quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

[SGM] As Razões para o Pacto de Não-Agressão Teuto-Soviético

Mahdi Darius Nazemroaya, 22/09/2009

 


O Pacto de Não-Agressão Teuto-Soviético ou Pacto Ribbentrop-Molotov provocou ondas de choque na Europa e na América do Norte quando foi assinado. Os governos alemão e soviético estavam em desacordo entre si. Isto ia além da ideologia; Alemanha e União Soviética estavam jogando um contra o outro nos eventos que conduziram à Segunda Guerra Mundial, assim como a Alemanha, o Império Russo e o Império Otomano jogaram contra si na Europa Oriental. [1]

Esta é a razão porque Grã-Bretanha e França declararam guerra a Berlim em 1939, quando URSS e Alemanha invadiram a Polônia. Se as intenções fossem proteger a Polônia, então por que somente declarar guerra contra a Alemanha, quando na realidade alemães e soviéticos a invadiram simultaneamente?      

Se Moscou e Berlim não tivessem assinado um acordo de não-agressão, não teria havido declaração de guerra contra a Alemanha. De fato, o Apaziguamento foi uma política criada na esperança de permitir a militarização da Alemanha e então dar ao governo nazista os meios, através de poder militar, de criar uma fronteira comum teuto-soviética, que seria um pré-requisito para uma guerra antecipada entre os dois países, a qual neutralizaria as duas potências continentais mais fortes da Europa e da Eurásia. [2]

A política britânica e a lógica para o pacto de não-agressão entre os soviéticos e alemães foi melhor descrita por Carroll Quigley (1910-77). Quigley, um respeitado professor americano de história, com base nos acordos diplomáticos na Europa e informação privilegiada, explicou os objetivos estratégicos da política britânica de 1920 a 1938 como:

Manter o equilíbrio de poder na Europa intensificando o confronto entre Alemanha e França e União Soviética; aumentar o peso da Grã-Bretanha naquele equilíbrio ao alinhá-la com seus domínios (e.g., Austrália e Canadá) e os Estados Unidos; recusar quaisquer compromissos (especialmente quaisquer compromissos com a Liga das Nações, e acima de tudo com a França) além daqueles existentes em 1919; manter a liberdade britânica de ação; conduzir a Alemanha para o leste contra a União Soviética se uma ou ambas destas potências se tornasse uma ameaça à paz (provavelmente significando um fortalecimento econômico) da Europa Ocidental (e muito provavelmente implicando em interesses britânicos.) [3]

Para realizar este plano de conduzir a Alemanha para leste contra a União Soviética, era necessário fazer três coisas: (1) liquidar todos os países entre a Alemanha e a URSS; (2) prevenir a França de honrar suas alianças com esses países (isto é, Tchecoslováquia e Polônia); e (3) enganar o povo britânico em aceitar isto como necessário, de fato, a única solução para o problema internacional. O grupo de Chamberlain foi tão bem sucedido em todas estas três coisas que eles tiraram vantagem disso, e só falharam por causa da teimosia dos poloneses, da pressa indecorosa de Hitler e o fato de que na décima primeira hora o Grupo Milner (N. do T.: grupo de personalidades conservadoras do Império Britânico que se reuniam secretamente; este termo foi cunhado pelo próprio Quigley) percebeu as implicações geo-estratégicas de sua política (o que, para o seu receio, acabou unindo soviéticos e alemães) e tentou revertê-lo. [4]    

Foi por causa deste objetivo de conduzir a Alemanha a uma posição de ataque contra os soviéticos que os líderes britânicos, canadenses e americanos tinham boa impressão de Adolf Hitler e do Nazismo (que parece não estar explicado nos livros de história padrão) até o início da Segunda Guerra Mundial.

Em relação ao apaziguamento sob o Primeiro Ministro Neville Chamberlain e seu início quando da remilitarização do pólo industrial da Renânia, Quigley explica:

Este evento de março de 1936, através do qual Hitler remilitarizou a Renânia, foi o mais crucial em toda história do apaziguamento. Desde que o território a oeste do Reno e uma faixa de 50 km de extensão à margem oriental do rio estavam demilitarizadas. Como exigido pelo Tratado de Versalhes e pelo Pacto de Locarno, Hitler jamais ousaria mover-se em direção da Áustria, Tchecoslováquia e Polônia. Ele não teria ousado porque, com a Alemanha ocidental sem fortificações e desprovida de tropas, a França poderia facilmente invadir a área industrial do Rhur e enfraquecer a Alemanha de modo que seria impossível ir para o leste. E por volta desta época (1936), certos membros do Grupo Milner e do governo conservador britânico tinham chegado à fantástica idéia de que eles podiam matar dois coelhos com uma cajadada só, ao jogar a Alemanha e a União Soviética contra si na Europa oriental. Neste caso, eles previram que os dois inimigos ficariam atolados, ou que a Alemanha ficaria satisfeita com o petróleo da Romênia e o trigo da Ucrânia. Nunca passou pela cabeça de ninguém em uma posição responsável que a Alemanha e a União Soviética poderiam ter uma causa comum, mesmo temporariamente, contra o Ocidente. Menos ainda passou pela cabeça deles que a União Soviética pudesse bater a Alemanha e assim abrir caminho para o Bolchevismo por toda a Europa Central. [5]    

A destruição dos países entre a Alemanha e a União Soviética poderia, assim que a Renânia fosse militarizada, sem medo da Alemanha que a França fosse capaz de atacá-la no ocidente enquanto ela se ocupava do leste. [6]

