quarta-feira, 31 de outubro de 2012

[SGM] Como a Grã-Bretanha torturou PdG Nazistas

Daily Mail, 26/10/2012

Ian Cobain*

 
Os oficiais alemães da SS estão lutando para se salvar da forca por um crime de guerra terrível e podem ter dito qualquer coisa para escapar do laço. Mas Fritz Knöchlein não estava mentindo em 1946 quando ele afirmou que, em seu cativeiro em Londres, que ele tinha sido torturado por soldados britânicos que tentavam arrancar uma confissão dele.

Torturado por soldados britânicos? Em cativeiro? Em Londres? A idéia parece incrível.

A Grã-Bretanha tem uma reputação de uma nação que orgulha-se de si mesmo por seu amor ao jogo limpo e respeito pelo Estado de Direito. Afirmamos nossa alta moral quando se trata de direitos humanos. Fomos uns dos primeiros a assinar a Convenão de Genebra de 1929 sobre o tratamento humano de prisioneiros de guerra (PdG).

É claro, você poderia pensar, os britânicos evitaram a tortura? Mas você pode estar errado, como a minha pesquisa mostrou do que ocorreu a portas fechadas décadas atrás.

Foi em 2005 durante meu trabalho como repórter investigativo que eu topei com uma menção velada de um centro de detenção da Segunda Guerra Mundial conhecido como Gaiola Londrina. Ele recebeu um número de requisição de Liberdade de Informação para o Departamento estrangeiro antes que os arquivos governamentais fossem relutantemente liberados.    

Deles, um mundo sinistro foi revelado – de um centro de tortura que os militares britânicos operaram durante os anos 1940, em segredo completo, no coração de uma das vizinhanças mais exclusivas da capital.

Milhares de alemães passaram pela unidade que tornou-se conhecida como Gaiola Londrina, onde eles foram surrados, impedidos de dormir e forçados a assumir posições estressantes por dias.
 

 Prisioneiros alemães vendados levados para o cativeiro

 
Para alguns, foi dito que eles seriam assassinados e seus corpos secretamente enterrados. Outros foram ameaçados com cirurgia desnecessária conduzida por pessoal sem formação médica. Os guardas regozijavam que eles eram “a Gestapo Inglesa”.

A gaiola londrina era parte de uma rede de nove “gaiolas” através da Grã-Bretanha administrada pela Seção de Interrogação de PdG (PWIS), que ficou sob a responsabilidade da Diretoria de Inteligência Militar.

Três, em Doncaster, Kempton Park e Lingfield, foram rapidamente convertidas em pistas de corrida. Uma outra estava no piso do Preston North End Futebol Clube. A maioria era administrada de forma bondosa.

Mas os prisioneiros que eram considerados possuírem informação valiosa eram levados para uma unidade ultra-secreta localizada em uma linha de mansões grandiosas vitorianas em Kensington Palace Gardens, na época (assim como hoje) um dos locais mais badalados de Londres.

Hoje, a rua arborizada a poucos passos do Palácio de Kensington é o lar de embaixadores e bilionários, sultões e príncipes. As casas mudam de mão por £50 milhões ou mais.

No entanto, foi aqui, há sete décadas, em cinco salas de interrogatório, em celas e na sala da guarda em números seis, sete e oito no Palácio de Kensington Gardens que nove oficiais, assistidos por uma dúzia de sub-oficiais, usaram métodos que eles achavam necessários para arrancar informação dos suspeitos.

É claro, é crucial colocar estes eventos no contexto. Quando os centros de interrogação da Grã-Bretanha apareceram pela primeira – verão de 1940 – as forças alemãs estavam atravessando a França e os Países baixos, e a Grã-Bretanha estava lutando por sua sobrevivência. As apostas não poderiam ter sido mais altas.

Nos anos seguintes, grandes partes das cidades britânicas foram deixadas em ruínas, centenas de milhares de militares e civis morreram, e mal passava um dia sem uma evidência aparecer de uma nova atrocidade nazista. Não é preciso dizer de que havia a percepção de que os prisioneiros alemães deveriam sofrer nos centros de interrogação britânicos.

E deveria também ser dito que o que ocorreu dentro de suas paredes é insignificante quando comparado aos horrores que os nazistas fizeram com milhões de prisioneiros.

