terça-feira, 11 de agosto de 2015

Drácula: Fato, Lenda e Ficção

Paul Dukes

History Today, Vol. 32, Nº 7, julho de 1982



Primeiro o fato, como qualquer um que alguma vez tenha investigado a vida de um personagem histórico saberá, isto não significa necessariamente algo fácil de se estabelecer. Drácula de fato existiu, mas quem era ele e como ele adquiriu sua reputação?

Na história atual romena, ele é melhor lembrado como um líder na luta medieval contra os turcos. De 1456 a 1462 e novamente por um período curto em 1476, o governante do principado daubiano da Valáquia era Vlad Tepes, isto é, Vlad o Empalador, ou Drácula. Seis anos após a queda de Constantinopla em 1459, este príncipe valente se recusou a pagar tributo ao Aduaneiro Otomano, e dois anos depois ele liderou um exército através do Danúbio para lutar contra o inimigo, supostamente tendo matado 24.000 turcos e liberando parte do território recentemente ocupado por eles. Mas então, em 1462, o Sultão Mohammed II o Conquistador em pessoa liderou uma campanha de retaliação contra Valáquia. Vlad ergueu uma resistência patriota, e finalmente foi derrotado, não no campo de batalha, mas pela duplicidade do rei da Hungria, Matthias Corvinus (1140 – 1490), para quem ele tinha apelado por apoio mas por quem ele agora estava preso. Em 1476, ele conseguiu escapar para tomar parte em uma luta contra a invasão otomana na Bósnia e para reocupar o trono de Valáquia. Entretanto, no mesmo ano, como o relato romeno coloca, “este combatente corajoso pela liberdade de seu povo foi morto em uma campanha contra os turcos.”

A visão romena, dificilmente surpreendente, não foi compartilhada pelos outros na Europa Oriental; os húngaros, para tomar o exemplo mais óbvio, não lembram de Matthias Corvinus como um vira-casaca. Pelo contrário, mais importante, eles veem a Transilvânia, o local de nascimento de Drácula, como sendo parte de um único país junto com Valáquia, a terra que ele governou, persistindo até hoje em sua crença que a Transilvânia deveria fazer parte da Hungria. Os alemães têm tendido a seguir a visão de seus antepassados do século XV no Sacro Império Romano, que condecorou o pai de Drácula com a Ordem do Dragão hereditária somente para se arrepender, acreditando que a família tão honrada provou ser, graças ao filho, indigna de tal título cavalheiresco. O nome “Drácula” poderia significar tanto “filho do dragão” quanto “filho do mal”, e aos olhos alemães, a última interpretação rapidamente predominou. Enquanto isso, na Rússia ortodoxa, em 1490 uma versão de sua carreira foi escrita em manuscrito segundo a qual Drácula foi condenado por sua aceitação apostática do catolicismo romano durante seus anos de aprisionamento na Hungria, mas também para ser aprovado por suas políticas cruéis, porém justas. Sem entrar na controvérsia histórica, o estudioso russo Ian Lurye deu, talvez, a melhor descrição do fato.

Poucos anos após sua morte, então, o legado de Drácula foi divulgado, o qual já era desvirtuado e contribuiu para a lenda que deveria o levar para a ficção. Outros componentes da lenda eram muitas histórias, uma das quais, muito recorrente, dizia que uma visita ao príncipe por alguns embaixadores que entraram sem tirar seus chapéus, dando a explicação que isso era costume entre eles. Drácula ordenou então que seus chapéus fossem pregados em suas cabeças, com a explicação que isto fortaleceria seu costume e, em algumas versões, que seus governantes aprenderiam que na Valáquia era melhor se comportar como valaquianos. Outro conto recorrente fala sobre a perpetração de canibalismo forçado, algumas vezes os ciganos obrigados a comer uns aos outros, em outra ocasião mães são obrigadas a assar seus bebês e então devorá-los. O assunto mais frequente da lenda de Drácula, contudo, está ligado com seu apelido alternativo “Vlad o Empalador”. Por exemplo, uma pessoa reclamando sobre o fedor emanando de um número de corpos já empalados é ela própria empalada em um lugar onde o ar é melhor. Muito da transfixação parece ser sem nenhum motivo claro. Se há uma dispensa da justiça, é áspero ao extremo, e a impressão que fica é de um sadismo gratuito aliviado, se for isso, por um senso de humor sarcástico. Se a lenda reflete isso, a época deve ter sido muito difícil para os habitantes do século XV de Valáquia e outros principados vizinhos.

