Em 2009, o presidente da Rússia, Dmitry Medvedev,
foi à capital da Mongólia, Ulan Bator, celebrar os 70 anos de um evento
militar. Medvedev disparou flechas junto com o presidente mongol, Tsakhiagiin
Elbegdorj, provou da bebida local, o airag (ou kumis, fermentado de leite),
visitou monumentos do período comunista e fez um discurso: "A vitória em
Khalkhin Gol, como sabemos, mudou a paisagem política internacional,
convencendo o Japão a não entrar em guerra contra a União Soviética ao lado da
Alemanha nazista, e tornou possível movimentar um grande número de tropas do
Extremo Oriente para Moscou em 1941".
O que eles sabem - e não muita gente além deles - é
que entre 11 de maio e 16 de setembro de 1939, 57 mil soviéticos enfrentaram 75
mil japoneses na fronteira da Mongólia com a China. É uma região desértica, sem
recursos naturais importantes e infestada de mosquitos. Mas essa disputa por
uma faixa minúscula de terra seca teve imenso impacto no destino da Segunda
Guerra.
Três momentos costumam ser apresentados como
definidores da derrota do Eixo. Um deles é o ataque a Pearl Harbor pelo Japão,
em 7 de dezembro de 1941, tirando os Estados Unidos da neutralidade no
conflito. Outro é a vitória soviética em Stalingrado, em 2 de fevereiro 1943,
que pôs os nazistas para correr e os fez começar uma guerra defensiva, na qual
de nada servia a estratégia, até então vitoriosa, de blitzkrieg ("guerra-relâmpago").
O terceiro foi a invasão da Normandia, o Dia D, em 6 de junho de 1944,
orquestrada pelos Estados Unidos. Ela fez Hitler lutar em dois fronts,
comprometendo ainda mais sua capacidade bélica.
Khalkhin Gol não foi menos fundamental. Sem essa
derrota na Mongólia, o Japão poderia ter decidido invadir a União Soviética por
terra, em vez de atacar Pearl Harbor - e isso seria capaz de inviabilizar a
vitória russa sobre os alemães em Stalingrado, além de manter os Estados Unidos
fora do conflito. Sem os Estados Unidos, o desfecho da guerra poderia ser muito
diferente.
O local
A batalha de Khalkhin Gol aconteceu ao lado do rio
Khalkhin, ou Halha (gol em mongol quer dizer "rio"; o gol do futebol
é gool). Os japoneses preferem chamá-la de Incidente em Nomonhan por causa da
vila mongol que delimita o outro lado do campo de batalha. De 11 de maio a 16
de setembro de 1939, soviéticos e japoneses se digladiaram no maior conflito
entre tanques já visto até então. O historiador militar Edward Drea, consultor
do Pentágono e autor do livro Nomonhan: Japanese-Soviet Tactical Combat (sem
tradução), escreve sobre o tema desde os anos 1980. Segundo ele, um fator que
dificultou a divulgação e a análise da importância do episódio foi a barreira
linguística - os documentos estavam em russo e japonês. Outro é que, antes do
fim do confronto, em 1º de setembro, a Alemanha invadiu a Polônia, o que é
considerado o ínicio oficial da Segunda Guerra. Drea e o historiador Alvin Coox
(morto em 1999), da Universidade da Califórnia, foram os primeiros a destacar a
importância de Khalkhin Gol.
"Foi uma das batalhas mais importantes da
guerra. Ela sangrou os japoneses. Eles ficaram com medo da União Soviética e
decidiram que os americanos seriam um alvo mais fácil", afirmou ao New
York Times o especialista Chalmers Johnson, aluno de Coox. "Foi tão
importante quanto Stalingrado."
O pretexto
O confronto aconteceu no meio do nada. Entre
Nomonhan e o rio Khalkhin, são 25 km de deserto, ocasionalmente pontuados por
arbustos e grama baixa. O rio chega a 150 m de largura, e o terreno é pantanoso
em uma faixa de até 2 km em suas margens. A temperatura no verão bate nos 40
ºC.
