History
Today, Vol. 16, Nº 4, abril de 1966
Por
uma estranha ironia da história, a coisa mais certamente conhecida sobre Jesus
de Nazaré é que Ele foi executado pelos romanos por sublevação contra seu
governo na Judéia. As circunstâncias do nascimento de Jesus, a extensão de seu
ministério público e o conteúdo exato de Seus ensinamentos são todas questões
de incerteza, mas a causa de Sua morte está além de qualquer dúvida.
Pelo
fato de Jesus ter sido crucificado como um rebelde contra as ordens de Pôncio
Pilatos, o procurador romano da Judéia está atestado pelos quatro Evangelhos, e
é brevemente mencionado pelo historiador romano Tacitus, escrevendo no início
do século II.
O
testemunho dos Evangelhos é especialmente significativo, pelo fato da execução
de Jesus sob tal acusação ser muito embaraçosa para os primeiros cristãos. Eles
obviamente jamais a teriam inventado; de fato, eles provavelmente não a teriam
registrado, se o fato não fosse bem conhecido.
Que
os escritores do Evangelho descrevem a crucificação de Jesus, e os eventos que
conduziram a isso, em extensão considerável, é, de fato, a causa real do
mistério que torna o evento trágico. Seus relatos, sob análise, parecem ser
inspirados por um forte motivo apologético – de fato, eles são tentativas de
explicar o fato embaraçoso de que Jesus foi, na verdade, executado como um
criminoso político. Por causa desta intenção apologética, qualquer tentativa de
elucidar o problema da condenação romana de Jesus deve começar com uma
avaliação da evidência do Evangelho.
O
documento central é o Evangelho de Marcos, pelo fato de ser o primeiro dos
Evangelhos e sua estrutura narrativa foi seguida de maneira próxima pelos
autores dos Evangelhos de Mateus e Lucas. O Evangelho de João, que é posterior
em data, geralmente reproduz a apresentação marquiana do Julgamento e
Crucificação de Jesus, apesar de evidentemente estar mais preocupado com o
significado teológico destes eventos.
O
Evangelho de Marcos representa uma inovação no pensamento e prática cristãos.
Ninguém até aquele ponto pensou em escrever um relato narrativo da vida de
Jesus. A razão para isto residia indubitavelmente no fato de que os primeiros
cristãos acreditavam tão firmemente que Jesus logo voltaria do Céu, com poder
sobrenatural, para conduzir a Ordem Mundial existente a um fim. Em outras
palavras, nas três ou quatro décadas após a Crucificação nenhuma necessidade
foi sentida em registrar a vida terrena de Jesus para a posteridade – porque
não haveria posteridade!
O
que, então, provocou a mudança que produziu o Evangelho de Marcos? Claramente,
devemos olhar para a causa adequada; a mudança implica uma alteração
verdadeiramente profunda na primitiva perspectiva cristã. Para responder a
questão, precisamos saber a data do Evangelho. Estudiosos concordam em data-lo
do período 65 a 75 d.C.
Agora,
durante esta década ocorreu a revolta judaica contra Roma. Ela já estava
acontecendo há algum tempo, devido à má administração romana e convicção
judaica, tão fervorosamente mantida, que o Povo Eleito de Israel não pagaria
lealdade a nenhum outro deus exceto Yahweh, o Deus de Israel. A revolta
estourou no ano 66, e pelos próximos quatro anos, a vida da nação judaica foi
perturbada pela guerra, até a catástrofe final acontecida em 70, quando
Jerusalém foi capturada e destruída, e seu famoso Templo destruído pelo fogo.
O
efeito da guerra judaica sobre a nascente igreja cristã foi profundo. Até
então, o movimento cristão tinha sido dirigido e controlado de Jerusalém, onde
a comunidade original de apóstolos e discípulos foi estabelecida. Esta
comunidade, a Igreja Mãe da Cristandade, desapareceu na catástrofe de 70 d.C. A
situação resultante ficou carregada de perigo e perplexidade para os cristãos
em todos os lugares.
