Marcelo Sales
Aventuras na
História, 24/02/2014
Carruagens fugindo de bandidos. A cavalaria
combatendo índios, cowboys solitários laçando cavalos e bois. Manadas de bisões
que faziam a terra tremer quando estouravam por imensas planícies. Agricultores
e suas famílias tirando o sustento de terras hostis com tenacidade. Tiros para
todo lado. Estradas de ferro.
Os relatos de escritores e jornalistas, as pinturas
de Frederic Remington e o cinema fixaram na mente das pessoas histórias e tipos
míticos como cowboys e xerifes em cidades poeirentas. Ficção à parte, a
conquista do Far West teve
contornos lendários, mas envolveu política, trabalho duro e rotineiro e muita
violência.
Quando os britânicos depuseram armas, em 1781, os
habitantes das 13 colônias que fundaram os EUA tinham como fronteira ocidental
a Cordilheira dos Apalaches, uma área do tamanho de Minas Gerais e São Paulo.
Em 1803, a Louisiana foi comprada dos franceses. Em 1819, foi a vez da Flórida,
adquirida dos espanhóis. A partir de 1846, uma guerra de dois anos custaria ao
México metade de seu território. No mesmo ano, o Tratado do Oregon (1846)
garantiu a porção noroeste, definindo a fronteira com o Canadá. “Em 1848, os
EUA já haviam alcançado o Pacífico, numa conquista vertiginosa e violenta”,
afirma a historiadora Mary Junqueira, da USP.
Para garantir a posse de tanta terra, era preciso
povoá-la. “A região foi ocupada por gente de vários perfis atraída pela chance de
adquirir terra e direitos políticos”, diz Mary. Além do incentivo à imigração e
da legislação conhecida como Land Ordinance (1785),
que regulava a formação de estados no Oeste, dois eventos atraíram multidões
para a “Corrida do Oeste”: a descoberta de ouro na Califórnia e o Homestead Act, que doava lotes de 160 acres (65
hectares) de terras federais, assinada em 1862 por Abraham Lincoln. Parte das
terras foi obtida por especuladores, prejudicando o pequeno agricultor, segundo
Claude Fohlen, em O Faroeste.
Os personagens
A Conquista do Oeste tem personagens emblemáticos.
Os primeiros a se embrenharem na terra desconhecida foram os caçadores de
peles, que não se fixaram na região. Seguiu-se um grande fluxo de mineiros,
seduzidos pela promessa nunca concretizada de um Eldorado. O auge da exploração
se deu na Califórnia, entre 1848 e 1855. Houve ciclos posteriores em estados
próximos, com resultados parecidos.
Já o cowboy, a figura mítica da região, na essência
é um perito em manejar gado e cavalos. Os espanhóis trouxeram bovinos ao Golfo
do México no século 17. Com as guerras e o fechamento das missões, no século
19, os rebanhos voltaram ao estado selvagem. Os americanos, atraídos pelo
cultivo de algodão, viram a oportunidade de domesticar e explorar os long horns, ou chifres longos, como faziam os vaqueros. Havia também mustangs: cavalos em estado selvagem pouco maiores que
um pônei, mais resistentes que as raças europeias e com instinto apurado para
conter o gado.
Mas levar rebanhos do Texas até os consumidores do
Leste exigia cruzar territórios indígenas – o que era ilegal – ou florestas
cheias de ladrões e soldados desertores. As viagens irritavam também os
colonos, porque o gado danificava plantações e transmitia doenças. O
comerciante Joseph G. McCoy foi um dos que pensaram na solução para o problema.
Em 1867, ergueu galpões de madeira para abrigar os rebanhos e um saloon, transformando Abilene, no Kansas, em
entreposto comercial ao lado de uma ferrovia. Faltava levar o gado até o que
viria a ser chamado de cowtown. A travessia rendeu grande fama aos cowboys,
um contingente de 40 mil homens, pelos cálculos de Fohlen.
