O tenente
coronel Leonid Vinokur foi o primeiro a avistar Paulus: “Ele estava deitado na
cama quando entrei. Ele estava lá com seu casaco, com o seu quepe sobre ele.
Ele tinha uma barba por fazer de duas semanas e parecia ter perdido toda sua
coragem.” O último esconderijo do comandante do 6º. Exército alemão parecia uma
latrina. “ A imundice e excremento humano e quem sabe mais o que estava
empilhado até a altura da cintura,” continuou o major Anatoly Zoldatov em
registro, acrescentando: “Era além da realidade. Havia dois banheiros e sinais
acima deles que diziam: ‘Nenhum russo permitido.’”
Foi somente
após um tempo que os alemães foram obrigados a largar suas armas. “Eles
poderiam facilmente ter se suicidado, “ disse o General de Brigada Ivan
Burnakov. Mas Paulus e sua equipe escolheram não fazer isso. “Eles não tinham
nenhuma intenção de morrer – eles eram estes covardes. Eles não tinham coragem
de morrer,” disse a testemunha Burnakov.
A Virada
A Batalha de
Stalingrado marcou uma virada psicológica na guerra da Alemanha Nazista de
conquista e aniquilação. “As notícias de Stalingrado tiveram um efeito de
choque no povo alemão,” admitiu o Ministro da Propaganda do Reich, Joseph
Goebbels, em 4 de fevereiro de 1943. Como o historiador britânico Erich
Hobsbawm resumiu a situação: “A partir de Stalingrado, todos sabiam que a
derrota da Alemanha era uma questão de tempo.”
Centenas de
milhares de pessoas perderam suas vidas no duelo por prestígio entre os dois
ditadores, Hitler e Stalin. Cerca de 60.000 soldados alemães morreram no cerco.
Dos 110.000 prisioneiros alemães capturados em Stalingrado, somente 5.000
retornaram para casa. No lado soviético, entre 500.000 e 1 milhão de soldados
do Exército Vermelho morreram.
Agora, quase
70 anos depois, é possível compreender com clareza como os vitoriosos
vivenciaram esta batalha fatídica no Rio Volga. Esta nova compreensão foi
originalmente trabalho do historiador de Moscou Isaak Izrailevich Mints. Em
1941, ele criou uma Comissão sobre a História da Guerra patriótica. A ideia era
para que todos nas forças armadas, dos soldados comuns até os oficiais mais
graduados, a expressar seus pensamentos, sentimentos e experiências como modelo
para os outros – mas sem embelezamentos.
Em 1943,
três historiadores entrevistaram mais de 20 soldados soviéticos que estiveram
no local quando Paulus e seus homens foram capturados. Este é o primeiro relato
preciso deste evento da perspectiva de soldados comuns.
Os pesquisadores conduziram entrevistas com um
total de 215 combatentes em Stalingrado – alguns durante a batalha e alguns um
pouco tempo depois. Algumas das declarações refletem o caráter oficial da
situação da entrevista, mas os soldados também falaram de seus medos e
covardia, e mesmo criticaram decisões de seus superiores.
Os relatos
foram tão sinceros que os comunistas mais tarde publicaram somente uma pequena
parte deles. Após 1945, a liderança soviética não estava interessada em
impressões de batalhas sangrentas, mas ao invés disso em épicos heroicos
gloriosos no qual Stalin tinha um papel central. Os cerca de 5.000 protocolos
compilados pela comissão de historiadores desapareceram nos arquivos do
departamento de história da Academia Soviética de Ciências. Em 2001, o
historiador alemão Jochen Hellbeck, que ensina na Universidade Rutgers em Nova
Jersey, soube deste tesouro. Sete anos depois, ele foi capaz de garantir mais
de 10.000 páginas em Moscou.
Uma Nova Versão dos Eventos
Hellbeck publicou
agora “Os Protocolos de Stalingrado”, que consiste de entrevistas, incluindo em
alguns casos fotografias dos soldados entrevistados, junto com informação
adicional sobre as entrevistas. À luz destes documentos, a história da Batalha
de Stalingrado pode não ser reescrita, mas precisa de correção em alguns
pontos. Estas últimas descobertas destroem completamente o argumento – colocado
originalmente pelos nazistas e repetido no Ocidente durante a Guerra Fria – que
os soldados do Exército Vermelho só lutaram bravamente porque eles seriam
fuzilados pelos membros da polícia secreta.
Não há
dúvida de que havia execuções na frente de batalha. O General de Brigada Vasily
Chuikov, comandante supremo do 62º. Exército, disse pessoalmente aos
historiadores como eles lidava com “covardes”: em 14 de setembro, fuzilei o
comandante e comissário de um regimento, e logo em seguida fuzilei dois
comandantes de comissários de brigada. Eles ficaram todos perplexos.”
