Biologia, herança e melhoramento das
futuras gerações fascinaram os nazistas ao ponto do estabelecimento de uma
política. A busca da higiene racial, a luta contra os comportamentos
antissociais e contra os indivíduos e raças “deficientes biológicos” eram o
cerne da visão de mundo nacional socialista e encontraram suas bases nos
códigos penais e nos tribunais do Reich. Aqueles que sofriam de doenças
hereditárias, judeus, ciganos, deficientes físicos e antissociais tinham um
defeito biológico segundo os olhos dos nazistas, e, portanto, foram
perseguidos. Mas a biologia influenciou a política nazista em relação às
drogas, viciados e crimes de narcotráfico?
Apesar de ser costume hoje em dia
chamar o tabagismo e o álcool de “drogas”, fazer isso na Alemanha nos anos 1930
não seria menos do que um anacronismo. Muitos alemães distinguiam entre drogas
(Rauschgifte ou Betäubungsmitteln), tabaco e álcool e assim também o fazia a lei. O regime
nacional socialista tornou as coisas ainda mais claras, diferenciando viciados
de alcoólatras extremos. Os últimos foram esterilizados, ainda que em pequeno
número.
Antes da Primeira Guerra Mundial, a
Alemanha possuía um monopólio virtual das drogas manufaturadas, ou aqueles fármacos
que exigem conhecimento químico e capacidade industrial para produzir. A
morfina, um alcaloide encontrado no ópio, o qual é melhor conhecido por seu
efeito analgésico, foi o produto principal da indústria farmacêutica alemã. O
alcaloide foi isolado primeiramente por um químico alemão na primeira década do
século XIX, e foi logo patenteado pela Merck em Darmstadt. Outras drogas,
especialmente os opiáceos (narcóticos) também tinham origem alemã. Apesar de um
químico britânico ter originalmente sintetizado a diacetilmorfina em 1874, a
droga não impactou o mercado mundial até quando foi redescoberta e produzida em
massa pela Bayer em Leverkusen em 1898.
Tanto a morfina quanto a heroína eram
consumidas na Alemanha durante os anos de Weimar e do Terceiro Reich, apesar de
que a morfina era muito mais popular do que o seu primo mais potente, talvez
explicando a decisão da Merckel de encerrar seu programa de diacetilmorfina. O
número de viciados na Alemanha é difícil de saber. Como muitas estatísticas de
drogas, os números relatados de viciados são meros chutes ao invés de números
confiáveis, principalmente porque é quase impossível diferenciar viciados de
usuários.
O funcionário governamental superior (Oberregierungsrat)
Erich Hesse, um alto funcionário no Departamento de Saúde do Reich nos anos
1930 e 1940, relatou que de 1913 até 1922 houve um aumento de viciados em
opiáceo (isto é, morfina e heroína) na Prússia, de 282 para 682; o número de
viciados aumentou com o surgimento de soldados feridos no campo de batalha, e
em 1928, havia 6.356 viciados em morfina na Alemanha, dos quais 560 eram
médicos. Em 1931, Hesse relatou que a taxa de vício na Alemanha era
significativamente mais baixa, com 0,3 viciado por 10.000 homens e 0,1 viciado
por 10.000 mulheres, produzindo um resultado aproximado de 1.200 viciados na
Alemanha. Os caminhos misteriosos das estatísticas e estimativas de drogas não
podem ser explicados, mas certamente estes números são somente tão úteis quanto
as impressões de qualquer leigo.
