Paris no mês de maio estava repleta de exuberância afrodisíaca.
As
garotas desfilavam pelas avenidas com suas saias curtas e estampadas, seus
cabelos fluindo vigorosamente para trás.
No
rádio, o cantor Tino Rossi – a versão francesa de Rodolfo Valentino –
apresentava seu último sucesso romântico.
Porém,
poucas semanas depois, em 14 de junho de 1940, o exército alemão marchou sobre
a capital e a ocupou por quatro anos.
A
França jamais esqueceu essa humilhação – ou seu espanto – em ter que se ajustar
a uma vida íntima com seu velho inimigo, com todo o ressentimento, culpa e, o
pior de tudo, os segredos.
Todos
ficaram surpresos que os altos e loiros invasores não partiram para a violência
sexual contra a população. Ao invés disso, eles trouxeram pão e tortas.
Além
disso, eles eram mais simpáticos e bravos do que os soldados franceses
beberrões que se renderam durante o combate.
Logo,
toda criança francesa queria ser alemã, enquanto que toda garota francesa procurava
os invasores, vistos como aliados e não inimigos, oferecendo-lhes laranjas e
observando o interior luxuoso de suas limusines.
E
as donas de casa francesas, privadas de companhia enquanto seus maridos
soldados eram mantidos prisioneiros, ficavam felizes em dormir com o inimigo.
Os
franceses por muito tempo tentaram esconder estes aspectos da ocupação,
afirmando que atos heroicos de resistência durante o período foram realizados
quando, na verdade, eles não eram mais do que colaboradores.
Agora,
com uma coragem incomum, Patrick Buisson, diretor do Canal de História da
França, TF1, escreveu um livro, cujo título excitante - 1940 – 1945: Os Anos Eróticos – mostra a extensão na qual seus
queridos compatriotas na verdade apreciaram sua experiência de guerra.
A
revelação vem numa época em que Paris está sendo questionada por causa de uma
série de memórias perturbadoras da era.
Uma
exibição de fotografias em exibição na Biblioteca de História da cidade
apresenta os parisienses como apreciando imensamente a vida durante a ocupação
– e algumas pessoas ficaram distintamente irritadas.
De
fato, o vice-prefeito de Paris disse que ele preferia ficar doente a ter que
ver fotos de cidadãos bem vestidos fazendo compras em um mercado repleto de
frutas e vegetais, confrontando com a imagem que a França vende de que os anos
de guerra foram difíceis.
Uma
fotografia mostra apostadores se reunindo em clubes noturnos. Outras mostram
mulheres vestindo maiôs brincando à beira de piscinas, ou usando chapéus
elegantes em pistas de corridas.
Tudo
dá a impressão de que, longe se ser uma época de fome, medo e resistência, a
vida durante a guerra era uma grande festa.
E,
apesar de uma foto mostrar dois judeus vestindo a obrigatória Estrela de David
amarela, tornada obrigatória pelo governo de Vichy em 1941, não existe
consciência de que os franceses enviaram 76.000 judeus para a morte enquanto
seus compatriotas estavam se divertindo.
O
exemplo para este comportamento, de acordo com o livro de Buisson, veio do
alto.
O
idoso Marechal Petain, que comandava o governo de Vichy, foi preso por
colaboração após a guerra, mas ele foi autorizado a dar à sua libido de 84 anos
controle total, vergonhosamente seduzindo sua equipe mais jovem, enquanto
recomendava o lema “trabalho, família, país” para o resto da nação.
Buisson
afirma que as esposas deixadas para trás na Paris ocupada tiveram uma atitude
semelhante.
Elas
não se cansavam dos bárbaros nórdicos, e muitos fatores conspiraram para
ajudá-las.
Primeiro,
havia um toque de recolher entre as 23:00 e as 05:00, obrigando todo mundo a
ficar em casa.
Além
disso, Paris foi imediatamente mergulhada no verão alemão, que – junto com o
blecaute e o racionamento da energia elétrica – garantiu que ela ficava no
escuro duas horas antes do que o usual.
Então
houve o rigor particular do primeiro inverno após a ocupação, quando a cama era
o melhor lugar para ficar.
Mas
foi mais complicado que isto. As duas nações usaram o sexo tanto como arma de
guerra quanto meio de sobrevivência.
Na
Renânia, prisioneiros franceses apreciavam casos com garotas locais como uma
forma de vingança, enquanto que em casa suas esposas e namoradas faziam amizade
íntima com oficiais alemães, ou com qualquer um que pudesse dar-lhes suprimento
de comida, calor e roupas quando havia escassez.
