The
Montreal Review, março de 2010
As
observações e conclusões de Taylor são notáveis, e muitos historiadores ainda
as aceitam ou as rejeitam apaixonadamente. Seu livro sobre as origens da
Segunda Guerra Mundial talvez seja a leitura mais popular sobre o assunto,
ainda que sua interpretação não possa ser vista como uma verdade final sobre as
causas da guerra mais sanguinária da história humana. A narrativa fascinante de
Taylor é, em alguns aspectos, correta, em outros errada, e certamente não dá um
quadro completo do período entre guerras. É apenas um fragmento de um quadro
maior que ainda espera pela sua total revelação.
A
conclusão mais popular de Taylor em “As Origens...” é que Hitler não tinha
nenhum plano real para a expansão alemã. Ele argumenta que não devemos misturar
planos com intenções e fantasias. De acordo com Taylor, Hitler esperava
alcançar a expansão a leste não através de uma grande guerra, mas por meio de
ofensivas bem direcionadas e rápidas ou, se fosse possível, sem mesmo uma
guerra. Hitler também não esperava que a França capitularia de sua posição de
Grande Potência de maneira fácil. Ele não tinha uma visão clara de como na
realidade a Ucrânia e Polônia conquistadas seriam povoadas por alemães, nem ele
era capaz de militarizar a Alemanha mais rápido que as outras Grandes Potências
durante os anos 1930. Hitler também não tinha nenhum plano para tirar a
Alemanha da depressão econômica. Sua qualidade política mais significativa era
a habilidade de esperar, ou ter nervos de aço. Ele era um perfeito oportunista
na política doméstica, assim como na externa. Em casa, Hitler usou as
oportunidades que Von Papen e outros conservadores lhe deram para assumir o
controle, sua política era de uma constante improvisação – ele explorava com a
paciência de um predador suas intrigas, mas sem ideia de como ele escaparia de
seu controle. A mesma técnica ele aplicava à política externa. Ele torturou,
emocionalmente, a França e a Grã-Bretanha com os medos e esperanças e a
confusão deles trabalhou para ele melhor do que suas ações ofensivas. Ele
esperou pacientemente por vitórias políticas entregues num prato por seus
próprios inimigos através de seus erros.
Quando
“As Origens…” foi publicada em 1961, a maioria destas conclusões era novidade.
Assim, com sua publicação, o livro de Taylor produziu tremores no entendimento
comum da origem da Segunda Guerra Mundial, principalmente pelo argumento de que
Hitler foi o único culpado pela guerra. A visão de Taylor não era tão não
convencional, pois ele acreditava que, acima de tudo, o Tratado de Versalhes
foi a principal razão para o conflito. As cláusulas pesadas não destruíram a
Alemanha completamente. Além disso, a Alemanha com ou sem o tratado era ainda a
maior potência do continente. “Os alemães,” observa Taylor, “tinham essa enorme
vantagem que eles podiam enfraquecer o sistema de segurança criado contra eles
simplesmente não fazendo nada.” Este fato se encaixava bem no estilo político
de Hitler. De fato, em uma coincidência tudo na Europa trabalhou bem para um
político alemão com talento oportunista e nervos para esperar, a tragédia
estava no fato de que este político era Hitler, uma pessoa com uma visão
corrompida para o futuro e ideias lunáticas. Se no lugar de Hitler, estivesse
uma pessoa inteligente, sensível com uma visão racional do futuro da Alemanha,
menos obcecada pela ideia de poder, a Segunda Guerra Mundial talvez não tivesse
acontecido. É claro, os oportunistas não são sempre as pessoas mais sensíveis,
e raramente a maioria é humilde, de modo que políticos alemães combinando em
suas características talento oportunista, forte vontade política, boas
intenções e pragmatismo eram praticamente impossíveis de surgir ou permanecer
no poder por muito tempo nos anos turbulentos após a Primeira Guerra Mundial.
O
Tratado de Versalhes tinha uma falha séria – nenhum dos lados acreditava
genuinamente que ele foi um acordo justo. As nações derrotadas sentiram a
humilhação e viram-se como vítimas de um roubo; os vencedores – Grã-Bretanha,
França, EUA e Itália – tinham suas próprias dúvidas sobre se eles tomaram as
decisões certas em Versalhes. A crença comum, admita ou não, era a de que os
Aliados puniram a Alemanha além da conta. Mas os franceses, preocupados com sua
própria segurança, queriam os alemães de joelhos. Enquanto isso, os britânicos
não foram capazes de abandonar seu aliado continental, França, nem ignorar a opinião
pública anti-alemã em casa imediatamente após a guerra; por outro lado, os
americanos saíram de cena em seu tradicional isolacionismo e não fizeram nada
para melhorar a situação política na Europa.
