quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

[SGM] Ordeira e Humana?

Peter Hitchens, 28/11/2012

 
Há algum tempo atrás, decidi escrever um livro sobre o culto prejudicial e ilusório da vitória nacional que tem provocado tanto dano a este país desde 1945. Não há dúvidas que ele receberá a usual mistura de ofensa e silêncio que a maioria dos meus livros recebe. Mas eu tenho que escrever de qualquer modo, já que parece ser uma verdade que deve ser urgentemente expressa, especialmente agora que estaremos registrando o 70º. aniversário do fim da supostamente “boa” Segunda Guerra Mundial. É agora possível ter atitudes mais ou menos crescidas em relação à Primeira Guerra Mundial, cuja última justificativa remanescente – que era “A Guerra que terminaria com todas as Guerras” – transformou-se em pó e teia de aranha em setembro de 1939. Mas o conflito de 1939-45 é ainda enfeitado com ilusões, ilusões freqüentemente empregadas para justificar guerras modernas que são ditas ter objetivos comparativamente “bons”.

A crença em sua bondade é, de fato, absurda. Nosso principal aliado (rejeitado no começo com escárnio arrogante, depois abraçado com entusiasmo desesperado e esnobe) foi um dos maiores tiranos assassinos na história humana, cujo império de escravidão nós o ajudamos a expandir e consolidar, e para quem entregamos depois milhares de vítimas, para quem devíamos pelo menos uma vida, ainda que soubéssemos que ele as mataria.

Nossa proposta em se juntar à guerra não foi somente não atingida, mas o país cuja independência afirmamos ter “salvo” (N do T.: Polônia) afundou em sucessivas ondas de terror, crueldade, ilegalidade, assassinato e despotismo, para emergir 60 anos depois a muitas milhas longe de onde ele estava quando o “resgatamos”.

O principal efeito da guerra na vida da Grã-Bretanha (exceto do dano físico imposto pelo bombardeamento consideravelmente menor do que os danos que nós infligimos à Alemanha) foi a falência de nossa economia, o aumento dos impostos a níveis nunca antes vistos, tornar a interferência do Estado em todos os aspectos da vida mais atuantes, destruir inúmeras famílias, popularizar o divórcio, enfraquecer as famílias, aumentar o crime e a delinquência, e sujeitar a cultura nativa à uma invasão dos costumes e linguagem americanos dos quais jamais nos recuperamos. O principal efeito da guerra na Grã-Bretanha como Estado e economia foi a destruição de seu Império, permanentemente enfraquecendo sua moeda e seu status de potência naval e diplomática de primeira classe. No processo, em Singapura em 1942, este país sofreu a derrota mais grave de seus exércitos em toda a sua história, uma derrota tão desastrosa e irreparável que a maioria dos britânicos é – na melhor das hipóteses – ignorante dela, apesar deles estarem razoavelmente bem informados sobre os horrores que se abateram sobre os exércitos capturados.

Durante e imediatamente após a guerra, como discuti aqui, empregamos métodos que teriam revoltado nossos antepassados e que nos revolta, mas que foram tão horrorosos que ainda mentimos para nós mesmo, ou escondemos de nossas consciências. Ninguém que realmente os entendeu poderia defendê-los, que é a razão porque a crítica destas políticas tem primeiro que enfrentar um grande obstáculo de ignorância, algumas vezes intencional, outras não.

O primeiro foi o bombardeio deliberado das casas dos civis alemães, não apenas nos famosos incidentes em Hamburgo e Dresden, mas em toda a Alemanha por muitos meses, o que é moralmente indesculpável e, como geralmente acontece, militarmente ineficiente. A maioria dos britânicos é ignorante desta operação ou subestimam ou se recusam a acreditar que tenha sido uma política deliberada, erroneamente acreditando que os bombardeiros procuravam destruir alvos militares e industriais e somente acidentalmente matou ou mutilou civis. A bravura indubitável e sacrifício dos tripulantes nesta operação, aceita incondicionalmente por mim, não tem nada a ver com a culpa dos políticos e comandantes que a autorizaram e executaram.

O segundo foi a atroz, mas ainda grandemente desconhecida, “limpeza étnica” de talvez dez milhões de alemães de seus antigos lares na Europa Oriental e Central, autorizada e planejada antes do fim da guerra, aprovada pelos aliados vitoriosos em Postdam, e falsamente retratada – na época e até hoje – como “ordeira e humana”. Aqueles que a ordenaram e autorizaram sabiam perfeitamente bem que não seria nada desse tipo. Aqueles que a conduziram fizeram poucos esforços para reduzir seu caos e crueldade, que serviu bem para sua proposta – expulsar seus vizinhos de seus lares ancestrais por terror em massa e roubo.