Não
somente eles tinham perdido a fonte original de autoridade e tradição de sua
fé, mas eles enfrentaram o perigo real e imediato de serem lembrados pelo
governo romano como “companheiros simpatizantes” do nacionalismo judaico. Em
nenhum outro lugar este perigo era maior do que em Roma, a capital do Império
que foi altamente testada pela revolta judaica. Foi para a comunidade cristã em
Roma que o Evangelho de Marcos foi originalmente escrito.
Este
fato da origem romana do Evangelho de Marcos é de supremo significado para
determinar a data de sua composição. A questão que agora enfrentamos, à luz das
considerações precedentes, é: quando, durante o período 65 – 75 d.C., surgiu a
necessidade para os cristãos de Roma de um registro escrito da vida de Jesus,
haja visto que esta necessidade não havia sido sentida antes? A evidência
aponta irresistivelmente para uma única resposta: a necessidade surgiu em
virtude da situação provocada pela guerra judaica contra Roma.
A
probabilidade a priori que isto foi
assim encontra confirmação singular quando examinamos o próprio Evangelho. Mas
primeiro precisamos notar outro fato de grande importância nesta conexão. No
ano 71, o imperador Vespasiano, junto com seus filhos Tito e Domiciano, celebrou
um triunfo esplêndido em Roma para comemorar sua vitória sobre a Judéia
rebelde. A ocasião foi de grande significado tanto para o povo romano quanto
para a nova dinastia imperial dos Flavios.
Desde
a morte de Nero em 68, o Estado romano sofreu uma série de desastres sérios.
Ela entrou em guerra civil logo após os judeus terem se revoltado. A própria
guerra judaica começou com a derrota humilhante de um exército romano pelos
rebeldes. As consequências foram provavelmente sentidas longe, já que a Judéia
ocupava um lugar importante na posição estratégica romana no Oriente Próximo.
O
país situa-se transversalmente às principais rotas conectando o Egito com a Síria;
também havia uma grande população judaica na Mesopotâmia, propensos a comprar
briga com seus irmãos da Judéia contra Roma, uma situação que os partos[1], por
sua vez, poderiam ter explorado ao invadir províncias romanas. Os romanos
tinham sido, convenientemente, aterrorizados pela guerra judaica, e eles eram
profundamente gratos a Vespasiano, que tinha tanto posto um fim à guerra civil
quanto esmagado os rebeldes judeus.
A
ocasião era importante para Vespasiano e seus filhos, já que eles estavam
criando uma nova dinastia imperial. Seria obviamente sua vantagem usar a
vitória para impressionar o povo de Roma com suas realizações. Moedas foram
emitidas comemorando a conquista da Judéia; mas foi o triunfo que forneceu a
melhor oportunidade para levar ao lar do povo romano a magnitude de sua
vitória. Tivemos sorte em ter um relato detalhado de Josefus, o historiador
judeu, que na verdade serviu como general no lado rebelde.
Pelas
ruas de Roma, no dia em causa, as legiões vitoriosas desfilaram, com os troféus
de sua vitória e diversidade de prisioneiros judeus. Os tesouros do Templo
foram dispostos em processão triunfal, o grande Menorah, ou o candelabro de sete braços, o altar da proposição, os
trompetes de prata e as cortinas púrpuras que cobriam o Santo dos Santos – uma
representação em escultura da cena ainda adorna o Arco de Tito no Fórum.
A
procissão também incluía uma pintura mostrando cenas da Guerra que, Josefus nos
diz, impressionou as pessoas pela sua apresentação realista. O triunfo culminou
com a execução de Simon ben Gioras, um dos líderes principais judeus, enquanto
Vespasiano oferecia um sacrifício de ação de graças a Júpiter no grande templo
da capital.
