Laura
Collins
Dailymail,
11/06/2013
Nas
semanas seguintes à libertação dos nazistas, Paris foi atingida por uma onda de
crimes e violência que transformou a cidade na Nova York e a Chicago da época
da Lei Seca. E a causa foi a mesma: gângsteres americanos.
Enquanto
os Aliados lutavam contra as forças de Hitler na Europa, policiais lutavam
contra os criminosos que ameaçavam aquela vitória. Homens que abandonaram o
“bem maior” em troca do autointeresse, lucros do mercado negro e a luxúria dos
cafés e bordéis de Paris: os desertores.
A
existência de tais gangues é uma das muitas revelações em um novo livro
constrangedor, “Os Desertores: Uma história secreta da Segunda Guerra Mundial”.
Altamente
organizados, armados até os dentes e impiedosos, estes desertores usaram seus
uniformes americanos como outra ferramenta de seu negócio junto com as vastas
quantidades de armas roubadas, passaportes falsos e veículos roubados que eles
tinham à sua disposição.
Entre
junho de 1944 e abril de 1945, o Departamento de Investigação Criminal do
Exército Americano (CBI) envolveu-se com 7.912 casos. Quarenta por cento
envolviam apropriação indébita de material americano.
Maior
ainda era a proporção de crimes de violência – estupros, assassinatos,
homicídio involuntário e assalto que respondeu por 44% da força de trabalho. Os
restantes 12% foram crimes tais como roubo, invasão doméstica e baderna.
Antigo
correspondente-chefe da ABC News, o autor do livro, Charles Gass, havia se
interessado pelo tema há muito tempo. Mas tudo começou somente quando ele teve
a chance de se encontrar com Steve Weiss – combatente veterano condecorado da
36ª. Divisão de Infantaria e antigo desertor.
Glass
estava dando uma entrevista para divulgar seu livro anterior, “Americanos em
Paris: Vida e Morte sob a Ocupação Nazista” quando o americano começou a fazer
perguntas. Ficou claro, Glass reconta, que o conhecimento do entrevistador da
Resist~encia Francesa era mais profundo que o seu próprio.
Eles
marcaram um café e Weiss perguntou a Glass no que ele estava trabalhando. Glass
relembra: “Disse-lhe que era um livro sobre os desertores americanos e
britânicos na Segunda Guerra Mundial e perguntei se ele sabia algo sobre isso.
Ele respondeu: ‘Fui um desertor.’”
Este
outrora garoto idealista do Brooklyn, que se alistou aos 17 anos, lutou na
praia de Anzio e através da perigosa foresta das Ardennas, ele foi um dos
poucos soldados regulares americanos a lutar com a Resistência em 1944. E ele
desertou.
Sua
história era, Glass percebeu, tanto secreta quanto emblemática de um grupo de
homens, envoltos sob uma bandeira de vergonha que os classificava como
covardes. Mesmo assim, a verdade era muito mais complexa.
Muitos
tinham medo. Eles haviam atingido um ponto além do qual eles não poderiam
voltar e decidiram pela desgraça ao invés do túmulo. Alguns relembraram
acordar, como se estivessem em um sonho, para constatar que seus corpos os
haviam deixados longe do campo de batalha.
Outros,
como Weiss, lutaram até que sua fé em seus comandantes imediatos desapareceu.
Foi uma forma de loucura ou uma lucidez repentina que os levou a desertar?
Glass não afirma ser capaz de responder esta questão para a qual o próprio
Weiss dedicou seus últimos anos sem nenhum sucesso.
Outros
desertaram ainda para ganhar dinheiro, roubando e vendendo suprimentos
militares que seus camaradas no front precisavam para sobreviver. Oportunistas
e cafajestes, certamente, mas não covardes – a vida que escolheram era tão
violenta e sanguinária quanto a da guerra.
50.000
soldados americanos e 100.000 britânicos desertaram durante a Segunda Guerra
Mundial. Contudo, de acordo com Glass, o fato surpreendente não é que tantos
homens tenham desertado, mas que tão poucos o tenham feito.
Somente
um foi executado por isso, Eddie Slovik. Ele foi, até aquela época, por sua
própria avaliação, o homem mais azarado vivo.
Ele
nunca lutou uma batalha sequer. Ele jamais fugiu como a maioria dos desertores
o fizeram. Ele simplesmente deixou claro que preferia a prisão ao campo de
batalha.
Dos
49 americanos sentenciados à morte por deserção durante a Segunda Guerra
Mundial, ele foi o único cujo apelo para comutação da pena foi rejeitado. Seu
grande pecado, como nos conta Glass, foi o momento. Seu apelo foi feito em
janeiro de 1945, justamente quando a contraofensiva alemã, a Batalha das
Ardenas, estava no seu auge. As forças aliadas estavam quase em seu ponto de
ruptura. Não era tempo, pensou o Comandante Supremo Aliado, general Dwight
Eisenhower, para perdoar deserções.