Então, como podemos estar certos dos métodos usados na Gaiola Londrina? Porque o homem que a gerenciou o admitiu – e foi abafado por meio século por um sistema que temia a vergonha de que sua estória poderia prejudicar uma Grã-Bretanha que estava lutando pela honestidade, decência e Estado de Direito.

O homem era o Coronel Alexander Scotland, um mestre conhecido nas técnicas da interrogação. Após a guerra, ele escreveu um relato franco de suas atividades em suas memórias, nas quais ele lembrava como ele pensava ao chegar na Gaiola toda manhã: “Abandone toda esperança você que entra aqui.”
 
 
Coronel Scotland

 
Porque, ele disse, antes de entrar nos detalhes: “Se qualquer alemão tivesse qualquer informação que queríamos, ela era invariavelmente conseguida dele do modo mais longo.”

Como era de costume, antes da publicação, Scotland submeteu seu manuscrito ao Departamento de Guerra para publicação em 1954. O pandemônio se instalou. Todas as quatro cópias foram confiscadas. Todos aqueles que sabiam de seu conteúdo foram silenciados com ameaças de processo pelo Ato de Segredos Oficiais.

O que causou grande consternação foi sua admissão de que os horrores continuaram após a guerra, quando os interrogadores mudaram da obtenção de inteligência militar para garantir confissões de crimes de guerra.

Dos 3.573 prisioneiros que passaram pelo Palácio de Kensington Gardens, mais de 1.000 foram persuadidos a assinar uma confissão ou dar testemunho para uso nos processos de crimes de guerra.

Fritz Knöchlein, um antigo tenente-coronel da Waffen-SS, era um desses. Ele era suspeito de ordenar o fuzilamento de 124 soldados britânicos que se renderam em Le Paradis no norte da França durante a evacuação de Dunquerque em 1940. Sua defesa era de que ele nem mesmo estava lá.

Em seu julgamento, ele afirmou que ele foi torturado na Gaiola Londrina após a guerra. Ele foi desprovido de sono por quatro dias e noites após chegar em outubro de 1946 e forçado a dar voltas em círculos por quatro horas enquanto era chutado por um guarda a cada volta completa.

Ele foi obrigado a lavar escadas e banheiros com um pequeno pano, por dias, enquanto rajadas de água eram lançadas contra ele. Se ele ousasse descansar, ele era espancado. Ele também foi forçado a correr em círculos no piso da casa enquanto carregava pesadas lenhas e tambores. Quando ele reclamava, o tratamento simplesmente ficava pior.

Mas ele não era o único. Ele disse que homens eram repetidamente surrados na cara e tinham os cabelos arrancados de suas cabeças. Um companheiro de cela implorou para ser morto porque ele não agüentava mais tanta brutalidade.

Contudo, todas as acusações de Knöchlein foram ignoradas. Ele foi considerado culpado e enforcado.

Suspeitos em outro crime de guerra tenebroso – o fuzilamento de 50 oficiais da RAF que fugiram de um campo de prisioneiros, o Stalag Luft III, no qual tornou-se como “Fugindo do Inferno” (em inglês, The Great Escape, filme produzido em 1962) – também passaram pela Gaiola.

Dos 21 acusados, 14 foram enforcados após um julgamento de crimes de guerra em Hamburgo. Muitos confessaram somente após terem sido interrogados por Scotland e seus homens. Na corte, eles protestaram que eles haviam sido submetidos a fome, chicoteados e sistematicamente surrados. Alguns disseram que eles haviam sido ameaçados com ferros em brasa e “ameaçados com dispositivos de choque elétrico”.

Scotland, é claro, negou as alegações de tortura, indo de julgamento em julgamento para dizer que seus acusadores estavam mentindo.

Foi mais do que surpresa então, que poucos anos depois ele tenha desejado esclarecer sobre as técnicas que ele empregava na Gaiola Londrina.

Em suas memórias, ele esclareceu que um número de homens foram forçados a auto-incriminar-se. Um general foi sentenciado à morte em 1946 após assinar uma confissão na Gaiola enquanto, nas palavras de Scotland, “deprimiu-se intensamente após vários exames.”