Este
triunfo deve ter tornado a revolta judaica muito real para o povo de Roma; já
que ele foi criado para apresentar-lhes vivamente a gravidade do perigo do qual
o novo imperador e seu filho enfrentaram. Entre os espectadores aquele dia
havia, sem dúvida, muitos cristãos, que assim viram o espetáculo da ruína de
Israel. Mas a visão teria dado a eles outros pensamentos que aqueles que moviam
seus vizinhos pagãos. Esta evidência da insubordinação judaica deve ter sido um
lembrete perturbador do fato que Jesus, o fundador da fé, também foi executado
por insubordinação a Roma.
Eles
teriam ficado embaraçosamente alertas que muitos de seus cidadãos camaradas
deveriam ver a Cristandade como Tacitus o fez quando escrever: “Cristo, o
fundador da seita, foi condenado à pena capital no reino de Tibério, por
sentença do procurador Pôncio Pilatos e a superstição perniciosa foi contida
por um momento, somente para estourar uma vez mais, não somente na Judéia, o
lar da doença, mas na própria capital (isto é, Roma), onde todas as coisas
horríveis ou vergonhosas no mundo coletam e encontram discípulos.”
O
Evangelho de Marcos reflete a situação dos cristãos romanos nesta época com uma
fidelidade surpreendente. O espaço nos permite selecionar apenas uma passagem
que, sob análise, indiscutivelmente indica o tempo e o objetivo da composição
do Evangelho. No capítulo XII, 13-17, Jesus é representado como sendo
questionado a respeito do dever dos judeus pagarem tributos a Roma. Desde que
este assunto poderia não ter qualquer significado espiritual para os cristãos
de Roma, podemos razoavelmente perguntar por que o autor do Evangelho devotou
espaço para ele?
A
resposta somente pode ser que o assunto era politicamente importante para os
cristãos romanos. A conclusão, por sua vez, levanta a questão óbvia: quando os
cristãos em Roma poderiam estar interessados na atitude de Jesus em relação à
obrigação dos judeus em pagar tributos? A resposta é igualmente óbvia; quando o
assunto tornou-se tão perturbador aos cristãos romanos pelo triunfo flaviano em
71 d.C., como pudemos ver.
Nesta
passagem sobre o Dinheiro do Tributo, os líderes judeus são descritos como
tentando fazer Jesus a comprometer-se em um assunto que era uma questão
dolorosa para os judeus nacionalistas – o não-pagamento do tributo foi uma das
causas da revolta em 66. O autor do Evangelho marquiano representa Jesus como
endossando a obrigação judaica de pagar tributo a César; mas há motivos para
duvidar que esta era realmente a opinião de Jesus. A apresentação marquiana,
contudo, era necessária em Roma nesta época; pois isto garantia aos cristãos
lá, e quaisquer outros que poderiam ler o Evangelho, que Jesus era leal a Roma
e oponente do nacionalismo judaico.
Esta
discussão sobre as origens do Evangelho de Marcos foi necessária, no sentido de
avaliar o relato do Julgamento de Jesus. Na investigação, este Evangelho é tido
como um relato de Jesus, escrito por um membro da comunidade cristã em Roma
para encontrar as necessidades de seus companheiros cristãos, em perigo e
perplexidade devido à guerra judaica e à publicidade dada a ela pelo triunfo
flaviano em Roma.
Este
objetivo apologético é evidente em muitos outros modos do que vimos
anteriormente. Mas o ponto essencial de preocupação para o autor era a execução
romana de Jesus. Mesmo que ele representasse Jesus leal a Roma na questão
tributária, continuou o fato inegável que Pôncio Pilatos crucificou Jesus como
rebelde. Como este fato desastrado e perturbador deveria ser explicado?