Em 11 de maio de 1939, cerca de 80 membros da
cavalaria mongol atravessaram o rio para que seus cavalos pastassem do outro
lado - os cavalos ainda eram usados para transportar tropas, que lutavam
desmontadas com metralhadoras, fuzis e morteiros. Em Nomonhan, estava uma
patrulha de novatos japoneses, deixados lá justamente para não enfrentarem a
guerra de verdade, que acontecia com a China, ao sul. Esses soldados, que
também andavam a cavalo, expulsaram os mongóis a tiros, matando sete
deles.
Os japoneses sabiam no que estavam se metendo.
Desde uma revolução em 1924, a Mongólia era uma república comunista fortemente
próxima à União Soviética. Segundo Drea, os japoneses simplesmente estavam
dispostos a "castigar os violadores de suas fronteiras", custasse o
que custasse. A patrulha em Nomonhan não era parte do Exército Imperial Japonês,
mas do Exército de Kwangtung, uma força especial para administrar as possessões
japonesas em terra. A força havia sido criada após a vitória na Guerra
Russo-Japonesa (1904-1905), que deu ao Japão uma faixa de terra ao norte da
Coreia. Em 1910, o Japão anexou a Coreia por meio de um tratado. Em 1931, os
radicais do exército de Kwangtung armaram um falso atentado chinês,
desobedeceram ordens do comando geral em Tóquio e conquistaram por conta
própria a Manchúria, território ao norte da China, instalando um governo
marionete.
Apesar da insubordinação, a riqueza da região fez
os oficiais japoneses considerarem a conquista um fato consumado e aceitarem
suas consequências. A partir daí, o Japão tinha 3 mil km de fronteira com a
URSS para administrar. No ano anterior, os japoneses haviam tentado conquistar
um pedaço de terra próximo ao lago Khazan, 130 km ao sul de Vladivostok, a
cidade mais importante do Extremo Oriente russo. Os japoneses foram repelidos,
mas lutaram em menor número, 7 mil contra 22950, e tiveram menos baixas que os
russos: 526 mortos e 913 feridos, contra 717 e 2752. Não ficaram
impressionados.
Segundo Drea, o Japão acreditava que os russos eram
ferozes em combate, mas um tanto sem imaginação. Os expurgos no Exército feitos
por Stalin a partir de 1935 teriam deixado o Exército Vermelho descerebrado, e
os soldados, submissos e atemorizados, ficariam sem iniciativa se atingidos
pela tenacidade japonesa. Os japoneses sabiam que suas armas eram inferiores às
dos soviéticos, mas esperavam vencer com seu "espírito de guerra"
superior, isto é, sendo corajosos de forma suicida. A tática favorita da
infantaria japonesa era atacar à noite, chegar o mais próximo possível do
inimigo, de preferência pelos flancos, e executar uma carga com baionetas e espadas
- a famosa carga banzai, que os americanos veriam na Segunda Guerra.
Os mongóis voltaram com seus amigos russos dois
dias depois do primeiro incidente. Os japoneses em Nomonhan pediram ajuda, e
ela veio com as tropas do 64º regimento, com carros leves e tropas de
infantaria. Inicialmente, conseguiram expulsar os russos e mongóis com as
táticas dos manuais japoneses. Mas os russos voltaram mais uma vez, liquidando
o 64º em 28 de maio.
No mês de junho, japoneses e russos se enfrentaram
esporadicamente, enquanto traziam mais tropas. O número de combatentes, que se
mediam antes em dezenas (foram 97 mortos na destruição do 64º regimento), logo
chegou a milhares. Em 1º de julho, os japoneses lançaram um assalto noturno em
larga escala, com 75 tanques. Apesar de sérios problemas de comunicação (os
tanques chegaram muito antes da infantaria), os japoneses expulsaram os russos
para o outro lado do rio. Mas isso durou pouco. Os russos contra-atacaram com
186 tanques e 233 carros blindados, dominando novamente as duas bordas do rio
no dia 3. Os tanques japoneses, com blindagem e armas inferiores, foram
trucidados pelos tanques soviéticos.
