quinta-feira, 23 de abril de 2015

Kazária: o império judeu esquecido

Nicolas Soteri

History Today, Vol. 45, Nº 4, Abril 1995


Com o esfacelamento da União Soviética e os problemas existentes nos Bálcãs está havendo muito interesse renovado na história antiga da Europa Oriental. Os problemas alimentaram as tendências nacionalistas na região e há muita conversa sobre uma divisão Ortodoxa-Católica (leste-oeste) e islâmica, que possui uma história bem documentada e que os historiadores estão revisitando. Muita atenção tem sido colocada na diferença e intolerância religiosa como a fonte do problema. Mas tal explicação é o motivo principal do problema ou é a religião apenas uma pequena parte de conflitos maiores e mais complicados? Se a religião tem um papel, quão importante ele é? São as tendências nacionalistas largamente moldadas por considerações de religião? Qual parte tem a questão racial? Os conceitos de raça são influenciados pelos conceitos de nacionalismo ou vice-versa? E quanto as ideias religiosas influenciam aquelas relacionadas à raça? O quanto a religião e a raça são indicadores claros de etnicidade? De fato, o que é “raça”? Estas questões têm intrigado a humanidade desde tempos imemoriais e tentativas de respondê-las nunca foram satisfatoriamente realizadas, mas frequentemente levaram a incompreensão. A natureza sodômica das ideias sobre nacionalismo parecem não ter fim. Não é preciso dizer que as religiões do Islã e a Cristandade Ortodoxa e Católica exerceram uma grande influência na história e formação da Europa Oriental.

Mesmo assim, uma época muito interessante da Europa Oriental tem sido subestimada, senão totalmente esquecida, pela maioria dos historiadores que é de importância para outra grande religião na área – o judaísmo. Kazária, ou a menção aos kázaros, é praticamente desconhecida para muitos. Entretanto, historiadores e medievalistas em particular devem estar cientes da existência importante deste reino poderoso que teve papel crucial na contenção do avanço árabe na Europa, assim como Charles Martel o fez em Tours por volta da mesma época (isto é, o oitavo século). Entretanto, este reino kázaro não era nem cristão nem muçulmano no auge de seu poder, mas judaico, o que torna seu estudo mais interessante, desde que coloca uma presença militar judaica poderosa entre as potências políticas do período em questão.

Eruditos nos últimos 100 a 150 anos mais ou menos têm tratado Bizâncio (berço da cristandade no leste) como uma força geradora, poderosa e criativa e uma superpotência dos seus dias, ao invés dos restos degenerados de um império romano no leste como Edward Gibbon uma vez o descreveu. As relações entre Bizâncio e o império árabe (a outra superpotência da época) e suas influências têm sido lembradas como importantes para o estudo de qualquer aspecto da história medieval. Contudo, entre estas duas superpotências existia uma terceira, senão uma superpotência pelo menos uma potência importante, estratégica, militar e economicamente – Kazária. Este reino teve considerável oscilação entre o início do sétimo e oitavo séculos, estendendo seu poder de sua terra natal no norte do Cáucaso até a Europa Oriental e além. Foi somente em 1016, quando uma aliança russo-bizantina foi lançada contra os kázaros, que o império kázaro sofreu perda irremediável e seu declínio foi selado. A maioria de nossa evid~encia da história dos kázaros vem de fontes literárias. Informação nos sítios arqueológicos é escassa, já que toda ela estava na antiga União Soviética e não são muito acessíveis; os sítios de sepultamento real não existem já que, como nossas fontes nos dizem, estes foram instalados sob córregos.    

Tanto Bizâncio quanto o império árabe viam os kázaros como um elemento fundamental no jogo da diplomacia e um fator importante em qualquer consideração de balanço de poder. Bizâncio tinha Kazária como tão importante quanto qualquer outro reino ocidental, como pode ser visto na obra De Cerimoniis, do imperador bizantino Constantino, uma tratado escrito como protocolo de estado no século X, onde cartas de correspondência para o governante (Khagan) dos kázaros recebiam um selo de ouro valendo três solidi (moeda local), enquanto que aquelas endereçadas ao Papa em Roma, ou “Imperador do Ocidente”, recebiam um selo valendo apenas dois solidi. A importância dada ao poder dos kázaros pode também ser vista na prática adotada pelo rei persa de ter três tronos de ouro permanentemente colocados no palácio real, além do seu, representando as grandes potências da época: uma para o khagan kázaro, uma para o imperador bizantino e uma para o imperador da China. Como aliados dos bizantinos, os kázaros não somente interromperam o avanço árabe na Europa (a partir do século VII) mas também ajudaram na queda do império persa ao fornecer 40.000 soldados para o imperador bizantino, Heraclius, sob a liderança de Ziebel em 627.