O
autor de Marcos enfrenta esta dificuldade transferindo a responsabilidade pela
Crucificação do governador romano para os líderes judeus. Ele se prepara para
isto ao mostrar que os líderes judeus, variadamente descritos como “os escribas
e fariseus” e os “altos sacerdotes”, planejando destruir Jesus desde o início
de seu ministério. Assim, somos informados que, após Jesus ter curado no domingo
um homem com a mão atrofiada, “os fariseus saíram e imediatamente reuniram-se
com os herodianos contra Ele, como destruí-Lo.” (III, 6)
Este
tema da intenção maliciosa das autoridades judaicas é gradualmente
desenvolvido, enquanto a narrativa continua. Como sua intenção seria implantada
é contada em detalhes em uma profecia atribuída ao próprio Jesus: “Preparem-se,
iremos a Jerusalém; e o Filho do Homem será entregue aos sacerdotes e escribas,
e eles O condenaram à morte, e O entregaram aos gentis; e eles vão zombar Dele,
cuspir Nele e O açoitarão, e O matarão; e após três dias Ele ressuscitará.” (X,
33-34)
Após
descrever encontros posteriores com Jesus durante os últimos dias em Jerusalém,
Marcos relata como os líderes judeus finalmente conseguiram prendê-Lo, graças à
traição de um dos discípulos. O fato é significativo; já que ele indica que
Jesus era também apoiado fortemente pela multidão para as autoridades judaicas
prendê-Lo publicamente. Marcos não diz por qual motivo específico eles então
capturaram Jesus; temos apenas suas afirmações iniciais e generalizadas que
eles estavam determinados a destruí-Lo desde o início de seu ministério.
Marcos
admite que as autoridades judaicas enviaram um grupo altamente armado para capturar
Jesus, e que houve alguma resistência armada à sua prisão em Getsêmani. Ele minimiza
esta resistência como “um dos que ali estavam, puxando da espada, feriu o servo do sumo sacerdote e cortou-lhe
a orelha.” (XIV, 47) Ele não revela, como os
evangelistas tardios fizeram, que os discípulos estavam armados e que um deles
deu o golpe.
Após
sua prisão, de acordo com Marcos, Jesus foi levado, parecendo ser ainda à noite,
diante do Sinédrio, o mais alto tribunal judeu. O julgamento que segue é
descrito de um modo que levanta um monte de problemas, tanto em relação ao
procedimento quanto ao que realmente aconteceu. A afirmação de abertura de
Marcos reitera seu tema da intenção má dos líderes judeus: “Agora, os
sumo-sacerdotes e o conselho inteiro buscaram testemunho contra Jesus para
condená-lo à morte; mas eles não encontraram nenhum. Muitos deram testemunho
contra Ele, e nenhum de seus testemunhos concordava entre si.” (XIV, 55-6)
A
impressão é a de que as afirmações de Marcos são evidentemente feitas para
transmitir que as autoridades judaicas, determinadas a destruir Jesus, usaram o
julgamento como um pretexto legal para atingir seu objetivo. O que é dito sobre
os “falsos testemunhos”, contudo, indica uma situação totalmente diferente.
Assim, se eles tivessem subornado pessoas para dar falsa evidência contra
Jesus, os líderes judeus seriam estranhamente meticulosos em rejeitar a
evidência quando ela não fosse mutuamente corroborada - certamente eles teriam arranjado as
coisas de melhor forma, ou terem
sido menos escrupulosos sobre
as regras de prova, se tivessem “manipulado” o julgamento.
Mas Marcos estava obviamente mais preocupado em
estabelecer a responsabilidade dos líderes judeus pela Crucificação do que
apresentar uma narrativa logicamente coerente. Isto também parece ser a
explicação de sua próxima afirmação. De acordo com ele, a única acusação
específica feita contra Jesus foi quando “alguns permaneceram de pé e deram
falso testemunho contra Ele, dizendo, ‘Escutamos Ele dizer, destruirei este
templo que é feito por mãos e, em três dias, construirei outro, não feito por
mãos.’ No entanto, nem mesmo assim seus testemunhos concordaram.” (XIV, 57-9)
Marcos
descreve esta acusação como “falso testemunho”, sugerindo assim que não era
verdadeira; e esta sugestão é confirmada pela afirmação que a evidência destas
testemunhas não concordava entre si. Entretanto, como João II, 9 e Os Atos dos
Apóstolos VI, 14 indicam, parece ter sido uma tradição na comunidade cristã
primitiva na Judéia que Jesus fizesse algumas elocuções contra o Templo; e o
próprio Marcos parece afirmar isso em XIII, 1-2.
