sábado, 4 de janeiro de 2014

[SGM] Os Soldados Judeus de Hitler

Jerry Klinger

 
Em 1940, o suboficial Dieter Bergmann escreveu para sua avó judia, Elly:

Não percebe o quanto tenho raízes profundas na Alemanha? Minha vida seria muito triste sem minha pátria, sem a maravilhosa arte alemã, sem a crença no passado poderoso da Alemanha e do futuro glorioso que a espera? A senhora acha que posso me afastar tudo isso do meu coração? A senhora acha que não tenho uma obrigação com meus pais, com meu irmão que mostrou seu amor pela pátria morrendo como herói no campo de batalha? Algum dia, quero ser um alemão entre alemães e não um cidadão de segunda classe somente porque minha adorável mãe é judia.

As Leis de Nuremberg, criadas para definir quem era judeu e quem era ariano continham muitos erros. Elas estavam erradas não apenas por causa da separação “racial” que elas pretendiam criar entre judeus e não-judeus, mas porque elas falharam em tornar claro o que fazer com os Mischlings*.

A palavra Mischling significa “mestiço” ou “híbrido”. O termo foi aplicado originalmente a pessoas com pai ou mãe branco ou negro nas colônias africanas da Alemanha. Alguns alemães na época chamavam estas crianças de “bastardos de Rehoboth”** Nos anos 1920,quando soldados coloniais franceses tiveram relação com mulheres nos territórios da Alemanha que eles ocuparam, as crianças resultantes foram chamadas de Mischelings. Hitler acreditava que os judeus trouxeram esses franceses negros para a Alemanha para infectar a “raça branca”.

Em 1935, as Leis de Nuremberg criaram duas novas categorias “raciais”: o meio-judeu (Mischeling de primeiro grau) e o quarto-judeu (Mischeling de segundo grau). Um meio-judeu tinha dois avós judeus; o quarto-judeu tinha apenas um. Desde que a política racial nazista declarava qualquer membro da religião judaica um judeu completo, independentemente da ancestralidade, a maioria era por definição cristãos.

Os nazistas estavam confusos sobre os Mischlings, desde que eles eram tanto judeus quanto alemães. Adolf Eichmann, o tenente-coronel da SS e chefe do Departamento de Evacuação Judaica da Gestapo, ciente da posição racial ambígua do Mischling, temporariamente os protegeu. Para os nazistas, Mischlings eram também metade ou três quartos alemão e, assim, 50 ou 75% valiosos.

O status confuso dos Mischlings resultou em respostas ainda mais confusas. Werner Eisner, um meio-judeu e severamente ferido veterano da Wehrmacht foi deportado para Auschwitz por ter mantido relações com uma mulher ariana. O Dr. Hans Serelman, um judeu alemão, também foi enviado a um campo de concentração. Seu crime foi ter doado sangue para um paciente não-judeu.

Na prática, a cidadania alemã dos Mischlings foi retirada. Era-lhes negado acesso a certas universidades para cursos mais concorridos como Direito e Medicina. Eles também foram recusados em retiros de férias e empregos públicos, além de posições de chefia sobre arianos. Eles foram excluídos de algumas igrejas, mesmo quando fossem cristãos batizados. Eles eram socialmente esquecidos.

Ser 50% judeu, ou semente 25%, não protegia os Mischlings. Restrições “raciais” crescentes gradativamente criaram um futuro incerto para eles. O repentino agrupamento dos Mischling com os judeus logicamente deveria ter criado um laço comum de simpatia e apoio mútuo entre eles, mas não foi isso o que aconteceu.

A maioria dos Mischlings não se identificava com a comunidade judaica. Muitos cresceram como cristãos batizados e mesmo alguns eram eles próprios antissemitas. Eles preferiam pensar em si próprios como normais, como parte de todo o tecido social alemão, como parte do povo (Volk). Sua língua, sua cultura, as relações sociais e vida escolar tinham todas sido alemãs. Mesmo para aqueles que cresceram sabendo que eles tinham um pai ou mãe judeu, eles preferiam não ser identificados como judeus. Eles ansiavam, trabalhavam e faziam qualquer coisa dentro de seus limites para provar que eram membros bons e leais dos povos germânicos. Eles precisavam mostrar ao mundo alemão que seu sangue alemão era a força dominante que fluía por suas veias.

