sábado, 8 de dezembro de 2012

[SGM] O Mito da Boa Guerra: Por que Dresden foi Destruída?

Jacques R. Pauwels, 09/02/2010

 
Na noite de 13-14 de fevereiro de 1945, a antiga e bela capital da Saxônia, Dresden, foi atacada três vezes, duas pela RAF e uma pela USAAF, a força aérea do Exército dos EUA, uma operação envolvendo mais de 1.000 bombardeiros. As conseqüências foram catastróficas, já que o centro histórico da cidade foi incinerado e entre 25.000 e 40.000 pessoas perderam suas vidas. [1]

Dresden não era um centro industrial e militar importante e, portanto, não era um alvo digno do esforço considerável e incomum americano e britânico envolvido na missão. A cidade também não foi atacada em retribuição aos bombardeios alemães anteriores em cidades como Rotterdam e Coventry. A vingança pela destruição dessas cidades, bombardeadas brutalmente pela Luftwaffe em 1940, Berlim, Hamburgo, Colônia e incontáveis outras cidades alemãs, grandes e pequenas, já haviam pago em 1942, 1943 e 1944. Além disso, no início de 1945, os comandantes aliados sabiam perfeitamente bem que mesmo o mais feroz bombardeio não seria capaz de “aterrorizar (os alemães) ao nível da submissão,” [2] de modo que não é realista relacionar este motivo aos planejadores da operação. O bombardeio de Dresden, então, parece ter sido um massacre sem sentido, e parece ter sido mesmo um objetivo mais terrível que a aniquilação de Hiroshima e Nagasaki, que é pelo menos suposta ser o motivo da capitulação do Japão.

Em tempos recentes, contudo, o bombardeio de países e cidades quase tornou-se um evento diário, racionalizado não somente por nossos líderes políticos mas também apresentado por nossa mídia como uma realização militar eficiente e como um meio perfeitamente legítimo de se alcançar objetivos dignos. Neste contexto, mesmo o terrível ataque contra Dresden foi recentemente reabilitado pelo historiador britânico Frederick Taylor, que argumenta que a destruição maciça na cidade saxônica não foi planejada pelos idealizadores do ataque, mas foi um resultado inesperado de uma combinação de circunstâncias infelizes, incluindo condições climáticas perfeitas e defesa aérea alemã inadequada. [3] Entretanto, a afirmação de Taylor é contradita pelo fato de que ele próprio escreve em seu livro que aproximadamente 40 “pesados” americanos perderam-se de sua trajetória e acabaram despejando suas bombas em Praga, ao invés de Dresden. [4] Se tudo tivesse corrido de acordo com o plano, a destruição de Dresden teria sido certamente maior do que já foi. É, assim, óbvio que um alto grau incomum de destruição foi planejada. Mais séria é a insistência de Taylor de que Dresden constituía um alvo legítimo, desde que ela não era somente um importante centro militar, mas também uma rota ferroviária importante assim como uma cidade com parque industrial considerável, onde incontáveis indústrias e oficinas produziam todos os tipos de equipamentos militares. Uma série de fatos, entretanto, indica que estes alvos “legítimos” jamais tiveram função nos cálculos dos planejadores da missão. Primeiro, a única instalação militar significativa, o campo de pouso da Luftwaffe a uns poucos quilômetros ao norte da cidade, não foi atacado.

Segundo, a estação ferroviária presumivelmente importante não foi marcada como um alvo pelos aviões “batedores” britânicos que guiavam os bombardeiros. Ao invés disso, as tripulações foram instruídas a despejar suas bombas dentro da cidade, situada ao norte da estação ferroviária. [5] Conseqüentemente, apesar dos americanos terem bombardeado a estação e incontáveis pessoas morreram no ataque, a instalação sofreu relativamente pouco dano estrutural, tão pouco, na verdade, que foi novamente capaz de voltar com os comboios que transportavam tropas em poucos de dias de operação. [6] Terceiro, a grande maioria das indústrias militarmente importantes não estavam localizadas no centro, mas nos subúrbios, onde nenhuma bomba foi despejada, pelo menos não deliberadamente. [7]

