Danila Moura
"O senhor é muito rápido para nós”, disse o
general francês logo após se render ao comandante inimigo. A frase soaria
frágil e covarde, não fosse dirigida a um dos mais astutos e míticos
personagens da guerra. Erwin Rommel figura ao lado de Patton e Zhukov como os
maiores estrategistas da Segunda Guerra Mundial. Com suas tropas, conseguiu
avançar cerca de 240 quilômetros em apenas 24 horas, feito que nenhum outro foi
capaz de produzir naqueles tempos. Logo ganhou o apelido de “A Raposa do
Deserto”, após, mesmo se a contragosto, fortalecer as combalidas tropas
italianas no norte da e fazer as avançadas tropas britânicas recuarem no
front africano.
Filho de um professor universitário com uma jovem de ascendência nobre,
Rommel nasceu em 1891 na cidade de Heidenheim. Desde a infância, mostrava gosto
por aviões e planadores, mas acabou ingressando aos 18 anos no 124º Regimento
de Infantaria de Württemberg. Na Primeira Guerra ele ganharia a maior
condecoração a oficiais concedida pelo governo alemão, após seus 150 comandados
renderem 9 mil soldados e 80 na Batalha de Carporetto, Itália.
Em 1929, Rommel escreveu seu primeiro livro, Ataques
de Infantaria, no
qual compilou parte de suas idéias e técnicas de estratégia. A obra foi lida
por mais de 400 mil alemães - inclusive Adolf Hitler, um admirador nominal que
não parece ter aprendido muito com ela.
Era como um herói nacional consumado que Rommel entrou na Segunda
Guerra, sob o comando da 7ª Divisão Panzer, em 1940. Ele foi um dos primeiros a
ultrapassar a Linha Maginot - cruzando-a por seu ponto fraco, na fronteira com
a Bélgica. Mais que ninguém, Rommel fez valer o nome Blitzkrieg (guerra-relâmpago)
os 240 km cruzados em um único dia por suas tropas blindadas rendeu a seus
homens a fama de "Divisão Fantasma".
AfrikaKorps
Confiando na Linha Maginot, uma ideia defensiva pensada para a guerra
anterior, a França acabou se mostrando um passeio no parque. Mas o Eixo tinha
também seu ponto fraco. Outro megalomaníaco com um exército bem menos
competente que Hitler: Benito Mussolini. Rommel seria "emprestado"
para ele.
Os Afrika Korps surgiram em fevereiro de 1941. Sua missão era auxiliar
as frágeis frentes italianas no norte da África, que padeciam com armamento
escasso. Mas a tarefa não seria simples. Com curto raio de ação, os canhões da
divisão datavam de 1914 e estavam completamente obsoletos. A situação de outras
armas não era muito diferente. Metralhadoras e veículos de defesa pouco podiam
fazer diante do poder de fogo dos aliados. Para piorar, grande parte do exército
italiano era constituída por infantaria não-motorizada, adequada para posições
defensivas, mas de valor nulo nos embates no deserto.
Rommel tinha um plano: ele mandou seus mecânicos reformarem vários
carros Fiat abandonados, cobrindo-os com telas e falsos canhões de madeira.
Batizados de Pappedivision, (divisão de papel),
os veículos cerraram fileiras junto aos Panzers verdadeiros, compondo frentes
que se estendiam por até 1,5 quilômetro. O plano funcionou. Os inimigos
recuavam só de vê-los se aproximando. A reconquista da Cirenaica foi rápida e
implacável.
Rommel também se aproveitava dos erros do inimigo. Em suas palavras, o
maior vacilo dos aliados era o uso de "técnicas metódicas de comando, a
sistemática emissão de ordens até os mais ínfimos pormenores, deixando pouca
iniciativa ao comando subalterno, e o seu fraco poder de adaptação ante uma
mudança no decorrer da batalha". Maleabilidade no comando é essencial para
embates no deserto, dizia ele. Nesse tipo de terreno, onde uma ventania é capaz
de mudar a configuração de uma tropa por causa da falta de abrigo, os planos
têm de ser alterados a qualquer momento. Várias vezes a falta de obstáculos
terrestres deixou o caminho livre para Rommel aplicar as práticas de guerra
entre tanques, até então inovadoras. Ele as usou com maestria e criou novas
táticas, deixando os britânicos sem reação.