A única informação significativa que
poderia ser coletada do estudo de Hesse é que pelo final da terceira década do
século XX, um em cada cem médicos era identificado como um viciado. As
autoridades sabiam que médicos e farmacêuticos, os profissionais com maior acessos
às drogas, eram o ponto fraco da política de controle de drogas do Reich. Para
corrigir a situação, regulamentos restritivos foram impostos a médicos e
comerciantes farmacêuticos, como vendedores e farmacistas; mas o governo foi
cuidadoso para não antagonizar esses dois grupos, procurando incluí-los nos
esforços de controle, ao invés de levá-los à ilegalidade. Em 10 de outubro de
1937, o juiz Dr. Baier de Berlim, afirmou que era mais fácil para um médico
viciado prescrever narcóticos para pacientes do que para médicos não-viciados. A
polícia, compartilhando este sentimento, agiu de acordo e apertou seu controle
sobre os médicos. Um estudo diferente conduzido pelo Dr. Kurt Pohlisch, um
psiquiatra na Universidade Bonn e um participante ativo na esterilização de
pacientes que sofriam de doenças hereditárias, afirmou que o número de viciados
em opiáceos na Alemanha que consumiam mais do que 0,1 grama de morfina por dia
era exatamente 3.500; destes, somente 237 consumiam mais do que um grama e
cerca de um terço consumia em média 0,2 grama por dia. Como poderia se esperar,
Berlim era a principal fonte de vício com 1,91 viciados em cada 10.000 pessoas.
Apesar da óbvia discrepância entre estes estudos, as autoridades alemãs
consideraram as estimativas de Pohlisch confiáveis e continuaram a usá-las até
pelo menos 1937.
Diferentemente das estimativas
anteriores de Hesse e Pohlisch, o delegado (Kriminalkommissar) Werner Thomas, chefe da unidade antinarcotráfico alemã
dentro do Departamento de Polícia Criminal do Reich, relatou que o vício em
morfina estava crescendo e que havia cerca de 1.500 viciados em morfina
registrados em 1932. Somente quatro anos separam o estudo de Hesse das
atividades policiais de Thomas, sugerindo o tipo de mágica estatística usada
para determinar os números do vício. Em 1942, o delegado Erwin Kosmehl,
sucessor de Thomas, relatou que havia 2.384 viciados registrados em morfina na
Alemanha. Em comparação, o delegado Harry Anslinger do Escritório Federal
Americano de Narcóticos relatou em 1931 que havia algo entre 120.000 e 140.000
viciados nos Estados Unidos. Outros eram ainda mais liberais, afirmando que no
final dos anos 1920, os Estados Unidos tinham algo entre um quarto e um milhão
de viciados. A população dos Estados Unidos na época era cerca de 122 milhões;
portanto, se levarmos em conta as estimativas conservadoras de Anslinger, a
taxa de vício era cerca de 1,4 viciados por 1.000 habitantes. Na Alemanha, se
considerarmos as estimativas generosas de Hesse, a taxa de vício era 0,09 por
1.000 habitantes. Se confiarmos em tais números, a Alemanha aparentemente tinha
um problema de opiáceo menor do que os Estados Unidos.
A noção de que tropas que retornavam do
front constituíam a maior parte dos viciados na Alemanha foi reforçada por um
estudo conduzido pelo Ministério do Trabalho do Reich em 1931 descrevendo,
entre outras coisas, o tratamento dos soldados viciados. Apesar da asserção de
que usuários podem consumir drogas por anos sem tornarem-se viciados, o
paradigma era claro: guerras criam viciados em drogas, tanto por causa dos
soldados feridos que recebem tratamento com opiáceos quanto pela baixa moral. A
primeira possibilidade, e não a última, foi explorada no relatório, com o
objetivo de encontrar uma cura, ao invés de encontrar os viciados para
colocá-los na prisão. Em 14 de outubro de 1942, o Dr. Leonard Conti, o líder
dos médicos no Reich, declarou que a Alemanha não tinha o problema de drogas,
mas que ela deveria se preparar para isso após o fim da guerra. Conti atribuiu
os sucessos do regime nazista no combate ao fenômeno do vício em drogas após a
Primeira Guerra Mundial a várias leis antidrogas que foram promulgadas e às
várias medidas de bem estar dos trabalhadores. Ele esqueceu de mencionar,
contudo, que a principal lei antidrogas, a
Opiumgesetz foi criada em 1929, quatro anos antes dos nazistas
assumirem o poder. Seu alerta era claro; o medo de uma onda de soldados
“doidões” viciados voltando das trincheiras de uma nova guerra mundial, mas
esta nova onda nunca chegou. O uso de drogas na Alemanha permaneceu baixo até o
final dos anos 1960.
