Heinz
Linge
Daily Mail, 06/08/2009
Em
27 de abril de 1945, Hitler chamou-me em seu escritório. Os russos estavam
avançando sobre Berlim e mesmo o Führer – normalmente bem otimista – começou a
perceber que a derrota era inevitável.
Ele
havia se isolado totalmente, querendo não ver ninguém exceto Eva Braun e eu;
nem mesmo querendo celebrar seus 55º. aniversário.
Sem
preliminares, Hitler me ordenou: “Gostaria de liberá-lo para sua família.” Eu o
interrompi: “Meu Führer, estive com o
senhor nos bons tempos e continuarei a está-lo também nos ruins.”
Calmamente,
ele aceitou minha insistência. “Tenho outro trabalho pessoal para você. Você
deve manter prontos cobertores de lã no meu quarto e gasolina suficiente para
duas cremações. Vou me suicidar junto com Eva Braun. Você enrolará nossos
corpos nos cobertores, transportá-los para o jardim e então queimá-los.” “Jawohl, mein Führer!,” respondi,
tremendo. Não havia nada mais a dizer. Rapidamente – meus joelhos sentindo-se
tão duros que eles pareciam colapsar sob mim – deixei Hitler sozinho.
Três
dias depois, ele estava morto. Ao abrir o quarto de Hitler, vi algo que jamais
esquecerei. Ele e Eva estavam afundados no sofá florido. Hitler tinha dado um
tiro em sua têmpora direita. Sua cabeça estava inclinada em direção da parede e
seu sangue espalhado no tapete. No seu lado direito estava sentada Eva, suas
pernas esticadas, sua face contorcida indicando o modo de sua morte:
envenenamento por cianeto.
Dez
anos haviam se passado entre o início do meu trabalho para Hitler e este
momento, às 15h45m de 30 de abril de 1945. Um mundo inteiro estava entre o homem a quem
jurei ser fiel até a morte, e este cadáver que eu agora tinha que embrulhar em
um cobertor, carregar pela escadaria escura e estreita do bunker, colocar em uma cratera criada por artilharia, embeber com
gasolina e atear fogo.
O
homem que encontrei no verão de 1934 havia sido uma personalidade dominante
exalando um carisma arrebatador. O que eu queimei e enterrei sob uma saraivada
de tiros dos soviéticos era um velho trêmulo, uma força desvanecida.
Nasci
em Bremen em 1913 e era pedreiro quando me alistei na Waffen-SS em minha cidade
em 1933. Nunca tive interesse em política, mas um ano depois fui enviado com
duas dúzias de outros camaradas à casa de Hitler em Berghof – o mais conhecido
de seus quartéis-generais e um lugar onde ele passou muito tempo antes e
durante a Segunda Guerra.
Um
ano após isso, fui selecionado para servir no estafe particular de Hitler e
tornei-me seu criado pessoal logo após o início da guerra em 1939.
Estar
diante da presença de Adolf Hitler era o desejo de milhões. Mas a vida com o
Führer não era uma rotina.
Meu
trabalho era selecionar os documentos matutinos e os primeiros despachos estrangeiros
– colocando-os em uma cadeira ao lado de sua cama. Eu o acordava às 11h. Hitler
levantava, olhava a correspondência e a lia na cama – ao lado da qual havia um
carrinho de chá com livros, jornais, seus óculos e uma caixa de lápis de cor.
Era
o responsável por mantê-lo abastecido com materiais de escritório e óculos (ele
nunca gostou de ser visto em público com eles, já que pensava ser um sinal de
fraqueza). Sempre levava comigo um par de lentes sobressalentes quando
viajávamos, já que ele frequentemente as quebrava enquanto as manuseava com as
mãos, enquanto divagava sobre um problema. Após sua sessão matutina de leitura,
Hitler sempre seguia a mesma rotina – ele se barbearia, retirava seu pijama
branco, colocava-o sobre a cama, tomava banho, pegava sua roupa no cabide e a
vestia.
Hitler
sempre se vestia sozinho e ele fazia isso usando um cronômetro, sendo que minha
presença era como a de um árbitro. Ao seu comando Los! acionava o cronômetro e a corrida da vestimenta começava.
Quanto mais rápido ele terminava, melhor o seu temperamento. Parado diante do
espelho, olhos fechados, ele pedia minha ajuda somente para a
gravata-borboleta, que também tinha que ser colocada em tempo recorde. Ele
contava os segundos e tão logo eu dizia “pronto” ele abria os olhos e
verificava no espelho.