Certas
sugestões podem ser oferecidas para elucidar o problema aqui. Em primeiro
lugar, é improvável que Jesus tenha de fato ameaçado que Ele destruiria o
Templo, já que sabemos que Seus discípulos continuaram a orar lá e lembravam
dele como a moradia de Deus – esta devoção seria difícil de explicar se Jesus
tivesse se pronunciado contra o Templo. Além disso, a acusação é rejeitada por
Marcos como falso testemunho. O que parece ser a solução mais provável é que a
acusação no julgamento do Sinédrio nasceu do ataque que Jesus fez alguns dias
antes contra o sistema de comércio do Templo. (XI, 15-18)
Este
sistema era necessário para a realização eficiente do culto do Templo. Os
judeus fazendo oferendas com o dinheiro prescrito ao Templo tiveram que mudar a
moeda romana, que era ofensiva à Lei sagrada para uma moeda do Templo mais
apropriada. Aqueles que vinham oferecer sacrifícios precisavam comprar os
animais lá. Estas instalações eram autorizadas pelo sumo-sacerdote. Tais
transações, assim como as instalações bancárias oferecidas pelo Templo,
forneceram uma renda lucrativa para a aristocracia sacerdotal que administrava
o Templo.
Esta
aristocracia sacerdotal, além disso, controlava “assuntos locais”, sob o domínio
dos romanos: o sumo-sacerdote era apontado pelo procurador. Esta aristocracia
pró-romana era naturalmente odiada por judeus patriotas; e, ao atacar sua
organização de comércio no Templo, Jesus estava, de fato, atacando seu controle
sobre o povo e a religião de Israel. Há pouca dúvida que a ação de Jesus no
Templo foi muito mais séria do que é representada em Marcos e outros
evangelistas. E há toda a razão para acreditar que isso teria sido uma das
principais acusações colocadas contra Ele.
As
autoridades judaicas indubitavelmente estavam preocupadas em descobrir qual era
a intenção de Jesus ao fazer tal ataque. O relato curioso de Marcos da acusação
e do conflito de evidência sugere que as autoridades judaicas eram incapazes de
conseguir uma afirmação clara do que Jesus disse sobre Seus objetivos durante a
ação no Templo.
De
acordo com o relato marquiano do julgamento no Sinédrio, após falhar em
conseguir evidência suficiente em relação ao assunto do Templo, o
sumo-sacerdote então perguntou a Jesus diretamente se ele afirmava ser o
Messias de Israel: “Você é o Cristo (isto é, Messias), o Filho do
Bem-Aventurado?” Ao fazer tal pergunta, seguindo-se à acusação do templo,
claramente mostra que o sumo-sacerdote ligou a ação revolucionária com Aquele
que afirmava ser o Messias. Na crença atual judaica, o Messias conduziria a
Ordem Mundial existente a um fim.
Marcos
relata Jesus afirmando que Ele era o Messias em termos da atual expectativa apocalíptica:
“Eu Sou; e você verá o Filho do Homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu.” (XIV, 62) O sumo-sacerdote toma esta
resposta como blasfêmia e, com a concordância do Sinédrio, condena Jesus à
morte.