Não pode ser negado que Dresden, como outra grande cidade alemã, continha instalações industriais militarmente importantes, e que pelo menos algumas destas instalações estavam localizadas dentro da cidade e foram, portanto, varridas no bombardeio, mais isto não leva logicamente à conclusão de que o ataque foi planejado com este propósito. Hospitais e igrejas também foram destruídos, e numerosos prisioneiros de guerra aliados que por acaso estavam na cidade foram mortos, mas ninguém argumenta que a missão foi organizada para fazer isso. Analogamente, um número de judeus e membros da resistência anti-nazista da Alemanha, aguardando deportação e/ou execução, seriam capazes de escapar da prisão durante o caos provocado pelo bombardeio, [8] mas ninguém afirma que este foi o objetivo do ataque.

Não há nenhuma razão lógica, então, para concluir que a destruição de um número desconhecido de instalações industriais de maior ou menor importância militar foi a raison d´être do bombardeio. A destruição da indústria de Dresden – como a libertação de um punhado de judeus – não foi nada mais do que um “produto” não planejado da operação.
 
 
 
Vista de Dresden no final do século XIX
 
 
 
Vista do centro de Dresden meses após o bombardeio
 
 
É freqüentemente sugerido, também por Taylor, que o bombardeio da capital saxônica foi planejado para facilitar o avanço do Exército Vermelho. Os próprios soviéticos supostamente pediram para seus parceiros ocidentais durante a Conferência de Yalta entre 4 e 11 de fevereiro de 1945, para enfraquecer a resistência alemã na frente oriental através de ataques aéreos. Entretanto, não há nenhuma evidência em qualquer lugar que confirme tais alegações. A possibilidade de ataques aéreos anglo-americanos em alvos na Alemanha oriental foi, de fato, discutida em Yalta, mas durante estas conversas os soviéticos expressaram a preocupação de que suas próprias linhas pudessem ser atingidas pelos bombardeiros, de modo que eles pediram que a RAF e a USAAF não operassem muito a leste. [9] (O medo dos soviéticos de ser atingidos pelo que agora se chama de “fogo amigo” não foi à toa, como demonstrado durante o ataque a Dresden, quando um considerável número de aviões erroneamente bombardeou Praga, situada tão longe de Dresden quanto estavam as linhas do Exército Vermelho.) Foi neste contexto que um general soviético de nome Antonov expressou um interesse geral em “ataques aéreos que impediriam os movimentos inimigos,” mas isto dificilmente pode ser interpretado como um pedido para atacar a capital saxônica – a qual, coincidentemente, ele nunca mencionou – ou para qualquer outra cidade alemã o tratamento que Dresden recebeu em 13-14 de fevereiro. Nem em Yalta, ou qualquer outra ocasião, os soviéticos pediram a seus aliados ocidentais o tipo de apoio aéreo que eventualmente materializou-se na forma da destruição de Dresden. Além disso, eles nunca deram aprovação ao plano de bombardeio de Dresden, como comumente se afirma. [10]
 
De qualquer forma, mesmo se os soviéticos tivessem pedido por tal ajuda do ar, é extremamente incomum que seus aliados teriam respondido liberando imediatamente a poderosa frota de bombardeiros que, de fato, atacou Dresden.
 