O
cabeleireiro e o alfaiate também eram cobrados pela rapidez. O penteado
característico de Hitler, o qual sempre ficava sobre sua testa – e seu bigode –
chamava a atenção da população. Ele sabia disso e tinha grande orgulho de
ambos. Também sabíamos que seu bigode era também um retrato de seu humor. Se
ele o espremia contra o lábio superior, estava infeliz e isto era um alerta
para todos nós.
Frequentemente
era difícil entender Hitler. Às vezes, ele se prendia às coisas mais
insignificantes, enquanto que em outras, era excessivo e insensível.
Ele
poderia mostrar afeto paterno para uma secretária que havia machucado o dedão
do pé, mas era sangue frio quando emitia ordens que enviava milhares para a
morte.
O
“privilégio” de experimentar sua preocupação não era necessariamente algo
agradável. Frequentemente, ele tentava me convencer o quão ruim era o
tabagismo. Como seu criado pessoal, não tinha nenhuma opção a não ser escutar.
Quarenta
minutos após acordar, Hitler fazia seu café da manhã na biblioteca - um lanche
frugal, apenas chá ou leite, biscoitos ou pão fatiado e uma maçã. Durante o
café da manhã, ele via o cardápio do almoço.
Dois
pratos vegetarianos (ambos incluindo a obrigatória maçã) eram fornecidos a ele
para escolher. Hitler havia há muito tempo dispensado a carne, mas se estranhos
aparecessem para o almoço, sua comida era cuidadosamente organizada de modo que
a ausência de carne não fosse percebida num primeiro olhar.
Pelo
fato de Hitler acordar tarde, acontecia de o almoço, geralmente frequentado por
uma dúzia de convidados, não ser servido até as 14h30m, horário no qual muitos
convidados já haviam saciado sua fome em outros lugares. As refeições de Hitler
eram preparadas mornas após uma operação em suas cordas vocais – resultante do
ataque por gás que sofreu na Primeira Guerra Mundial – que deixou sua voz
sensível.
Sua
dieta consistia principalmente de batatas e verduras, um guisado sem carne, e
fruta. Hitler eventualmente adicionava cerveja à refeição e vinho em ocasiões
especiais quando um brinde era feito. Ele era inflexível quanto ao seu
vegetarianismo e ao anti-tabagismo, mas não era oposto ao álcool.
Contudo,
ele achava a embriaguez repulsiva e
desistiu da cerveja em 1943, quando começou a engordar nos quadris. Ele achava
que o povo alemão não gostaria de ver seu Chanceler gordo.
O
jantar não tinha tanta importância, com somente poucos convidados presentes,
começando por volta das 20h.
Novamente,
é claro, era vegetariano, com Hitler acreditando que o dia mais desastroso do
desenvolvimento humano foi no momento em que o homem comeu seu primeiro pedaço
de carne. Ele estava convencido de que este modo não-natural de vida era o
responsável pelo pequeno tempo de vida humana, entre 60 e 70 anos.
Segundo
os cálculos de Hitler, todos os animais cuja dieta era natural viviam oito a
dez vezes mais desde o seu período de desenvolvimento até a maturidade plena.
Ele
estava convencido de que viveríamos entre 150 e 180 anos se fossemos
vegetarianos. Tal visão enfurecia seus médicos, que constantemente tentavam
convencê-lo a mudar sua dieta, manter uma rotina de horários e praticar
exercícios.
Pelo
que ele me disse, sabia que desde o final da Primeira Guerra Mundial ele sofria
de gastrite. Às vezes as queixas o faziam dobrar quando pensava que ninguém
estava olhando.
Nos
dez anos que o conheci, ele constantemente estava preocupado com sua saúde, e
seu declínio físico começou bem cedo.
No
final de 1942, quando a batalha de Stalingrado atingiu seu momento mais
ameaçador, sua mão esquerda começou a tremer. Ele fez de tudo para suprimir
isso e a escondia de estranhos pressionando sua mão contra seu corpo ou
segurando-a firmemente com a mão direita.
Então,
em 1943, ele tornou-se um idoso da noite para o dia. No final de 1944, ele
andava com dificuldades – com o corpo arqueado para frente e lateralmente. Se
ele queria sentar-se, precisávamos colocar a cadeira para ele.
Apesar
da crescente fragilidade física, Hitler fez pouco para proteger-se das
tentativas de assassinato. Ele rejeitava medidas de segurança (como entrar discretamente
pela porta dos fundos), pois dizia “nenhum trabalhador alemão me causará mal.”