Após
Versalhes, os Aliados seguiram uma política externa caótica, seguindo seus próprios
interesses e objetivos. Mas, como Taylor nota, “não havia rejeição deliberada
da parceria dos tempos de guerra. Os eventos afastaram os aliados; e nenhum
deles lutou o bastante para reverter o processo.” Após a guerra, a Grã-Bretanha
se sentiu segura e não viu a Alemanha como um perigo; a França tinha
sentimentos opostos, sua obsessão com o item segurança mesmo aprofundou-se.
Enquanto a Grã-Bretanha estava tentando apoiar a recuperação alemã, a França
fazia o que podia para retardá-la. Os franceses acreditavam que a primeira
Guerra Mundial foi causada por agressão, enquanto que os britânicos mantinham a
posição de que se tratou de um engano.
Sob
pressão da França, o tamanho das reparações alemãs não foi definido
imediatamente após a guerra. Foi um erro. O lucro real das reparações foi
insignificante para os Aliados e as reparações não tiveram um efeito tão
devastador na economia alemã como parece à primeira vista. O dinheiro que vinha
da Alemanha era usado pelos Aliados para pagar os débitos de guerra aos
americanos, não para a recuperação de suas economias, enquanto que a Alemanha,
simultaneamente, estava recebendo empréstimos generosos dos EUA. Mas as
constantes disputas sobre a questão da reparação e a inabilidade de um acordo
justo ser alcançado eram uma constante fonte de tensão. Isso criou um ambiente
psicológico amargo na Alemanha que impedia o melhoramento das relações entre as
Potências por anos e que estava alimentando o radicalismo anti-ocidental entre
os alemães. Os alemães acreditavam que as reparações eram a principal causa de
seus problemas econômicos. “De repente, as reparações tornaram-se a única
responsável pela pobreza alemã,” diz Taylor. “O comerciante em dificuldades; o
professor mal pago; o trabalhador desempregado, todos culpavam as reparações
pelos seus problemas. O choro de uma criança faminta era o choro contra as
reparações... A grande inflação de 1923 foi atribuída às reparações; assim como
a grande depressão de 1932...” Este senso de injustiça evoluiu das reparações
para todas as outras cláusulas do Tratado de Versalhes. No final, todos os
problemas econômicos da Alemanha nos anos 1920 e 1930 eram explicados pelas
cláusulas punidoras de Versalhes.
Mas
isto é um mito, argumenta Taylor, que os problemas econômicos da Alemanha eram
devidos apenas a causas externas. As dificuldades econômicas entre as guerras
foram devidos aos defeitos da política doméstica alemã.
Na
opinião de Taylor, a Alemanha entre as guerras teve um de seus grandes
políticos em Gustav Stresemann. Stresemann sabia que a Alemanha precisava de
uma Europa em paz para sua recuperação, e a recuperação tornaria seu país forte
o suficiente para revisar o Tratado de Versalhes. Em meados dos anos 1920,
Stresemann, MacDonald e o ministro do exterior francês Briand trabalharam
juntos por um tempo para pacificar a Europa, para normalizar os antagonismos
entre as Potências. Pela primeira vez após 1917, diz Taylor, com o Tratado de
Locarno todos os lados pareciam satisfeitos. Locarno deu à Europa um pouco de
paz e esperança. Foi o maior e único triunfo da política de “apaziguamento”. É
claro, essa paz foi mais uma ilusão do que uma realidade. O apaziguamento não
era possível até que a França se sentisse completamente tranquilizada e a
Alemanha totalmente satisfeita.
Hitler
destruiu a ordem política de Locarno dez anos depois com a reocupação da
Renânia. Hitler chegou ao poder graças às intrigas políticas dos poderes
políticos conservadores. Fatores diferentes ajudaram no crescimento da
popularidade do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, mas Von Papen
e Hindenburg cometeram o erro crucial de apontar Hitler como Chanceler com a
intenção de usá-lo temporariamente, enquanto os conservadores ganhavam poder
político suficiente para governar sozinhos. Ninguém esperava que Hitler lançaria
algumas “mudanças revolucionárias” tanto internas quanto externas. Taylor
argumenta que Hitler tornou-se gradualmente um ditador e a única mudança
política que ele promoveu foi a transformação do sistema político alemão da
democracia para a ditadura. Em sua política externa, não havia nada de “revolucionário”.
Nos assuntos estrangeiros, ele simplesmente continuou a política de seus
predecessores: libertar a Alemanha das restrições do tratado de paz, restaurar
o grande exército alemão e tornar a Alemanha uma grande potência continental
como já havia sido antes.