Mas a
extensão das execuções foram aparentemente sobreestimadas. Por exemplo, o
historiador britânico Antony Beevor cita mais de 13.000 soldados do Exército
Vermelho executados somente em Stalingrado. Por outro lado, os documentos
descobertos nos arquivos russos mostram que houve menos de 300 execuções em
meados de outubro de 1942.
Os
“Protocolos de Stalingrado” revelam que a disposição dos soldados soviéticos em
fazer sacrifícios não poderia somente ser atribuída a tais medidas repressivas.
Um papel-chave foi realizado pelos chamados “oficiais políticos”, que
repetidamente garantiam aos recrutas que eles estavam arriscando suas vidas
pela liberdade do povo. Eles se esforçavam em motivar os soldados e esclarecer
suas preocupações no sentido de elevar sua moral de combate.
As
entrevistas também mostram que comunistas devotos sentiam que eles tinham que
exercer um papel importante em qualquer lugar. O Comissário Vasilyev disse:
“Era visto como uma desgraça se um comunista não fosse o primeiro a liderar os
soldados na batalha.” Na frente de Stalingrado, o número de membros associados
do partido cresceu entre agosto e outubro de 1942, de 28.500 a 53.500. Os
oficiais políticos distribuíam folhetos na zona de batalha retratando o “herói
do dia”, incluindo fotos grandes de soldados condecorados. Eles enviavam
retratos dos heróis para os pais orgulhosos.
O conceito
era que esta era uma guerra do povo. “O Exército Vermelho era um exército
político,” diz o historiador Hellbeck.
Acreditando em um Motivo Nobre
Além de
ensinar os soldados sobre a situação de guerra, os oficiais políticos se
empenhavam em conversas pessoais. “À noite,” disse o tenente coronel Yakov
Dubrovsky, “os combatentes estavam mais inclinados a falar abertamente, e
alguém pode ir direto para suas almas.” O comissário de batalhão Pyotr
Molchanov acrescentou: “Um soldado fica preso nas trincheiras por um mês
inteiro. Ele não vê ninguém mais além de seu camarada, e de repente o
comissário se aproxima dele, lhe diz algo, diz uma palavra amiga, o
cumprimenta. Isto é de enorme
importância.”
Em momentos
críticos, os oficiais políticos ocasionalmente também distribuíam chocolate e brindes para os camaradas
desmoralizados. Um deles, Izer Ayzenberg, da 38ª. Divisão de Infantaria,
costumava visitar as trincheiras com sua “mala de agitação”. Além de revistas e
livros, ela continha jogos como damas e dominós.
O objetivo
não era afastar os soldados do medo, mas ao invés disso usar sua consciência
política para superar sua angústia. Consequentemente, os comunistas a encaravam
como um sinal de fraqueza quando soldados alemães capturados descreviam-se como
apolíticos. Em sua opinião, o desejo real de vencer somente poderia se
desenvolver naqueles que acreditavam que eles serviam a um objetivo nobre. Os
comunistas viam o Exército Vermelho como mais firme política e moralmente que a
Wehrmacht.
N.do T.: o que não era o caso da Waffen-SS,
que possuía um perfil mais político e, por esse motivo, teve grande número de
baixas pelo fato de lutar por uma causa, ao invés do recruta do Exército, que
possuía uma formação essencialmente técnica.
Mas, afora
aagitação e propaganda, era basicamente o ódio dos soldados soviéticos contra
os invasores que alimentou sua moral para lutar contra o inicialmente superior
6º. Exército Alemão. Mais ainda, os alemães alimentaram este ódio graças à sua
ocupação brutal. Já no caminho para o Volga, o 6º. Exército deu sua
contribuição para o Holocausto. Os civis ficaram aterrorizados.
“Alguém vê
garotas, crianças penduradas nas árvores no parque,” disse o franco-atirador
Vasily Zaytsev, acrescentando que “isto teve um impacto tremendo.”
O major Pyotr
Zayonchovsky falou de uma posição que os alemães tinham abandonado. Quando ele
chegou lá, descobriu o corpo de um camarada morto “cuja pele e unhas de sua mão
direita haviam sido completamente arrancados. Os olhos haviam sido queimados e
ele tinha uma ferida na têmpora esquerda feita por um pedaço de ferro quente. A
parte direita de sua face havia sido coberta com líquido inflamável e queimada.”
Inferno nos Dois Lados
Antes da
guerra, muitos russos admiravam os alemães como uma nação de cultura – e os
respeitavam por sua engenhosidade tecnológica. Alguns dos entrevistados disseram
que eles ficaram chocados com os alemães que eles cruzaram durante a guerra.
