Nicolas
Soteri
History Today, Vol. 45, Nº
4, Abril 1995
Com
o esfacelamento da União Soviética e os problemas existentes nos Bálcãs está
havendo muito interesse renovado na história antiga da Europa Oriental. Os problemas
alimentaram as tendências nacionalistas na região e há muita conversa sobre uma
divisão Ortodoxa-Católica (leste-oeste) e islâmica, que possui uma história bem
documentada e que os historiadores estão revisitando. Muita atenção tem sido
colocada na diferença e intolerância religiosa como a fonte do problema. Mas
tal explicação é o motivo principal do problema ou é a religião apenas uma
pequena parte de conflitos maiores e mais complicados? Se a religião tem um
papel, quão importante ele é? São as tendências nacionalistas largamente
moldadas por considerações de religião? Qual parte tem a questão racial? Os
conceitos de raça são influenciados pelos conceitos de nacionalismo ou
vice-versa? E quanto as ideias religiosas influenciam aquelas relacionadas à raça?
O quanto a religião e a raça são indicadores claros de etnicidade? De fato, o
que é “raça”? Estas questões têm intrigado a humanidade desde tempos imemoriais
e tentativas de respondê-las nunca foram satisfatoriamente realizadas, mas
frequentemente levaram a incompreensão. A natureza sodômica das ideias sobre
nacionalismo parecem não ter fim. Não é preciso dizer que as religiões do Islã
e a Cristandade Ortodoxa e Católica exerceram uma grande influência na história
e formação da Europa Oriental.
Mesmo
assim, uma época muito interessante da Europa Oriental tem sido subestimada,
senão totalmente esquecida, pela maioria dos historiadores que é de importância
para outra grande religião na área – o judaísmo. Kazária, ou a menção aos
kázaros, é praticamente desconhecida para muitos. Entretanto, historiadores e
medievalistas em particular devem estar cientes da existência importante deste
reino poderoso que teve papel crucial na contenção do avanço árabe na Europa,
assim como Charles Martel o fez em Tours por volta da mesma época (isto é, o
oitavo século). Entretanto, este reino kázaro não era nem cristão nem muçulmano
no auge de seu poder, mas judaico, o que torna seu estudo mais interessante,
desde que coloca uma presença militar judaica poderosa entre as potências
políticas do período em questão.
Eruditos
nos últimos 100 a 150 anos mais ou menos têm tratado Bizâncio (berço da
cristandade no leste) como uma força geradora, poderosa e criativa e uma
superpotência dos seus dias, ao invés dos restos degenerados de um império
romano no leste como Edward Gibbon uma vez o descreveu. As relações entre
Bizâncio e o império árabe (a outra superpotência da época) e suas influências
têm sido lembradas como importantes para o estudo de qualquer aspecto da
história medieval. Contudo, entre estas duas superpotências existia uma
terceira, senão uma superpotência pelo menos uma potência importante,
estratégica, militar e economicamente – Kazária. Este reino teve considerável
oscilação entre o início do sétimo e oitavo séculos, estendendo seu poder de
sua terra natal no norte do Cáucaso até a Europa Oriental e além. Foi somente
em 1016, quando uma aliança russo-bizantina foi lançada contra os kázaros, que
o império kázaro sofreu perda irremediável e seu declínio foi selado. A maioria
de nossa evid~encia da história dos kázaros vem de fontes literárias.
Informação nos sítios arqueológicos é escassa, já que toda ela estava na antiga
União Soviética e não são muito acessíveis; os sítios de sepultamento real não
existem já que, como nossas fontes nos dizem, estes foram instalados sob
córregos.
Tanto
Bizâncio quanto o império árabe viam os kázaros como um elemento fundamental no
jogo da diplomacia e um fator importante em qualquer consideração de balanço de
poder. Bizâncio tinha Kazária como tão importante quanto qualquer outro reino
ocidental, como pode ser visto na obra De
Cerimoniis, do imperador bizantino Constantino, uma tratado escrito como
protocolo de estado no século X, onde cartas de correspondência para o
governante (Khagan) dos kázaros recebiam um selo de ouro valendo três solidi
(moeda local), enquanto que aquelas endereçadas ao Papa em Roma, ou “Imperador
do Ocidente”, recebiam um selo valendo apenas dois solidi. A importância dada
ao poder dos kázaros pode também ser vista na prática adotada pelo rei persa de
ter três tronos de ouro permanentemente colocados no palácio real, além do seu,
representando as grandes potências da época: uma para o khagan kázaro, uma para
o imperador bizantino e uma para o imperador da China. Como aliados dos
bizantinos, os kázaros não somente interromperam o avanço árabe na Europa (a
partir do século VII) mas também ajudaram na queda do império persa ao fornecer
40.000 soldados para o imperador bizantino, Heraclius, sob a liderança de Ziebel
em 627.