Agora
encontramos um dos grandes problemas do relato marquiano. Em primeiro lugar, apesar
de Josefus nos dizer da existência de muitos pretendentes messiânicos durante o
período 6 a 70 d.C., não existem registros de qualquer um deles ter sido
condenado à morte pelo Sinédrio por fazer tal afirmação. Em segundo lugar, de
acordo com a Lei Judaica, a penalidade por blasfêmia era a morte por
apedrejamento – a morte de Estevão fornece um exemplo contemporâneo disso (Atos
VI).
Mas
o Sinédrio não procede em arranjar a execução desta sentença no caso de Jesus.
Ao invés disso, Marcos continua a relatar, sem uma palavra de explicação, que
pela manhã as autoridades judaicas levaram Jesus diante de Pôncio Pilatos. A
acusação escolhida por eles não é mencionada, mas foi obviamente política; assim,
Pilatos imediatamente pergunta a Jesus, “Você é o Rei dos Judeus?” (XV, 1-2)
Esta
ação dos líderes judeus, e a mudança da acusação, causaram muito debate entre
os estudiosos. Parece haver evidência que nesta época o Sinédrio poderia condenar
sobre uma acusação capital; mas a sentença tinha que ser confirmada pelo
governador romano. Presumivelmente, se o Sinédrio tivesse condenado Jesus à
morte por blasfêmia, eles teriam apresentado para Pilatos para confirmação. Se
isso tivesse acontecido, Jesus teria sido executado por apedrejamento.
Não
foi assim, e que Jesus foi entregue a Pilatos acusado de sedição, indica que as
autoridades judaicas estavam preocupadas com o significado político, e não
religioso, de Jesus. Esta preocupação é compreensível. O sumo-sacerdote e o
Sinédrio eram responsáveis diante do governador romano pelos assuntos judaicos.
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e a ação no Templo haviam claramente
perturbado a paz e a ordem do Estado judaico, além de desafiar sua própria
posição.
Que
os romanos os tornariam responsáveis pela continuação da ameaça que Jesus
constituía é atestado por João XI, 48 onde Caifás, o sumo-sacerdote, é relatado
afirmando ao Sinédrio: “O que devemos fazer? Este homem dá muitos sinais. Se O
deixarmos continuar, então, todos acreditarão Nele, e os romanos virão e
destruirão tanto nosso local sagrado quanto nossa nação.”
Consequentemente,
a ação tomada pelos líderes judeus estava de acordo com suas responsabilidades,
e ela antecipou a ação romana. Tendo aprisionado Jesus, eles O examinaram sobre
Seus objetivos e seguidores, preparatório para conduzi-Lo a Pilatos. A acusação
era essencialmente política, apesar de que deve ser lembrado que política e
religião estavam inextricavelmente ligados na Judéia nesta época. Lucas dá o
relato mais explícito das acusações proferidas contra Jesus pelos líderes
judeus: “Acusamos este homem de perverter nossa nação e proibir-nos de pagar
tributo a Cesar, e dizer que ele próprio é o Cristo e um Rei.” (XXIII, 2)
Devemos
retornar ao relato marquiano, lembrando que ele é a versão mais antiga. Marcos
apresenta Pilatos como convencido da inocência de Jesus; “então ele percebeu
que era por inveja que os sacerdotes O entregaram a ele.” (XV, 10) Agora, se
esta era realmente a opinião de Pilatos, o curso aberto a ele era óbvio. Ele tinha
a autoridade e o poder de encerrar o caso. Conhecemos muito a respeito do
caráter de Pilatos de Filo de Alexandria e Josefus.
Estes
escritores judeus concordam em mostrar Pilatos como um homem linha dura, pronto
para usar a força, e não alguém que pudesse ser intimidado pelos líderes judeus
e o povo. Consequentemente, se ele estivesse convencido de que Jesus era
inocente, ele provavelmente não teria hesitado em frustrar a intenção dos
líderes judeus. O que Marcos nos diz de sua conduta subsequente no Julgamento
é, portanto, difícil de reconciliar com seu caráter, assim como com a lógica,
como podemos ver.