O major
Zayonchovsky descreveu a natureza dos alemães da seguinte forma: “a mentalidade
do ladrão tornou-se a segunda natureza para eles de modo que eles tinham que
roubar – mesmo se usassem ou não.”
Um oficial
na agência de inteligência, que interrogou prisioneiros alemães, expressou
surpresa que os ataques contra civis e os roubos “tenham se tornado uma parte
integral da vida diária dos soldados alemães de tal modo que prisioneiros de
guerra ocasionalmente nos disseram sobre isso sem qualquer tipo de remorso.”
De acordo com o capitão Nikolay Aksyonov,
alguém podia sentir “como todo soldado e todo comandante estava disposto a
matar tantos alemães quanto possível.”
O franco-atirador Anatoly Checov lembrou em
sua entrevista como ele atirou em seu primeiro alemão. “Me senti terrível. Tinha matado um ser humano.
Mas então pensei em nosso povo – e comecei a atirar sem piedade neles. Tornei-me um bárbaro, eu os mato. Eu
os odeio.” Quando ele foi entrevistado, ele já havia matado 40 alemães – a maioria
deles com um tiro na cabeça.
É de
conhecimento geral que Stalingrado foi o inferno para os soldados em ambos os
lados. Mas graças a estes testemunhos, agora temos um quadro claro de
precisamente como era o combate sem fim casa-a-casa pelo qual os soldados não
haviam sido treinados. Quanto pó, poeira e fumaça lhes tiraram toda orientação.
Como explosões individuais eram abafadas pelo estrondo contínuo da batalha. Como
eles lutaram por dias para tomar prédios, onde em alguns casos os soviéticos
haviam tomado posição em um andar, enquanto os alemães estavam entrincheirados
em outro.
“Nesta luta
urbana, granadas de mão, metralhadoras, baionetas, facas e pás eram usadas,”
disse o General de Brigada Chuikov. “Eles encaravam uns aos outros e caíam
sobre o outro. Os alemães não aguentam isso.” Mesmo assim, a Wehrmacht
conseguiu a princípio tomar a cidade, com exceção de um trecho fino ao longo do
Volga.
Então, o
Exército Vermelho cercou os alemães, que estavam somente capazes de receber
suprimentos do ar. Os soldados alemães sofreram de fome e não tinham uniformes
quentes para se proteger do inverno terrivelmente gelado. O comandante Paulus
exortou suas tropas a não desistir: “Segurem firme, o Führer nos tirará daqui,”
era o lema do dia. A Operação Tempestade de Inverno, que deveria romper o
cerco, terminou em fiasco. Em 6 de janeiro, o General soviético Konstantin Rokossovsky ofereceu a Paulus uma rendição honrosa. Sob as
ordens de Hitler, o comandante alemão rejeitou a oferta.
Quatro
dias depois, o Exército Vermelho começou a avançar e apertar o anel em torno da
cidade. Após 10 dias, os alemães mal possuíam alimentação e munição. Quando
Paulus e sua equipe permitiram-se tomar como prisioneiros no final de janeiro,
ao invés de cometer suicídio ou lutar até a morte, Hitler ficou enfurecido.
“A Terra Respirava Fogo”
O preço
também foi alto para os vencedores da batalha. Vasily Zaytsev, por exemplo –
sem dúvida o melhor atirador do Exército Vermelho em Stalingrado – afirmou ter
acertado 242 alemães, mas fez o seguinte comentário sério: “Você frequentemente
tem que lembrar, e a memória tem um impacto poderoso,” ele disse um ano após a
batalha. “Agora, meus nervos estão à flor da pele e estou constantemente
tremendo.”
Seu camarada
Aksyonov acrescentou: “Estes cinco meses experimentados em Stalingrado foram
equivalentes a cinco anos em nossas vidas posteriores.” Pareceu a ele que “a
terra em Stalingrado respirava fogo naqueles dias.”
Estas são
coisas que os comunistas simplesmente não queriam ouvir após a guerra. Um “livro
histórico, informativo escrito pelos próprios participantes da batalha,” como
foi exaltado pelo historiador Mints, nunca foi publicado. Durante os expurgos
antisemitas de Stalin, Mints foi privado de sua docência, alegadamente por ser
um “cosmopolista sem raiz.” Foi somente após a morte do ditador que ele foi
reabilitado. Ele escondeu os protocolos de entrevistas.
Hellbeck,
que os encontrou junto com seus colegas russos, já está planejando lançar o
próximo volume de entrevistas, desta vez focando na ocupação militar alemã da
União Soviética. A edição russa dos “Protocolos de Stalingrado” está programado
para ser publicada ano que vem.
http://www.spiegel.de/fotostrecke/taking-a-new-look-at-the-battle-of-stalingrad-fotostrecke-88907-4.html
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