Nem todas as drogas na Alemanha eram
opiáceos. A cocaína, talvez a segunda droga mais popular nos anos Weimar,
também tinha origens alemãs, ou pelo menos raízes no mundo de língua alemã.
Isolada originalmente por químicos alemães a partir das folhas de coca, a
cocaína foi popularizada por dois médicos vienenses de origem judaica.
Provavelmente, o mais influente dos dois na época era o Dr. Karl Koller, um
oftamologista que emigrou para os Estados Unidos em 1888 e introduziu a cocaína
como anestésico local na cirurgia do olho em setembro de 1884. O segundo foi o
Dr. Sigmund Freud, que publicou seu ensaio “Sobre a Coca” em julho de 1884. Os
dois médicos incitaram a imaginação de muitos médicos tanto na Alemanha quanto
no exterior, ajudando a popularizar a droga. Apesar dos cuidados com a
indicação da droga, logo ela começou a ser receitada por médicos universitários
nos Estados Unidos. A partir daí, o caminho para banir a droga foi aberto. O
entusiasmo alemão pela droga continuou até os anos 1890, quando uma série de
publicações manchou a reputação da droga. Alguns enalteciam a cocaína, outros a
amaldiçoavam e o governo não se via capaz de salvar a regulação da utilidade de
todas as drogas. O consumo de cocaína só disparou após a Primeira Guerra
Mundial, à medida que os estoques militares foram lançados no mercado civil,
apesar de algumas vezes estar diluída em ácido bórico, novocaína e outros
substitutos. De acordo com uma estimativa, “o uso de cocaína em hospitais
universitários aumentou de uma média de 1,75% para 10% em 1921.” Nos anos após
a guerra, os usuários queriam recreação e algumas vezes adquiriam drogas de
vendedores ilegais.
Com a imagem popular de cabarés, e
festas boêmias agitadas, Berlim era conhecida como a cidade do pó. Os
traficantes de cocaína infestavam os lugares mais conhecidos da cidade, do
Zoológico à Postdamerplatz em Wittenbergplatz. De fato, o delegado Ernst
Engelbrecht de Berlim afirmou em 1924 que a cocaína tornou-se mais popular
entre as mulheres e os homossexuais masculinos. Para ele, a cocaína não era o
problema; ela havia se tornado uma epidemia. Mesmo assim, de acordo com
estimativas da época, a cidade de Karlsruhe reinava suprema como o centro para
o consumo de cocaína com 1,44 gramas por 1.000 habitantes, enquanto Berlim
permanecia em segundo lugar com um grama por 1.000 habitantes, que não é um
consumo particularmente alto.
Nada dura para sempre. À medida que o
governo republicano ganhou força a partir do seu nascimento revolucionário, a
lei e a ordem foram restaurados gradativamente por toda a Alemanha. Regulações
em relação à estocagem de cocaína e à venda da droga segundo a legislação de
1921, e apesar de alguns debates para separar a cocaína dos opiáceos, ela foi incluída
nos controles restritivos impostos às farmácias. Após 1924, a venda da cocaína
em pó foi proibida nas farmácias. Foi estimado que o consumo de cocaína atingiu
seu pico em 1927, e rapidamente caiu em seguida. Em 29 de dezembro de 1932,
apenas um mês antes da tomada de poder pelos nazistas, o chefe do Departamento
de Saúde do Reich no Ministério do Interior escreveu, “Para o conhecimento do
Departamento de Saúde do Reich, não há comércio ilegal de drogas (nem opiáceos
nem cocaína) em Berlim em uma quantidade considerável que possa colocar em
risco a saúde pública. As circunstâncias em relação a isto mudaram
completamente nos últimos anos.”