Para compreender a razão disto, temos que olhar de perto a relação entre os Aliados no início de 1945. Entre meados e final de janeiro, os americanos ainda estavam envolvidos na resolução final da “Batalha das Ardenas”, uma inesperada contra-ofensiva alemã na frente ocidental que causou-lhes grandes dificuldades. Os americanos, britânicos e canadenses não haviam ainda cruzado o Reno, não haviam ainda alcançado as margens ocidentais daquele rio, e ainda estavam separados de Berlim por mais de 500 km. Na frente oriental, enquanto isso, o Exército Vermelho lançou uma grande ofensiva em 12 de janeiro e avançou rapidamente para 100 km da capital alemã. A possibilidade resultante de que os soviéticos não somente tomariam Berlim, mas penetrariam dentro da metade ocidental da Alemanha antes da guerra terminar, perturbou grandemente muitos líderes aliados militares e políticos. É realista acreditar que, sob estas circunstâncias, Washington e Londres estariam ansiosos em permitir que os soviéticos alcançassem grande progresso? Mesmo se Stalin tivesse pedido por ajuda anglo-americana do ar, Churchill e Roosevelt poderiam dar alguma ajuda simbólica, mas jamais lançariam a operação combinada maciça e sem precedentes da RAF-USAAF que o bombardeio de Dresden revelou ser. Além disso, atacar Dresden significou enviar centenas de grandes bombardeiros mais de 2.000 km através de espaço aéreo inimigo, aproximando-se das linhas do Exército Vermelho tão perto que correriam o risco de despejar bombas por engano sobre os soviéticos ou ser alvejado por artilharia anti-aérea soviética. Estaria Churchill ou Roosevelt disposto a investir tal quantidade extraordinária de recursos humanos e materiais em uma operação que tornaria mais fácil para o Exército Vermelho tomar Berlim e possivelmente alcançar o Reno antes deles? Absolutamente não. Os líderes políticos e militares anglo-americanos eram de opinião que o Exército Vermelho estava avançando muito rápido.
 

 
Mulher incinerada no bombardeio
 
 
Pelo final de janeiro de 1945, Roosevelt e Churchill se prepararam para viajar para Yalta para um encontro com Stalin. Eles pediram por tal encontro porque queriam fazer acordos legais sobre a Alemanha do pós-guerra antes do fim das hostilidades. Na ausência de tais acordos, as realidades militares no campo determinariam quem controlaria quais partes da Alemanha, e parecia bem provável que se, na época os nazistas finalmente capitulassem, os soviéticos controlariam a maior parte da Alemanha e, assim, estariam capazes de determinar unilateralmente o futuro político, social e econômico do país. Para tal unilateral curso de ação, Washington e Londres criaram um precedente inevitável, qual seja, quando eles libertaram a Itália em 1943 categoricamente negaram qualquer participação da União Soviética na reconstrução daquele país; a mesma coisa aconteceu na França e na Bélgica em 1944. [11] Stalin, que tinha seguido o exemplo de seus aliados quando ele libertou países na Europa oriental, obviamente não precisava ou queria tal acordo simbólico aliado em relação à Alemanha, e, portanto, tal encontro. Ele aceitou a proposta, mas insistiu que o encontro fosse em solo soviético, especificamente na estação de férias crimeia de Yalta. Contrariamente às crenças convencionais em torno daquela Conferência, Stalin provaria estar mais acomodado lá, concordando com uma fórmula proposta pelos britânicos e americanos e altamente vantajosa para eles, precisamente, a divisão da Alemanha do pós-guerra em zonas de ocupação, com somente aproximadamente um terço do território alemão – a posterior “Alemanha Oriental” – sendo designados aos soviéticos. Roosevelt e Churchill não podiam ter previsto este resultado feliz da Conferência de Yalta, da qual eles retornariam “em um espírito exultante.” [12] Nas semanas que antecederam à conferência, eles esperavam que o líder soviético, entorpecido pelos recentes sucessos do Exército Vermelho e aproveitando um tipo de vantagem de jogo em casa, fosse um interlocutor difícil e exigente. Um modo tinha que ser encontrado para trazê-lo de volta à terra, condicioná-lo a fazer concessões apesar de ser o favorito temporário do deus da guerra.