Contudo,
quem eram esses kázaros e de onde eles vieram? Como eles chegaram a construir
um poderoso império ao norte dos grandes estados civilizados da época na Europa
e Oriente Médio – principalmente Bizâncio, Pérsia e mais tarde império árabe? Como
eles resistiram a estes estados avançados culturalmente que buscavam influência
na área estrategicamente crucial que os kázaros controlavam? Que os kázaros
resistiram culturalmente, na tentativa de não permitir que qualquer uma dessas
potências estrangeiras ganhassem influência em seu território, é amplamente
ilustrada pela decisão da família real, em algum momento do oitavo século sob o
reinado de Bulan ou Obadiah, em dar o passo incomum na conversão para o
judaísmo. Deste modo, nem Bizâncio cristão ou o novo império muçulmano ao sul
poderiam ganhar poder indiretamente por meio de chantagem religiosa e outros
meios. Ao adotar o judaísmo, o governante kázaro engenhosamente mostrou uma
impressão neutra àquelas potências envolvidas disputas cristãs-muçulmanas (e
cristãs-cristãs). Assim, Kazária não somente resistiu à influência religiosa, e
à influência política que a acompanhava, das potências cristã e muçulmana mas
também conseguiu de algum modo desviar suas percepções de hostilidade que
teriam surgido caso os kázaros tivessem se convertido a qualquer uma destas
religiões.
Expansão do Império Kázaro - de 650 até o século X
A
história da conversão kázara, apesar de ser altamente ficcional, contém ideias
reveladoras da política imperial da época e como considerações religiosas
tiveram uma parte importante. De acordo com a história do khagan, ao ouvir os
vários argumentos colocados pelos missionários cristãos, muçulmanos e judaicos,
perguntou a cada um deles quais outras duas religiões seriam mais aceitáveis
que sua próprias. Já que o representante judeu respondeu que não haveria
consequências desde que tanto o representante cristão quanto o muçulmano
(temendo um ao outro) responderam que depois de sua própria fé a fé judaica
seria a mais aceitável – as consequências de uma conversão kázara tanto para o
cristianismo quanto para o islamismo poderia ter sido desastrosa para a parte
vencida. Como ficou claro, os kázaros optaram por um caminho que atraía menos
hostilidade, menos obrigação e menos influência cultural de qualquer uma das
potências existentes.
Quanto
à origem do reino kázaro, ela pode ser traçada de volta ao império turco
ocidental – uma confederação de tribos turcas, das quais os kázaros eram apenas
uma, abrangendo do Mar Negro até o Turquestão em meados dos séculos VI e VII.
Em algum momento do século VII, este império começou a se dissolver e os
kázaros mais tarde emergiram como dominadores na área norte do Cáucaso. Mais
tarde expandindo seus domínios, até o décimo século, eles controlaram um
império que abrangia das planícies da Hungria até o Mar Aral e as montanhas
Urais, os kázaros controlaram toda a rota de comércio passando pelo sudeste da
Europa em direção dos impérios bizantino e árabe e os numerosos povos que
viviam nessa vasta área. Assim, Kazária não era apenas estrategicamente
importante e uma força militar a ser respeitada, mas controlava uma importante
rota comercial. Sua capital, Itil, era o cruzamento das rotas do leste-oeste
assim como das do norte-sul, e os kázaros obtinham um grande lucro da taxa de
impostos que passavam por seu território, não somente em direção das grandes
civilizações do Islã e Bizâncio, mas também dos reinos europeus ocidentais,
Europa setentrional e dos povos turcos a leste de seus domínios. Quanto aos
produtos produzidos dentro do próprio reino kázaro, eles eram basicamente
agrícolas – arroz, painço, mel, vinho, ovelhas e pescaria do Mar Kázaro
(“Cáspio”). Entretanto, os kázaros possuíam poucos recursos naturais e nunca
desenvolveram sua economia pelo comércio a qualquer nível de sofisticação.
Muito da renda do Estado vinha de impostos cobrados de comerciantes que
atravessavam o território imperial, e dos impostos cobrados dos povos que
viviam dentro do território. Foi principalmente o poderio militar que manteve o
império kázaro intacto. Uma vez este enfraquecido, através de ataques russos
contínuos no final do século X e início do século XI, não havia como manter o
império unido. Na época da invasão mongol de Gengis Khan, no início do século
XIII, o império kázaro encolheu tanto em tamanho quanto importância para uma
pequena área entre as montanhas do Cáucaso e os rios Don e Volga.