Na
política externa, Hitler agiu de acordo com as circunstâncias – sem um plano,
sem um grande projeto. Ele tinha em sua mente as simples verdades do alemão comum
e agia de acordo com elas. Taylor diz que Hitler foi “um intelecto poderoso,
porém não instruído.” Sua política externa era um “eco” das conversas em
qualquer café austríaco ou cervejaria alemã. Em seu esboço de política externa
havia somente um elemento de pensamento sistemático, e não era original – sua visão
era “continental”. Suas ambições eram restritas à Europa, mais precisamente, à
Europa oriental. Ele queria o leste de volta à Alemanha – Áustria, polônia,
Ucrânia e os espólios de Brest-Litovsk. De acordo com Taylor, a expansão
oriental era a proposta primária da política de Hitler, senão a única. O “terrível”
literalismo era a força impulsionadora em suas ações políticas e intenções.
Hitler colocou em movimento a política “urbana”, ele estava alcançando as
crenças vagas do alemão comum e estava fazendo isso pacientemente e com nervos
de aço, agindo com passos curtos e esperando seus adversários perderem o
controle e cometer erros. “Talvez”, escreve Taylor, “esta espera não tenha sido
a princípio consciente ou deliberada. Os grandes estadistas são aqueles que não
sabem o que estão fazendo.”
Hitler
escancarou a fraqueza de seus adversaries quando ele abandonou em 1933 a Conferência
de Desarmamento Mundial em Genôva. Como aconteceu muito frequentemente nos anos
vindouros, esta ação não teve consequências. Isto deu-lhe uma garantia de que
estava livre para blefar e verificar as reais intenções dos Aliados toda vez
que a ocasião permitisse.
De
acordo com Taylor, os primeiros sucessos de Hitler na política externa foram o
Pacto de Não-Agressão com a Polônia em 1934. Este acordo deu-lhe segurança para
manobrar a França e a Inglaterra no futuro. Hitler tratou com muito cuidado o
fracasso da Liga das Nações em resolver o problema da agressão italiana na Abissínia.
Isto mostrou-lhe que a comunidade internacional não tinha nenhum prestígio para
intervir em casos de violação de obrigações internacionais coletivas. Assim, em
1935, ele reocupou a Renânia. Em resposta, os franceses não fizeram
praticamente nada, nem a Grã-Bretanha, Polônia ou outro país. A reocupação da Renânia,
diz Taylor, anulou o sistema de Versalhes. A Alemanha estava livre para
rearmar-se e o sistema internacional voltou à familiar anarquia dos anos pré-guerra.
Ora, diz Taylor, a anarquia internacional torna a guerra possível, mas não lhe
dá certeza de ocorrer. Em 1935, ainda havia ceticismo que a Alemanha causaria
guerra; de fato, os europeus esperavam um possível conflito no Mediterrâneo
entre França e Itália. “As guerras quando vêm,” diz Taylor, “são sempre
diferentes da guerra que é esperada. A vitória vai para o lado que cometeu
menos erros, não para aquele que supunha estar certo.” No período pré-Segunda
Guerra Mundial, Hitler estava do lado que cometeu menos erros.
Após
a reocupação da Renânia, não havia nenhum sério incentivo para o rearmamento na
França e Grã-Bretanha. As razões gerais para isto eram três – os ingleses e
franceses ainda não acreditavam que a política de “apaziguamento” era um
fracasso, eles não queriam uma nova guerra e os problemas econômicos preveniram
quaisquer planos para gastos militares. A Alemanha iniciou alguma
militarização, mas não era tão grande quanto as pessoas pensam. A opinião
popular é que a Alemanha era o único país (exceto a União Soviética) que gozava
que pleno emprego após 1935 e isto era devido ao rearmamento. Na realidade, o
sucesso econômico foi devido à abordagem heterodoxa de Hitler na economia que
permitiu ao governo gastar dinheiro em projetos públicos apesar da Depressão.
De fato, isto é uma expressão típica do capitalismo de estado autocrático que,
por um período particular, é muito eficiente em facilitar o revigoramento da
economia através de medidas de incentivo, tais como controle centralizado das
indústrias e manipulação estatal ativa de preços e investimentos.
Assim,
de acordo com Taylor, o espaço entre as duas guerras mundiais foi estendido por
precisamente mais dois anos. “O período pós-guerra terminou quando a Alemanha
reocupou a Renânia em 7 de março de 1936, o período de pré-guerra começou quando
ela anexou a Áustria em 13 de março de 1938.”
Taylor
insiste que o período do pré-guerra começou sem um plano. De acordo com ele, o
popular “Memorando Hossbach”, que foi apresentado nos julgamentos de Nuremberg,
e que serviu de evidência principal para a estratégia de política externa de
Hitler, não era nada mais do que um encontro de conferência documentado na
Chancelaria em 1937, no qual Hitler esperava convencer seus ministros
conservadores (entre eles somente Göring era nazista) a apoiar seu programa de
aumento de armamentos contra os escrúpulos financeiros do Ministro da Economia
Schacht.