Era crucial deixar claro a Stalin que a força militar dos Aliados ocidentais, apesar dos recentes contratempos nas Ardenas belgas, não deveria ser subestimada. O Exército Vermelho reconhecidamente possuía uma grande massa de infantaria, tanques excelentes e uma artilharia formidável, mas os Aliados ocidentais tinham em suas mãos um trunfo militar que os soviéticos não eram capazes de igualar. O trunfo era sua força aérea, apresentando a coleção mais impressionante de bombardeiros que o mundo já viu. Esta arma tornou possível aos americanos e britânicos lançar ataques devastadores em alvos que estavam muito afastados de suas próprias linhas. Se Stalin pudesse ser convencido disso, não seria mais fácil negociar com ele em Yalta?

Foi Churchill quem decidiu a total destruição da cidade alemã, sob os narizes dos soviéticos assim por dizer, e enviaria a mensagem desejada para o kremlin. A RAF e a USAAF eram capazes de realizar um ataque devastador contra qualquer cidade alemã, e planos detalhados para tal operação, conhecida como “Operação Trovoada”, haviam sido meticulosamente preparados. Durante o verão de 1944, entretanto, quando o rápido avanço da Normandia tornou possível imaginar que a guerra seria ganha antes do fim do ano, e os pensamentos já estavam se voltando para a reconstrução do pós-guerra, uma operação do estilo Trovoada começou a ser vista como um meio de intimidar os soviéticos. Em agosto de 1944, um memorando da RAF apontou que “a total devastação do centro de uma vasta cidade (alemã)... convenceria os aliados russos... da efici~encia do poder aéreo anglo-americano.” [13]

Para o propósito de derrotar a Alemanha, a Trovoada não era mais considerada necessária no início de 1945. Mas no final de janeiro de 1945, enquanto se preparava para viajar para Yalta, Churchill repentinamente mostrou grande interesse neste projeto, insistiu que ele poderia ser conduzido imediatamente e ordenou especificamente ao chefe do Comando de Bombardeiros da RAF, Arthur Harris, varrer do mapa uma cidade no leste da Alemanha. [14] Em 25 de janeiro, o Primeiro-Ministro britânico indicou onde ele queria que os alemães fossem “explodidos”, nomeadamente, em algum lugar “em seu retiro (ocidental) a partir de Breslau (agora Wroclaw, na Polônia).” [15] Em termos de centros urbanos, isto era equivalente a pronunciar D-R-E-S-D-E-N. Que o próprio Churchill estava atrás da decisão de bombardear uma cidade no leste da Alemanha fica também claro na autobiografia de Arthur Harris, que escreveu que “o ataque a Dresden foi considerado uma necessidade militar por pessoas muito mais importantes do que eu.” [16] É óbvio que somente personalidades do calibre de Churchill seriam capazes de impor seu desejo ao czar do bombardeio estratégico. Como o historiador militar britânico Alexander McKee escreveu, Churchill “pretendia escrever uma lição no céu noturno (de Dresden)” para o benefício dos soviéticos. Entretanto, desde que a USAAF também acabou sendo envolvida no bombardeio de Dresden, podemos assumir que Churchill agiu com o conhecimento e aprovação de Roosevelt. Os parceiros de Churchill no topo da hierarquia política e militar, incluindo o general Marshall, compartilhavam de seu ponto de vista; eles também eram fascinados, como McKee escreve, pela idéia de “intimidar os comunistas (soviéticos) aterrorizando os nazistas.” [17]
 
 

 
Pilhas de corpos aguardando serem cremados
 
 
A participação americana na missão de Dresden não era realmente necessária, pois a RAF indubitavelmente era capaz de varrer Dresden do mapa sozinha. Mas o efeito “matança exagerada” resultante de uma contribuição redundante americana era perfeitamente funcional para o propósito de demonstrar aos soviéticos a letalidade do poder aéreo anglo-americano. É também provável que Churchill não queria a responsabilidade pelo que ele sabia ser um terrível massacre pelos britânicos; foi um crime para o qual ele precisava de um cúmplice.

