segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Guerra Hispano-Americana: os novos donos do mar

Ricardo Bonalume Neto

 

A Guerra Hispano-Americana de 1898 sinalizou de vez a decadência espanhola como potência mundial e catapultou os Estados Unidos para o primeiro plano das disputas políticas globais. A Espanha tinha perdido quase todas as suas colônias na primeira metade do século 19; restavam apenas alguns poucos lugares do antigo império onde “o Sol nunca se punha”, como as Filipinas, Cuba ou Porto Rico. Já os Estados Unidos, depois de uma devastadora Guerra Civil entre 1861 e 1865, continuaram sua vertiginosa expansão econômica, mas mantinham em grande parte um isolamento político das questões mundiais. Isso mudaria radicalmente com a guerra.

Foi então que um dos mais influentes pensadores militares da história escreveu um livro seminal: A Influência do Poder Naval na História, 1660-1783, do capitão Alfred Thayer Mahan (1840-1914). Nesse livro, publicado em 1890, encontram-se as sementes intelectuais da guerra de 1898, das guerras japonesas contra chineses e russos logo em seguida e da corrida naval entre britânicos e alemães antes da Primeira Guerra Mundial. Para Mahan, o país que tivesse uma esquadra poderosa poderia derrotar uma frota rival e, com isso, controlar as rotas marítimas e bloquear a economia do inimigo. Ele defendia a busca dessa batalha naval decisiva para decidir o conflito.

Foi o que aconteceu em 1898, quando a renascente Marinha americana derrotou fragorosamente sua rival espanhola nas batalhas da Baía de Manila, nas Filipinas, e da Baía de Santiago, em Cuba. Com o domínio do mar, os americanos puderam projetar seu poder em terra e vencer as tropas inimigas.

Dos navios envolvidos nessas batalhas, o cruzador USS Olympia é o único remanescente que ainda flutua. Foi a nave-capitânia do almirante George Dewey (1837-1917) na batalha da Baía de Manila e encontra-se hoje preservado como navio-museu em Filadélfia, ao lado de um submarino da Segunda Guerra, o USS Becuna. Visitar o Olympia é voltar mais de um século no tempo e ajuda a entender como eram as batalhas navais da época da segunda Revolução Industrial.

A evolução dos navios

No começo do século 19, os navios eram de madeira, de propulsão a vela e armados com canhões de carregar pela boca com balas esféricas. No meio do século, surgem os navios encouraçados com ferro, movidos a vapor, embora ainda com velas como meio de propulsão auxiliar, e armados com canhões que disparam granadas explosivas. Assim eram os navios da Guerra Civil americana e da Marinha brasileira na Guerra do Paraguai.

A partir da década de 1880, uma nova revolução na engenharia naval se traduz em navios feitos de aço. As velas desaparecem de vez e começa a haver maior padronização dos tipos de navio de guerra. O principal deles passa a ser um couraçado de aço armado com canhões de grande calibre e uma bateria secundária de outros de calibre menor. Os cruzadores são versões menores, menos blindadas, porém mais rápidas.

A partir de 1883, o Congresso dos EUA decide iniciar a construção de navios modernos para substituir os velhos cascos da época da Guerra Civil. O país já estava no caminho de se tornar a maior potência industrial do planeta. Mas a situação da Marinha americana no começo da década de 1880 era tão ruim que até mesmo os navios adquiridos por marinhas sul-americanas causavam preocupação. Segundo o historiador naval John Roberts, era particularmente preocupante não haver então, na Marinha americana, couraçados equivalentes em poderio aos brasileiros Riachuelo e Aquidaban, nem ao cruzador chileno Esmeralda, todos fabricados no Reino Unido.

O USS Olympia foi autorizado em 1888, lançado ao mar em 1892 e entrou em operação em 1895. Era, portanto, um navio novo e moderno em 1898. Apesar de ser a maior embarcação presente na batalha, o USS Olympia hoje impressiona por ser um navio pequeno. Com pouco mais de cem metros de comprimento, ele é mais curto que uma fragata de hoje. Apesar disso, tinha quatro canhões poderosos para um cruzador da época, de calibre 8 polegadas, em duas torres avante e a ré.

Estopim do conflito

O estopim para a guerra foi justamente o afundamento em Havana de um dos navios dessa nova Marinha, o pequeno couraçado USS Maine, em 15 de fevereiro de 1898. Tudo indica que a explosão foi acidental, seja nos depósitos de carvão, seja nos paióis de munição. Mas não poderia haver momento ou lugar pior para o acidente.