Muitos judeus serviram nos exércitos alemão e austríaco durante a Primeira Guerra Mundial. Dezenas de milhares morreram no conflito, dando suas vidas ao Kaiser e ao Imperador. Um grande número de judeus alcançaram postos superiores, especialmente no exército austríaco. Milhares de judeus, em ambos os exércitos, foram condecorados por bravura com as mais altas honras. O serviço nas forças armadas, durante a Primeira Guerra Mundial, tornou-se um meio de ganhar aceitação, oportunidade e uma chance para provar sua lealdade às coisas germânicas.

À medida que as máquinas de guerra e de propaganda política nazistas se infiltravam na vida e no rearmamento, somente 15 anos após o fim da Primeira Guerra Mundial, a existência para os judeus e para os Mischlings tornou-se mais ameaçadora e tênue. Para o judeu, pouco se podia fazer em virtude da onda racista. Os Mischlings, contudo, enfrentavam um paradoxo. Durante a guerra, muitos se sentiram compelidos a pertencer à comunidade, recuperar o orgulho perdido e protegerem-se a si mesmos e às suas famílias através do serviço militar e, portanto, servir a Hitler.

O serviço na Wehrmacht, nos anos iniciais da guerra, protegeu-os da Gestapo. Ilse Korner escreveu de seu falecido marido, o meio-judeu e tenente Hans Joachim Korner, “Ele queria distinguir-se por meio da bravura e desejo de lutar como um soldado e, assim, escapar da perseguição dos nazistas.”

A maioria acreditava que seu serviço meritório convenceria seus camaradas e a sociedade a aceitá-los como “normais”. Os Mischlings arriscavam suas vidas no campo de batalha desproporcionalmente e muitos foram condecorados com as mais altas honras militares da Alemanha Nazista, incluindo 20 que receberam a Cruz de Ferro de Primeira Classe***.    

A mãe do soldado da Wehrmacht Helmut Kruger era judia. “Ele fez tudo o que podia para provar sua lealdade à Alemanha ao mostrar sua bravura no campo de batalha. Ele ganhou as Cruzes de Ferro de Segunda e Primeira Classes e a Medalha de Ouro de Ferido.” Seu irmão, Reinhardt, afirmava que ele foi um soldado corajoso apenas porque era um MIschling e tinha medo de ser chamado de “judeu covarde”. O paradoxo irônico; Kruger afirmou que se não fosse por sua mãe judia, ele teria se filiado ao Partido Nazista e à SS.

Os Mischlings, com a ajuda de suas famílias, tentaram mudar a oficial classificação de quem eles eram. Eles queriam ser reconhecidos como alemães. Um dos métodos era obter isenções legais (Genehmigungs), garantidas pelo oficialato alemão – uma tolerância de seus status de Mischlings por causa de seu serviço e benefício ao Reich. A solução legal mais procurada para desqualificação Mischling era por meio da revisão legal e determinação de sangue puro, desvinculando-se racialmente do sangue judeu (Deutschblutigkietserkarung).

Herrmann Göring dizia que ele decidia quem era judeu ou não. A realidade, a decisão final de quem era judeu somente era decidida por Adolf Hitler. Hitler revisava cada situação pessoalmente. Com o uso de meios legais, Mischlings classificados previamente eram despojados de sua contaminação judaica. Assim, eles poderiam galgar altas posições administrativas e militares.