Estas palavras, “Ordeira e Humana” que apareceu no documento de Postdam que autorizou a atrocidade, também forneceu o título friamente amargo de um novo livro de R. M. Douglas, recentemente publicado pela Editora da Universidade de Yale.
 
 
 
 

              
Amargura insensível é a primeira reação de qualquer pessoa que o lê, quem afirma ser realmente civilizado. Tenho, noite após noite, sentado em minha poltrona em casa lendo este catálogo de horrores, incapaz de encontrar um modo de expressar ou articular apropriadamente minhas emoções.

O livro nos leva através de vários estágios, o primeiro sendo o planejamento deliberado das expulsões, por servidores civis e políticos, que descobriram muito rapidamente, à medida que se aprofundavam no tema, que a coisa não poderia ser conduzida sem crueldade.

E aqueles que viviam na época? Muitos protestaram, notavelmente o editor esquerdista Victor Gollancz, o excelente jornalista Eric Gedye e nossos velhos amigos da campanha contra o bombardeio dos alemães em suas casa, o bispo George Bell de Chichester e o parlamentar Richard Stokes.

Mas como ocorre sempre quando algo de ruim está acontecendo, o consenso “geral” era complacente e defensivo. Winston Churchill, que exigiu o plano por anos, e havia ignorado os alertas sobre seus perigos, começou fazendo escarcéu hipócrita sobre sua crueldade muito tempo depois que já era tarde demais. Atualmente, é moda declarar a santidade de Clement Attlee, o Primeiro Ministro trabalhista do pós-guerra. Bem, São Clement foi informado que o plano tinha sérios problemas, em especial muito sofrimento humano: “Qualquer coisa que leve à casa dos alemães a realidade irrevogável e completa de sua derrota é digna ao final.”

Qualquer coisa? Veremos.

Removi a nacionalidade das vítimas e dos soldados da seguinte descrição. Veja se você consegue adivinhar quem eles eram, antes de eu te dizer, logo abaixo:

“Em um simples incidente, 265******, incluindo 120 mulheres e 74 crianças, foram mortas em 18 de junho pelas tropas******, que os removeram de um trem em Horne Mostenice, próximo a Prerov, fuzilaram-nos pelas costas na nuca e os enterraram em uma cova coletiva que as vítimas foram obrigadas a cavar ao lado da estação de trem.”

Bem, se eu te dissesse que o ano era 1945, quando em 18 de junho a guerra já havia acabado, talvez você esteja apto a raciocinar que todos os assassinos *não* eram. Sim, você está chegando perto, eles não eram “os nazistas” ou mesmo “os alemães”. Os mortos (a maioria mulheres e crianças) eram alemães. Os assassinos eram as tropas supostamente disciplinadas do Exército da boa e amigável Tchecoslováquia.

Dois pontos surgem aqui. Um, que o professor Douglas insiste repetidamente, é que estes matadores nojentos não eram (em geral) o resultado de civis enfurecidos fazendo sua vingança, o que pelo menos serviria para diminuir o crime. Eles eram mantidos pelo Estado e controlados centralmente e são, até hoje, defendidos pelos países envolvidos, justamente nervosos com qualquer sugestão de que eles podem estar sujeitos a investigação legal, ou exigências para compensação.

O segundo é que os autores destas coisas abomináveis indesculpáveis foram os “decentes” tcheco-eslovacos e os “galantes” poloneses, por muito tempo tratados com admiração sentimental pela Grã-Bretanha (talvez para mascarar o fato de que os traímos em 1938 e 1939).

Também falarei aqui sobre o murmúrio que ouço de que “os alemães fizeram isto primeiro, e estávamos retribuindo da mesma forma que eles”, junto com as vaias de “Pô, você é um daqueles apologistas de Hitler?” e (sem dúvida) insinuações do tipo policiamento ideológico de que sou um racialista enrustido.

Bem, alguns alemães certamente fizeram tais coisas e mesmo piores (apesar de tê-los deixado em paz já que precisávamos deles para administrar o país após a derrota de Hitler), mas a maioria das vítimas destes incidentes eram mulheres e crianças, e alguns dos outros (por exemplo) alemães tchecos social-democratas que resistiram aos nazistas. Isto foi um expurgo racial, combinado com um colossal roubo de propriedade, dinheiro, imóveis e terra (os refugiados não podiam levar quase nada consigo), horrivelmente comparável com as ações nacional socialistas alemãs. Qualquer um que (justamente) condena os nazistas alemães como assassinos bárbaros não pode realmente, em toda a consciência, se recusar em condenar os autores destas ações também. (Este ponto é falado mais tarde).