De
acordo com Buisson, jovens garotas francesas casamenteiras provavelmente
sucumbiriam à tentação de se envolver com seus chefes, vizinhos ou mesmo o
verdureiro se elas lhes devessem dinheiro e se tornassem adeptas da fuga dos
olhos vigilantes de suas madrastas ou qualquer outro bisbilhoteiro de seus
prazeres ilícitos na comunidade.
Muitos
destes ocorriam nas salas de cinema. Durante os quatro anos de ocupação, o país
inteiro estava indo ao cinema pelo menos uma vez por semana em números
surpreendentes, deixando as crianças por sua própria conta em casa.
Logo,
o número de espectadores estava atingindo novos recordes – 224 milhões de
ingressos foram vendidos em 1941, atingindo 310 milhões em 1943 enquanto os
franceses se agarravam ao escapismo, a tepidez e as aventuras eróticas que o
cinema oferecia.
Era
muito mais barato que um quarto de hotel e mais privado que em casa. Mesmo o
metrô oferecia uma oportunidade para o sexo durante o blecaute. Não é de
surpreender que estes foram chamados “os anos sombrios”.
Naturalmente,
houve consequências inevitáveis. Enquanto a taxa de nascimento caiu durante os
dias sombrios da Blitz, a taxa de nascimento francesa elevou-se após a chegada
dos alemães, apesar do fato de que mais de dois milhões de homens franceses
estivessem presos em campos de prisioneiros de guerra.
Até
30% dos nascimentos eram ilegítimos em algumas partes de Paris. Isto deu às
autoridades francesas uma dor de cabeça particular. Por um longo tempo, eles
lamentaram que a França estava subpovoada; agora, eles não sabiam se ficavam
alegres ou deploravam cada novo parto.
E
não somente houve um aumento robusto nos nascimentos, mas também nos abortos
ilegais – em 1941, quase 20% de corpos femininos chegaram ao necrotério
criminal em Paris em virtude de intervenções ilegais.
A
análise de Buisson da vida sexual ativa de seus compatriotas enquanto a Europa
estava em combate dificilmente emociona seus leitores franceses, mas seu
academicismo de 500 páginas está repleto de evidência comprobatória.
Paris
mudou assim que os alemães chegaram e plantaram em todos os velhos pontos
conhecidos, incluindo hotéis luxuosos como o Crillon e o Ritz, a bandeira
nazista.
As
primeiras pessoas a tirar vantagem dos recém-chegados foram as prostitutas.
Logo, mesmo a intelectual Simone de Beauvior não podia ignorar sua presença em
locais previamente sobrevalorizados no intelectual La Rive Gauche (n. do t.: margem sul do rio Sena).
Mesmo
assim, nem todas as mulheres oferecidas eram prostitutas antes da guerra.
Algumas eram respeitáveis donas de casa e mães, e afirmavam que elas estavam se
prostituindo apenas para comer.
Para
os alemães, este comportamento só podia ser esperado. Em sua imaginação
popular, a França era imoral, libertina e devassa – e no final de seu primeiro
verão em Paris, eles estavam certos de tal reputação.
Os
recém-chegados trouxeram seu formidável talento para a organização, incluindo as
avaliações médicas e o tratamento compulsório para doenças venéreas nos mais
famosos bordéis da cidade, incluindo o favorito de Eduardo VII (n. do t.: rei
da Inglaterra, 1901 – 1910), o Le Chabanais, próximo do Louvre.
Enquanto
isso, seus oficiais frequentavam entusiasticamente os clubes noturnos e cabarés
mais famosos, enquanto os nativos reagiam frequentando salões de dança ilegais
que se espalharam em garagens e atrás dos bares.
Uma
das primeiras coisas que os franceses aprenderam dos alemães foi o culto à
juventude e ao corpo.
Seu
símbolo mais conhecido para isto era o tenista e campeão de Wimbledon Jean
Borota (sempre lembrado neste lado do Canal como “o Basco limitado”).
Ele
foi recrutado para uma campanha publicitária estimulando a nação francesa a
vestir roupas esportivas e fazer os bons exercícios alemães – natação, corrida
e salto – de modo que os educadores tradicionais começaram a reclamara de que
as escolas francesas estavam abandonando seus padrões intelectuais em favor da
força física.
Podemos
pensar que um país sob o domínio da força teria reagido contra ao excesso de
veneração ao herói da mente masculina, mas os franceses foram
surpreendentemente arrastados para os atributos masculinos, enquanto embarcavam
em uma viagem pela busca de sua alma, perguntando-se se um homem derrotado
poderia ainda ser um homem.