Somente
algumas tentativas de assassinato tornaram-se públicas. De outras, ele escapou
muito perto – como quando o carro de Himmler foi alvejado numa tentativa clara
de acertar Hitler (o qual, por razão desconhecida, viajou no carro no dia
anterior).
As
únicas precauções que ele tomava eram com a comida – banindo comidas
estrangeiras e tendo sua água testada diariamente.
Após
a guerra, foi dito que Hitler era tão temeroso do assassinato que ele sempre
mantinha as janelas fechadas enquanto viajava de trem. Isto, entretanto, não é verdade.
Seus olhos eram intolerantes à luz do Sol. Mesmo luz artificial era capaz de
machucá-los.
Não.
Hitler acreditava ser sortudo e, de certa forma, ele era. Somente uma vez ele
foi atingido por uma bomba, em 20 de julho de 1944. Cerca de 200 estilhaços de
madeira foram retirados da perna do Führer,
seu uniforme ficou em trapos, seu cabelo ficou chamuscado e preso por cordões.
Mesmo
assim, após o incidente, ele ficou calmo, os médicos notando que seu pulso não
sofreu alteração. A única indicação fora do normal é que ele permitiu-me
ajudá-lo a se vestir, após o longo período de serviço.
Apenas
seis meses depois, em dezembro, o clima em Berghof mudou. Nossas esperanças por
uma possível guinada na situação da guerra foram esmagadas. As vitórias na
frente ocidental não serviram para nada.
A
partir daí, Hitler frequentemente falava do passado. Sua saúde estava
deteriorando e com ela sua vontade. Ele começou a desconfiar das pessoas que o
cercavam. Naqueles dias, não poderia ser mais atencioso e vigilante e o
Führer, que confiava em mim cegamente, sabia disso. Ele disse uma vez: “Linge,
quando você senta ou fica atrás de mim, sinto-me mais seguro do que se um dos Obergruppenführers (posto mais alto na
SS[1]) ficasse em seu lugar.”
Em
Berlim, seu aniversário em 20 de abril foi um evento silencioso e apenas sete
dias depois ele me disse sobre seus planos de morrer ao lado de Eva.
Ao
longo do tempo que passei com ele, testemunhei como ele e Eva viveram como
marido e mulher durante as vezes em que ambos estiveram em Berghof. Eles tinham
quatro quartos para sua vida íntima: dois quartos e dois banheiros com portas
de acesso. Hitler terminaria a maioria das noites sozinho com Eva em seu
escritório bebendo chá, enquanto ela descansava com um casaco enquanto bebia
vinho espumante.
Como
qualquer “esposa”, ela tinha influência sobre seu marido, convencendo-o a afrouxar o
racionamento de comida para as mulheres cujos homens voltavam da guerra e a não
a fechar os salões de cabeleireiro, como havia sido proposto uma vez.
Ninguém
era mais íntimo de Hitler do que Eva Braun, mesmo que ele fosse cuidados de não
parecer muito íntimo dela em aparições públicas. Ele acreditava que sua missão
era dedicar-se somente ao povo alemão e se ele pensasse que ele tinha uma
relação íntima, talvez as pessoas perdessem a fé nele.
Dois
dias após me falar sobre o duplo suicídio, ele finalmente recompensou Eva por
sua lealdade ao torná-la sua esposa.
Era
algo que ela sonhou por dez anos, mas que no final revelou-se um tema estéril e
decepcionante. Mesmo assim, o rosto de Eva iluminou-se quando começamos a
chamá-la de Frau Hitler. Quando ela
acordou na manhã seguinte, foi o seu primeiro e último dia como esposa.
Hitler
permaneceu na cama acordado e vestido por toda a noite. Ele proferiu um
monólogo sobre o futuro no almoço, então ele e Eva se despediram.
Às
15h45m, obedeci suas ordens pela última vez. Extraordinariamente calmo e com
voz serena – como se ele estivesse me enviando ao jardim para buscar algo – ele
disse: “Linge, vou me matar agora. Você sabe o que fazer.” Eu fiz a saudação e,
após dar dois ou três passos em minha direção, ele ergueu seu braço direito
pela última vez em sua vida.
Girei
meu calcanhar, fechei a porta e fui em direção da saída do bunker. No meio do estrondo dos projéteis soviéticos, um único tiro
de pistola aconteceu. Sua vida havia terminado.
E
a minha nunca mais seria a mesma.
Nota:
[1]
Obergruppenführer é uma patente primeiramente criada em 1932 para a SA, a força paramilitar do Partido Nazista. Até o
final de 1942 era a maior patente da SS, inferior apenas ao Reichsführer-SS (Heinrich Himmler).
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