Mas aí estão os seus filhos e netos, cujas vivências os
cineastas da atualidade evocam com frequência crescente. Tanto as histórias dos
descendentes dos criminosos quanto as dos filhos das vítimas judias são tema de
numerosas produções.
História sem fim?
Em Lore – prêmio do público no Festival de
Locarno 2012 – a diretora australiana Cate Shortland fala de uma garota de 15
anos que, entre os destroços da Alemanha do pós-Guerra, tenta se libertar da
imagem de mundo de sua mãe, ex-adepta da ideologia nazista. O filme foi
produzido por uma equipe internacional, cabendo o papel-título à estreante
alemã Saskia Rosendahl.
Em Der deutsche Freund (O amigo alemão), a
teuto-argentina Jeanine Meerapfel ocupa-se da difícil relação entre uma filha
de imigrantes judeus e o filho de um oficial nazista refugiado, na Argentina.
O nazismo e o Holocausto tornaram-se temas eternos para o
cinema? Ao que tudo indica, a resposta é um decidido "sim". E com boa
razão, já que ainda são tantas as histórias a serem contadas.
"De fato, a geração diretamente afetada está se
extinguindo agora. Mas não os seus filhos e os filhos dos filhos", afirma,
em entrevista à Deutsche Welle, a especialista em cinema Sonja Schultz, que há
vários anos estuda o tema. "Esses filmes abordam repetidamente questões
como 'afinal, o que foi mesmo que aconteceu com o vovô?'."
O fator Holocausto
Além disso, avança uma nova geração de realizadores que,
ao tratar do tema, coloca novas questões e emprega meios estilísticos
diferentes. A autora Schultz distingue sucessivas tendências na forma de
abordar cinematograficamente o nazismo.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, eram os atingidos, os
cineastas judeus ou comunistas, a colocar os fatos na tela. Uma década mais
tarde, a moda era o cinema militar. Os realizadores tentavam aliviar a culpa
dos simples soldados ao postularem: "A Wehrmacht era inocente". Somente
com o advento do Novo Cinema Alemão, nas décadas de 60 e 70, estabeleceu-se uma
visão mais pessoal e condizente com o veículo cinematográfico.
A série televisiva norte-americana Holocausto,
de 1978, e mais tarde a produção de Steven Spielberg A
lista de Schindler (1993) abriram as portas para filmes com alto
grau de emocionalidade. A partir do épico de Spielberg também se redefiniu o
grau de dureza e crueldade admissível na grande tela ao se tratar do tema,
explica Schultz.
E, de súbito, também no cinema e na TV da Alemanha as
formas melodramáticas passaram a ser permitidas ao se falar do nazismo – até
então, no "país dos criminosos", extremos de emoção eram tabu. Mais
um pouco e ficou até possível tratar do assunto de forma humorística, como Dani
Levy em Mein Führer (2007).
Necessidade de espetáculo
Gerhard Lüdeker, pesquisador da Universidade de Bremen,
aponta um outro motivo para a tendência de filmes sobre o nazismo cada vez mais
comerciais e espetaculares: ele constata, entre os estudantes de sua
universidade, um interesse cada vez menor pelo tema nacional-socialismo.
"As reações de rejeição chegam a beirar a
alergia", exagera. Por isso hoje em dia os filmes precisam oferecer um
espetáculo convincente caso pretendam atrair o público para a frente da
televisão ou para as salas de exibição. "Hitler como velhote trêmulo, por
exemplo, ou então como figura cômica", seriam algumas receitas possíveis,
diz o especialista.
Lüdeker aponta que, na escolha dos meios, não é mais
possível se furtar aos recursos estilísticos de Hollywood. Tanto Bastardos
inglórios (2009), de Quentin Tarantino, quanto Operação
Valquíria (2008), de Bryan Singer, estrelado por Tom Cruise, foram
exemplos especialmente espetaculares de cinema hollywoodiano, porém rodados na
Alemanha. E o alemão A queda (2004), tendo Bruno Ganz no
papel de Adolf Hitler, redundou em sucesso de bilheteria, não só em nível
nacional.
Superficialidade e apelação na sala de estar
Nos dez últimos anos, deslocou-se a ênfase das narrativas
cinematográficas sobre o nazismo, em especial na televisão alemã. Com seus
documentários sobre esse período, o redator Guido Knopp definiu um estilo. Ele
inaugurou um gênero de filme histórico de fácil compreensão, mas também
superficial e apelativo, geralmente centrado nas figuras da elite da liderança
nazista.
No campo da ficção, foram sobretudo o produtor Nico
Hofmann e sua empresa Teamworx a escrever história na TV alemã nos últimos
anos. Seus filmes, frequentemente descritos como "eventos
televisivos" e transmitidos em duas partes, se caracterizam pela
dramaturgia muito esquemática e a narrativa convencional, com ênfase no apelo
emotivo.
A perspectiva temática também se modificou: agora os
alemães são igualmente vistos como as vítimas, os expulsos, os desalojados (Die
Flucht – A fuga, 2007), como gente massacrada pelos bombardeios e
sofrendo pelos desmandos de sua própria liderança política (Dresden,
2006).
Passado concluído?
Passado concluído?
Na avaliação dos pesquisadores, hoje em dia ficou
impossível idealizar a época nazista, como se fez em décadas passadas, diante
das abundantes imagens do horror nazista, por demais conhecidas e ancoradas na
memória coletiva.
No entanto, uma outra forma de recalque se insinuou,
explica Lüdeker. "A questão sempre é, também, aplacar o presente. A ideia
por trás é: 'Nós conseguimos superar esse terrível capítulo. Nós superamos os
nazistas. Nós escapamos dos russos e fundamos a nova Alemanha. Nós conseguimos
isso tudo – então, por enquanto, basta".
Segundo o estudioso de cinema, desse modo, aos olhos dos
espectadores o passado é algo que se encerrou. E nada impede que se "dê
sentido arbitrário e se reinterprete" uma história concluída. Com temas
contemporâneos, isso é difícil, senão impossível.
Personagens "normais" ameaçam
Sonja Schultz também enfatiza que grande parte dos filmes
sobre a época, a exemplo de Rommel, de 2012, gira em torno da elite
dos líderes nazistas, e não de pessoas "perfeitamente normais". Isso
na verdade, deveria ser muito mais excitante, tocando os espectadores mais de
perto. Pois cada um seria forçado a se perguntar: "Como eu teria agido
numa situação como esta?".
Por outro lado, é bem mais confortável observar na
televisão as maquinações da elite política. Por isso, os filmes sobre gente
simples são produzidos com bem menos frequência e menos aparato. "Esses
filmes doem mais", pois exigem sempre que o público estabeleça uma ponte
com o presente e com o próprio comportamento, diagnostica a autora.
http://www.defesanet.com.br/ecos/noticia/8960/Nazismo-e-fonte-inesgotavel-para-filmes
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