Em 1933, Frau Clara Milch procurou se afilhado, Fritz Heinrich Hermann, presidente da polícia de Hagen e depois general da SS, e lhe deu uma declaração afirmando que seu tio falecido, Carl Brauer, ao invés de seu marido judeu Anton Milch, era o pai de seus seis filhos. Após o coronel da SA (Tropa de Choque do Partido Nazista) denunciar Erhard Milch para Göring, este levou o testemunho da mãe de Milch para Hitler. Em 1935, Hitler aceitou a declaração de Clara e instruiu Göring a pedir ao Dr. Kurt Meyer, chefe do Centro de pesquisa Genealógica do Reich, a emitir toda a documentação. Em 7 de agosto de 1935, Göring escreveu a Meyer para mudar o pai de Milch em seus documentos e emitir nova documentação certificando sua ascendência pura ariana. Após a guerra, de acordo com um dos interrogadores de Göring, John E. Dolibois, Göring estava orgulhoso de sua ação em ajudar o meio-judeu Milch a permanecer na Luftwaffe. Milch acabou se tornando o Marechal de Campo que conduziu a Luftwaffe em termos de planejamento, produção e estratégia. A filha de Milch era casada com um general da SS.

 
Um grande número de antigos Mischlings alcançou altos postos nas forças armadas: 2 marechais de campo, 15 generais, 8 generais de Corpo e 5 generais de divisão. Antigos Mischlings foram membros do partido nazista – 4 eram judeus, 15 meio-judeus e 7 um quarto judeus.

Dos estimados 150.000 Mischlings, meio-judeus e um quarto judeus, nas forças armadas, a maioria jamais alcançou os postos de oficiais.

O soldado da Wehrmacht Joachim Lowen contou sua estória. “Meu próprio irmão (Heinz) foi à Gestapo e afirmou que minha mãe era uma vagabunda e tinha sido uma prostituta. A Gestapo revisou nosso caso e nos declarou de sangue alemão (Deutschblutig).” Mamãe ficou arrasada – Heinz morreu no front russo, ele era primeiro-sargento (oberscharfürher) da Waffen-SS.

Mesmo assim, alguns Mischlings e suas famílias se recusaram a abandonar suas raízes, porém foram abandonados pelo mundo judeu. Das muitas ironias da vida na existência de 12 anos da Alemanha  Nazista e até no período pré-nazista, as atitudes dos judeus em relação ao Mischlings foram igualmente confusas. O historiador Brian Mark Rigg em seu livro As Crianças de Hitler entrevistou 1.671 Mischlings, 60% eram judeus halachá+. Ele comentou sobre eles e quem tinha identificação com o judaísmo:

Meio-judeus com pais judeus eram mais propensos a sentir uma conexão com o judaísmo do que aqueles com mães judias, que pelo Halachá eram judeus. Este fato mostra que o Halachá estava fora de sincronia em muitos aspectos com a realidade social – ou seja, que as convicções religiosas do pai influenciavam a educação da criança mais do que a da mãe. Talvez isto acontecesse por causa da natureza patriarcal da maioria dos lares alemães. Isto foi corroborado pelo fato de que a maioria neste estudo que foi circuncidada tinha pais judeus.

O tradicionalismo judaico franzia a testa em relação ao casamento interracial.

Helmut Kopp lembrou como, em algumas ocasiões em que viu seu avô nos anos 1920, Louis Kaulbars, bateu nele com um chicote e o chamou de gói (não-judeu ou gentio). Apesar de ter uma mãe judia, seu avô não o considerava judeu. Um dia, sua avó reclamou deste tratamento, dizendo ao seu marido, “Ele é filho de nossa Helena!” O avô replicou, “Não, ele é filho do gói Wilhelm!” Kopp disse em 1995, “Minha alma estava destruída.” A mãe morreu em 1925, e ele foi viver com seus tios judeus. Ele foi educado em uma escola ortodoxa e teve o bris milá++. Ele entrou na Wehrmacht em 1941.

Como os recursos para ajudar os judeus na Alemanha se tornaram restritos, as respostas judias tornaram-se também distorcidas.

Quando a jovem Hannah Klewansky procurou a Gestapo na manhã seguinte à Kristallnacht para saber onde estava seu pai, um funcionário informou que o Centro da Comunidade Judaica estava processando esses pedidos. Ela foi lá e enfrentou uma longa fila de pessoas ansiosas procurando seus familiares e amigos. Quando chegou sua vez, o secretário judeu pegou o arquivo de sua família. “Seu pai é cristão?,” perguntou o funcionário. Ela disse que ele era convertido ao judaísmo. Então, o funcionário perguntou se ela era judia. Ela então respondeu que sua mãe não era judia e ela tinha sido educada como cristã. O secretário mandou Hannah embora dizendo, “Não fazemos nada por gente do seu tipo.” Ela voltou à Gestapo, foi conduzida a uma sala e estuprada por dois membros da polícia política.