O estilo de vida da criação ficcional mais famosa é totalmente descolado da lenda. As características distintas do monstro de Bram Stoker poderiam resultar em parte da circunstância que as palavras “demônio” e “vampiro” são intercambiáveis em diversas línguas, enquanto que a crença nos vampiros tem sido muito espalhada e ainda existe na pátria de Dráculae outras partes da Europa Oriental, sem mencionar no mundo inteiro. Mais diretamente, Bram Stocker supostamente recebeu sua versão da vida e morte de seu “herói” do, entre outras fontes, professor Arminius Vambery, um especialista bem viajado da Hungria, com quem ele jantou no Clube do Bife em Londres em 1890. Provavelmente, no curso da conversa, as proezas de Vlad o Empalador foram mencionadas, e sendo assim, dada as características do ambiente característico transilveniano, mas é possível que a conexão entre o professor e Drácula foi feita na mente de Stoker e outros pela justaposição em muitas enciclopédias de “Vambery” e “vampiro”.   

Certamente, não houve atalho de influências no romance que apareceu em 1897. Nascido cinquenta anos antes em Dublin, e formado na Faculdade Trindade (Trinity College), Bram Stoker mudou da rotina de um emprego público (sua primeira publicação trazendo o pouco sugestivo nome de “Tarefas de Escriturários de Pequenas Sessões na Irlanda”) para uma atividade literária parcial e críticas dramáticas da gestão de palco para o ator Sir henry Irving, combinado com o desenvolvimento de sua própria perseguição da profissão de letras. Ele recebeu atenção considerável com Carmilla, um romance vampiresco pelo seu compatriota Joseph Sheridan Le Fanu, e seu próprio primeiro trabalho de ficção contendo um personagem chamado “o fantasma do demônio”.

O século XIX não foi, é claro, estranho a vampiros e demônios de muitas variedades. Mary Wollstonecraft Shelley levou o romance gótico a um novo nível de realismo com seu Frankenstein (1818). Byron, Goethe e Alexandre Dumas Sr. foram apenas alguns de escritores mais famosos a mostrar um interesse no consumo póstumo de sangue. E entre as muitas pessoas interessantes que Stoker encontrou no curso de uma vida agitada foi Sir Richard Burton, o famoso viajante e tradutor, de quem ele soube dos vampiros árabes e indianos e que também o impressionou com a proeminência de seus dentes caninos. Então, na névoa do outono de 1888 nas ruas de Londres, a realidade superou a lenda e ficção na forma de Jack o Estripador, que surgiu na imprensa popular através de todos os tipos de imagem de criaturas sugadoras de sangue da “Idade das Trevas” e deu combustível adicional à imaginação fértil de Stoker. Dois anos mais tarde, veio o encontro com o professor Vambery, acrescido pela pesquisa na Sala de Leitura do Museu Britânico, que tinha recentemente adquirido um panfleto alemão impresso em 1491 e relatando algumas histórias horríveis sobre Drácula.

Hipóteses adicionais relacionadas às fontes da obra de Stoker variam do passado turvo e distante até o presente mais imediato e pessoal. Durante sua infância na Irlanda, o autor ouviu muitos contos de mistério e imaginação celtas, enriquecidos pelas memórias pessoais de sua mãe de alguns dos aspectos macabros da epidemia de cólera de 1832. Em 1894, Stoker fez a primeira de muitas visitas de férias à vila pesqueira escocesa de Cruden Bay, onde ele foi capaz de absorver mais folclore celta de natureza tanto genuína quanto artificial. É possível que ele tenha tomado conhecimento de “Vampiro: Pássaro das Ilhas”, publicado em Londres em 1822 e passado na Ilha Ocidental de Staffa. E uma autoridade local, James Drummond, escreveu não somente da associação de Stoker com a peça de Cruden, mas também de uma influência palpável de outra peça escocesa, que atores supersticiosos ainda contraem-se ao falar seu título. Drummond revela muitos paralelos entre MacBeth e Drácula, culminando nos respectivos resultados:

Os exércitos da virtude ultrajada fecham-se para varrer as forças do mal e para exigir retribuição. A Cruz de Santo Jorge e o Crucifixo, o crescimento verde fresco de Birnam Wood e a pura e afiada estaca de sorva. E finalmente, o ritual antigo catártico celta das cabeças cortadas liberta o mundo a partir do reino do mal. “Eis onde está a cabeça amaldiçoada do usurpador!” lamenta Macduff, “O tempo é livre!” E Morris respeitosamente ecoa, “Veja a neve não é mais brilhante do que a testa dela. A maldição foi embora!”

Tão longe quanto as conexões escocesas permitem, pode ser útil acrescentar que parte dos contos ouvidos por Stoker na Baía de Cruden (uma de cujas derivações sugeridas significa apropriadamente "sangue dos dinamarqueses”) poderia bem ter sido semelhante a outras contadas nas montanhas cárpatas, na vizinhança das quais os povos celtas supostamente tiveram suas origens bem antes do nascimento de Vlad o Empalador na Transilvânia. Além disso, críticas recentes do livro sobre Robert Seton-Watson por seus dois filhos, tem apontado como a simpatia de um grande homem pelos povos da Transilvânia e outras regiões cárpatas podem bem ter vindo de sua própria origem escocesa, uma afinidade que poderia ter permeado uma geração ou antes tanto quanto o autor de Drácula. Certamente, Stoker escreveu de suas pesquisas: “Li que toda superstição conhecida no mundo é reunida na ferradura dos Cárpatos, como se fosse o centro de um tipo de redemoinho imaginativo.”