Após mais duas semanas de impasse, no dia 23 de
julho, os japoneses montaram outro grande ataque, com mais tanques, aviões e
artilharia. Dessa vez, sua inferioridade tecnológica, logística e tática
tornou-se gritante: a artilharia japonesa não conseguiu alcançar a russa para
silenciá-la - os soldados japoneses marcharam sob tiros de artilharia e canhões
e, por mais corajosos que fossem, morriam antes de alcançar os russos. Os
aviões japoneses venciam os soviéticos no ar, mas o simples fato de terem de
enfrentá-los, em vez de dar suporte à infantaria, diminuiu sua utilidade. Cinco
mil soldados morreram antes que os japoneses desistissem do ataque.
Os japoneses fortificaram-se na retaguarda,
enquanto tentavam preparar uma nova investida. O comandante soviético Georgy
Zhukov, que mais tarde se tornaria o grande herói da defesa de Stalingrado,
tinha uma carta na manga: contrariando tudo o que os japoneses esperavam, ele
seria criativo. Em 20 de agosto, simulou um ataque frontal de infantaria, com
57 mil homens contra os cerca de 30 mil japoneses que resistiam. Era o tipo de
coisa que os japoneses esperavam dos russos: força bruta, mas previsibilidade.
Enquanto isso, 577 caças e bombardeiros os sobrevoavam constantemente, mesmo
sem atirar. O objetivo era fazer barulho: sem que os japoneses percebessem, 498
tanques russos os cercavam pelo sul, enquanto parte da infantaria se movia
silenciosamente pelo norte. Os japoneses acabaram totalmente cercados, mas,
seguindo os preceitos da honra militar nipônica, recusaram-se a se render. Em
31 de agosto, passaram para o outro lado da fronteira estabelecida pelos
soviéticos, e Zhukov considerou sua missão cumprida.
A frustração
O general Michitaru Matsubara planejava mais um
contra-ataque quando, no dia 16 de setembro, recebeu a notícia de que sua
guerra estava encerrada. Tóquio havia feito um acordo de paz com os soviéticos.
Além do fracasso na batalha, pesou na decisão do comando japonês o fato de que
a Alemanha também havia acabado de assinar um armistício com os soviéticos. O
tratado de Molotov-Ribbentrop, firmado em 23 de agosto de 1939, garantiu a paz
entre os dois países e fez com que a Polônia fosse dividida em duas partes após
a invasão pelos alemães, em 1º de setembro. O governo japonês considerou o
pacto uma traição de seus aliados nazistas, mas qualquer plano de enfrentar a
União Soviética ia por água abaixo com ele.
Segundo Edward Drea, os japoneses consideravam os
soviéticos seus "inimigos naturais" desde a vitória em 1905. A
questão não era se atacariam a União Soviética, mas quando. A ideologia
japonesa tinha o característico socialismo de direita de Hitler e Mussolini,
isto é, grandes programas sociais, mas também grandes corporações nacionais
apoiadas e controladas pelo governo - nada de livre mercado. Como o fascismo à
europeia, era radicalmente anticomunista.
Havia duas doutrinas sobre como abordar a questão
soviética. A chamada nanshin-hon ("atacar ao sul"), defendida pelos
líderes da Marinha e do Exército em Tóquio, consistia em conquistar colônias e
recursos no oceano Pacífico e depois focar a Ásia continental e a União
Soviética. E havia a doutrina hokushin-hon, ("atacar ao norte"),
defendida principalmente por oficiais do Exército de Kwangtung e por
anticomunistas mais radicais, como o ex-ministro da guerra Sadao Araki
(1877-1966). Essa corrente previa cortar as linhas de suprimentos soviéticos ao
norte da Mongólia e conquistar o leste da Rússia, principalmente a cidade de
Vladivostok.