Uma operação do tipo Trovoada provocaria certamente danos para quaisquer instalações militares e industriais e infra-estrutura de comunicações que estivessem contidas na cidade alvejada, e, portanto, conduziria inevitavelmente a outra perda ao já combalido inimigo alemão. Mas quando a operação foi finalmente lançada, com Dresden como alvo, foi menos para apressar a derrota do inimigo nazista e mais para intimidar os soviéticos. Usando a terminologia da escola “funcionalista” da sociologia americana, atingir os alemães tão forte quanto possível era a “função manifesta” da operação, enquanto que intimidar os soviéticos era muito mais importante como uma função “latente” ou “escondida”. A destruição maciça imposta a Dresden foi planejada – em outras palavras, era “funcional” – não com o propósito de provocar um ataque devastador sobre o inimigo alemão, mas com o objetivo de demonstrar ao aliado soviético que os anglo-americanos tinham uma arma que o Exército Vermelho, não importando o quão poderoso e bem sucedido ele foi contra os alemães, não poderia concorrer e contra o qual não haveria defesas adequadas.

Muitos generais americanos e britânicos e funcionários de alta patente não tinham dúvidas da função latente da destruição de Dresden, e aprovaram tal missão; este conhecimento também atingiu os comandantes locais da RAF e da USAAF assim como os “mestres bombardeiros”. (Depois da guerra, dois mestres bombardeiros afirmaram lembrar que eles foram avisados claramente que este ataque tinha a intenção de “impressionar os soviéticos com o poder de fogo de nosso Comando de Bombardeiros.”) [18] Mas os soviéticos, que haviam sofrido não apenas as maiores perdas mas também registraram os sucessos mais espetaculares, por exemplo, Stalingrado, desfrutavam de muita simpatia entre o pessoal militar americano e britânico de baixa patente, incluindo as tripulações de bombardeiros. Estes simpatizantes certamente desaprovariam qualquer tipo de plano para intimidar os soviéticos, e certamente de um plano - a obliteração de uma cidade alemã a partir do ar - o que teriam de realizar. Era, portanto, necessário camuflar o objetivo da operação atrás da razão oficial. Em outras palavras, pelo fato da função latente do ataque ser “indescritível”, uma função manifesta “aceitável” tinha que ser tramada.
 
E assim os comandantes regionais e os mestres bombardeiros foram instruídos a formular outros objetivos, esperançosamente críveis, para o benefício de suas tripulações.
 
Tendo em vista isto, podemos compreender por que as instruções em relação aos objetivos diferiam de uma unidade para outra e eram freqüentemente irreais e mesmo contraditórios. A maioria dos comandantes enfatizavam objetivos militares, e citaram “alvos militares” indefinidos, “fábricas de munição” hipotéticas e “depósitos de armas e suprimentos”, o suposto papel de Dresden como “cidade fortificada” e mesmo a existência na cidade de algum “quartel-general do Exército Alemão”. Referências vagas também eram freqüentemente feitas para “instalações industriais importantes” e “áreas de armazenamento organizadas”. No sentido de explicar às tripulações por que o centro da cidade histórica foi atingido e não os subúrbios industriais, alguns comandantes falaram da existência de um “quartel-general da Gestapo” e de uma “gigantesca fábrica de gás venenoso”. Outros, por outro lado, foram incapazes de inventar tais alvos imaginários ou, por alguma razão, não desejaram fazer isso; eles laconicamente disseram a seus homens que as bombas deveriam ser despejadas “no centro urbano de Dresden” ou no tribunal “em Dresden”. [19] Destruir o centro de uma cidade alemã, esperando provocar tanto dano quanto possível a instalações militares e industriais e às infra-estruturas de comunicação parecia ser a essência da estratégia de “bombardeamento de área” aliada, ou pelo menos britânica. [20] Os membros da tripulação aprenderam a aceitar este fato sórdido da vida, ou melhor, da morte, mas no caso de Dresden muitos deles sentiram-se mal. Eles questionaram as instruções em relação aos objetivos e tinham o sentimento de que esta missão envolveria algo incomum e suspeito e certamente não era um assunto “rotineiro”, como Taylor apresenta as coisas em seu livro. O operador de rádio de um B-17, por exemplo, declarou em uma cmunicação confidencial que “esta era a única vez” que “(ele) (e outros) sentiram que a missão era incomum.” A ansiedade experimentada pelas tripulações foi também mostrada pelo fato de que em muitos casos o resumo do comandante não provocou as tradicionais saudações dos tripulantes, mas foram recebidas com silêncio gelado. [21]
 
