terça-feira, 24 de dezembro de 2013

[POL] A Política de Drogas do Terceiro Reich

Jonathan Lewy

 


Biologia, herança e melhoramento das futuras gerações fascinaram os nazistas ao ponto do estabelecimento de uma política. A busca da higiene racial, a luta contra os comportamentos antissociais e contra os indivíduos e raças “deficientes biológicos” eram o cerne da visão de mundo nacional socialista e encontraram suas bases nos códigos penais e nos tribunais do Reich. Aqueles que sofriam de doenças hereditárias, judeus, ciganos, deficientes físicos e antissociais tinham um defeito biológico segundo os olhos dos nazistas, e, portanto, foram perseguidos. Mas a biologia influenciou a política nazista em relação às drogas, viciados e crimes de narcotráfico?

Apesar de ser costume hoje em dia chamar o tabagismo e o álcool de “drogas”, fazer isso na Alemanha nos anos 1930 não seria menos do que um anacronismo. Muitos alemães distinguiam entre drogas (Rauschgifte ou Betäubungsmitteln), tabaco e álcool e assim também o fazia a lei. O regime nacional socialista tornou as coisas ainda mais claras, diferenciando viciados de alcoólatras extremos. Os últimos foram esterilizados, ainda que em pequeno número.

Antes da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha possuía um monopólio virtual das drogas manufaturadas, ou aqueles fármacos que exigem conhecimento químico e capacidade industrial para produzir. A morfina, um alcaloide encontrado no ópio, o qual é melhor conhecido por seu efeito analgésico, foi o produto principal da indústria farmacêutica alemã. O alcaloide foi isolado primeiramente por um químico alemão na primeira década do século XIX, e foi logo patenteado pela Merck em Darmstadt. Outras drogas, especialmente os opiáceos (narcóticos) também tinham origem alemã. Apesar de um químico britânico ter originalmente sintetizado a diacetilmorfina em 1874, a droga não impactou o mercado mundial até quando foi redescoberta e produzida em massa pela Bayer em Leverkusen em 1898.

Tanto a morfina quanto a heroína eram consumidas na Alemanha durante os anos de Weimar e do Terceiro Reich, apesar de que a morfina era muito mais popular do que o seu primo mais potente, talvez explicando a decisão da Merckel de encerrar seu programa de diacetilmorfina. O número de viciados na Alemanha é difícil de saber. Como muitas estatísticas de drogas, os números relatados de viciados são meros chutes ao invés de números confiáveis, principalmente porque é quase impossível diferenciar viciados de usuários.

O funcionário governamental superior (Oberregierungsrat) Erich Hesse, um alto funcionário no Departamento de Saúde do Reich nos anos 1930 e 1940, relatou que de 1913 até 1922 houve um aumento de viciados em opiáceo (isto é, morfina e heroína) na Prússia, de 282 para 682; o número de viciados aumentou com o surgimento de soldados feridos no campo de batalha, e em 1928, havia 6.356 viciados em morfina na Alemanha, dos quais 560 eram médicos. Em 1931, Hesse relatou que a taxa de vício na Alemanha era significativamente mais baixa, com 0,3 viciado por 10.000 homens e 0,1 viciado por 10.000 mulheres, produzindo um resultado aproximado de 1.200 viciados na Alemanha. Os caminhos misteriosos das estatísticas e estimativas de drogas não podem ser explicados, mas certamente estes números são somente tão úteis quanto as impressões de qualquer leigo.

A única informação significativa que poderia ser coletada do estudo de Hesse é que pelo final da terceira década do século XX, um em cada cem médicos era identificado como um viciado. As autoridades sabiam que médicos e farmacêuticos, os profissionais com maior acessos às drogas, eram o ponto fraco da política de controle de drogas do Reich. Para corrigir a situação, regulamentos restritivos foram impostos a médicos e comerciantes farmacêuticos, como vendedores e farmacistas; mas o governo foi cuidadoso para não antagonizar esses dois grupos, procurando incluí-los nos esforços de controle, ao invés de levá-los à ilegalidade. Em 10 de outubro de 1937, o juiz Dr. Baier de Berlim, afirmou que era mais fácil para um médico viciado prescrever narcóticos para pacientes do que para médicos não-viciados. A polícia, compartilhando este sentimento, agiu de acordo e apertou seu controle sobre os médicos. Um estudo diferente conduzido pelo Dr. Kurt Pohlisch, um psiquiatra na Universidade Bonn e um participante ativo na esterilização de pacientes que sofriam de doenças hereditárias, afirmou que o número de viciados em opiáceos na Alemanha que consumiam mais do que 0,1 grama de morfina por dia era exatamente 3.500; destes, somente 237 consumiam mais do que um grama e cerca de um terço consumia em média 0,2 grama por dia. Como poderia se esperar, Berlim era a principal fonte de vício com 1,91 viciados em cada 10.000 pessoas. Apesar da óbvia discrepância entre estes estudos, as autoridades alemãs consideraram as estimativas de Pohlisch confiáveis e continuaram a usá-las até pelo menos 1937.

