sábado, 2 de março de 2013

[SGM] A Crise de 1938 – O Caminho Torto para a Guerra

Ian Kershaw

The Guardian, 23/08/2008
 

 

Setenta anos atrás, a Europa foi lançada na crise mais profunda experimentada desde o fim da Primeira Guerra Mundial, pavimentando o caminho para a rápida descida em um novo e mesmo mais terrível conflito mundial. Poucos desenvolvimentos históricos foram mais pesquisados e reavaliados extensivamente do que os eventos críticos de 1938, e tem havido debates ferozes, em particular, sobre os objetivos de Hitler. Ele tinha um programa ideológico claro, um esquema consistentemente a ser seguido? Ou ele era um oportunista brutal e sem princípios, com um dom para a propaganda e gosto pelo poder, junto com um olho afiado para explorar a fraqueza das democracias ocidentais? Poderia ser a agressão alemã ser atribuída simplesmente à megalomania de Hitler ou ela representou forças enraizadas na sociedade, particularmente a força dos militares e dos grandes empresários? Hitler, em outras palavras, seguiu ou rompeu com os objetivos tradicionais da política externa alemã?

Os historiadores têm enfrentado estas questões ao longo dos anos. Mas eles gradualmente chegaram a algumas respostas claras. Atualmente, estamos aproveitando uma avalanche de grandes livros sobre o Terceiro Reich por historiadores britânicos e estes livros são notáveis não apenas porque refletem o fato que há agora geralmente – se não universalmente – aceitado conclusões sobre Hitler e o caminho para a guerra.

Um ponto de partida óbvio no debate é a publicação em 1961 de “As Origens da Segunda Guerra mundial”, de A. J. P. Taylor. Para Taylor, Hitler não era mais do que um oportunista, trabalhando sem qualquer plano ou programa além de noções vagas de expansão. Os vilões reais de Taylor eram os apaziguadores na Grã-Bretanha e na França cuja inércia política abriu a porta. Era uma interpretação dissidente, que foi calorosamente contestada. Hugh Trevor-Roper argumentou convincentemente que Hitler era um homem de idéias, apesar de serem repulsivas. Tim Mason, enfatizando as pressões econômicas surgindo com o expansionismo alemão que tornaram o caminho para a guerra inevitável, chegou próximo a dizer que Taylor não sabia do que estava falando. Na Alemanha, a interpretação de Taylor dificilmente foi levada a sério, mas a antítese de sua abordagem foi mais sincera em um trabalho que ainda forma o estudo mais fundamental da política externa alemã do pré-guerra, o fabuloso “A Política Externa da Alemanha de Hitler”, de Gerhard L. Weinberg, no qual o objetivo de dominação de Hitler é absolutamente central.

Recentemente, o aclamado estudo de Adam Tooze “The Wages of Destruction” (As Rendas da Destruição, em tradução livre) ofereceu uma nova abordagem – olhando na fraqueza econômica de longo prazo da Alemanha em relação aos EUA como a chave para a agressão alemã. Como um determinante da política externa do pré-guerra, Tooze talvez exagere a preocupação de Hitler com a ameaça da América. Mas ele acrescenta de forma bem sucedida as pressões econômicas crescentes sobre o regime nazista pelo impulso ideológico que produziu aquelas pressões. E ele é também um dos poucos historiadores a conectar a radicalização do antisemitismo com a proximidade crescente da guerra, assim como a tensão internacional crescente apoiou noções de uma “conspiração judaica mundial” por trás da política americana.

Jonathan Wright produziu o incisivo “A Alemanha e as Origens da Segunda Guerra Mundial”, enquanto que a política externa alemã é também explorada, como estrutura do regime nazista, no livro “O Terceiro Reich no Poder”, de Richard Evans, e, com particular foco  no papel de Hitler, em minha própria biografia do líder alemão.