Apesar das afirmações de uma “epidemia
de cocaína” em Berlim, o número de viciados deve ter sido baixo. Desde que
números para este período são raros de se conseguir, podemos somente deduzir a
taxa de consumo obtida da informação coligida após a chegada dos nazistas ao
poder. Em 10 de outubro de 1937, o delegado Thomas relatou em um discurso feito
em Stettin que havia 300 viciados em cocaína registrados na Alemanha; seu
número não havia crescido desde 1932. A afirmação de Thomas recebeu alguns
reforços da opinião do delegado Kosmehl que até 1942, havia somente 465 casos
conhecidos de vício. Considerando que massas de viciados em drogas não
desaparecem nem foram miraculosamente curadas destro de um período de apenas
cinco anos, podemos concluir que apesar da onda de cocaína nos meados dos anos
1920, o vício permaneceu baixo. Se houvesse um programa governamental que sumisse
com ou curasse os viciados, ele não passaria despercebido.
Nem todas as drogas populares na
Alemanha tinham origens alemãs. O Dr. Nagayoshi Nagai, um químico japonês,
sintetizou primeiramente a metamfetamina em 1888 e publicou suas descobertas em
1893; em 1940, havia 24 tipos de metamfetaminas disponíveis no mercado
asiático. A companhia alemã Temmler-Werke em Berlim produziu esta droga pela
primeira vez em 1938, e garantiu seu domínio no mercado internacional através
da patente da droga na Grã-Bretanha, França e Alemanha sob o nome de “pervitin”
(fenilmetilaminopropano). Em 1942, Kosmehl notou que havia 84 viciados em
pervitin nos registros policiais. A Alemanha nazista foi provavelmente o
primeiro país do mundo a regular a metamfetamina, mas nunca a baniu. As tropas,
especialmente pilotos e tripulações de tanques, recebiam a droga sob várias
formas para melhorar seu desempenho sob condições de pressão. À medida que a
guerra tornou-se mais violenta, as autoridades alemãs perceberam os perigos da
droga e impuseram mais controles. Um debate seguiu-se entre os especialistas em
relação aos efeitos do pervitin e, em 25 de outubro de 1941, o serviço médico
da Luftwaffe estabeleceu que o pervitin estivesse entre as drogas “mantidas sob
extrema vigilância.” A droga, entretanto, continuou sendo usada pelos pilotos e
tropas terrestres antes de missões perigosas.
Os historiadores frequentemente afirmam
que os nazistas conduziam experimentos em prisioneiros com drogas ilegais. Isto
é um anacronismo, já que o pervitin era legal na época. O crime não foi o uso
de drogas ilegais nos experimentos, mas experimentá-las em seres humanos sem o
seu consentimento, independentemente delas serem legais ou não. Os nazistas
fizeram experimentos com drogas, e mesmo obrigaram prisioneiros dos campos de
concentração a participar destes experimentos; contudo, as razões destes
experimentos dificilmente tinham a ver com a ideologia, e sim por motivos
forenses. A escolha das cobaias, os internos do campo, para experiências com o
pervitin era certamente guiada por ideias biológicas ou de higiene racial, mas
o objetivo da pesquisa não tinha nada a ver com a visão de mundo do nacional
socialismo.
As leis de fármacos alemãs eram
divididas em dois grupos: aquelas que governavam o tráfico de drogas e
comércio, e aquelas que governavam a prescrição de drogas. As primeiras eram
geralmente empregadas contra traficantes ou regulavam a distribuição comercial
legal, enquanto que as últimas eram empregadas contra usuários ou comércio
regulado. O consumo de qualquer droga era legal, mas a posse sem prescrição era
proibida. Isto explica por que quando o serviço de segurança nazista (SD)
prendeu um trabalhador búlgaro em Halle por tráfico de haxixe, ele foi acusado
de contrabando e não por outro motivo. Embora o uso de drogas nunca tenha sido
considerado um crime, a posse era e tinha um considerável peso no status legal
dos usuários de drogas e viciados no Terceiro Reich.