A derrota japonesa em Khalkhin Gol tornou claras
suas deficiências em terra e na produção de tanques - e enterrou a ala hokushin-hon.
Além disso, depois do episódio, o general Matsubara foi levado a Tóquio e
aposentado - uma imensa desonra.
Do outro lado do mundo, o acordo Molotov-Ribbentrop
se provaria uma farsa. Em 22 de junho de 1941, Hitler invadiu a União
Soviética, a começar pelos territórios que a própria URSS havia ganho com o
acordo, como o nordeste da Polônia. O Japão, no entanto, preferiu não intervir.
Tinha outros planos: em 7 de dezembro de 1941, a partir de seis porta-aviões,
decolaram 373 caças, bombardeiros e torpedeiros. Dirigiam-se a Pearl Harbor, no
Havaí, e sua missão era aniquilar a maior parte das tropas americanas no oceano
Pacífico. Os EUA perderam quatro encouraçados e dois destróieres, além de 188
aviões e 2402 soldados. Vários navios, danificados, levariam meses para sair
novamente do estaleiro.
Os americanos não estavam em guerra com o Japão e a
Alemanha, e a opinião pública era maciçamente contra o envolvimento numa guerra
que era vista como assunto interno europeu. No dia seguinte, no entanto, eles
declararam guerra ao Japão e, em 11 de dezembro, Itália e Alemanha declararam
guerra aos EUA.
"Se o Japão tivesse atacado a União Soviética
no verão de 1941, o choque de uma guerra de dois fronts poderia ter feito os
soviéticos desabarem (o outro front era o efetivo enfrentamento contra os
alemães). Sem os Estados Unidos na guerra, os parceiros do Eixo seriam capazes
de garantir um acordo de paz, criando uma União Soviética enfraquecida e
fragmentada", diz Drea. Esse cenário facilitaria a vitória final de
Hitler. Sem Khalkhin Gol, o mundo poderia ser outro. Provavelmente, pior.
A derrota japonesa
Pouco antes do início oficial da Segunda Guerra, o
Japão, já aliado da Alemanha nazista, planejava usar a Mongólia como plataforma
para chegar à União Soviética, abrindo um front no sul do país. Para isso,
enviou à região de Nomonhan, na Mongólia, perto do rio Khalkhin, 75 mil homens,
tanques e aviões. Depois de quase quatro meses de luta, no fim de agosto, os
soviéticos começaram a cercá-los, movendo seus 498 tanques pelos flancos,
principalmente pelo sul do campo de batalha. A infantaria atacou os japoneses
de frente e pelo norte. Atordoados pelo barulho dos 577 aviões inimigos que
propositalmente voavam baixo, os japoneses não ouviram a aproximação dos
tanques. E foram inapelavelmente massacrados.
As armas da batalha
Chi-Ha tipo 97
Com 15,8 toneladas, era o tanque mais potente dos
japoneses. Apenas quatro deles foram usados em Khalkhin Gol. A maior parte era
de tanques de modelos anteriores. Foram pegos por armadilhas antitanque ou
derrotados pelos tanques russos, em maior número. A estrutura semicircular na
torreta é uma antena de rádio.
Nakajima Ki-27
Introduzido em 1936, era mais rápido e manobrável
que qualquer avião soviético, exceto os modelos do I-16, produzidos no fim do
conflito. Os pilotos japoneses eram mais experientes. Apesar de não ter tanques
de combustível autosselantes, que protegem de fogo no caso de serem atingidos,
e de suas armas não serem muito poderosas, os japoneses geralmente levavam a
melhor no ar.
Polikarpov I-16
Modelo considerado revolucionário quando foi
introduzido, em 1933, tinha um trem de pouso retrátil e o cockpit totalmente
fechado. Ambas as mudanças o tornavam mais aerodinâmico e, assim, mais rápido
que o Ki-27. Mas a experiência e as táticas conjuntas dos pilotos japoneses
fizeram com que os soviéticos perdessem 105 desses aviões para os cerca de 250
aviões japoneses que participaram do combate.
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