Haaretz,
23/12/2013
Como muitos sobreviventes do Holocausto, sempre me senti desconfortável sobre o modo como a memória do Holocausto foi construída. O mito do Levante do Gueto de Varsóvia é um exemplo excelente.
O
Levante do Gueto de Varsóvia – o nome bonito é enganador. Os judeus do gueto de
Varsóvia nunca se revoltaram. No verão de 1942, cerca de 300.000 judeus do
gueto foram enviados a Treblinka e assassinados. Cerca de 50.000 pessoas foram
deixadas no gueto; eles foram poupados na época porque eles eram pessoas
qualificadas que trabalhavam nas fábricas alemãs tanto dentro quanto fora do
gueto. Estas pessoas nunca pensaram em se revoltar, elas pensavam em
sobreviver.
Somente
um pequeno grupo de jovens rebelou-se, cujo tamanho e esforços foram
inflacionados a proporções míticas em Israel após o Estado ser criado em 1948. Mais
importante, o levante, que começou em 19 de abril de 1943, contradisse a
estratégia de sobrevivência das massas de judeus que permaneceram no gueto.
A
ideia da revolta e uso de armas se encaixava com o caráter da comunidade
judaica na Palestina e com o da jovem nação. Ele foi exagerado por ativistas do
movimento trabalhista – o partido Ahdut Ha'avoda
e seu movimento afiliado do kibutz – que também reivindicou o levante enquanto
repremia a memória de outros movimentos que fizeram parte, como os Bundistas*,
comunistas e revisionistas de extrema direita.
Em
virtude da pressão desta parte do movimento trabalhista, o dia da memória para
a destruição da judiaria europeia foi chamado de Dia da Lembrança do Holocausto
e do Heroísmo, como se houvesse qualquer comparação entre as duas partes da
frase. O Ahdut Ha'avoda atacou David Bem Gurion e Mapai – outro precursor do
Partido Trabalhista – e acenou sua bandeira de ativismo militar: em Israel o
Palmach, no Holocausto os guerrilheiros do gueto.
O
levante também foi aumentado por uma indefinição de números: o número de baixas
alemãs, o número de guerrilheiros do gueto e a extensão do levante. Nos
primeiros trabalhos após o Holocausto, escritores falavam em centenas de
alemães mortos. Mas os relatórios diários enviados pelo comandante que destruiu
i gueto mais tarde foram revelados. Baseados nestes relatórios do General da SS
Jurgen Stroop, o qual ninguém questiona, 16 alemães foram mortos no combate.
Após estes relatórios serem revelados, os textos originais do levante foram
arquivados e nunca mais mencionados.
O
segundo número obscuro é a quantidade de pessoas que participou do levante, no
qual duas organizações de controle participaram. Uma era a Organização Judaica
de Combate (ZOB), de esquerda, que incluía grupos de movimentos com ligações
socialistas e comunistas, tanto sionistas quanto não-sionistas. A segunda
consistia de pessoas do Beitar de direita, que operava dentro da União Militar
Judaica (ZWW).
Yitzhak
(Antek) Zuckerman (Icchak Cukierman) foi um líder
ZOB e uma figura central na construção da imagem do levante em Israel após a
guerra. Ele afirmava que cerca de 500 guerrilheiros tomaram parte na revolta.
Outro participante no levante, Stefan Grayek, colocou o número em 700.
Entre
os historiadores, o professor Yehuda Bauer da Universidade Hebraica de
Jerusalém conclui (sem dar detalhes) que havia algo entre 750 e 1.000
guerrilheiros, enquanto o professor Israel Gutman, que participou do levante e
escreveu um livro após fazer uma pesquisa independente, colocou o número em
somente 350. Nenhum destes números – exceto o de Bauer – inclui os
guerrilheiros das organizações de extrema direita dos quais nenhum sobrevivente
ficou vivo para testemunhar e cuja contribuição permaneceu em silêncio por
muitos anos.
O
testemunho mais confiável em muitos pontos sobre o levante, incluindo o número
de participantes, foi dado por um de seus líderes, Mark Edelman. Ele, um
bundista, permaneceu na Polônia após a guerra e portanto tornou-se um intocável
à medida que as instituições que organizaram a lembrança em Israel estavam
preocupadas.
Edelman
colocou o número de guerrilheiros ZOB em cerca de 220. Quando perguntado em que
base ele apresentava este número, ele respondia: “Eu estava lá e conhecia todo
mundo. Não é difícil esquecer de 220 pessoas.” Quanto à diferença entre este
número e o de Zuckerman, Edelman disse: “Antek tinha motivos políticos e eu
não.”
Assumindo
que o número de combatentes na organização de extrema direita – para a qual não
há números claros – fosse menor, é razoável pensar que o número total de
participantes na revolta era menor do que 400, em relação às quase 50.000
pessoas que moravam no gueto.
Apenas dois dias de Combate duro
Os
números da extensão do combate real também foram inflacionados. Gutman acredita
que o levante durou um mês. Mas segundo os relatórios de Stroop, assim como o
testemunho dos líderes do levante, mostram que as batalhas reais aconteceram em
somente dois dias. Isto porque os planos de combate do ZOB nunca foram conduzidos
em sua totalidade. Seu objetivo era tomar posições nas janelas, atirar e lançar
granadas e então assumir novas posições.
No
início da revolta em 19 de abril, os alemães foram pegos de surpresa pela
resistência armada e se retiraram do gueto. Mas após se reorganizarem, eles não
tinham a intenção de perseguir os judeus de casa em casa, ao invés disso eles
decidiram destruir o gueto inteiro e colocá-lo em chamas.