Seu
exército havia desistido de lutar, mas o país estava cheio de movimentos
juvenis tentando imitar as características da Juventude Hitlerista.
Por
outro lado, as mulheres não tinham tais crises de identidade. Intoxicadas entre
as guerras pela cultura americana, elas fumavam, vestiam desafiadoramente saias
curtas e acreditavam na libertação da mulher.
Com
outra guerra, elas ficaram na delas, usando toda sua inventividade para
apresentarem-se glamorosamente ao mundo, mesmo quando as roupas finas estavam
racionadas.
“As
mulheres francesas nunca vestiram tão pouco quanto elas fizeram nos anos da
guerra, e elas nunca estiveram tão lindas,” observou um comentarista.
Logo,
com seus homens longe, elas também invadiram os guarda-roupas masculinos,
vestindo as calças de seus maridos, dando a si mesmas poderes para viver como
homens e de forma bem sucedida derrubando os decretos da Igreja Católica Romana
e do governo contra modismos masculinos – e liberaram o comportamento que vinha
com isso.
Os
jovens também, privados em muitas famílias da mão firme da orientação paterna,
aproveitaram a oportunidade para quebrar as regras – e aparentemente não havia
nada que pudesse ser feito.
Um
pai que castigou suas duas filhas por terem dormido fora de casa no sul da
França foi condenado por um juiz pela sua atitude excessiva e ordenou que ele
pagasse uma fiança elevada. Mesmo as autoridades, isso parece, não podiam
esperar para se libertar delas.
Entre
os rebeldes mais espetaculares estavam os “zazous”, os jovens boêmios unisex.
Distintos pelo seu senso de
moda extravagante, que consistia em casacos de pelúcia para os homens,
usados com sapatos de sola grossa e cabelo
comprido oleoso, e saias curtas e
meias listradas para as mulheres, acompanhadas de grandes óculos de sol, cabelo loiro tingido e batom vermelho,
eles foram inspirados pelo jazz
e pela música swing dos EUA, que muitas pessoas ainda achavam
decadente.
O
“zazous” emprestou seu nome e senso de moda do estilo de roupa do músico
afro-americano Cab Calloway (n. do t.: traje com ombros largos, paletó muito
comprido, calças amplas, mas muito estreitas embaixo) e sua famosa canção Zah
Zuh Zah. Eles assombravam as avenidas e cafés de St. Germain, vivendo um estilo
de vida hedonista que desapareceu da história.
O
campeão do movimento era o cantor Charles Trenet, que mais tarde compôs o
sucesso Beyond the Sea, eternizado na
voz de Bobby Darin (1936 – 1973).
Gay
numa época quando os homossexuais eram agressivamente perseguidos pelos
nazistas – embora a prática tenha se tornado conhecida na França como “o vício
alemão” por aqueles que viam a invasão como uma metáfora para penetração sexual
– ele escondeu suas preferências casando-se com a herdeira americana do tabaco
Doris Duke, entre outras.
Muitas
outras personalidades gays protegiam-se por meios mais duvidosos. O escritor
ganhador do Prêmio Nobel Andre Gide, que havia sido apresentado ao
homossexualismo por Oscar Wilde, não se incomodava em esconder sua orientação
sexual.
Ao
invés disso, ele viveu no sul da França, bem longe do avanço da Wehrmacht,
afirmando abertamente que estava encantado por Hitler.
Ele
achava que o Führer terminaria como líder da Europa, trazendo grande progresso
e que a única falha de sua política – sua atitude em relação aos judeus – era
perdoável.
Ironicamente,
muitos dos cineastas e artistas que atravessaram a tênue linha entre a
colaboração e a resistência são os nomes que o mundo agora se lembra.
Enquanto
os outros estavam lutando, a França estava trilhando um caminho alternativo,
que seria retomado após a guerra em Nova York e Londres – especialmente quando
as novas ideias foram tornadas respeitáveis pelos filósofos Simone de Beauvoir
e Jean Paul Sartre, que tornaram digno o modo de vida “vale tudo” como o novo
credo definitivo: existencialismo.
Como
o próprio Sartre disse após ele ser libertado de um campo de prisioneiros por
motivos de saúde, ele nunca se sentiu tão livre quanto nos anos de guerra,
enquanto que de Beauvoir considerou o sexo como uma obrigação positiva que
ajudava as pessoas a se sentirem vivas quando todo o mundo ao redor estava se
destruindo. Isto, de fato, foi o início da época moderna.
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