Contudo, quem eram esses kázaros e de onde eles vieram? Como eles chegaram a construir um poderoso império ao norte dos grandes estados civilizados da época na Europa e Oriente Médio – principalmente Bizâncio, Pérsia e mais tarde império árabe? Como eles resistiram a estes estados avançados culturalmente que buscavam influência na área estrategicamente crucial que os kázaros controlavam? Que os kázaros resistiram culturalmente, na tentativa de não permitir que qualquer uma dessas potências estrangeiras ganhassem influência em seu território, é amplamente ilustrada pela decisão da família real, em algum momento do oitavo século sob o reinado de Bulan ou Obadiah, em dar o passo incomum na conversão para o judaísmo. Deste modo, nem Bizâncio cristão ou o novo império muçulmano ao sul poderiam ganhar poder indiretamente por meio de chantagem religiosa e outros meios. Ao adotar o judaísmo, o governante kázaro engenhosamente mostrou uma impressão neutra àquelas potências envolvidas disputas cristãs-muçulmanas (e cristãs-cristãs). Assim, Kazária não somente resistiu à influência religiosa, e à influência política que a acompanhava, das potências cristã e muçulmana mas também conseguiu de algum modo desviar suas percepções de hostilidade que teriam surgido caso os kázaros tivessem se convertido a qualquer uma destas religiões.

Expansão do Império Kázaro - de 650 até o século X

A história da conversão kázara, apesar de ser altamente ficcional, contém ideias reveladoras da política imperial da época e como considerações religiosas tiveram uma parte importante. De acordo com a história do khagan, ao ouvir os vários argumentos colocados pelos missionários cristãos, muçulmanos e judaicos, perguntou a cada um deles quais outras duas religiões seriam mais aceitáveis que sua próprias. Já que o representante judeu respondeu que não haveria consequências desde que tanto o representante cristão quanto o muçulmano (temendo um ao outro) responderam que depois de sua própria fé a fé judaica seria a mais aceitável – as consequências de uma conversão kázara tanto para o cristianismo quanto para o islamismo poderia ter sido desastrosa para a parte vencida. Como ficou claro, os kázaros optaram por um caminho que atraía menos hostilidade, menos obrigação e menos influência cultural de qualquer uma das potências existentes.

Quanto à origem do reino kázaro, ela pode ser traçada de volta ao império turco ocidental – uma confederação de tribos turcas, das quais os kázaros eram apenas uma, abrangendo do Mar Negro até o Turquestão em meados dos séculos VI e VII. Em algum momento do século VII, este império começou a se dissolver e os kázaros mais tarde emergiram como dominadores na área norte do Cáucaso. Mais tarde expandindo seus domínios, até o décimo século, eles controlaram um império que abrangia das planícies da Hungria até o Mar Aral e as montanhas Urais, os kázaros controlaram toda a rota de comércio passando pelo sudeste da Europa em direção dos impérios bizantino e árabe e os numerosos povos que viviam nessa vasta área. Assim, Kazária não era apenas estrategicamente importante e uma força militar a ser respeitada, mas controlava uma importante rota comercial. Sua capital, Itil, era o cruzamento das rotas do leste-oeste assim como das do norte-sul, e os kázaros obtinham um grande lucro da taxa de impostos que passavam por seu território, não somente em direção das grandes civilizações do Islã e Bizâncio, mas também dos reinos europeus ocidentais, Europa setentrional e dos povos turcos a leste de seus domínios. Quanto aos produtos produzidos dentro do próprio reino kázaro, eles eram basicamente agrícolas – arroz, painço, mel, vinho, ovelhas e pescaria do Mar Kázaro (“Cáspio”). Entretanto, os kázaros possuíam poucos recursos naturais e nunca desenvolveram sua economia pelo comércio a qualquer nível de sofisticação. Muito da renda do Estado vinha de impostos cobrados de comerciantes que atravessavam o território imperial, e dos impostos cobrados dos povos que viviam dentro do território. Foi principalmente o poderio militar que manteve o império kázaro intacto. Uma vez este enfraquecido, através de ataques russos contínuos no final do século X e início do século XI, não havia como manter o império unido. Na época da invasão mongol de Gengis Khan, no início do século XIII, o império kázaro encolheu tanto em tamanho quanto importância para uma pequena área entre as montanhas do Cáucaso e os rios Don e Volga.

Não obstante, Kazária provou ser uma força extremamente poderosa entre os séculos VII e X. Durante este período, ela interrompeu o avanço do império árabe em sua fase mais dinâmica (de conquista) e conseguiu manter o status quo por séculos; ela se interessou nos assuntos da política bizantina, algumas vezes granjeando considerável influência; ela também conteve as persistentes migrações tribais de povos das estepes da Ásia Central e Rússia, que estavam ameaçando a Europa por séculos; e ela manteve poder considerável e influência sobre os Eslavos e outros povos emergentes da Europa Oriental. Por que, então, não há substancial quantidade de literatura em língua inglesa desse aparentemente império obscuro (como resultado) e das pessoas que tiveram tal papel importante na história inicial da Europa e especialmente do sudeste e Europa Oriental? Na época do declínio do império kázaro, que aconteceu entre os séculos X e XI em diante, parece seguir um período de formações rudimentares de Estados na Europa Oriental. Entretanto, estes reinos que mais tarde viriam a desenvolver os estados modernos da Rússia, Ucrânia, Polônia, Hungria, Romênia, as repúblicas tcheca e eslovaca, Áustria e Alemanha, até o nosso século foram lares de substanciais comunidades de povos que abraçaram a fé judaica. Que estas comunidades judaicas poderiam bem ser os descendentes dos kázaros e dos povos submetidos ao seu império levanta a questão de todos os movimentos antissemitas existentes na Europa Central e Oriental serem desprovidos de qualquer sentido (já que estas comunidades teriam ancestralidade nativa na região, assim como os povos nos quais elas se encontram inseridas, inclusive podendo ter uma presença mais antiga).

É uma crença profundamente difundida entre os historiadores que as comunidades judaicas da Europa são descendentes da diáspora da época romana e das subsequentes diásporas da Europa Ocidental. Afora o ponto que muitos não conhecem a existência importante deste reino judeu medieval, e não podem, portanto, considerar seu impacto na história subsequente, parece haver uma falácia aqui. Porque a diáspora da época romana levou a um êxodo dos judeus da Palestina para outras partes do Império Romano, o qual nunca incorporou a maioria das terras da Europa Oriental, assim estes emigrantes judeus se assentaram principalmente no oeste da Europa. As diásporas posteriores da Europa Ocidental em direção do leste não explicam o substancial número de comunidades judaicas existentes na Europa Oriental desde uma data remota, isto é, antes do século X. Acrescentando a isto, a principal língua dos judeus europeus do Centro e Leste antes deste século era o Ídiche, que é uma mistura dos dialetos hebraico, eslavo e alemão oriental. Estes judeus que migraram da Europa Ocidental não teriam incorporado um grande número de elementos das línguas ocidentais? De qualquer forma, não existem registros de um grande êxodo de povos judeus da Europa Ocidental para a Oriental. Porém, grandes movimentos populacionais ocorreram do leste para o oeste ocorreram na época das invasões mongóis e nenhum historiador o negará. Que os kázaros e seus descendentes teriam feito parte desse movimento geral é uma consequ~encia lógica.

Se este é o caso, há uma lição a ser aprendida de tal correção irônica da história. Enquanto alguém se considera russo, bósnio, sérvio, albanês, croata ou macedônio, não existe nenhum critério válido para estabelecer tais nacionalidades. Assim como os judeus da Europa central e Oriental (usando o exemplo kázaro) são mais ou menos do mesmo “estoque racial” que os povos nos quais eles se encontram inseridos, assim como são os muçulmanos dos Bálcãs, croatas, bósnios e sérvios. Quando alguém fala de bósnios croatas e sérvios, isto se torna uma contradição em termos (exemplificando a futilidade da categorização racial). Ambos são bósnios, ainda que sua religião seja diferente, isto é, Cristianismo Ortodoxo e Católico, ou sejam identificados com os nacionalismos sérvio ou croata. Para acrescentar combustível ao fogo, por que nós do ocidente nos referimos a bósnios muçulmanos? Usar religião como uma indicação de etnicidade para o último grupo, mas não para sua contraparte cristã.

Os problemas do nacionalismo na Europa Oriental são muito mais complexos do que uma simples explicação da diferença religiosa. Contudo, usando o exemplo dos kázaros e de seus descendentes, pode ser exemplificado que os movimentos nacionalistas, com suas convicções a respeito de raça, podem afetar as percepções do agressor e da vítima que, quando investigamos fundo nas ideologias defendidas, parecem ser baseadas em falsas premissas e, definitivamente, em teorias contraditórias.


Um comentário:

Vince disse...

sionismo veio dái, pervertera o judaismo para adorar o anticristo.