Direta ou indiretamente, intencional ou involuntariamente, as instruções e resumos endereçados às tripulações algumas vezes revelavam a função verdadeira do ataque. Por exemplo, uma diretiva da RAF aos tripulantes de um número de fupos de bombardeiros, emitida no dia do ataque, 13 de fevereiro de 1945, inequivocamente dizia que era a intenção “de mostrar aos russos, quando eles alcançarem a cidade, o que o Comando de Bombardeiros é capaz de fazer.” [22]
 
Sob tais circusntâncias, é dificilmente surpreendente que muitos tripulantes compreendessem claramente que eles tinham que varrer Dresden do mapa para assustar os soviéticos. Um membro canadense de uma tripulação de bombardeiro iria dizer após a guerra para um historiador oral que ele estava convencido de que o bombardeio de Dresden deveria deixar claro aos soviéticos “que eles tinham que se comportar, caso contrário mostraríamos a eles o que também faráimos com as cidades russas.” [23]
 
As notícias da destruição particularmente horrorosa de Dresden também causaram grande consternação entre os civis britânicos e americanos, que compartilhavam da simpatia dos soldados pelo aliado soviético e que, sabendo das notícias do ataque, igualmente sentiram que esta operação tinha algo de incomum e suspeito. As autoridades tentaram exorcizar a intranqüilidade do público explicando a operação como um esforço para facilitar o avanço do Exército Vermelho. Em uma conferência de imprensa da RAF na Paris libertada em 16 de fevereiro de 1945, jornalistas foram informados que a destruição deste “centro de comunicação” situado próximo da “frente russa” foi inspirada pelo desejo de tornar possível aos russos “continuar sua luta com sucesso.” Isto era apenas uma razão, forjada após os fatos pelo que são chamados hoje “mestres da enrolação”, foi revelada pelo próprio porta-voz, que imperfeitamente disse que ele “achava” que tinha sido “provavelmente” a intenção de ajudar os soviéticos. [24]
 
A hipótese de que o ataque a Dresden foi pretendido para intimidar os soviéticos explica não somente a magnitude da operação, mas também a escolha do alvo. Para os planejadores da Trovoada, Berlim sempre foi o alvo perfeito. No início de 1945, contudo, a capital alemã já havia sido bombardeada repetidamente. Poderia ser esperado que outra missão de bombardeio, não importando o quão devastadora fosse, teria o efeito desejado sobre os soviéticos quando eles estivessem lutando a caminho da capital? Destruição descarregada em 24 horas pareceria certamente mais espetacular se uma cidade suficientemente grande, compacta e “virgem” – isto é, ainda não bombardeada –fosse o alvo. Dresden, sortuda por não ter sido bombardeada até então, era agora azarada o bastante para satisfazer todos estes critérios. Além disso, os comandantes britânicos e americanos esperavam que os soviéticos alcançariam a capital saxônica em poucos dias, de modo que eles seriam capazes de ver em breve com seus próprios olhos o que a RAF e a USAAF poderiam conseguir em uma única operação. Apesar do Exército Vermelho entrar em Dresden muito depois de os britânicos e americanos esperarem, ou seja, em 8 de maio de 1945, a destruição da capital saxônica teve o efeito desejado. As linhas soviéticas estavam situadas somente a umas poucas centenas de quilômetros da cidade de modo que os homens e mulheres do Exército Vermelho puderam admirar o brilho do inferno de Dresden no horizonte noturno. A tempestade de fogo foi supostamente vista até uma distãncia de 300 km.
 