Diferentemente das estimativas anteriores de Hesse e Pohlisch, o delegado (Kriminalkommissar) Werner Thomas, chefe da unidade antinarcotráfico alemã dentro do Departamento de Polícia Criminal do Reich, relatou que o vício em morfina estava crescendo e que havia cerca de 1.500 viciados em morfina registrados em 1932. Somente quatro anos separam o estudo de Hesse das atividades policiais de Thomas, sugerindo o tipo de mágica estatística usada para determinar os números do vício. Em 1942, o delegado Erwin Kosmehl, sucessor de Thomas, relatou que havia 2.384 viciados registrados em morfina na Alemanha. Em comparação, o delegado Harry Anslinger do Escritório Federal Americano de Narcóticos relatou em 1931 que havia algo entre 120.000 e 140.000 viciados nos Estados Unidos. Outros eram ainda mais liberais, afirmando que no final dos anos 1920, os Estados Unidos tinham algo entre um quarto e um milhão de viciados. A população dos Estados Unidos na época era cerca de 122 milhões; portanto, se levarmos em conta as estimativas conservadoras de Anslinger, a taxa de vício era cerca de 1,4 viciados por 1.000 habitantes. Na Alemanha, se considerarmos as estimativas generosas de Hesse, a taxa de vício era 0,09 por 1.000 habitantes. Se confiarmos em tais números, a Alemanha aparentemente tinha um problema de opiáceo menor do que os Estados Unidos.

A noção de que tropas que retornavam do front constituíam a maior parte dos viciados na Alemanha foi reforçada por um estudo conduzido pelo Ministério do Trabalho do Reich em 1931 descrevendo, entre outras coisas, o tratamento dos soldados viciados. Apesar da asserção de que usuários podem consumir drogas por anos sem tornarem-se viciados, o paradigma era claro: guerras criam viciados em drogas, tanto por causa dos soldados feridos que recebem tratamento com opiáceos quanto pela baixa moral. A primeira possibilidade, e não a última, foi explorada no relatório, com o objetivo de encontrar uma cura, ao invés de encontrar os viciados para colocá-los na prisão. Em 14 de outubro de 1942, o Dr. Leonard Conti, o líder dos médicos no Reich, declarou que a Alemanha não tinha o problema de drogas, mas que ela deveria se preparar para isso após o fim da guerra. Conti atribuiu os sucessos do regime nazista no combate ao fenômeno do vício em drogas após a Primeira Guerra Mundial a várias leis antidrogas que foram promulgadas e às várias medidas de bem estar dos trabalhadores. Ele esqueceu de mencionar, contudo, que a principal lei antidrogas, a  Opiumgesetz foi criada em 1929, quatro anos antes dos nazistas assumirem o poder. Seu alerta era claro; o medo de uma onda de soldados “doidões” viciados voltando das trincheiras de uma nova guerra mundial, mas esta nova onda nunca chegou. O uso de drogas na Alemanha permaneceu baixo até o final dos anos 1960.

Nem todas as drogas na Alemanha eram opiáceos. A cocaína, talvez a segunda droga mais popular nos anos Weimar, também tinha origens alemãs, ou pelo menos raízes no mundo de língua alemã. Isolada originalmente por químicos alemães a partir das folhas de coca, a cocaína foi popularizada por dois médicos vienenses de origem judaica. Provavelmente, o mais influente dos dois na época era o Dr. Karl Koller, um oftamologista que emigrou para os Estados Unidos em 1888 e introduziu a cocaína como anestésico local na cirurgia do olho em setembro de 1884. O segundo foi o Dr. Sigmund Freud, que publicou seu ensaio “Sobre a Coca” em julho de 1884. Os dois médicos incitaram a imaginação de muitos médicos tanto na Alemanha quanto no exterior, ajudando a popularizar a droga. Apesar dos cuidados com a indicação da droga, logo ela começou a ser receitada por médicos universitários nos Estados Unidos. A partir daí, o caminho para banir a droga foi aberto. O entusiasmo alemão pela droga continuou até os anos 1890, quando uma série de publicações manchou a reputação da droga. Alguns enalteciam a cocaína, outros a amaldiçoavam e o governo não se via capaz de salvar a regulação da utilidade de todas as drogas. O consumo de cocaína só disparou após a Primeira Guerra Mundial, à medida que os estoques militares foram lançados no mercado civil, apesar de algumas vezes estar diluída em ácido bórico, novocaína e outros substitutos. De acordo com uma estimativa, “o uso de cocaína em hospitais universitários aumentou de uma média de 1,75% para 10% em 1921.” Nos anos após a guerra, os usuários queriam recreação e algumas vezes adquiriam drogas de vendedores ilegais.