A regulação em relação à venda era
baseada nos antiquados procedimentos de prescrição emitidos em 1872, permitindo
que os farmacêuticos vendessem drogas em suas lojas por motivos médicos com
prescrição médica. O sistema legal não era de modo algum coerente, já que
certas drogas eram reguladas sob leis farmacêuticas, algumas eram reguladas sob
leis de tóxicos e outras ainda eram controladas pela lei pertencente ao
comércio de fármacos; mas ela continuou a funcionar até a Primeira Guerra
Mundial. Apesar de sua incoerência, o sistema funcionava. O país não tinha uma
epidemia de drogas. Farmacêuticos, ao invés de serem caçados pelas autoridades,
tornaram-se altamente profissionais e a indústria alemã prosperou.
Após a guerra, a Alemanha sofreu
inflação séria acompanhada de escassez de materiais, mas as companhias farmacêuticas
não tinham capacidade produtiva que absorvesse a demanda doméstica.
Consequentemente, o contrabando de drogas na Alemanha era um problema sério
durante os anos da República de Weimar. O representante britânico para o Comitê
de Consulta do Ópio, Sir Malcolm Delevigne, escreveu em 1926: “A Alemanha está
longe de ter controle na questão do tráfico ilícito de drogas; mas o uso de
rótulos forjados em uma escala maciça (muitos deles parecem provir de fontes
japonesas) dá ao governo e fabricantes alemães um meio de defesa.”
Durante o Império e a República que o
substituiu, as cortes alemãs somente podiam condenar os usuários de drogas e
viciados por estarem de posse de quantidades de drogas acima das quantidades
recomendadas por prescrição, falsificação ou roubo de receitas médicas ou
possuir drogas sem prescrições. Houve casos em que médicos foram condenados por
prescrever excesso de drogas para si mesmos e para pacientes, assim
prejudicando sua própria saúde e a de seus pacientes; porém, a droga permaneceu
legal. Nenhuma lei jamais foi aprovada proibindo o uso de qualquer droga na
Alemanha.
Entre 1919 e 1928, cinco leis
antidrogas e decretos foram aprovados. Em 1928, um guia para as leis de
narcóticos foi publicado na Alemanha por Louis Lewin e pelo jurista Wenzel
Goldbaum no qual eles diziam que o uso ilegal de drogas ou o mau uso de
receitas médicas conduziam à punição máxima de três anos na cadeia e uma multa.
Os dois insistia, contudo, que viciados eram doentes e não criminosos;
portanto, eles tinham a proteção do código penal, que lidava com a
culpabilidade criminal. Viciados, de acordo com Lewin e Goldbaum, não eram
responsáveis por suas ações enquanto estivessem sob a ação dos narcóticos e
poderiam receber tratamento ao invés de uma sentença de cadeia. Os juízes
frequentemente concordavam com esta posição, mas foram incapazes de obrigar o
tratamento e ficaram conhecidos por libertar criminosos despreparados para
enfrentar um tribunal. A proteção de bêbados e criminosos não-viciados existia
no Código Penal alemão desde a sua criação. Uma demanda por uma reforma penal
foi sentida na virada do século e tentativas foram feitas de dar aos juízes
melhores ferramentas jurídicas para lidar com tais casos. Tais reformas
falharam em serem implementadas nos anos da República de Weimar.
Em 20 de maio de 1933, Wilhelm Frick, o
Ministro do Interior nazista, enviou uma carta a Hitler clamando por uma
legislação para a segunda emenda da Lei do Ópio, em virtude da recente
descoberta de tráfico ilegal de benzilmorfina de Hamburgo para a Europa
Oriental. Frick notou que ele ordenaria à polícia para tratar do problema em
Hamburgo com severidade no sentido de mostrar ao mundo que não havia conexão
entre a indústria farmacêutica alemã com o contrabando ilegal de drogas.