Se intimidar os soviéticos é visto como a “latente”, em outras palavras a função real da destruição de Dresden, então não somente a magnitude, mas também o “sincronismo” da operação faz sentido. O ataque deveria ter acontecido, pelo menos para alguns historiadores, em 4 de fevereiro de 1945, mas teve que ser postergado por causa do clima inclemente até a noite de 13-14 de fevereiro. [25] A Conferência de Yalta começou em 4 de fevereiro. Se o incêndio de Dresden tivesse acontecido aquele dia, isso teria fornecido a Stalin uma reflexão em um momento crítico. O líder soviético, voando alto após os recentes sucessos do Exército Vermelho, seria trazido de volta à terra por este feito das forças aéreas de seus aliados, e resultaria, portanto, em um interlocutor menos confiante e mais favorável na mesa de conferência. Esta expectativa foi claramente identificada em um comentário feito uma semana antes do início da Conferência de Yalta por um general americano, David M. Schlatter:
 
Sinto que nossas forças aéreas são as fichas azuis (N. Do T.: as fichas mais valiosas do pôquer) com as quais iremos negociar na mesa do tratado pós-guerra, e esta operação (o bombardeio planejado de Dresden e/ou Berlim) adicionará imensamente à sua força, ou melhor, ao conhecimento russo de sua força. [26]
 
O plano para bombardear Dresden não foi cancelado, apenas postergado. O tipo de demonstração de poder militar supostamente deveria manter sua utilidade psicológica mesmo após o fim da conferência da Criméia. Continuou a ser esperado que os soviéticos logo entrariam em Dresden e assim seriam capazes de ver em primeira mão o que as forças aéreas anglo-americanas seriam capazes de causar em uma cidade bem afastada de suas bases em uma única noite. Posteriormente, quando os acordos vagos feitos em Yalta fossem colocados em prática, os “garotos no Kremlin” certamente se lembrariam o que eles haviam visto em Dresden, tirariam conclusões úteis de suas observações e se comportariam como Washington e Londres esperavam deles.
 
Quando do final das hostilidades, as tropas americanas tiveram a oportunidade de alcançar Dresden antes dos soviéticos, Churchill vetou isso: mesmo no estágio final, quando ele queria que os anglo-americanos ocupassem tanto território alemão quanto possível, ele ainda insistiu que os soviéticos ocupassem Dresden, de modo que eles sentissem o efeito de demonstração do bombardeio.
 
Dresden foi aniquilada para intimidar os soviéticos com uma demonstração do enorme poder de fogo que permitia os bombardeiros da RAF e da USAAF levar morte e destruição centenas de quilômetros longe de suas bases, e nas entrelinhas era claro: este poder de fogo poderia ser usado contra a própria União Soviética. Esta interpretação explica as muitas particularidades do bombardeio de Dresden, tais como a magnitude da operação, a participação incomum em uma única missão da RAF e da USAAF, a escolha de um alvo “virgem”, a enormidade (pretendida) da destruição, a sincronia do ataque e o fato de que a supostamente crucial estação ferroviária, os subúrbios com suas fábricas e o campo de pouso da Luftwaffe não terem sido alvejados. O bombardeamento de Dresden teve pouco ou nada a ver coma guerra contra a Alemanha Nazista: era uma mensagem anglo-americana para Stalin, uma mensagem que custou a vida de dezenas de milhares de pessoas. Mais tarde, no mesmo ano, duas novas mensagens analogamente codificadas, embora não muito sutis, seguiriam, envolvendo mesmo mais vítimas, mas desta vez cidades japonesas foram alvejadas, e a idéia era chamar a atenção de Stalin para a letalidade da nova arma americana, a bomba atômica. [27] Dresden teve pouco ou nada a ver com a luta contra a Alemanha Nazista; ela teve a ver, senão completamente, a ver com um novo conflito no qual o inimigo seria a União Soviética. No calor terrível do inferno de Dresden, Hiroshima e Nagasaki a Guerra Fria nasceu.                                              

