domingo, 29 de dezembro de 2013

As Razões da Guerra dos Cem Anos

Xavier Hélary

História Viva, Ano VII nº 79

 
Tradicionalmente, a Guerra dos Cem Anos começou em 1337, quando o rei da Inglaterra reivindicou a Coroa da França, e terminou em 1453, ano em que os ingleses foram definitivamente expulsos do território francês. O embate, no entanto, começou muito antes, mais exatamente em 1066.

Em 14 de outubro daquele ano, Guilherme, o Conquistador (1066 – 1087), arrasou o exército anglo-saxão em Hastings e se tornou o rei da Inglaterra. Guilherme era duque da Normandia, região situada no noroeste da França, e com a anexação do novo território ele fundou um poderoso Estado dos dois lados do canal da Mancha.

Apesar do intercâmbio cultural, França e Inglaterra não eram iguais no plano político. Como duques da Normandia, os reis ingleses eram vassalos do soberano francês e deviam lhe prestar homenagem.

O equilíbrio de poder entre os dois reinos começou a mudar quando a dinastia fundada por Guilherme, o Conquistador, chegou ao fim, em 1135. Naquele ano, o último filho do líder normando, Henrique I Beauclerc, morreu sem deixar herdeiros homens. A crise de sucessão levou ao poder o neto de Henrique I, que assumiu o trono em 1153 com o nome de Henrique II e se tornou o primeiro rei de uma nova dinastia, a dos Plantagenetas.

Quando Henrique II finalmente faleceu, em 1189, seu filho Ricardo ficou com toda a herança: sua ousadia lhe valeu o apelido de Coração de Leão. Em 1199, porém, Ricardo morreu e foi sucedido pelo irmão, João sem Terra. Aproveitando-se da fraqueza de João e das prerrogativas que o direito feudal lhe conferia, Felipe Augusto, sucessor do rei francês Luis VII, confiscou os domínios continentais do rei da Inglaterra entre 1204 e 1206.

Os direitos da França sobre os antigos domínios de Henrique II foram oficializados em 1259, quando o rei Henrique III assinou o Tratado de Paris com o rei Luis IX, reconhecendo as anexações de terra promovidas por Felipe Augusto. O monarca inglês conservou apenas o ducado de Aquitânia em território francês.

O acordo assinado em 1259 inaugurou um período de 35 anos de paz entre os dois reinos, mas as hostilidades foram retomadas em 1294. Naquele ano, o rei francês Felipe, o Belo, confiscou o ducado da Aquitânia sob o pretexto de resolver rixas entre marinheiros locais e de La Rochelle.

Em 1303, a paz foi restabelecida entre os dois reinos, e ficou acertado que a filha do rei francês, Isabelle, se casaria com o filho mais velho do rei da Inglaterra, o futuro Eduardo II.

Nenhum dos dois lados imaginava que os dois reinos em breve entrariam em uma guerra interminável. A causa imediata do conflito foi puramente conjuntural: um a um, os três filhos de Felipe, o Belo – Luis X, Felipe V e Carlos IV -, morreram prematuramente. Nenhum deles deixou filhos homens, o que era uma situação inédita desde que Hugo Capeto fundara a dinastia que governava a França desde 987.

Os barões da França, reunidos após a morte de Carlos IV, se decidiram por Felipe, primo germano dos três filhos de Felipe, o Belo, e filho de Carlos de Valois, único irmão germano do monarca francês.

Segundo as crônicas tradicionais, o estopim da guerra foi aceso por um nobre francês de sangue real chamado Roberto de Atois. Preterido por Felipe de Valois na disputa pelo condado de Artois, Roberto se exilou na corte de Eduardo III, onde teria incitado o rei inglês a atacar a França.

A responsabilidade imputada a Roberto de Artois, porém, foi um tanto exagerada. Os negócios entre a Inglaterra e o condado de Flandres tiveram um papel muito mais importante. As poderosas cidades flamengas, com seus ricos burgueses e tecelões, queriam autonomia política em relação à França. Elas reclamavam de ter de se submeter à autoridade dos agentes do conde dde Flandres, um homem próximo de Felipe de Valois. Como dependiam da lã inglesa, os flamengos estavam naturalmente dispostos a buscar a ajuda de Eduardo III.

O apoio inglês às reivindicações dos comerciantes flamengos foi visto por Felipe de Valois como um ato de traição de um de seus vassalos, o rei Eduardo III. Sob o pretexto de punir um súdito real, Felipe decretou o confisco do ducado da Aquitânia em 1337. Eduardo respondeu, então, reivindicando o trono francês, já que era mais próximo dos últimos reis da dinastia capetíngea que Felipe de Valois.

No dia 1º de novembro de 1337, um enviado do rei da Inglaterra comunicou a Felipe de Valois o desafio lançado por Eduardo III. Era o início da Guerra dos Cem Anos.

Oficialmente, o confronto durou 116 anos, mas a rivalidade entre França e Inglaterra estava longe de ser superada no fim do século XV. Os ingleses continuaram a ser os “inimigos hereditários” dos franceses pelo menos até 1904, quando os dois países se uniram pela primeira vez, na chamada “Entente Cordiale”, contra a Alemanha.

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