O
“Memorando Hossbach” não era realmente um plano de ação. O Anschluss em março
de 1938 veio, contra os objetivos expressos no memorando, antes da “planejada”
destruição da Tchecoslováquia. As políticas de Hitler em relação à Áustria não
tinham sido diferentes da abordagem evolutiva tradicional alemã de esperar que
os alemães austríacos se fundissem com a pátria étnica sem nenhum apoio
externo. Mas as circunstancias permitiram uma invasão alemã precoce. Após o
Anschluss, “a geografia e a política automaticamente colocaram a
Tchecoslováquia na agenda,” não os pontos no memorando.
A
Tchecoslováquia era um país da Europa central, composto de minorias nacionais e
cercado de vizinhos não amigáveis (exceto a Romênia). A destruição do Estado
Tcheco foi fácil – seus aliados França e Rússia Soviética não tiveram coragem
de defendê-lo, a Grã-Bretanha estava convencida de que o risco de sua destruição
era menor comparando com a possibilidade da segunda grande guerra. Hitler
ocupou a terra dos Sudetos, onde a minoria alemã vivia, com a benção da
Grã-Bretanha e da França em Munique. A última etapa desta ordem de passos
curtos mas altamente eficientes era a cidade livre de Danzig e do Corredor
Polonês que dividia a Alemanha da Prússia Oriental. Danzig marca o começo real
da Segunda Guerra Mundial na interpretação de Taylor.
Acima
de tudo, o que podemos concluir a partir do livro de Taylor? Quais foram as
origens da Segunda Guerra Mundial?
Primeiro,
a semente da discórdia plantada em Versalhes. O tratado que objetivava criar
uma ordem segura pós-guerra mundial revelou-se um completo fiasco. Ele foi
esboçado sem o consentimento das nações derrotadas, não foi um acordo coletivo
e, de fato, era um compromisso dos medos franceses com a opinião pública dos
países vencedores. O sistema de Versalhes foi incrivel e injustificadamente
cruel com a maior nação na Europa, a Alemanha, e com isto produziu constante
situação de instabilidade. Durante os anos interguerras, todo político europeu
sabia que Versalhes foi um erro, mas ninguém estava certo como corrigi-lo sem
colocar em risco os outros países ou perder o status internacional de seu país.
Segundo,
os franceses e os britânicos tinham diferentes conceitos sobre a ordem do mundo
do pós-guerra. A França estava engajada em ações que supostamente deveriam
garantir sua segurança, mas ela nunca estava satisfeita; a Grã-Bretanha se
importava com sua tranquilidade e preferia a paz. A França estava obcecada por
questões de segurança, mas ela não foi capaz de resistir à ameaça alemã sem o
apoio da Inglaterra; no outro lado, a Grã-Bretanha sabia que a Alemanha tinha o
direito de buscar justiça e sinceramente acreditava que uma vez que suas
exigências fossem satisfeitas ela seria pacificada. A Grã-Bretanha olhava a
França como o principal obstáculo contra a recuperação alemã e,
consequentemente, como o principal perturbador da paz. Era impensável à
Grã-Bretanha apoiar a França militarmente ao invés de acalmar toda a razão para
um conflito aberto.
Terceiro,
durante o período entre guerras, a Alemanha experimentou um número de turbilhões
políticos e econômicos e para todos eles, justificadamente ou não, Versalhes
foi a razão alegada. A radicalização da sociedade alemã produziu i movimento
extremista nazista e tornou possível o regime nazista. O ambiente político na
Alemanha e fora dela cedo ou tarde produziria um político rude e sangue-frio
que cortaria o nó górdio do sistema de Versalhes. Este político era Hitler. Ele
foi um lunático, que acreditava que qualquer objetivo que o homem alcançasse
seria devido à sua originalidade e brutalidade (Gordon
W. Prange, ed. Hitler's Words, Washington, D.C., 1944, p.8). Ele era uma
pessoa destituída de dúvidas, suas ações criminosas tinham uma “fundação de
concreto” em sua filosofia anti-semita e ele estava livre de restrições morais.
Tal pessoa não pode ser inteligente o suficiente para criar um plano para
domínio mundial, ele pode apenas mostrar os defeitos do sistema internacional.
A opinião de Taylor é exatamente esta: Hitler foi o produto de um mundo
corrompido, e a responsabilidade pelo início da Segunda Guerra Mundial não
deveria ser colocada apenas nos ombros de uma pessoa, como já havia acontecido
em 1917.
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