Não
obstante, Kazária provou ser uma força extremamente poderosa entre os séculos
VII e X. Durante este período, ela interrompeu o avanço do império árabe em sua
fase mais dinâmica (de conquista) e conseguiu manter o status quo por séculos; ela se interessou nos assuntos da política
bizantina, algumas vezes granjeando considerável influência; ela também conteve
as persistentes migrações tribais de povos das estepes da Ásia Central e Rússia,
que estavam ameaçando a Europa por séculos; e ela manteve poder considerável e
influência sobre os Eslavos e outros povos emergentes da Europa Oriental. Por
que, então, não há substancial quantidade de literatura em língua inglesa desse
aparentemente império obscuro (como resultado) e das pessoas que tiveram tal
papel importante na história inicial da Europa e especialmente do sudeste e
Europa Oriental? Na época do declínio do império kázaro, que aconteceu entre os
séculos X e XI em diante, parece seguir um período de formações rudimentares de
Estados na Europa Oriental. Entretanto, estes reinos que mais tarde viriam a
desenvolver os estados modernos da Rússia, Ucrânia, Polônia, Hungria, Romênia,
as repúblicas tcheca e eslovaca, Áustria e Alemanha, até o nosso século foram
lares de substanciais comunidades de povos que abraçaram a fé judaica. Que
estas comunidades judaicas poderiam bem ser os descendentes dos kázaros e dos
povos submetidos ao seu império levanta a questão de todos os movimentos
antissemitas existentes na Europa Central e Oriental serem desprovidos de
qualquer sentido (já que estas comunidades teriam ancestralidade nativa na
região, assim como os povos nos quais elas se encontram inseridas, inclusive
podendo ter uma presença mais antiga).
É
uma crença profundamente difundida entre os historiadores que as comunidades
judaicas da Europa são descendentes da diáspora da época romana e das
subsequentes diásporas da Europa Ocidental. Afora o ponto que muitos não
conhecem a existência importante deste reino judeu medieval, e não podem,
portanto, considerar seu impacto na história subsequente, parece haver uma falácia
aqui. Porque a diáspora da época romana levou a um êxodo dos judeus da
Palestina para outras partes do Império Romano, o qual nunca incorporou a
maioria das terras da Europa Oriental, assim estes emigrantes judeus se
assentaram principalmente no oeste da Europa. As diásporas posteriores da
Europa Ocidental em direção do leste não explicam o substancial número de
comunidades judaicas existentes na Europa Oriental desde uma data remota, isto
é, antes do século X. Acrescentando a isto, a principal língua dos judeus
europeus do Centro e Leste antes deste século era o Ídiche, que é uma mistura
dos dialetos hebraico, eslavo e alemão oriental. Estes judeus que migraram da
Europa Ocidental não teriam incorporado um grande número de elementos das
línguas ocidentais? De qualquer forma, não existem registros de um grande êxodo
de povos judeus da Europa Ocidental para a Oriental. Porém, grandes movimentos
populacionais ocorreram do leste para o oeste ocorreram na época das invasões
mongóis e nenhum historiador o negará. Que os kázaros e seus descendentes
teriam feito parte desse movimento geral é uma consequ~encia lógica.
Se
este é o caso, há uma lição a ser aprendida de tal correção irônica da
história. Enquanto alguém se considera russo, bósnio, sérvio, albanês, croata
ou macedônio, não existe nenhum critério válido para estabelecer tais
nacionalidades. Assim como os judeus da Europa central e Oriental (usando o
exemplo kázaro) são mais ou menos do mesmo “estoque racial” que os povos nos
quais eles se encontram inseridos, assim como são os muçulmanos dos Bálcãs,
croatas, bósnios e sérvios. Quando alguém fala de bósnios croatas e sérvios,
isto se torna uma contradição em termos (exemplificando a futilidade da
categorização racial). Ambos são bósnios, ainda que sua religião seja
diferente, isto é, Cristianismo Ortodoxo e Católico, ou sejam identificados com
os nacionalismos sérvio ou croata. Para acrescentar combustível ao fogo, por
que nós do ocidente nos referimos a bósnios muçulmanos? Usar religião como uma
indicação de etnicidade para o último grupo, mas não para sua contraparte
cristã.
Os
problemas do nacionalismo na Europa Oriental são muito mais complexos do que
uma simples explicação da diferença religiosa. Contudo, usando o exemplo dos
kázaros e de seus descendentes, pode ser exemplificado que os movimentos
nacionalistas, com suas convicções a respeito de raça, podem afetar as
percepções do agressor e da vítima que, quando investigamos fundo nas
ideologias defendidas, parecem ser baseadas em falsas premissas e, definitivamente,
em teorias contraditórias.
Um comentário:
sionismo veio dái, pervertera o judaismo para adorar o anticristo.
Postar um comentário