Ele
foi então enviado à remota vila francesa de Sainte-Marie-aux-Mines e a verdade
foi escondida mesmo de sua esposa, Antoinette. Ela foi informada que seu marido
tinha morrido no Teatro Europeu de Operações. Sua identidade foi finalmente
revelada em 1954 e vinte anos depois Martin Sheen o interpretou no filme
televisivo, “A Execução do Soldado Slovik”. Nele, Sheen recita as palavras que
Slovik disse diante do pelotão de fuzilamento: “Eles não estão me fuzilando por
ter desertado do Exército dos Estados Unidos. Eles apenas precisam de um
exemplo para os outros e estou nessa porque sou um ex-preso. Costumava roubar
quando era garoto, e este é o motivo pelo qual vão me fuzilar. Vão me fuzilar
por causa do pão e da goma de mascar que roubei quando tinha 12 anos.”
O
soldado Alfred T. Whitehead teve uma história diferente. Ele era um garoto do
interior do Tennesse que se alistou para escapar de uma vida miserável e
violência que sofria nas mãos de seu padrasto. Ele acabou como um gângster
apavorando as ruas de Paris.
Whitehead
lutou na Normandia e afirma ter enfrentado o inferno das praias nos
desembarques do Dia-D. Ele considerava-se um soldado profissional “duro-na-queda”
e o resto de sua piedade na infância evaporou no calor da batalha. Ele esteve
em combate contínuo contra os alemães do Dia-D até 30 de dezembro de 1944. Ele
foi condecorado com a Estrela de Prata, duas Estrelas de Bronze, a medalha do
combate de infantaria e uma citação de distinção de sua unidade.
Quando
ele foi considerado inválido para Paris por causa de uma apendicite, ele pensou
que voltaria para sua unidade, a 2ª. Divisão,
para se recuperar. Ao
invés disso, foi enviado para o 94º. Batalhão de Reforço, um grupo de
substituição em Fontainbleau. Quando um jovem oficial forneceu a Whitehead um
fuzil da Primeira Guerra Mundial para montar guarda, ele disse ao oficial para
pegar a “espingarda de chumbinho” e enfiá-la no rabo. Ele exigiu as armas com
as quais estava acostumado – uma pistola .45, uma submetralhadora Thompson e
uma faca de trincheira.
Sua
deserção real foi medíocre. Whitehead procurava por uma bebida. O Clube de
Serviço Americano recusou-lhe a entrada porque ele não tinha passe e, assim,
ele vagou em busca de uma cama num bordel. Ele a encontrou. Pela manhã, ele foi
declarado Ausente sem Licença Oficial (AWOL). No dia seguinte, uma garçonete de
um café ficou com pena dele e acrescentou ovos fritos e batatas ao seu pedido
de sopa e pão. Quando a Polícia Militar chegou e começou a fazer perguntas, ela
deu a Whitehead a chave do seu quarto em um hotel barato e lhe disse para
esperar por ela.
De
soldado condecorado ele moveu-se sem problemas para uma vida de criminoso no
submundo de Paris. Uma chance de encontro o levou para tomar seu lugar como
membro de uma das muitas gangues de ex-soldados aterrorizando Paris.
Comandada
por um ex-sargento paraquedista, os assaltos eram planejados como operações
planejadas. O próprio Whitehead admitiu, “roubávamos caminhões, vendíamos o que
eles carregavam, e usávamos os caminhões para roubar armazéns.” Eles usavam
táticas de combate, roubando suprimentos que eram destinados às tropas da linha
de frente. Seus crimes se espalharam, inclusive, na Bélgica. Eles atacavam
civis e alvos militares indiscriminadamente. Suas atividades criminais deram a
Whitehead “uma excitação maior que a guerra.” Citando a memória do ex-soldado,
Glass reconta suas vanglórias: “Roubamos cada café de Paris, em todos os setores,
exceto o nosso, enquanto os policiais ficavam loucos.”
Eles
roubavam caixas de conhaque e champagne, jipes e invadiam casas cujos lençóis e
rádios eram “fáceis de passar adiante”. Eles roubavam gasolina, cigarros, licor
e armas. Em seis meses, Whitehead conseguiu acumular U$ 100 mil com a pilhagem.
Não
é de estranhar que quando a vitória na Europa foi anunciada em 7 de maio de
1945, Whitehead admitiu que “aquele dia, todos em Paris e no resto da Europa
estavam celebrando, mas eu apenas fiquei em meu apartamento pensando sobre
tudo.” Isto porque a deserção do soldado Whitehead não encerrou sua guerra –
era uma parte dela. Assim como era parte das muitas guerras dos soldados que há
muito tempo não foram registradas.
No
final, Whitehead foi capturado e julgado. Ele foi dispensado desonradamente e
passou um tempo no Campo de Treinamento Disciplinar Delta no sul da França e em
penitenciárias federais em Nova Jersey.
Muitos
anos depois, ele teve a “dispensa desonrosa” convertida em uma geral ao invés
de ser processado por falsidade ideológica.
Em
tempos de paz, as aparências importavam mais a Whitehead do que a presença
deles na guerra. Desde então, ele admitiu: “Jamais soube o que o future me
reservava, logo tinha todo dia como se fosse o último. A guerra faz coisas
estranhas às pessoas, especialmente em relação à sua moral.”
Aquelas
“coisas estranhas” mais do que os extremos falsos de coragem e covardia são as
verdades revelados neste relato da guerra e de seus desertores.
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