Juan
Fernández
El
Periódico, 21/06/2015
Em
desespero, como alguém que coloca um desafio final para o destino que o aguarda,
Hitler lançou um ataque feroz no final de 1944 sobre as florestas nevadas das
Ardenas, na Bélgica, para tentar virar a maré da guerra. Essa batalha,
finalmente ganha pelos aliados, provocou níveis de violência jamais vistos na
Frente Ocidental. O historiador britânico Antony Beevor, considerado um dos
maiores especialistas em Segunda Guerra Mundial, conta agora em detalhes as
histórias desta pequena tragédia gigante que matou mais de 160.000 pessoas e
colocou em cena os piores instintos desumanos em ambos os lados. Em Ardennes 1944 (crítica), existem bons e
maus em todos os lugares.
O senhor escreveu sobre Stalingrado, o
desembarque na Normandia, a queda de Berlim... Por que considerou a batalha das
Ardenas digna de um livro?
Este
combate foi o equivalente no Ocidente ao cerco de Stalingrado. Ambas são as
batalhas mais brutais que aconteceram na guerra. Pelas condições meteorológicas
nas quais se desenvolveram, no inverno mais cruel, e pelo grau de atrocidades
que se cometeram. As Ardenas trouxe ao Ocidente a crueldade que havia existido
no Leste Europeu. De fato, a Waffen SS colocou em prática as técnicas de terror
que havia experimentado em solo soviético.
A que se deve tal loucura?
Diante
da superioridade aérea aliada, Hitler pensou que sua única cartada seria usar o
terror como arma de guerra para espalhar o pânico entre os soldados e
desmoralizar o inimigo. Joachim Peiper, o coronel que dirigiu a primeira
divisão Panzer que avançou sobre a Bélgica, se dedicou a fuzilar civis desde o
primeiro minuto. Antes, na frente oriental, havia comandado o Batalhão Lança-Chamas,
conhecido porque ateava fogo nas vilas pelas quais passava. Esse espírito
sanguinário nunca havíamos visto na frente ocidental.
Surtiu efeito?
Não,
porque Hitler voltou a cometer um de seus tradicionais erros de cálculo. Desta
vez, subestimou os soldados norte-americanos. Ainda que muitos tenham fugido,
outros resistiram em seus postos e bloquearam o avanço alemão, permitindo a
Eisenhower trazer reforços e começar a reconquista. Hitler acreditava que o
pânico causado pela crueldade extrema poderia derrubar o inimigo, mas às vezes
o terror tem o efeito contrário e estimula a resistência.
Estrategicamente, a jogada de Hitler
tinha sentido?
Nenhum.
De fato, seus generais se posicionaram contra. O ataque das Ardenas foi uma
fantasia construída sobre um mapa. O problema de Hitler foi que nunca esteve na
frente de batalha. Dirigia a guerra movendo peças sobre um tabuleiro em seu
bunker, como se fosse um jogo. Do ponto de vista militar, suas decisões eram
desastrosas e isto o sabiam os Aliados. Por isso, cancelaram a Operação Foxley,
destinada a assassiná-lo [1]. Pensaram que ganhariam a guerra mais rápido tendo
Hitler à frente do exército alemão.
Sua investigação põe em foco um
aspecto que se fala pouco: nas Ardenas se cometeram crimes em ambos os lados.
Durante
a reconquista, os americanos conduziram fuzilamentos de prisioneiros e crimes
comuns que logo foram deixados de lado. Respondiam à crueldade usada pelos
alemães, mas não tinham justificativa. Se matava gente por vingança e outras
vezes por conveniência, para não ter que transportar feridos. Nunca saberemos
quem efetuou mais fuzilamentos indiscriminados, se os alemães ou os americanos,
mas isto ocorreu em ambos os lados.
Por que os EUA nunca reconheceram
esses crimes?
Nesse
país se cultivou o mito de uma participação limpa e bondosa na Segunda Guerra
Mundial. Teve a ver com o impacto que causou a experiência do Vietnã, que foi
reconhecida como uma guerra moralmente suja. Isto potencializou a mentalidade
americana no desejo de ver a Europa como uma guerra boa. Mas, por que uma
guerra boa? Não creio que elas existam.
Não é porque ela foi libertada pelos
Aliados?