Ao
invés de ignorar o caso, Pilatos é descrito com tentando salvar Jesus valendo-se de um costume de outra
maneira desconhecido. De acordo com Marcos, era o costume
na Páscoa o governador romano libertar um prisioneiro escolhido pela multidão.
Não há nenhuma outra evidência de tal costume. Este testemunho negativo é
importante, pois Josefus é cuidadoso em registrar todos os privilégios
garantidos aos judeus pelos romanos.
Mas
isso não é tudo. Tal costume é inerentemente impossível. A Judéia estava
fervilhando com uma revolta; seu governo teria sido anualmente frustrado ao ter
libertado um prisioneiro notável – de acordo com Marcos, nesta ocasião um
rebelde perigoso, provavelmente um zelote[2], foi libertado.
Porém,
mesmo que deixemos passar a improbabilidade de tal costume existir, o que Marcos
diz do uso de Pilatos dele fica além da crença. Ele descreve este procurador
romano linha dura, que estava garantido por uma forte força militar, recorrendo
a este costume para salvar um homem que ele julgava inocente. Ao fazer isso,
ele convida o populacho de Jerusalém para escolher entre Jesus e um líder
rebelde, Barrabás, que assassinou romanos em uma insurreição recente.
Ao
dar à multidão tal poder de escolha teria sido o cúmulo da loucura, se Pilatos
tivesse pensado nisso como uma forma de salvar Jesus. A decisão do povo era uma
decisão antecipada. Liderados pelos altos sacerdotes, eles naturalmente
escolheram Barrabás, para eles um herói patriota. Frustrado, Pilatos é
representado como hesitantemente perguntando à multidão: “o que devo fazer com
o homem que vocês chamam Rei dos Judeus?” (XV, 12)
A
imagem de um governador romano consultando uma multidão de judeus sobre o que
ele deveria fazer com um homem inocente é ridícula ao extremo. Mas para este
extremo o autor do Evangelho de Marcos estava preparado evidentemente para ir,
para explicar o problema da execução romana de Jesus. Assim, ele completa sua
imagem da responsabilidade judaica pela Crucificação. Os líderes judeus, que
estavam determinados a destruir Jesus desde o início de seu ministério,
finalmente conseguiram seu intento ao forçar o relutante Pilatos a fazer o seu
desejo.
Para
concluir esta apresentação da culpa Judaica, Marcos descreve os líderes judeus,
em Golgota, zombando o Jesus agonizante, enquanto o centurião romano reconhece
Sua divindade quando Ele morre: “Realmente, este homem era o Filho de Deus!” A
morte de Jesus é marcada pelo rasgar do véu do Templo, assim simbolizando a
obsolescência da religião judaica. (XV,
37-9)
O
relato da vida de Jesus e as circunstâncias de sua Crucificação teriam sido bem
recebidas pelos cristãos romanos. O embaraço da execução de Jesus por sedição
contra Roma foi aliviada pela explicação da responsabilidade judaica. Longe de
condenar Jesus à morte, os cristãos romanos agora sabiam que Pilatos na verdade
reconheceu Sua inocência e tentou salvá-Lo.
Jesus
tinha, além disso, dado prova de sua lealdade a Roma na questão do tributo, e o
centurião romano foi o primeiro a perceber Sua divindade. Os líderes judeus que
planejaram Sua morte, e o povo judeus que a exigiu, conduziu sua nação à
terrível catástrofe de 70 d.C., que foi tão graficamente comemorada nas ruas de
Roma em 71 d.C.
A
explicação de Marcos da execução de Jesus, motivada pelas necessidades da
comunidade cristã em Roma em 71 d.C., exerceram uma influência formativa na
subsequente tradição cristã. Os escritores dos Evangelhos de Mateus e Lucas a
aceitaram, elaborando sobre ela de acordo com as exigências particulares das
comunidades para as quais escreveram. Seus acréscimos foram inspirados pela
necessidade de aliar uma crença muito difundida no Império Romano que o
Cristianismo teve sua origem e natureza num movimento revolucionário.