Um capataz comandava até dez cowboys, dependendo do
tamanho do rebanho. Eram homens entre 20 e 30 anos, com boa saúde e vigor
físico para caminhadas de até 25 km para domar reses. À noite, cantavam para
acalmar os bois e se revezavam na vigília para proteger os acampamentos de
saqueadores, lobos, coiotes e colonos. Tinham dieta simples: carne fresca era
raridade. Nada de steaks, uma criação do século 20. Para beber, café,
água e uísque de milho.
Outro grande evento eram os round-ups, quando os rebanhos de vários criadores eram
marcados a ferro quente. Tais eventos atraíam muitos cowboys e são a mais
provável origem dos rodeios. Nessa época, empresários perceberam o potencial da
industrialização da carne de gado no Oeste. Adotaram criações sedentárias e
cruzaram raças para melhorar a qualidade do produto. Os cowboys passaram a se
ocupar mais da rotina dos ranchos.
O historiador Walter Webb, em seu trabalho The Great Plains (“As
grandes planícies”), cita a descrição de um habitante da época sobre um deles:
“Vive montado em seu cavalo, combate como os cavaleiros da Idade Média, anda
armado, jura como um soldado, bebe como um peixe, veste-se como um ator e luta
como o diabo. É amável com as mulheres, reservado com os estranhos, generoso
com os amigos e brutal com os inimigos”.
Agricultura
A área cultivável nos EUA ia da Costa Leste ao vale
dos rios Mississippi e Missouri, além de uma faixa de terra do litoral até a
Serra Nevada, no Oeste. Entre essas duas regiões, com a cadeia das Montanhas
Rochosas no meio, existiam as grandes planícies, terra difícil de cultivar sem
irrigação.
Cenário hostil a que chegaram os colonos atraídos
pelo Homestead Act. Quanto mais fazendeiros, mais graves
eram os conflitos com os criadores de gado. Cercar as plantações era difícil,
pela escassez de madeira e pedras. Até que Joseph Glidden patenteou o arame
farpado, em 1873. Produzido em série, tinha preço acessível. Em menos de uma
década, espalhou-se pelo Oeste. Segundo Walter Webb, o arame farpado foi
decisivo para o avanço dos colonos. “Só então foi possível plantar com certo
grau de economia e alguma certeza de não ter as colheitas comidas pelo gado
solto no campo.”
Os índios
Ao lado dos mexicanos, os índios foram os grandes
prejudicados pela marcha para o Oeste, de acordo com Mary Junqueira. No início
do século 19, tribos do Leste e Meio-Oeste, como os sioux, foram empurradas
para as planícies. Outras, como os cherokees e seminoles, foram realocadas em
uma reserva onde é hoje o estado do Oklahoma. Apaches e navajos, que habitavam
o sudoeste, tiveram de lutar muito para ficar por lá.
Os índios se adaptaram à vida nas planícies caçando
bisões, abundantes no Oeste. Tinham destreza com cavalos e aprenderam a manejar
com habilidade armas de fogo. Finda a Guerra de Secessão, o Exército Federal
foi encarregado de garantir a segurança de colonos e cowboys, além de proteger
a construção das ferrovias. Fortes militares foram erguidos e vários originaram
cidades. Como mineiros, colonos, cowboys e os trens cruzavam áreas indígenas
sem cerimônia, os índios atacavam ou roubavam bois e cavalos. A resposta dos
militares foi violenta.
A ampliação das ferrovias e o povo “branco”
praticamente extinguiram o bisão nos EUA, tirando o principal meio de
subsistência dos índios, confinados em reservas cada vez menores. “Touro
Sentado, chefe dos sioux, e Gerônimo, líder apache, são símbolos da
resistência. Ambos perderam a queda de braço com o homem branco”, diz Mary
Junqueira.