Finalmente, uma fonte mais íntima da inspiração de Stoker foi debatido por Penelope Shuttle e Peter Redgrove em “A ferida Sábia: Menstruação e Mulher”. No capítulo 7, que eles chamaram de “O Espelho de Drácula”, eles escrevem:

Stoker era casado com a atraente Florence Balcome, que era muito admirada por Oscar Wilde, e que era também, de acordo com autoridades, frígida como uma estátua. É possível que uma mulher com uma vida sexual insatisfatória tenha também distúrbios menstruais ruins. Foi uma imagem destas que deu à mente subliminar de Stoker a dica que formulou um mito de poder formidável, fora da ferocidade de uma mulher frustrada sangrando, crepitando com energia e sexualidade não reconhecida?

Das neblinas da antiguidade celta até o estilo de seus problemas maritais é provavelmente um longo caminho em direção de um entendimento completo da imaginação de Stoker, neste caso há ainda uns poucos comentários adicionais a serem feitos no conteúdo da própria obra. Agora, nos movemos a um concurso de história local, Cruden Bay versus o porto de North Yorkshire em Whitby. Bram Stoker tirou suas férias de verão de 1890 em Whitby apenas uns poucos meses após seu encontro com o professor Vambery e, de acordo com a lenda local, derivou a ideia de seu livro de um pesadelo após Stoker jantar uma sopa de camarão. Drácula, está bem documentado, começou de fato alguns anos depois em Cruden Bay, mas a chegada do Conde na Inglaterra é explicitamente estabelecida em Whitby, com Stoker passando alguns de suas férias lá ao mesmo tempo copiando certos detalhes do local mais imediato. O Mosteiro de Whitby pode bem ter surgido em sua mente com o Castelo Slains cravado em um monte próximo a Cruden Bay como ele veio a descrever a residência de drácula. Descrevendo os recintos de Whitby, ele fala de “pistas estreitas, como eles são chamados na Escócia.” E algumas das palavras que ele coloca na boca dos pescadores de North Yorkshire são tiradas do dialeto buchan do nordeste da Escócia: “to skeer an scunner hafflins”, por exemplo, que significa “assustar e desapontar os jovens rapazes.” Que Stoker descobriu Cruden Bay o lugar mais simpático para a atividade literária é indicado pelo fato de que ele escreveu dois romances quase completamente localizados lá ou próximos dele, The Watter´s Mou e O Mistério do Mar. Por outro lado, a tempestade anunciando a chegada do Conde Drácula nas praias da Inglaterra, uma das passagens descritivas mais poderosas em seu famoso trabalho, foi definitivamente esboçado em grande parte a partir das experiências vividas pelos pescadores de Whitby na época das férias de Bram Stoker naquele porto.

Quando de sua publicação em 1897, Drácula foi bem recebido pelos críticos, o Daily Mail, por exemplo, o considerou “ainda mais terrível em seu fascínio sombrio” do que trabalhos como Frankenstein, Wuthering Heights e The Fall of the House of Usher. Entretanto, o livro não tornou-se um sucesso, enquanto que sua primeira apresentação teatral, apressadamente juntos para proteger os direitos do autor, foi considerada assustadora, em nenhum sentido lisonjeiro, por ninguém menos que o próprio Sir Henry Irving. Mesmo assim, foi através de uma apresentação mais tarde em palco que Drácula atingiu a fama que ele desfruta hoje. Estreando em Derby em 1924, a nova peça mais tarde transferiu-se para uma temporada de sucesso no final do ano. Então, na Broadway, o papel principal foi interpretado pelo húngaro bela Lugosi, que usou seu autêntico sotaque europeu do leste na primeira versão filmada de 1931. Esta alcançou sucesso estrondoso e desde então tem havido muitas refilmagens e variações do tema drácula – mais de 400, de acordo com um cálculo. O nome assustador tem sido aplicado em todos os tipos de direções, o mais patético talvez em uma propaganda de picolé como “O Segredo Mortal do Conde Drácula – Chupe um antes do nascer do Sol!” Sem dúvidas, um lugar de destaque nos países ocidentais, até mesmo na consciência geral do mundo, foi ganho pela criação de Bram Stoker. 

Por isso é que, mais do que uma figura histórica, que todos agora conhecemos e tememos. Verdade, versões da velha lenda, elas próprias talvez agora removidas da vida autêntica de Vlad Tepes, ainda são contadas por camponeses romenos, e pode não ter desaparecido do folclore pré-industrial alhures. Mas a força de Drácula parece estar mais firmemente estabelecida pelo romance emgraças às ansiedades sofisticadas dos moradores da cidade, o anonimato solitário e distúrbio psicológico, a repressão sexual e frustração particularmente. De um modo ou de outro, o monstro afundou seus dentes em todo mundo.                   


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