O professor Douglas defende que as expulsões não chegaram ao nível dos campos de extermínio (apesar de que em certas ocasiões, como veremos, elas chegaram incrivelmente perto disso).

Mas ele argumenta: “No entanto, o limite para a violação abusiva em massa dos direitos humanos não pode ser as barbaridades sem precedentes do regime de Hitler. Com exceção dos próprios anos de guerra, a Europa a oeste da URSS nunca viu, e jamais veria novamente, tão vasta detenção arbitrária – na qual dezenas de milhares, incluindo muitas crianças, perderiam suas vidas. Que em grande parte escapou à atenção dos contemporâneos de outros países na Europa, e do aviso dos historiadores hoje, é um comentário arrepiante sobre a facilidade com que os grandes males diante de nossos olhos podem ser negligenciados quando eles apresentam um espetáculo que a opinião pública internacional prefere não ver.

A propósito, uma das razões por que esta ação monstruosa foi adiante foi por causa de uma crença difundida de que a (sanguinária e caótica, e economica e socialmente desastrosa) troca compulsória de população entre Grécia e Turquia, após a cessão de Smyrna aos turcos pela derrotada Grécia (1922), foi um sucesso. O silêncio sobre as expulsões pós-1945 não deve ser permitido para criar a mesma falsa impressão. Foi um verdadeiro inferno, e qualquer um que proponha repeti-la deve ser avisado disso.

De todas as muitas páginas de notas que peguei deste livro importantíssimo, devo relutantemente mencionar umas poucas das mais surpreendentes, ao mesmo tempo pedindo aos leitores para comprar ou solicitar em suas bibliotecas públicas este trabalho necessário de verdade histórica obrigatória.

Em Linzer-Vorstadt, próximo da cervejaria Budvar, um campo para alemães, tinha inscrito em seus portões as palavras “Oko za Oko, Zub za Zub, que traduzido significa “Um olho por um olho, e um dente por um dente.”

Prisioneiros novos eram despidos, obrigados enquanto despidos a correr por uma fila de guardas que batiam neles com bastões, raspavam seus cabelos e os forçavam a usar uniformes humilhantes. A experiência de um padre católico, Josef Neubauer, neste lugar de miséria, é muito longa para recontar aqui, mas é ao mesmo tempo chocante e comovente.

Em Auschwitz, não passou duas semanas entre a partida dos últimos sobreviventes judeus e a chegada dos primeiros prisioneiros alemães étnicos.

Um oponente tcheco da perseguição, o Dr. Bedrich Bobek, é citado ter alertado em uma carta “Não deixe ninguém cair na desculpa de que os alemães fizeram a mesma coisa. Ou estamos qualificados para sermos os seus juízes, caso em que não podemos nos comportar como eles, ou então não somos diferentes deles, e devemos abdicar do direito de julgá-los”, um sentimento com o qual eu concordo profundamente.

Alguns poucos episódios a mais frequentemente envolvendo maus cuidados que beiram a negligência criminosa. Um trem chegou na Alemanha em dezembro de 1945 da Tchecoslováquia, um período de clima gelado predito. Ele transportava 650 pessoas. Quando as portas foram abertas, foram encontrados 94 passageiros, incluindo 22 crianças, mortos pelo frio.

Uma outra descrição, desta vez de um trem da Polônia: “... a maioria dos passageiros, após sua passagem pelos campos poloneses, estavam magros ao ponto da inanição, cobertos de piolhos e sofrendo de uma variedade de doenças infecciosas.” Trinta e nove passageiros terminaram sua viagem como corpos congelados.

A descrição do destino de um trem de Luben, na página 196, simplesmente tem que ser lida totalmente para ser acreditada.

Como sempre acontece, a intensa escuridão destes eventos (durante o tempo inteiro que eu li este livro me senti cercado por um tipo de sombra e imaginei todo evento descrito, mesmo aqueles que mais tarde percebi tinham acontecido à luz do dia de verão, continuado em condições de poeira e escuridão, noite e neblina) é algumas vezes iluminada pela luz fulgurante de boas ações individuais, feitas contra a maré dos acontecimentos.