Após a guerra, os Mischlings voltaram para casa. Todos eles, assim como a população em geral da Alemanha e da Europa, afirmaram não saber nada do Holocausto. Muitos dos Mischlings conheciam boatos e estórias. Eles deveriam saber alguma coisa, enquanto suas famílias eram exterminadas. De maneira uniforme, eles escolheram ignorar o fato. Nenhum admitiu estar envolvido em atrocidades contra os judeus, mas alguns Mischlings de altas patentes estavam cientes dos crimes e mesmo ajudaram administrativamente na logística do processo.

Os Mischlings tentaram aprender sobre sua ancestralidade judaica. Alguns lutaram por Israel na Guerra da Independência. Alguns converteram-se, muitos visitaram Israel. O filho do meio-judeu Werner Eisner, Michael, não somente emigrou para Israel como também serviu no exército israelense. O Mischling Hanns Rehfeld disse a Riggs:

Tenho sido discriminado em minha vida por três coisas que estavam fora do meu controle. Primeiro, meus parentes judeus me discriminaram por ter uma mãe cristã. Segundo, os alemães me discriminaram por ter um pai judeu. E, depois da guerra, fui discriminado por ser alemão.

O legado e o pensamento nazista ainda continuam a influenciar a visão de alguns Mischlings sobre os judeus. Walter Schonewald disse, “o judaísmo é apenas uma religião, o resto é Hitler, todo o resto é racismo.” Schonewald afirmou que Israel tem suas próprias leis raciais nos tribunais rabínicos que previnem casamentos de judeus com não-judeus e não reconhecem os movimentos reformistas ou conservadores.

Riggs nota que alguns judeus ortodoxos receberam bem as Leis de Nuremberg, já que elas preveniam o casamento interracial e a assimilação.

Em virtude de suas experiências com alguns judeus ortodoxos, muitos Mischlings culpam os judeus pelo antissemitismo. O um quarto judeu Fritz Binder afirmou que os judeus ortodoxos , ao sustentar que eles são os escolhidos, que seu estilo de vida é o melhor, tornaram-se parecidos com os nazistas. O meio-judeu Bergmann disse, “O fato de que os ortodoxos rezam todos os dias agradecendo a Deus por não tê-los tornado gentios é revoltante.” O um quarto judeu Horst Von Oppenfeld, descendente da família judia Oppenheim, que foi capitão da Wehrmacht e ajudante do coronel Stauffenberg disse que os judeus enfrentam muitos problemas por não se assimilarem. “O problema é que eles querem ser diferentes. Assim, muitos Mischlings evitam contatos com eles,” disse ele.    


Notas:

* Leis de segregação racial não foram criadas pelos nazistas, como muita gente supõe. Nos EUA, medidas de segregação racial foram tomadas logo após a Guerra Civil, ainda no século XIX. Em 1913, o presidente Woodrow Wilson (o mesmo que colocou os EUA na Primeira Guerra Mundial), decretou a segregação no serviço público federal. Os nazistas copiaram essas leis e as aplicaram aos judeus, já que estes eram o grupo minoritário de maior importância. As leis de segregação racial nos EUA só acabaram em 1964.

** Rehoboth é uma cidade da Namíbia, fundada por um missionário alemão em 1845 e habitada por mestiços de colonizadores holandeses e mães africanas a partir de 1870.

*** ver artigo “A Cruz de Ferro”


+ Halachá é o nome do conjunto de leis da religião judaica, incluindo os 613 mandamentos que constam na Torá e os posteriores mandamentos rabínicos e talmúdicos relacionados aos costumes e tradições, servindo como guia do modo de viver judaico.

++ Bris milá é o nome dado à cerimônia religiosa dentro do judaísmo na qual o prepúcio dos recém-nascidos é cortado ao oitavo dia como símbolo da aliança entre Deus e o povo de Israel.

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