Assim,
o Evangelho de Mateus expande a menção curta e reticente de Marcos da resistência
armada em Getsêmani ao representar Jesus como repreendendo o discípulo que
envergou a espada: “Coloque sua espada de volta no lugar; todo aquele que fere
pela espada será ferido por ela.” (XXVI, 52)
O
autor deste Evangelho estava escrevendo para uma comunidade judaico-cristã,
provavelmente em Alexandria, onde havia uma grande necessidade de aplacar o
sentimento revolucionário após a queda de Jerusalém em 70 d.C. As palavras,
atribuídas a Jesus aqui, tinham um significado mordaz à luz do desastre que se
abatera sobre os judeus da Judéia em consequência de seu uso da guerra.
Um
acréscimo que Mateus também faz ao relato marquiano do Julgamento de Jesus
estava destinado a ter consequências trágicas para o povo judeu. Ao enfatizar a
inocência de jesus, Pilatos é representado como repudiando publicamente a
responsabilidade em condenar Jesus. Ele lava suas mãos simbolicamente diante do
povo, declarando, “Sou inocente do sangue deste homem.”
O
povo judeu responde: “Seu sangue está em nós e em nossas crianças!” (XXVII,
24-6). O legado destas palavras foi terrível; elas foram citadas para
justificar séculos de perseguição cristã aos judeus. É significativo que
somente agora no Concílio do Vaticano houve uma declaração formal exonerando as
gerações subsequentes de judeus da responsabilidade pela morte de Cristo.
O
historiador, que procura compreender por que os romanos executaram Jesus por
sedição, deve primeiro investigar o Evangelho de Marcos, como fizemos aqui. Ele
deve avaliar a apresentação apologética de Marcos, discernir o que realmente
aconteceu naquela primeira Sexta-feira da Paixão. Tão longe quanto uma
avaliação pode ser feita, pareceria que as autoridades judaicas prenderam Jesus
porque eles O viam como uma ameaça à paz e o bem-estar do Estado judeu, pelo
qual eles eram responsáveis diante dos romanos.
Após
interrogar Jesus, eles o conduziram a Pôncio Pilatos, acusando-O de ensinamento
e ação subversivas. Pilatos, que provavelmente sabia algo sobre as atividades
de Jesus, aceitou a acusação e ordenou sua crucificação. Ele deu ordens que o
título, informando a causa de sua condenação, deveria ser colocado na parte
superior da cruz: ele dizia: “Este é Jesus, o Rei dos Judeus”.
Pilatos
também ordenou que dois rebeldes fossem crucificados com Jesus. O fato é
significativo, já que estes homens haviam tomado parte, sem dúvida, na recente insurreição
em Jerusalém (Marcos XV, 7). Jesus sendo crucificado entre dois rebeldes
claramente indica que Pilatos pensava Nele como tal.
Assim,
tão longe quanto um historiador pode avaliar a evidência em relação à execução
romana de Jesus, parece que Pôncio Pilatos via Jesus como culpado de sedição.
Se ele estava certo em seu julgamento é outro assunto.
Nota:
[1]
Partia foi um império no território do atual Irã fundado pelos partos no
século III a.C. A região da Partia ia do nordeste do Irã era conhecido por ser a base política e cultural das dinastias Arsacids
por que o Império Arsácida é, então, também
conhecido como o Império Parto. O
nome deriva do latim antigo persa Partia
Parthava ou Partawa,
que era a designação que os partos
si deu na sua
língua.
[2] membro dos zelotes, seita e partido
político judaico que desencadeou a revolta da Judeia à época de Tito (imperador
romano, regn. 79-81); zelador [Os zelotes constituíam a ala radical dos
fariseus e preconizavam Deus como o único dirigente, o soberano da nação
judaica, opondo-se à dominação romana.].
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