Com a imagem popular de cabarés, e festas boêmias agitadas, Berlim era conhecida como a cidade do pó. Os traficantes de cocaína infestavam os lugares mais conhecidos da cidade, do Zoológico à Postdamerplatz em Wittenbergplatz. De fato, o delegado Ernst Engelbrecht de Berlim afirmou em 1924 que a cocaína tornou-se mais popular entre as mulheres e os homossexuais masculinos. Para ele, a cocaína não era o problema; ela havia se tornado uma epidemia. Mesmo assim, de acordo com estimativas da época, a cidade de Karlsruhe reinava suprema como o centro para o consumo de cocaína com 1,44 gramas por 1.000 habitantes, enquanto Berlim permanecia em segundo lugar com um grama por 1.000 habitantes, que não é um consumo particularmente alto.  

Nada dura para sempre. À medida que o governo republicano ganhou força a partir do seu nascimento revolucionário, a lei e a ordem foram restaurados gradativamente por toda a Alemanha. Regulações em relação à estocagem de cocaína e à venda da droga segundo a legislação de 1921, e apesar de alguns debates para separar a cocaína dos opiáceos, ela foi incluída nos controles restritivos impostos às farmácias. Após 1924, a venda da cocaína em pó foi proibida nas farmácias. Foi estimado que o consumo de cocaína atingiu seu pico em 1927, e rapidamente caiu em seguida. Em 29 de dezembro de 1932, apenas um mês antes da tomada de poder pelos nazistas, o chefe do Departamento de Saúde do Reich no Ministério do Interior escreveu, “Para o conhecimento do Departamento de Saúde do Reich, não há comércio ilegal de drogas (nem opiáceos nem cocaína) em Berlim em uma quantidade considerável que possa colocar em risco a saúde pública. As circunstâncias em relação a isto mudaram completamente nos últimos anos.”

Apesar das afirmações de uma “epidemia de cocaína” em Berlim, o número de viciados deve ter sido baixo. Desde que números para este período são raros de se conseguir, podemos somente deduzir a taxa de consumo obtida da informação coligida após a chegada dos nazistas ao poder. Em 10 de outubro de 1937, o delegado Thomas relatou em um discurso feito em Stettin que havia 300 viciados em cocaína registrados na Alemanha; seu número não havia crescido desde 1932. A afirmação de Thomas recebeu alguns reforços da opinião do delegado Kosmehl que até 1942, havia somente 465 casos conhecidos de vício. Considerando que massas de viciados em drogas não desaparecem nem foram miraculosamente curadas destro de um período de apenas cinco anos, podemos concluir que apesar da onda de cocaína nos meados dos anos 1920, o vício permaneceu baixo. Se houvesse um programa governamental que sumisse com ou curasse os viciados, ele não passaria despercebido.

Nem todas as drogas populares na Alemanha tinham origens alemãs. O Dr. Nagayoshi Nagai, um químico japonês, sintetizou primeiramente a metamfetamina em 1888 e publicou suas descobertas em 1893; em 1940, havia 24 tipos de metamfetaminas disponíveis no mercado asiático. A companhia alemã Temmler-Werke em Berlim produziu esta droga pela primeira vez em 1938, e garantiu seu domínio no mercado internacional através da patente da droga na Grã-Bretanha, França e Alemanha sob o nome de “pervitin” (fenilmetilaminopropano). Em 1942, Kosmehl notou que havia 84 viciados em pervitin nos registros policiais. A Alemanha nazista foi provavelmente o primeiro país do mundo a regular a metamfetamina, mas nunca a baniu. As tropas, especialmente pilotos e tripulações de tanques, recebiam a droga sob várias formas para melhorar seu desempenho sob condições de pressão. À medida que a guerra tornou-se mais violenta, as autoridades alemãs perceberam os perigos da droga e impuseram mais controles. Um debate seguiu-se entre os especialistas em relação aos efeitos do pervitin e, em 25 de outubro de 1941, o serviço médico da Luftwaffe estabeleceu que o pervitin estivesse entre as drogas “mantidas sob extrema vigilância.” A droga, entretanto, continuou sendo usada pelos pilotos e tropas terrestres antes de missões perigosas.