Os
membros do ZOB que achavam que o destino dos judeus no gueto já estava decidido
– morrer – planejaram lutar e morrer com as granadas em suas mãos. Mas eles
acabaram se escondendo e tentando uma fuga da destruição pelas chamas. No
final, eles foram obrigados a fugir e seguir com os moradores do gueto, em
oposição aos seus planos originais.
Zivia
Lubetkin, uma líder da revolta, escreveu sobre isso assim: “Estávamos todos
desamparados, chocados pelo constrangimento. Todos os nossos planos estavam
arruinados. Sonhamos com uma última batalha na qual sabíamos que seríamos
destruídos pelo inimigo, mas eles pagariam o preço com sangue. Todos os nossos
planos estavam arruinados e sem outra ideia em debate a decisão foi tomada:
Deixaríamos o lugar. Não era mais possível lutar.”
Zuckerman
escreveu: “Conhecíamos as saídas muito bem, todas as passagens pelos telhados.
Se a guerra tivesse continuado, sem lança-chamas, milhares de soldados teriam
sido enviados à batalha para nos derrotar.”
O
primeiro grupo de combatentes ZWW deixou o gueto em 20 de abril, o segundo dia
da revolta, através de tuneis preparados antecipadamente. Um segundo grupo foi
embora em 22 de abril e um último grupo em 26 de abril. A maioria, senão todos,
foram mortos quando foram descobertos no lado polonês.
Os
guerrilheiros ZOB, que não tinham intenções de deixar o gueto, não preparou
rotas de fuga. Somente graças aos túneis de esgoto e ajuda do lado polonês eles
puderam deixar o gueto. Em 28 de abril um primeiro grupo abandonou o local. Em
8 de maio, Mordechai Anielewicz , o comandante do ZOB, suicidou-se após seu
esconderijo ser descoberto.Em 9 de maio, os sobreviventes do ZOB deixaram o
gueto. Todos disseram, cerca de 100 guerrilheiros ZOB escaparam.
Em
poucos dias, as duas organizações militares deixaram (ou fugiram) o gueto
bombardeado e em chamas e seus 50.000 habitantes, deixando os residentes para
sofrer a terrível vingança dos alemães. Acredita-se que os alemães mataram
10.000 moradores; eles enviaram o resto para campos próximo a Lublin.
Arruinando uma estratégia de
sobrevivência
O
levante interferiu, assim, na estratégia de sobrevivência das massas de judeus
no gueto. Para entender isto, devemos primeiro compreender a mudança na
situação entre os transportes em massa em 1942, quando a vasta maioria dos
judeus na Polônia foi exterminada em um curto período de tempo, e a situação em
1943.
Nesta
época aconteceu a reviravolta na Segunda Guerra Mundial. Em novembro de 1942,
os russos romperam as linhas em Stalingrado e no início de fevereiro de 1943,
todo o Sexto Exército alemão se rendeu. Simultaneamente, os alemães foram
derrotados em El Alamein no deserto egípcio, e os Aliados desembaraçaram na
África do Norte francesa.
Estes
acontecimentos trouxeram esperança de uma derrota relativamente rápida da
Alemanha. Mesmo as esperanças dos judeus foram impulsionadas. Se eles pudessem
de alguma forma aguentar mais um dia, talvez pudessem ser salvos.
Houve
até mesmo uma mudança na política alemã em relação aos judeus. A destruição de
todos eles ainda era uma alta prioridade, mas a urgência diminuiu um pouco após
a maior parte do objetivo ter sido alcançada e à urgência das necessidades
econômicas. Os alemães precisavam de trabalhadores para suas fábricas após a
força de trabalho alemã ser direcionada para os campos de batalha. Mão de obra
escrava foi usada por toda a Europa.
Os
50.000 judeus que permaneceram no Gueto de Varsóvia após os transportes de 1942
tinham sobrevivido, assim como em outros guetos na Polônia ocupada,
principalmente porque eles trabalhavam em fábricas para a Alemanha. Muitas
destas fábricas eram de propriedade e administradas por alemães, que negociavam
com as autoridades e com a SS para manter seus trabalhadores.
À
luz de tudo isso, a crença dos judeus cresceu ao ponto de acreditar que eles
poderiam sobreviver. Eles tinham duas péssimas opções: fugir do gueto para o
lado hostil polonês ou continuar trabalhando nas fábricas alemãs. Ambas as
opções significavam viver dia após dia na esperança de que a guerra terminasse
o mais rápido possível.
No
final da guerra, centenas de milhares de judeus sobreviveram na Polônia e
Alemanha. Em Varsóvia somente o número de sobreviventes é estimado em 25.000. A
morte em combate, como os guerrilheiros do gueto planejavam, não batia com as
intenções da vasta maioria dos judeus sobreviventes.
Muitos
historiadores do Holocausto e do levante vieram de um campo político usado para
objetivos políticos. Sua influência no museu do Holocausto Yad Vashem era
grande. Eles escreveram nossa história e moldaram nossas lembranças do
Holocausto.
Sua
influência em seus estudantes e seguidores ainda hoje é grandemente sentida.
Assim, a questão que nunca foi levantada: Com que direito um pequeno grupo de
pessoas decidiu pelo destino dos 50.000 judeus do Gueto de Varsóvia?
Nota:
* Bundismo é um movimento judeu socialista e secular que se originou da Liga Trabalhista Judaica fundada no Império Russo em 1897. O termo vem de Bund (“liga” ou “União” em alemão).
Um comentário:
Podemos ler nas entrelinhas que nem os judeus sabem direito o que aconteceu, mas para culpar os alemães são rápidos, dogmáticos e qualquer contestação é rotulado de antissemitismo.
"Apenas dois dias de combates duros." Achou pouco?! Haviam batalhas entre exércitos que não duravam tanto.
Abraços, Cobalto
Postar um comentário