Um oficial naval foi sentenciado com base numa confissão que Scotland disse que ele assinou apenas após ter sido “sujeito a tarefas degradantes.”

Scotland também soube que um dos homens acusado dos assassinatos do “Fugindo do Inferno” foi para a forca apesar dele ter confessado após ter sido – nas próprias palavras de Scotland – “trabalhado psicologicamente”. Em seu julgamento, o homem insistiu que ele foi “trabalhado” também fisicamente.     

Outros não compartilharam da avidez de Scotland de orgulhar-se do que havia sido feito em Kensington. Um conselheiro legal do MI5 que leu seu manuscrito concluiu que Scotland e seus assistentes interrogadores eram culpados de um “rompimento claro” da Convenção de Genebra.  

Eles poderiam ter enfrentado acusações de crimes de guerra por forçar prisioneiros a permanecerem acordados 24 horas por dia; forçá-los a ajoelhar-se enquanto eram surrados na cabeça; ameaçá-los de morte; ameaçá-los de intervenção cirúrgica por outro prisioneiro sem qualificação médica.

Intimidado pelo embaraço que seu manuscrito causaria se fosse revelado, o Departamento de Guerra e o Departamento Estrangeiro declararam que ele jamais seria visto à luz do dia.

Dois anos depois, contudo, eles foram forçados a fazer um acordo com o autor após este ameaçar publicar seu livro em outro país. Ele foi avisado que jamais recuperaria o manuscrito original, mas um acordo foi feito no qual toda linha de material incriminador foi expurgada.

Uma versão altamente censurada da Gaiola Londrina convenientemente apareceu nas livrarias em 1957.

Mas funcionários no Departamento de Guerra, e seus sucessores no Ministério da Defesa, permaneceram encrencados.

Anos depois, em 1979, os editores de Scotland escreveram ao Ministério da Defesa pedindo uma cópia do manuscrito original pelo agora falecido coronel para os seus arquivos.

O pedido causou pânico, pois os servidores civis tentaram esclarecer as razões para negar o pedido. Mas, no final, eles de forma silenciosa depositaram uma cópia no que é agora os Arquivos Nacionais em Kew, onde permaneceu despercebido – até que eu o encontrei um quarto de século depois.

Há mais para se dizer a respeito da Gaiola Londrina? Quase que positivamente. Mesmo agora, alguns dos arquivos do Ministério da Defesa permanecem além de qualquer alcance público.

Scotland, seus interrogadores, técnicos e datilógrafos, e os guardas brutamontes deixaram as instalações em janeiro de 1949. As casas permaneceram desocupadas por muitos anos.

Eventualmente, as de número seis e sete foram alugadas para a União Soviética, que estava procurando um local para sua nova embaixada. Hoje, elas pertencem à chancelaria da embaixada da Rússia.

A de número oito – onde é estimado que os piores excessos tenham sido feitos – permanece vazia. Ela era muito grande para ser um lar familiar nos anbos do pós-guerra e no interior muito pobre para sofrer reforma e converter-se em escritório. Por volta de 1955, a construção ficou abandonada e foi vendida a um desenvolvedor, que a trancou e construiu uma quadra com três flats luxuosos. Um que foi colocado à venda em 2006 foi estimado em £ 13,5 milhões.

A Gaiola não foi, entretanto, o único centro secreto de interrogação da Grã-Bretanha durante e após a Segunda Guerra Mundial. O MI5 também operou um centro de interrogação, codificado como Campo 020, em Latchmere House, uma mansão vitoriana próximo de Ham Common no sudoeste de Londres, cujos 30 quartos foram convertidos em celas com microfones escondidos.

O primeiro dos espiões alemães que chegou à Grã-Bretanha em setembro de 1940 foi levado até lá. Informação vital sobre a iminente invasão alemã foi conseguida com grande rapidez. Isto indica o uso de métodos extremos, mas estes eram dias desesperados exigindo medidas desesperadas. No comando estava o Coronel Robin Stephens, conhecido como “Olho de Lata”, por causa do monóculo fixado em seu olho direito.
 
 
Coronel Stephens
 

Não era um termo de afeição. O objeto de interrogação, Stephens disse aos seus oficiais, era simples: “A verdade no menor tempo possível.” Um memorando ultra-secreto falava de “métodos especiais”, mas não especificava.