Bibliografia:

[1] Frederick Taylor. Dresden: Tuesday, February 13, 1945, New York, 2004, pp. 354, 443-448; Götz Bergander, Dresden im Luftkrieg. Vorgeschichte, Zerstörung, Folgen, Weimar, 1995, chapter 12, and especially pp. 210 ff., 218-219, 229;

“Luftangriffe auf Dresden“, Page 9.

http://de.wikipedia.org/wiki/Luftangriffe_auf_Dresden

[2] See for example the comments made by General Spaatz cited in Randall Hansen, Fire and fury: the Allied bombing of Germany, 1942-45, Toronto, 2008, p. 243.

[3] Taylor, p. 416.

[4] Taylor, pp. 321-322.

[5] Olaf Groehler. Bombenkrieg gegen Deutschland, Berlin, 1990, p. 414; Hansen, p. 245; “Luftangriffe auf Dresden,” p.7.

http://de.wikipedia.org/wiki/Luftangriffe_auf_Dresden

[6] “Luftangriffe auf Dresden,” p. 7.

http://de.wikipedia.org/wiki/Luftangriffe_auf_Dresden

[7] Taylor, pp. 152-154, 358-359.

[8] Eckart Spoo, “Die letzte der Familie Tucholsky,” Ossietzky, No. 11/2, June 2001, pp. 367-70.

[9] Taylor, p. 190; Groehler, pp. 400-401. Citing a study about Yalta, the British author of the latest study of Allied bombing during World War II notes that the Soviets “clearly preferred to keep the RAF and the USAAF away from territory they might soon be occupying,” see C. Grayling, Among the Dead Cities: Was the Allied Bombing of Civilians in WWII a Necessity or a Crime?, London, 2006, p. 176.

[10] Alexander McKee. Dresden 1945: The Devil’s Tinderbox, London, 1982, pp. 264-265; Groehler, pp. 400-402.

[11] See e.g. Jacques R. Pauwels, The Myth of the Good War: America in the Second World War, Toronto, 2002, p. 98 ff.

[12] Ibid., p. 119.

[13] Richard Davis, “Operation Thunderclap,” Journal of Strategic Studies, 14:1, March 1991, p. 96.

[14] Taylor, pp. 185-186, 376; Grayling, p. 71; David Irving. The Destruction of Dresden, London, 1971, pp. 96-99.

[15] Hansen, p. 241.

[16] Arthur Travers Harris, Bomber offensive, Don Mills/Ont., 1990, p. 242.

[17] McKee, pp. 46, 105.

[18] Groehler, p. 404.

[19] Ibid., p. 404.

[20] The Americans preferred “precision bombing,” in theory if not always in practice.

[21] Taylor, pp. 318-19; Irving, pp. 147-48.

[22] Quotation from Groehler, p. 404. See also Grayling, p. 260.

[23] Cited in Barry Broadfoot, Six War Years 1939-1945: Memories of Canadians at Home and Abroad, Don Mills, Ontario, 1976, p. 269.

[24] Taylor, pp. 361, 363-365.

[25] See e.g. Hans-Günther Dahms, Der Zweite Weltkrieg, second edition, Frankfurt am Main, 1971, p. 187.

[26] Cited in Ronald Schaffer. “American Military Ethics in World War II: The Bombing of German Civilians,” The Journal of Military History, 67: 2, September 1980, p. 330.

[27] A. C. Grayling, for example, writes in his new book on Allied bombing that “it is recognized that one of the main motives for the atomb-bomb attacks on Hiroshima and Nagasaki was to demonstrate to the Russians the superiority in waponry that the United States had attained…In the case of Dresden something similar is regrettably true.”


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