Os historiadores frequentemente afirmam que os nazistas conduziam experimentos em prisioneiros com drogas ilegais. Isto é um anacronismo, já que o pervitin era legal na época. O crime não foi o uso de drogas ilegais nos experimentos, mas experimentá-las em seres humanos sem o seu consentimento, independentemente delas serem legais ou não. Os nazistas fizeram experimentos com drogas, e mesmo obrigaram prisioneiros dos campos de concentração a participar destes experimentos; contudo, as razões destes experimentos dificilmente tinham a ver com a ideologia, e sim por motivos forenses. A escolha das cobaias, os internos do campo, para experiências com o pervitin era certamente guiada por ideias biológicas ou de higiene racial, mas o objetivo da pesquisa não tinha nada a ver com a visão de mundo do nacional socialismo.

As leis de fármacos alemãs eram divididas em dois grupos: aquelas que governavam o tráfico de drogas e comércio, e aquelas que governavam a prescrição de drogas. As primeiras eram geralmente empregadas contra traficantes ou regulavam a distribuição comercial legal, enquanto que as últimas eram empregadas contra usuários ou comércio regulado. O consumo de qualquer droga era legal, mas a posse sem prescrição era proibida. Isto explica por que quando o serviço de segurança nazista (SD) prendeu um trabalhador búlgaro em Halle por tráfico de haxixe, ele foi acusado de contrabando e não por outro motivo. Embora o uso de drogas nunca tenha sido considerado um crime, a posse era e tinha um considerável peso no status legal dos usuários de drogas e viciados no Terceiro Reich.

A regulação em relação à venda era baseada nos antiquados procedimentos de prescrição emitidos em 1872, permitindo que os farmacêuticos vendessem drogas em suas lojas por motivos médicos com prescrição médica. O sistema legal não era de modo algum coerente, já que certas drogas eram reguladas sob leis farmacêuticas, algumas eram reguladas sob leis de tóxicos e outras ainda eram controladas pela lei pertencente ao comércio de fármacos; mas ela continuou a funcionar até a Primeira Guerra Mundial. Apesar de sua incoerência, o sistema funcionava. O país não tinha uma epidemia de drogas. Farmacêuticos, ao invés de serem caçados pelas autoridades, tornaram-se altamente profissionais e a indústria alemã prosperou.

Após a guerra, a Alemanha sofreu inflação séria acompanhada de escassez de materiais, mas as companhias farmacêuticas não tinham capacidade produtiva que absorvesse a demanda doméstica. Consequentemente, o contrabando de drogas na Alemanha era um problema sério durante os anos da República de Weimar. O representante britânico para o Comitê de Consulta do Ópio, Sir Malcolm Delevigne, escreveu em 1926: “A Alemanha está longe de ter controle na questão do tráfico ilícito de drogas; mas o uso de rótulos forjados em uma escala maciça (muitos deles parecem provir de fontes japonesas) dá ao governo e fabricantes alemães um meio de defesa.”

Durante o Império e a República que o substituiu, as cortes alemãs somente podiam condenar os usuários de drogas e viciados por estarem de posse de quantidades de drogas acima das quantidades recomendadas por prescrição, falsificação ou roubo de receitas médicas ou possuir drogas sem prescrições. Houve casos em que médicos foram condenados por prescrever excesso de drogas para si mesmos e para pacientes, assim prejudicando sua própria saúde e a de seus pacientes; porém, a droga permaneceu legal. Nenhuma lei jamais foi aprovada proibindo o uso de qualquer droga na Alemanha.

Entre 1919 e 1928, cinco leis antidrogas e decretos foram aprovados. Em 1928, um guia para as leis de narcóticos foi publicado na Alemanha por Louis Lewin e pelo jurista Wenzel Goldbaum no qual eles diziam que o uso ilegal de drogas ou o mau uso de receitas médicas conduziam à punição máxima de três anos na cadeia e uma multa. Os dois insistia, contudo, que viciados eram doentes e não criminosos; portanto, eles tinham a proteção do código penal, que lidava com a culpabilidade criminal. Viciados, de acordo com Lewin e Goldbaum, não eram responsáveis por suas ações enquanto estivessem sob a ação dos narcóticos e poderiam receber tratamento ao invés de uma sentença de cadeia. Os juízes frequentemente concordavam com esta posição, mas foram incapazes de obrigar o tratamento e ficaram conhecidos por libertar criminosos despreparados para enfrentar um tribunal. A proteção de bêbados e criminosos não-viciados existia no Código Penal alemão desde a sua criação. Uma demanda por uma reforma penal foi sentida na virada do século e tentativas foram feitas de dar aos juízes melhores ferramentas jurídicas para lidar com tais casos. Tais reformas falharam em serem implementadas nos anos da República de Weimar.