A estória do tcheco Premsyl Pitter (que havia trabalhado para salvar judeus do assassinato nazista durante a ocupação) mostra que pequenos atos individuais de coragem humana e bondade podem contrabalançar os interesses e cinismo do Estado. Após resgatar mil prisioneiros alemães de uma prisão secreta em Praga, Pitter relembrou: “À medida que trouxemos crianças magras e apáticas para fora e as descansamos no gramado, acreditei que poucas poderiam sobreviver. Nosso médico, o Dr. E. Vogl, ele próprio um judeu que passou pelo inferno de Auschwitz e Mauthausen, quase chorou quando ele viu aqueles corpinhos. E aqui nós tchecos fizemos isto em apenas dois meses e meio!”, ele exclamou.

Os leitores são convidados a adivinhar qual sistema de pensamento e crença Premsyl Pitter seguia.

As autoridades tchecas, polonesas e iugoslavas sabiam o que era resultante de suas políticas (assim como os aliados, que planejaram e permitiram sabiam o que aconteceria e foram alertadas pelos seus próprios especialistas dos perigos de tal ação). Eles não fizeram quase nada a respeito disso. Poupar as mulheres e crianças do internamento teria arruinado o programa inteiro. Devo acrescentar que quando os refugiados chegaram na Alemanha, tudo acabou ficando pior por causa da colossal destruição causada pelo bombardeio anglo-americano.

Você pode não querer saber que no campo de Postoloprty na Boêmia do Norte em junho de 1945, cinco crianças alemãs étnicas foram chicoteadas e depois fuziladas por tentar escapar.

Poderia continuar citando este livro por horas. Mas você deve lê-lo ao invés disto. Terminarei com dois outros momentos dele que me deixaram sentindo intensamente envergonhado da raça humana, e imensamente grato por viver em uma ilha que por muitos séculos este livre da invasão, subjugação e autoritarismo.

O primeiro é o relato das condições de vida de alemães na Berlim ocupada (na época, lotada de refugiados do Leste, muitos deles seriamente doentes e/ou famintos) no outono de 1945. “...Mulheres podiam ser vistas recuperando a água suja da pia da cozinha de uma casa onde havia uma trupe de aliados para obter pequenas porções de gordura que poderiam ser usadas em suas próprias casas.”

Você pode estar certo que, mesmo um ano antes, nenhuma destas recuperações de água suja para obter gordura teria sido a mais remota premonição do que viria a acontecer a eles. Nem eles, em seu estado policial, ter tido qualquer palavra séria nos eventos e políticas que resultaram neste destino. Aqueles nas sociedades livres como a nossa, que promovem ou permitem as guerra, tem muito a responder sobre isso. Eles deveriam curar-se de qualquer presunção sobre se alemães comuns “mereciam” o que aconteceu a eles.

O segundo é um extrato de uma carta (literalmente) suicida escrita por Gertrude Kostka ao seu marido Johannes, um recruta no Exército alemão que foi feito prisioneiro por nós. Sua pequena filha, Barbara, havia morrido no caos do avanço do Exército Vermelho através da Polônia. Gertrud foi então estuprada por um colega de refúgio e ficou grávida. Johannes Kostka tentou se comunicar com o governo americano e então com o britânico, pelo menos, para apressar a deportação de sua esposa da Polônia de modo que eles pudessem ser reunidos. As autoridades britânicas responderam que tal ação poderia muito bem ser usada como propaganda contra nós, e poderia deixar a situação dela pior (tais receios eram é claro genuínos) e que a deportação era “um assunto interno da Polônia no qual não devemos interferir”, o que eu acho ser mais ambíguo, dado que tínhamos sancionado e cooperado com isso. Não fizemos nada, compreensivelmente. Não consegui descobrir o que aconteceu mais tarde, no final, aos Kostkas. Somente posso adivinhar.

Ela escreveu:

“Me sinto vazia e morta. Mas sendo honesta como nossa vida mútua foi, estas podem ser as últimas linhas. Não tenho culpa em confessar. Não tenho lágrimas para derramar. Tenho apenas esta crença que o Senhor te ajudará em confiar nas minhas palavras. Após uma dor curta você encontrará a felicidade novamente. Para mim, haverá desespero triste e a esperança de que o Senhor não me deixará, e me chamará para Ele em minha hora mais escura, unindo-me à minha criança. Confiando em Sua ajuda, me despeço de você e da minha vida. Não posso escrever mais. Só posso implorar-te, por favor, acredite em mim, não sinto nenhuma culpa.”


 
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