Após a ascensão dos nazistas ao poder,
a Lei do Ópio recebeu dezesseis emendas, acrescentando novas drogas às listas
tanto por lei quanto por decreto. Os fundamentos da Lei de 1929 permaneceram e
nenhuma droga foi banida, ou seu uso restrito mais do que já era aceitável no
decreto de prescrição de 1930. Nenhuma das leis antidrogas ou emendas
carregavam qualquer traço da ideologia nazista. As políticas raciais falharam
em se infiltrar nas leis antidrogas, mas a retórica da higiene racial se
infiltrou na reforma do código penal, que influenciou a política de drogas no
Terceiro Reich.
Desde que não existe nada mais comum do
que viciados consumindo suas drogas preferenciais, é lógico que viciados foram
enviados a campos de concentração à vontade; mas não existem registros deste
fato. De fato, vício em drogas nunca foi relatado em qualquer campo de
concentração ou prisão. Apesar do fato de que a polícia recebeu carta branca
para se livrar dos viciados, ela se recusou a fazê-lo. Por quê? Uma resposta
poderia ser encontrada naquilo que pareceria ser um simples argumento
semântico. O uso de drogas nunca foi um crime na Alemanha; assim, os habituais
usuários, ou viciados, não eram criminosos. Portanto, eles não eram
considerados criminosos habituais e não poderiam ser enviados aos campos de
concentração.
A criação da unidade antidrogas do
Reich coincidiu com uma grande reforma burocrática nazista, centralizando a
autoridade policial em Berlim sob a responsabilidade de agências centrais
contra crimes específicos. Ao todo, eram onze unidades, mas somente uma tinha a
palavra “transgressão” (Vergehen) em seu nome, ao invés de crime (Verbrechen),
a agência central do Reich para combate da transgressão das drogas. Após um
atraso, a nova unidade foi oficialmente criada em 21 de novembro de 1935, com
dezenove estações de coleta de dados e 64 postos de inteligência, com mais dois
acrescentados durante a guerra. No quartel-general havia provavelmente onze
policiais e funcionários administrativos. A função da nova unidade era reunir
informações das várias estações policiais, manter um fichário de todos os
viciados e criminosos conhecidos, coordenar esforços contra o tráfico de drogas
(incluindo aí a troca de informações com outras policiais em vários países) e
garantir o cumprimento da lei do Ópio de 1929 e o Decreto das Prescrições de
1930. Mas, de fato, a unidade agia mais como um parasita nas delegacias da
polícia normal, extraindo informações de seus arquivos.
Gerhart Feuerstein, pertencente ao
grupo de combate às drogas, erroneamente disse em uma conferência que aconteceu
em Stettin em 10 de outubro de 1937 que a Lei das Medidas de Proteção e
Correção permitiam aos tribunais impor a hospitalização de viciados por até
três anos em um sanatório ou seis meses em um programa de reabilitação. De
fato, os tribunais poderiam enviar um viciado a um sanatório por tempo
indeterminado, dependendo de julgamento profissional, se o viciado estava
curado ou não. Entretanto, a maioria dos sanatórios liberava seus pacientes
após um tratamento de seis meses. O escritório do promotor público era
responsável por manter vigilância sobre o viciado se ele retornou ou não aos
velhos hábitos. Se a recaída aconteceu, não havia necessidade de uma ordem
judicial adicional. De acordo com os regulamentos do escritório do promotor
público, a vigilância era encerrada após cinco anos desde a última visita do
paciente ao sanatório, apesar de que o escritório encerrava em geral essa
atividade muito mais cedo. Estes sanatórios não eram apenas clínicas. Em
algumas alas, aqueles que não se ajustariam a uma vida normal eram exterminados
ou deixados para morrer de fome; mas
ainda está para ser provado que os viciados eram enviados para esses locais de
extermínio*.
Jonathan Lewy é professor do Centro Richard Koebner para História Alemã na Universidade Hebraica de Jerusalém.
Nota:
* Na falta de provas materiais,
assume-se que os nazistas matavam seus prisioneiros.
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