Em 20 de maio de 1933, Wilhelm Frick, o Ministro do Interior nazista, enviou uma carta a Hitler clamando por uma legislação para a segunda emenda da Lei do Ópio, em virtude da recente descoberta de tráfico ilegal de benzilmorfina de Hamburgo para a Europa Oriental. Frick notou que ele ordenaria à polícia para tratar do problema em Hamburgo com severidade no sentido de mostrar ao mundo que não havia conexão entre a indústria farmacêutica alemã com o contrabando ilegal de drogas.

Após a ascensão dos nazistas ao poder, a Lei do Ópio recebeu dezesseis emendas, acrescentando novas drogas às listas tanto por lei quanto por decreto. Os fundamentos da Lei de 1929 permaneceram e nenhuma droga foi banida, ou seu uso restrito mais do que já era aceitável no decreto de prescrição de 1930. Nenhuma das leis antidrogas ou emendas carregavam qualquer traço da ideologia nazista. As políticas raciais falharam em se infiltrar nas leis antidrogas, mas a retórica da higiene racial se infiltrou na reforma do código penal, que influenciou a política de drogas no Terceiro Reich.

Desde que não existe nada mais comum do que viciados consumindo suas drogas preferenciais, é lógico que viciados foram enviados a campos de concentração à vontade; mas não existem registros deste fato. De fato, vício em drogas nunca foi relatado em qualquer campo de concentração ou prisão. Apesar do fato de que a polícia recebeu carta branca para se livrar dos viciados, ela se recusou a fazê-lo. Por quê? Uma resposta poderia ser encontrada naquilo que pareceria ser um simples argumento semântico. O uso de drogas nunca foi um crime na Alemanha; assim, os habituais usuários, ou viciados, não eram criminosos. Portanto, eles não eram considerados criminosos habituais e não poderiam ser enviados aos campos de concentração.  

A criação da unidade antidrogas do Reich coincidiu com uma grande reforma burocrática nazista, centralizando a autoridade policial em Berlim sob a responsabilidade de agências centrais contra crimes específicos. Ao todo, eram onze unidades, mas somente uma tinha a palavra “transgressão” (Vergehen) em seu nome, ao invés de crime (Verbrechen), a agência central do Reich para combate da transgressão das drogas. Após um atraso, a nova unidade foi oficialmente criada em 21 de novembro de 1935, com dezenove estações de coleta de dados e 64 postos de inteligência, com mais dois acrescentados durante a guerra. No quartel-general havia provavelmente onze policiais e funcionários administrativos. A função da nova unidade era reunir informações das várias estações policiais, manter um fichário de todos os viciados e criminosos conhecidos, coordenar esforços contra o tráfico de drogas (incluindo aí a troca de informações com outras policiais em vários países) e garantir o cumprimento da lei do Ópio de 1929 e o Decreto das Prescrições de 1930. Mas, de fato, a unidade agia mais como um parasita nas delegacias da polícia normal, extraindo informações de seus arquivos.         

Gerhart Feuerstein, pertencente ao grupo de combate às drogas, erroneamente disse em uma conferência que aconteceu em Stettin em 10 de outubro de 1937 que a Lei das Medidas de Proteção e Correção permitiam aos tribunais impor a hospitalização de viciados por até três anos em um sanatório ou seis meses em um programa de reabilitação. De fato, os tribunais poderiam enviar um viciado a um sanatório por tempo indeterminado, dependendo de julgamento profissional, se o viciado estava curado ou não. Entretanto, a maioria dos sanatórios liberava seus pacientes após um tratamento de seis meses. O escritório do promotor público era responsável por manter vigilância sobre o viciado se ele retornou ou não aos velhos hábitos. Se a recaída aconteceu, não havia necessidade de uma ordem judicial adicional. De acordo com os regulamentos do escritório do promotor público, a vigilância era encerrada após cinco anos desde a última visita do paciente ao sanatório, apesar de que o escritório encerrava em geral essa atividade muito mais cedo. Estes sanatórios não eram apenas clínicas. Em algumas alas, aqueles que não se ajustariam a uma vida normal eram exterminados ou deixados para morrer de fome; mas ainda está para ser provado que os viciados eram enviados para esses locais de extermínio*.        

Jonathan Lewy é professor do Centro Richard Koebner para História Alemã na Universidade Hebraica de Jerusalém.

Nota:

* Na falta de provas materiais, assume-se que os nazistas matavam seus prisioneiros.


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