Seu
objetivo era louvável, sem dúvida. Tratava-se de libertar a Europa da ocupação
nazista e, neste sentido, foi uma boa missão. Mas para alcançá-la, seus
soldados cometeram uma variedade de atos abomináveis que não se deseja
reconhecer, nem se quer investigar. É uma pena que os historiadores americanos
sejam guiados por esse mito e não tenham se atrevido a se aventurar nas zonas
mais sombrias da participação de seu exército na guerra, que não era.
Menos ainda o tem feito as produções
de guerra de Hollywood.
Os
filmes de Hollywood e a realidade da guerra são completamente incompatíveis. O
cinema americano somente busca contar histórias a partir de arquétipos sem
matizes. O herói, o covarde, o mau, o bom... Mas seu respeito à verdade dos
fato é nulo.
É impossível encontrar um filme de
guerra que siga rigorosamente os fatos em termos históricos?
Poderia
numerar alguns títulos aceitáveis: A
Batalha da Argélia, produção ítalo-argelina de 1966, e Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood. Mas Hollywood nunca este
interessada em fazer filmes sobre a Segunda Guerra Mundial que fossem fieis à
realidade. O curioso é essa indústria detectou há tempos uma demanda do público
para ser entretido e educado e, para atendê-lo, dedicou-se a vender seus filmes
como se estivessem baseados em fatos reais, quando na verdade não é bem assim.
Hollywood falsifica a história descaradamente.
Mas o público os toma como
verdadeiros.
Vivemos
numa era pós-literária. Agora, a imagem em movimento é a que reina e o
conhecimento sobre nosso passado é adquirido, majoritariamente, através do
cinema e TV. Hollywood emprega o argumento falso de que com estes filmes faz um
trabalho didático, mas não está certo. O terível é a capacidade das pessoas em
acreditar em qualquer coisa. Quando saiu O Código da Vinci, uma agência de
pesquisas fez um trabalho na Grã-Bretanha e descobriu que metade do país
acreditava firmemente que a história do livro era real.
Imagine quando saiu o filme...
Nunca
esquecerei o que ouvi em filmes. Minha mulher e eu resistimos a ver a adaptação
cinematográfica do livro, mas finalmente aceitamos acompanhar nossa filha. Recordo
que do nosso lado havia um casal e, ao acabar o filme, o rapaz se levantou e
disse para sua acompanhante: “A verdade é que te faz pensar.” Eu queria gritar.
Como historiador, tudo isso é muito deprimente.
Seus livros tentam combinar o relato
dos acontecimentos com a narrativa de testemunhas humanas. É a melhor maneira
de contar história?
Creio
que sim, cobrindo todos os aspectos. Em meu caso, tendo sido romancista antes
de ser historiador me influenciou na hora de construir meus livros. Fico
satisfeito que os relatos sejam visuais, que o leitor possa imaginar os
cenários. Somente assim pode se tornar compreensível às gerações mais jovens,
nascidas na era pós-militar, os horrores de uma guerra que teve lugar aqui
mesmo, há apenas 70 anos.
Alguns detalhes são especialmente
sangrentos e duros. Onde é a linha do que pode ser contado e o que é melhor ser
mantido em segredo?
É
muito difícil. No meu livro sobre a queda de Berlim levou muito em conta esse
detalhe porque houve crueldades que gostaria de contar, como suicídios de
crianças e mulheres e estupros selvagens que podiam ser considerados
pornografia pura. Por isso, procuro contar com a opinião de outras pessoas.
Minha principal conselheira é minha esposa, que lê primeiro o texto que
escrevo.
A Batalha das Ardenas contém alguma
reflexão útil para a atualidade?
Na
Europa existe a tendência a crer que somente a interação na União Europeia pode
nos livrar de outra guerra. Creio que não está certo. O único meio que nos
previne de outra guerra é a democracia, porque um regime democrático nunca
lutará contra outro igual. Mas forçar a integração pode ter o efeito contrário.
O renascimento do nacionalismo verificado ultimamente em países como França,
Finlândia ou Hungria o demonstra claramente. De qualquer forma, a Europa de
1944 e a de agora, felizmente, não tem nada a ver uma com a outra.
Nota:
[1]
Operação Foxley foi um plano de assassinato de Adolf Hitler idealizado
em 1944 pelo SOE (Special Operations Executive) britânico mas
nunca levado adiante. Historiadores acreditam que o atentado seria realizado
entre 13-14 de julho de 1944, durante uma das visitas de Hitler à Berghof, sua residência e quartel-general em Obersalzberg,Berchtesgaden,
nos Alpes Bávaros, sul da Alemanha.
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