Ele arrumou um quarteirão de 92 celas adicionais para serem adicionadas a Latchmere House, mais uma sala de punições – conhecida deprimentemente como Cela 13 – que era completamente exposta, com paredes polidas e um piso de linóleo.

Cerca de 500 pessoas passaram pelos portões do Campo 020. Principal entre eles estavam os espiões alemães, muitos dos quais eram “convertidos” e convencidos – ou talvez forçados – a trabalhar para o MI5.

Seus primeiros ocupantes eram os membros da União Britânica de Fascistas. Alguns deles eram mantidos em celas brilhantemente luminosas 24 horas por dia, outras celas eram mantidas em total escuridão.

Muitos prisioneiros foram submetidos a simulações de execução e eram surrados pelos guardas. Alguns eram aparentemente mantidos nús por meses.  

O Campo 020 tinha um médico residente, Harold Dearden, um psiquiatra que planejava regimes de fome e sono e privação sensorial para quebrar a força de vontade dos internos. Ele experimentou técnicas de tormento que deixava poucas marcas – métodos que poderiam ser negados pelos torturadores e que servidores civis e ministros do governo poderiam desconhecer.

Estas técnicas foram novamente utilizadas após a guerra em uma instalação britânica em Bad Nenndorf, uma cidade turística alemã, em um dos campos de internamento para aqueles considerados uma ameaça à ocupação aliada.

Em quatro anos após a guerra, 95.000 pessoas foram internadas na zona britânica da Alemanha ocupada. Alguns foram interrogados pelo que agora chamamos Divisão de Inteligência.

No comando de Bad Nenndorf estava “Olho de Lata” Stephens, ligado ao MI5, e experiente de sua época no Campo 020. Um interno lembrou dele fazendo perguntas enquanto batia nos prisioneiros.

Nos próximos dois anos, 372 homens e 44 mulheres passariam por suas mãos. Um prisioneiro alemão lembrou do que lhe disse um oficial da inteligência britânica: “Não estamos ligados a quaisquer regras ou regulamentos. Não damos a mínima se você vai deixar este lugar numa maca ou em um carro funerário.”

Ele foi colocado para dormir em um piso molhado na temperatura de -20ºC por três dias. Quatro de seus dedos do pé tiveram que ser amputados por causa do congelamento.

Um médico em um hospital próximo reclamou sobre o número de detentos levados a ele sujos, confusos e sofrendo de ferimentos múltiplos e congelamento. Muitos estavam dolorosamente magros após meses de inanição. Alguns acabaram morrendo.

O regime era pensado para enfraquecer, humilhar e intimidar os prisioneiros.

Com as reclamações surgindo, um comitê britânico de inquérito foi estabelecido para investigar o que estava sendo feito em Bad Nenndorf. Ele concluiu que as alegações dos antigos prisioneiros de assalto físico eram substancialmente corretas. Stephens e quatro outros oficiais foram presos e Bad Nenndorf abruptamente fechada.

Mas havia um dilema para o governo trabalhista. As consequências políticas poderiam ser profundamente desastrosas. Havia outros centros de interrogação semelhantes na Alemanha.

Do topo, vieram ações urgentes para colocar as coisas nos trilhos novamente.

A corte marcial de Stephens por mau tratamento de prisioneiros foi feita a portas fechadas. Ele não negou nenhum dos horrores. Sua defesa era de que ele não tinha ideia de que os prisioneiros sob sua custódia eram surrados, chicoteados, congelados, privados de sono e levados à morte por fome.   

Esta foi a defesa que foi oferecida – mal sucedida – pelos comandantes dos campos de concentração nazistas nos julgamentos de crimes de guerra. Mas ele foi absolvido.

A suspeita permanece de que ele escapou porque, se as crueldades ocorreram em Bad Nenndorf, então elas haviam sido autorizadas pelos ministros do governo.    

* extraído do livro “Cruel Britannia”, do autor.

 
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2223831/How-Britain-tortured-Nazi-PoWs-The-horrifying-interrogation-methods-belie-proud-boast-fought-clean-war.html

Nenhum comentário: