terça-feira, 28 de abril de 2015

[SGM] Os Desertores

Laura Collins

Dailymail, 11/06/2013


Nas semanas seguintes à libertação dos nazistas, Paris foi atingida por uma onda de crimes e violência que transformou a cidade na Nova York e a Chicago da época da Lei Seca. E a causa foi a mesma: gângsteres americanos.

Enquanto os Aliados lutavam contra as forças de Hitler na Europa, policiais lutavam contra os criminosos que ameaçavam aquela vitória. Homens que abandonaram o “bem maior” em troca do autointeresse, lucros do mercado negro e a luxúria dos cafés e bordéis de Paris: os desertores.

A existência de tais gangues é uma das muitas revelações em um novo livro constrangedor, “Os Desertores: Uma história secreta da Segunda Guerra Mundial”.

Altamente organizados, armados até os dentes e impiedosos, estes desertores usaram seus uniformes americanos como outra ferramenta de seu negócio junto com as vastas quantidades de armas roubadas, passaportes falsos e veículos roubados que eles tinham à sua disposição.

Entre junho de 1944 e abril de 1945, o Departamento de Investigação Criminal do Exército Americano (CBI) envolveu-se com 7.912 casos. Quarenta por cento envolviam apropriação indébita de material americano.

Maior ainda era a proporção de crimes de violência – estupros, assassinatos, homicídio involuntário e assalto que respondeu por 44% da força de trabalho. Os restantes 12% foram crimes tais como roubo, invasão doméstica e baderna.

Antigo correspondente-chefe da ABC News, o autor do livro, Charles Gass, havia se interessado pelo tema há muito tempo. Mas tudo começou somente quando ele teve a chance de se encontrar com Steve Weiss – combatente veterano condecorado da 36ª. Divisão de Infantaria e antigo desertor.

Glass estava dando uma entrevista para divulgar seu livro anterior, “Americanos em Paris: Vida e Morte sob a Ocupação Nazista” quando o americano começou a fazer perguntas. Ficou claro, Glass reconta, que o conhecimento do entrevistador da Resist~encia Francesa era mais profundo que o seu próprio.

Eles marcaram um café e Weiss perguntou a Glass no que ele estava trabalhando. Glass relembra: “Disse-lhe que era um livro sobre os desertores americanos e britânicos na Segunda Guerra Mundial e perguntei se ele sabia algo sobre isso. Ele respondeu: ‘Fui um desertor.’”

Este outrora garoto idealista do Brooklyn, que se alistou aos 17 anos, lutou na praia de Anzio e através da perigosa foresta das Ardennas, ele foi um dos poucos soldados regulares americanos a lutar com a Resistência em 1944. E ele desertou.

Sua história era, Glass percebeu, tanto secreta quanto emblemática de um grupo de homens, envoltos sob uma bandeira de vergonha que os classificava como covardes. Mesmo assim, a verdade era muito mais complexa.

Muitos tinham medo. Eles haviam atingido um ponto além do qual eles não poderiam voltar e decidiram pela desgraça ao invés do túmulo. Alguns relembraram acordar, como se estivessem em um sonho, para constatar que seus corpos os haviam deixados longe do campo de batalha.

Outros, como Weiss, lutaram até que sua fé em seus comandantes imediatos desapareceu. Foi uma forma de loucura ou uma lucidez repentina que os levou a desertar? Glass não afirma ser capaz de responder esta questão para a qual o próprio Weiss dedicou seus últimos anos sem nenhum sucesso.

Outros desertaram ainda para ganhar dinheiro, roubando e vendendo suprimentos militares que seus camaradas no front precisavam para sobreviver. Oportunistas e cafajestes, certamente, mas não covardes – a vida que escolheram era tão violenta e sanguinária quanto a da guerra.

50.000 soldados americanos e 100.000 britânicos desertaram durante a Segunda Guerra Mundial. Contudo, de acordo com Glass, o fato surpreendente não é que tantos homens tenham desertado, mas que tão poucos o tenham feito.

Somente um foi executado por isso, Eddie Slovik. Ele foi, até aquela época, por sua própria avaliação, o homem mais azarado vivo.

Ele nunca lutou uma batalha sequer. Ele jamais fugiu como a maioria dos desertores o fizeram. Ele simplesmente deixou claro que preferia a prisão ao campo de batalha.

Dos 49 americanos sentenciados à morte por deserção durante a Segunda Guerra Mundial, ele foi o único cujo apelo para comutação da pena foi rejeitado. Seu grande pecado, como nos conta Glass, foi o momento. Seu apelo foi feito em janeiro de 1945, justamente quando a contraofensiva alemã, a Batalha das Ardenas, estava no seu auge. As forças aliadas estavam quase em seu ponto de ruptura. Não era tempo, pensou o Comandante Supremo Aliado, general Dwight Eisenhower, para perdoar deserções.

Ele foi então enviado à remota vila francesa de Sainte-Marie-aux-Mines e a verdade foi escondida mesmo de sua esposa, Antoinette. Ela foi informada que seu marido tinha morrido no Teatro Europeu de Operações. Sua identidade foi finalmente revelada em 1954 e vinte anos depois Martin Sheen o interpretou no filme televisivo, “A Execução do Soldado Slovik”. Nele, Sheen recita as palavras que Slovik disse diante do pelotão de fuzilamento: “Eles não estão me fuzilando por ter desertado do Exército dos Estados Unidos. Eles apenas precisam de um exemplo para os outros e estou nessa porque sou um ex-preso. Costumava roubar quando era garoto, e este é o motivo pelo qual vão me fuzilar. Vão me fuzilar por causa do pão e da goma de mascar que roubei quando tinha 12 anos.”

O soldado Alfred T. Whitehead teve uma história diferente. Ele era um garoto do interior do Tennesse que se alistou para escapar de uma vida miserável e violência que sofria nas mãos de seu padrasto. Ele acabou como um gângster apavorando as ruas de Paris.

Whitehead lutou na Normandia e afirma ter enfrentado o inferno das praias nos desembarques do Dia-D. Ele considerava-se um soldado profissional “duro-na-queda” e o resto de sua piedade na infância evaporou no calor da batalha. Ele esteve em combate contínuo contra os alemães do Dia-D até 30 de dezembro de 1944. Ele foi condecorado com a Estrela de Prata, duas Estrelas de Bronze, a medalha do combate de infantaria e uma citação de distinção de sua unidade.

Quando ele foi considerado inválido para Paris por causa de uma apendicite, ele pensou que voltaria para sua unidade, a 2ª. Divisão, para se recuperar. Ao invés disso, foi enviado para o 94º. Batalhão de Reforço, um grupo de substituição em Fontainbleau. Quando um jovem oficial forneceu a Whitehead um fuzil da Primeira Guerra Mundial para montar guarda, ele disse ao oficial para pegar a “espingarda de chumbinho” e enfiá-la no rabo. Ele exigiu as armas com as quais estava acostumado – uma pistola .45, uma submetralhadora Thompson e uma faca de trincheira.

Sua deserção real foi medíocre. Whitehead procurava por uma bebida. O Clube de Serviço Americano recusou-lhe a entrada porque ele não tinha passe e, assim, ele vagou em busca de uma cama num bordel. Ele a encontrou. Pela manhã, ele foi declarado Ausente sem Licença Oficial (AWOL). No dia seguinte, uma garçonete de um café ficou com pena dele e acrescentou ovos fritos e batatas ao seu pedido de sopa e pão. Quando a Polícia Militar chegou e começou a fazer perguntas, ela deu a Whitehead a chave do seu quarto em um hotel barato e lhe disse para esperar por ela.

De soldado condecorado ele moveu-se sem problemas para uma vida de criminoso no submundo de Paris. Uma chance de encontro o levou para tomar seu lugar como membro de uma das muitas gangues de ex-soldados aterrorizando Paris.

Comandada por um ex-sargento paraquedista, os assaltos eram planejados como operações planejadas. O próprio Whitehead admitiu, “roubávamos caminhões, vendíamos o que eles carregavam, e usávamos os caminhões para roubar armazéns.” Eles usavam táticas de combate, roubando suprimentos que eram destinados às tropas da linha de frente. Seus crimes se espalharam, inclusive, na Bélgica. Eles atacavam civis e alvos militares indiscriminadamente. Suas atividades criminais deram a Whitehead “uma excitação maior que a guerra.” Citando a memória do ex-soldado, Glass reconta suas vanglórias: “Roubamos cada café de Paris, em todos os setores, exceto o nosso, enquanto os policiais ficavam loucos.”

Eles roubavam caixas de conhaque e champagne, jipes e invadiam casas cujos lençóis e rádios eram “fáceis de passar adiante”. Eles roubavam gasolina, cigarros, licor e armas. Em seis meses, Whitehead conseguiu acumular U$ 100 mil com a pilhagem.

Não é de estranhar que quando a vitória na Europa foi anunciada em 7 de maio de 1945, Whitehead admitiu que “aquele dia, todos em Paris e no resto da Europa estavam celebrando, mas eu apenas fiquei em meu apartamento pensando sobre tudo.” Isto porque a deserção do soldado Whitehead não encerrou sua guerra – era uma parte dela. Assim como era parte das muitas guerras dos soldados que há muito tempo não foram registradas.

No final, Whitehead foi capturado e julgado. Ele foi dispensado desonradamente e passou um tempo no Campo de Treinamento Disciplinar Delta no sul da França e em penitenciárias federais em Nova Jersey.

Muitos anos depois, ele teve a “dispensa desonrosa” convertida em uma geral ao invés de ser processado por falsidade ideológica.

Em tempos de paz, as aparências importavam mais a Whitehead do que a presença deles na guerra. Desde então, ele admitiu: “Jamais soube o que o future me reservava, logo tinha todo dia como se fosse o último. A guerra faz coisas estranhas às pessoas, especialmente em relação à sua moral.”

Aquelas “coisas estranhas” mais do que os extremos falsos de coragem e covardia são as verdades revelados neste relato da guerra e de seus desertores.            



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