irmão cego de Mona retorna da guerra e envergonha a população local com um apelo racional pelo amor e perdão. A reação anti-alemã ao filme na Grã-Bretanha enfureceu Caine, que escreveu ao Sunday Times opondo-se à sua adulteração por “certos setores da imprensa”, que descreveram o livro como “pró-alemão.

A Segunda Guerra Mundial resultou na descrição simpática de um prisioneiro alemão do conflito de 1914-1918 no filme “A Vida e Morte do Coronel Blimp” (The Life and Death of Colonel Blimp, 1943) de Powell e Pressburger. Isso também produziu incontáveis estórias de captura recente. Na Alemanha, o foco virou-se para os milhões de alemães que estiveram aprisionados desde o início dos anos 1940, principalmente aqueles mantidos na União Soviética, alguns dos quais permaneceram lá até 1955. Eles, junto com um grande número de alemães étnicos expulsos da Europa Oriental após a guerra, tornaram-se símbolos do sofrimento de alemães comuns, assim obscurecendo a memória dos prisioneiros da Primeira Guerra Mundial. Na Grã-Bretanha, um pouco mais de atenção foi dada aos internos da primeira Guerra Mundial, freqüentemente graças aos esforços de historiadores locais.

Mas, muito surpreendentemente, a história dos prisioneiros da Primeira Guerra Mundial da Grã-Bretanha acaba de ser escrita, quase um século após o conflito. Pisque os olhos ao caminhar pela Fazenda Knockaloe e você perderá um dos únicos sinais físicos desta história. Parece ser época para um memória mais permanente a estas vítimas da Primeira Guerra Mundial surgir na Grã-Bretanha.

http://www.historytoday.com/panikos-panayi/forgotten-prisoners-great-war

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