O transporte
A marcha rumo ao interior e depois ao Oeste
utilizou ao longo do tempo quatro meios de transporte. O primeiro foram os steamboats, barcos a vapor, de casco quase reto, sem
quilha – para escapar dos bancos de areia do Rio Mississipi. Sua característica
mais marcante eram grandes rodas hidráulicas na popa. As viagens eram lentas e
as caldeiras, barulhentas.
Longe dos rios, as diligências: carroças puxadas
por parelhas de cavalos. Durante a Corrida do Ouro, ir do Missouri à Califórnia
podia levar mais de quatro meses. “Era mais rápido ir de navio, contornando o
Cabo Horn, na América do Sul”, afirma Mary Junqueira. Com a abertura de trilhas
e a criação de serviços regulares, o tempo caiu para até 20 dias.
Os trajetos eram percorridos em comboios, para as
carroças não se perderem e ficarem menos expostas a ataques. O custo da viagem
era alto e a comida, precária. Os passageiros sofriam com os solavancos e a
travessia de riachos e vaus.
Os navios só perderam a primazia com a chegada do
trem ao Oeste. Em 1855, o Exército levou ao Congresso um plano detalhado com
rotas possíveis para formar a malha ferroviária do país. Várias empresas
entraram no negócio, entre elas a Central Pacific e a Union Pacific. A primeira
partiu de Sacramento (Califórnia) e a segunda de Omaha (Nebraska). Mais
eficiente e com emprego de mão de obra chinesa em larga escala, a Central
cumpriu a meta e foi adiante. Em 10 de maio de 1869, o encontro das locomotivas
das duas equipes em Promontory Point, Utah, foi um acontecimento nacional.
Houve orações no local e o Sino da Liberdade soou na Filadélfia. Os trilhos iam
agora de costa a costa.
Segundo o historiador Dee Brown, autor de Enterrem meu Coração na Curva do Rio, o século 19 no
Oeste foi uma época de incrível violência e veneração da liberdade individual.
E nesse quadro “se criaram os grandes mitos do Oeste americano – histórias de
caçadores, pioneiros, pilotos de vapores, jogadores, pistoleiros, soldados da
cavalaria, mineiros, cowboys, prostitutas, missionários, professores e
colonizadores.” Para Mary Junqueira, um aspecto marcante da Conquista do Oeste
é seu forte tom romanceado. “Apesar de visto assim por muitos nos séculos 19 e
20, tal processo não pode ser considerado uma aventura”, afirma a historiadora.
“Claro que tipos como fazendeiros e cowboys existiram, mas o encontro do homem
civilizado, mesmo que rústico, com o meio selvagem (natureza e indígenas)
resultou numa versão que minimiza a violência que foi de fato empregada.”
Da Terrinha ao Oeste Selvagem
Sem a fama dos cowboys
nem um contingente grande como o dos chineses, foi com tenacidade que os
portugueses contribuíram na conquista do Oeste. Segundo o livro Land as Far as
the Eye Can See – Portuguese in the Old West, de Donald Warrin e Geoffrey
Gomes, grande parte dos imigrantes lusitanos saía das ilhas de Açores, Madeira
e Cabo Verde para pescar baleias. Só depois de anos na atividade vinham à
terra. No Oeste, atuaram no comércio de peles, na mineração, construção de
estradas de ferro, criação de ovelhas e agricultura. O açoriano Frank Frates
chegou a superintendente de um trecho da Central Pacific Railroad e comandou as
obras do túnel da Southern Pacific que ligava Los Angeles ao norte do estado.
Manuel Brazil estabeleceu-se no Novo México como criador de gado. Brazil
colaborou para a captura de Billy the Kid, informando a localização dele ao
xerife Pat Garrett e depois transportando o bando capturado até Las Vegas.
Segundo Sandra Wolforth, em Portuguese in America, os portugueses não
adquiriram valores que os fizeram ser assimilados pela sociedade local. Ao
contrário, “trouxeram com eles habilidades e qualidades de que o cenário
americano necessitava”.
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