Ataque ao galinheiro nazista
Apesar da liberdade de que Rommel gozava, suas rusgas com o comando
nazista eram constantes. Rommel não partilhava da ideologia nazista, apesar de
respeitar Hitler como o líder do país. Mas a relação entre os dois degringolou
no início de 1943, quando o Führer cortou o suporte para as forças dos Afrika
Korps. Os recursos escassearam, e a paciência de Rommel também. Se os
suprimentos não viessem, teria de se retirar. Hitler e o marechal Hermann
Goering, seu principal desafeto no exército. O braço-direito do Führer acusava
o general de desanimado e doentio, pois achava inconcebível um comandante do
Exército Alemão propor um recuo.
Em novembro de 1943, após a retirada dos Afrika Korps para a Tunísia (a
contragosto de Hitler e Goering), Rommel foi deslocado para supervisionar as
defesas que restaram na Dinamarca, Bélgica, Países Baixos e França. No ano
seguinte, foi cuidar da Muralha do Atlântico, região que os alemães acreditavam
ser forte o suficiente para segurar o avanço dos aliados. Aumentou as
fortificações, instalando bunkers, postos e cerca de 6 milhões de minas.
Enquanto o comando do Exército caiu num ardil aliado para fazê-los acreditar que
o ataque seria por Calais, Rommel suspeitava que viria pela Normandia, centenas
de quilômetros ao sul. Fato confirmado em 6 junho de 1944, o Dia D.
A Alemanha já sendo arrasada pelos soviéticos no Front Oriental. A
abertura de um segundo front acabou com a confiança de uma parte considerável
do comando militar alemão - particularmente, os que não tinham uma ligação
ideológica com o nazismo. Para eles, a guerra era uma causa perdida e a
resistência imposta por Hitler e Goering era fútil, um desperdício de milhões
de vidas alemãs. Essa era uma opinião partilhada por Rommel e o jovem coronel
Claus von Stauffenberg - um nobre de nascença, como ele. O coronel queria
assassinar Hitler e render-se aos aliados. Stauffenberg trouxe vários militares
profissionais para sua conspiração. Rommel foi contactado, mas ele tinha uma
restrição: preferia ver Hitler preso a morto, pois achava que seu assassinato
causaria uma guerra civil.
Três dias antes do ataque, a tenda de Rommel foi atacada num rasante por
um caça aliado. Ele estaria hospitalizado em estado grave quando, em 20 de
julho, uma bomba explodiu no escritório de Hitler, a menos de um metro dele, ao
pé de sua mesa. Por um sério erro tático, ele sobreviveu com ferimentos
leves.
Em outubro de 1944, Rommel voltou para sua casa em Herrlingen. Sua casa
estava sendo vigiada pela Gestapo - o nome de Rommel surgiu nas confissões sob
tortura dos envolvidos no atentado.
Na manhã do dia 14, vestindo sua farda cáqui dos Afrika Korps, ingeriu
uma cápsula de cianureto. Hitler sabia que executar seus mítico general,
figura central na propaganda nazista até então, teria sérias consequências no
moral do Exército e do povo. Então ele ofereceu a Rommel uma solução ao estilo
samurai: um suicídio honroso. Rommel aceitou não porque estivesse preocupado em
mancharem seu nome, mas pelas consequências contra sua família.
Rommel nunca foi acusado de crimes de guerra, tortura ou maus-tratos.
Cortava a água de suas tropas no deserto, mas não deixava seus prisioneiros
morrerem de sede. Seu envolvimento - ou, no mínimo, omissão em denunciar - a
conspiração para exterminar Hitler só aumentou a admiração de seus inimigos.
Era um nobre demônio, lutando do lado errado - e parece ter notado isso ao
final da vida.
Com a palavra, Erwin Rommel
"Se retirássemos uma divisão, Hitler ordenava-nos que a
colocássemos no mesmo lugar. Quando ordenávamos resistência até o último
cartucho, Hitler mudava para a resistência até a última gota de sangue. Era
esse o auxílio que recebíamos"
"Raras vezes a guerra trouxe vantagens aos povos que dela
participaram. Mas, em geral, ninguém pede a opinião do povo"
"A questão, muitas vezes, não está em saber qual é o
comandante mais dotado intelectualmente, mas sim qual conhece melhor o campo de
batalha"
"As dificuldades sofridas
pelos Afrika Korps no deserto do norte da África não pareciam afetá-lo em nada.
Vangloriava-se, raspando a lisonja que fora acumulada sobre si pelos imbecis da
sua própria corte, falando apenas de jóias e quadros. Noutra altura, seu
comportamento podia ser talvez divertido. Mas agora era de perder a
paciência". (Sobre Hermann Goering)
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2 comentários:
Bom texto. Parece até que sentei para tomar um café com alguém que gosta do mesmo tema e começamos a conversar.
Obrigado Hélcio!
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