Em relação à criação eventual de uma fronteira comum teuto-soviética, a aliança militar liderada pela França deveria ser primeiro neutralizada. Os pactos de Locarno foram pensados pelos mandarins da política externa britânica para prevenir que a França fosse capaz de apoiar militarmente a Tchecoslováquia e a Polônia na Europa Oriental, e assim intimidar a Alemanha de tentar qualquer de anexar ambos os estados da Europa Oriental. Quigley escreve:

Os acordos de Locarno garantiram a fronteira da Alemanha com a França e Bélgica com as outras potências destes três Estados mais Grã-Bretanha e Itália. Na verdade, os acordos não deram nada à França, enquanto que elas deram à Grã-Bretanha um veto sobre a realização de suas alianças com a Polônia e a Pequena Entente (N. do T.: aliança entre Tchecoslováquia, Romênia e Iugoslávia para defesa comum de seu território no caso de uma ressurreição da Dinastia dos Habsburgos.) Os franceses aceitaram estes documentos enganosos por razão de política interna (...) Esta armadilha (como Quigley chama os acordos de Locarno) consistiam de muitos fatores inter-relacionados. Em primeiro lugar, os acordos não garantiam a fronteira e a condição desmilitarizada da Renânia contra ações alemãs, mas contra as ações tanto da Alemanha quanto da França. Isto, a princípio, deu à Grã-Bretanha o direito de se opor a qualquer ação francesa contra a Alemanha em apoio aos seus aliados a leste da Alemanha. Isto significava que se a Alemanha se movesse para leste contra Tchecoslováquia, Polônia e eventualmente a União Soviética, e se a França atacasse a fronteira ocidental da Alemanha em apoio da Tchecoslováquia ou Polônia, como seus aliados queriam, a Grã-Bretanha, Bélgica e Itália poderiam unir-se pelos Pactos de Locarno para sair em defesa da Alemanha. [7]

O Acordo Naval Anglo-Germânico de 1935 também foi deliberadamente assinado pela Grã-Bretanha para prevenir que os soviéticos se unissem à aliança militar entre França, Tchecoslováquia e Polônia. Quigley escreve:

... Quatro dias depois, Hitler anunciou o rearmamento e dez dias depois, a Grã-Bretanha condenou o ato enviando Sir John Simon para uma visita oficial a Berlim. Quando a França tentou se contrabalançar ao rearmamento alemão trazendo a União Soviética para seu sistema de aliança oriental em maio de 1935, a Grã-Bretanha contratacou fazendo o Acordo Naval Anglo-Germânico em 18 de junho de 1935. Este acordo, concluído por Simon, permitiu à Alemanha construir até 35% do tamanho da Marinha Britânica (e até 100% em submarinos). Esta foi uma facada nas costas da França, porque ele deu à Alemanha uma marinha consideravelmente maior do que a francesa nas importantes categorias de navios (navios principais e porta-aviões), pois a França estava limitada por acordo a 33% da Grã-Bretanha; e a França, além disso, tinha um império mundial para proteger e uma Marinha Italiana pouco amigável na costa do Mediterrâneo. Este acordo colocou a costa atlântica francesa tão completamente à mercê da Marinha alemã que a França tornou-se completamente dependente da frota britânica para a proteção desta área. [8]

O Plano Hoare-Laval (N. do T.: plano anglo-francês de 1935 para acabar com a Segunda Guerra Ítalo-Abssínia) também foi usado para direcionar a Alemanha para o leste ao invés do sul através do Mediterrâneo oriental, que a Grã-Bretanha como uma peça crítica para manter seu império unido e conectá-lo através do Canal de Suez à Índia. Quigley explica:

Os países marcados para extinção incluíam Áustria, Tchecoslováquia e Polônia, mas não incluíam Grécia e Turquia, já que o Grupo (Milner) não tinha nenhuma intenção de permitir a Alemanha descer até a “linha da vida” mediterrânea. De fato, o propósito do Plano Hoare-Laval de 1935, que destruiu o sistema de segurança coletiva ao dar a maior parte da Etiópia à Itália, deveria apaziguar a Itália em posição ao lado da Grã-Bretanha, no sentido de impedir qualquer movimento da Alemanha em direção ao sul ao invés do leste. [9]

Tanto a União Soviética, sob Joseph Stalin, e a Alemanha, sob Adolf Hitler, acabaram percebendo o planejamento de uma guerra teuto-soviética e por causa disso Moscou e Berlim assinaram um pacto de não-agressão antes da Segunda Guerra Mundial. O acordo foi em boa parte uma resposta à postura anglo-americana. No final, foi por causa da desconfiança mútua entre alemães e soviéticos que a aliança colapsou e a antecipada guerra teuto-soviética veio a ser o teatro de guerra mais mortal da Segunda Guerra Mundial, a frente oriental.

 
Mahdi Darius Nazemroaya  é pesquisador associado ao Centre for Research on Globalization (CRG), especializado em geopolítica e estratégia.

Texto Completo

Referências

[1] Mahdi Darius Nazemroaya, The “Great Game”: Eurasia and the History of War, Centre for Research on Globalization (CRG), December 3, 2007.
http://www.globalresearch.ca/index.p...xt=va&aid=7064


[2] China at this time was already being limited by Japan and before that by combined Japanese, Russian, and Western European policies. This would leave Germany and the U.S.S.R. as the two main threats to Anglo-American interests.

[3] Carroll Quigley, The Anglo-American Establishment: From Rhodes to Cliveden (San Pedro, California: GSG & Associates Publishers, 1981), p.240.

[4] Ibid., p.266.

[5] Ibid., p.265.

[6] Ibid., p.272.

[7] Ibid., p.264.

[8] Ibid., pp.269-270.

[9] Ibid., p.273.

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