Os EUA pressionavam a Espanha para ceder a independência da ilha aos rebeldes cubanos, que a opinião pública americana defendia como “combatentes da liberdade”. Muitos se convenceram de que o Maine fora afundado por uma mina espanhola, como o então influente secretário-assistente da Marinha, Theodore Roosevelt Junior (1858-1919), amigo pessoal e fã das teses do capitão Mahan – e futuro presidente americano.

A imprensa popular americana, especialmente os jornais das cadeias de William Hearst (1863-1951) e Joseph Pulitzer (1847-1911), comprou a tese e iniciou forte campanha pela declaração de guerra. Hearst foi o principal modelo de Cidadão Kane, clássico filme de Orson Welles.

Roosevelt acreditava na iminente declaração de guerra e começou os preparativos assim que soube do afundamento do USS Maine. Ainda em fevereiro ele telegrafou ao então comodoro George Dewey para reunir em Hong Kong os navios do esquadrão asiático americano e preparar-se para eventualmente atacar as Filipinas. Roosevelt também despachou outro cruzador, o USS Baltimore, para reforçar a frota e completar seu suprimento de munição.

Um relatório apressado da Marinha americana afirmou no mês seguinte que o Maine tinha sido afundado por mina, mesmo sem provas. A pressão pela guerra passou a ser irresistível. O presidente William McKinley Junior (1843-1901) foi autorizado pelo Congresso em 19 de abril a usar força armada para retirar Cuba da autoridade espanhola. Em 25 de abril, o Congresso declarou guerra.

Dewey comprou dois mercantes, o Nanshan e o Zafiro, para transportar carvão extra, e partiu rapidamente de Hong Kong rumo às Filipinas com quatro cruzadores, duas canhoneiras e um navio auxiliar. Já em 30 de abril, a frota avista a ilha filipina de Luzón. Os americanos descobrem que a frota espanhola do contra-almirante Patricio Montojo y Pasarón (1839-1917) deixara a Baía de Subic e se concentrara em Manila. O esquadrão espanhol ancora perto da fortaleza de Cavite. Com navios menos poderosos, o almirante espanhol queria aproveitar a defesa adicional dos canhões dos fortes que protegem a capital da colônia.

A frota americana aproxima-se durante a noite e troca tiros com os fortes na entrada da baía. Mas o comandante americano prefere atacar de dia, na manhã de 1º de maio. A batalha começa às 5h10. O USS Olympia está em primeiro na fila de navios; em seguida vêm os USS Baltimore, Raleigh, Petrel, Concord e Boston. O auxiliar McCulloch e os carvoeiros mantêm-se a distância. Dewey espera chegar mais perto dos navios espanhóis ancorados antes de começar a atirar. Só às 5h40 que ele dá a famosa ordem ao capitão do Olympia, Charles Vernon Gridley (1844-1898): “Pode disparar quando estiver pronto, Gridley”. As duas frotas estavam então a meros 4,5 quilômetros de distância uma da outra.

Tiro ao alvo

A batalha foi um exercício de tiro ao alvo – e mal realizado. A pontaria americana é péssima, mas a espanhola é infinitamente pior. Análises depois da batalha nos navios espanhóis destruídos indicaram, por exemplo, que dos 635 disparos dos canhões de calibre 6 polegadas, apenas sete (1%) atingiram o alvo (veja quadro na página anterior).

A munição começa a faltar e Dewey faz uma original pausa no combate para o café-da-manhã da tripulação. Depois de três horas fora da baía, a frota americana retorna ao combate. Apenas um navio espanhol, a pequena canhoneira Don Antonio de Ulloa, sai ao encontro do inimigo e termina afundada com a perda de toda a tripulação. Por volta das 12h30, os espanhóis rendem-se, depois de perderem 381 homens mortos e todos os principais navios. Apenas nove tiros atingiram os navios americanos, provocando danos leves e ferindo sete marinheiros, mas sem matar nenhum. “O estarrecedor índice de acertos, particularmente contra alvos estacionários em Manila, e quando o fogo de resposta era desprezível, foi a lição mais conspícua”, segundo o historiador e engenheiro naval britânico David K. Brown.

A principal razão das perdas espanholas foi o fogo. Ainda havia muita madeira a bordo dos navios espanhóis, e nos trópicos ela tende a ficar bem seca e vulnerável a incêndios. A frota espanhola era “uma coleção de navios antigos, obsoletos e com ruim manutenção, de escasso ou nulo potencial de combate”, afirmou o historiador espanhol Antonio Carrasco Garcia, justificando a derrota.

A Espanha coleciona depois outras derrotas no mar e em terra, e a guerra termina em agosto, com um tratado de paz assinado no final do ano.

Os EUA saem do conflito como uma verdadeira potência colonial, de posse das Filipinas, Guam e Porto Rico e um quase-protetorado na independente Cuba.

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