Então, quais são as conclusões geralmente aceitas? Hitler não tinha um programa definido. Mas classificá-lo como um mero oportunista seria errado. Ele tinha um conjunto limitado, porém inflexível, de idéias que deu uma direção consistente à sua liderança. Seus caminhos paralelos, embutidos em um senso de raça como o determinante-chave na história, eram a “remoção” dos judeus e a expansão para o leste para conseguir terras para garantir o futuro da Alemanha. Ambos imprecisos, os objetivos distantes serviram, uma vez Hitler tomado o poder em janeiro de 1933, como guias para ação para cada detalhe do regime, sem nunca ter de ser explicitadas em termos de políticas evidentes. Muito foi adaptado para as circunstâncias rapidamente variáveis – mas dentro dos parâmetros incorporados à “visão” ideológica de Hitler.

Antes de 1938, não havia incompatibilidade entre os objetivos de longo prazo de Hitler e os interesses dos militares (e de outros membros da elite do poder) na construção da força armada alemã, renovação da força e robustez nacionais e na obtenção de lucros a serem conseguidos com a expansão da indústria de armamentos. Mas, como tornar-se-ia mais aparente de 1938 em diante, Hitler não seguiria apenas as linhas tradicionais da política alemã. A linha descartável característica de Taylor de que “nos assuntos internacionais não havia nada de errado com Hitler exceto o fato de que ele era alemão” (deixando de lado de que ele de fato era austríaco) é enganosa. Hitler de fato pôde ampliar as tradições expansionistas da elite de poder alemã. Mas sua liderança inatacável crescente e suas obsessões raciais distorceram aquelas tradições, levando então a política para território desconhecido à medida que a guerra progrediu – produzindo finalmente a ruína física e moral de seu país.

Se mesmo em retrospecto não tem sido fácil chegar a uma avaliação clara dos objetivos de Hitler, não é de se estranhar que os contemporâneos dentro e fora da Alemanha estejam incertos em como devem tratar com ele. O ano de 1938 marcou o auge das tentativas das democracias ocidentais em apaziguar Hitler. “Munique” ainda tem fama para a ignomínia que liga as tentativas de Chamberlain para saciar Hitler às custas da Tchecoslováquia. A reputação de Chamberlain não pode ser resgatada. Mas o reconhecimento dos graves erros de julgamento da política nos anos 1930 deve ser vistos sob a perspectiva das opções realistas abertas ao governo britânico na época.

A primeira crise de 1938, com a Áustria, surgiu tão repentinamente que a liderança nazista foi pega de surpresa. Ela foi iniciada pelo anúncio em 9 de março pelo chanceler austríaco Kurt von Schuschnigg que haveria um plebiscito três dias depois para determinar se a Áustria permaneceria um país independente. O resultado teria sido uma conclusão definitiva, mas o plebiscito jamais ocorreu. Irado pelo gesto de Schuschnigg, Hitler reagiu rapidamente. Em 11 de março, os austríacos foram ameaçados à submissão, Schuschnigg e o presidente, Wilhelm Miklas, forçados a renunciar. Lorde Halifax, o secretário do exterior britânico, disse a Schuschnigg que “o governo de sua majestade era incapaz de garantir proteção.”

O parceiro do Eixo de Hitler, a Itália, ofereceu apoio à anexação, garantindo expressões de gratidão por parte de Hitler. O homem de Hitler, Arthur Seyss-Inquart, foi colocado como novo chanceler. Mas mesmo com a Áustria sob controle nazista, Hitler ordenou que a Wehrmacht cruzasse a fronteira austríaca. Ele próprio seguiu naquele mesmo dia, 12 de março, desfilando vagarosamente através de uma multidão exultante antes de alcançar sua cidade natal de Linz.* Sob o impacto emocional de sua recepção tumultuada, Hitler decidiu que o mero status de satélite para a Áustria não era suficiente. Tinha que ser a incorporação total. Legislação para isto foi apressadamente elaborada em 13 de março. Antes da noite terminar, a Áustria havia se tornado uma mera província alemã. Um mês depois, em 12 de abril, em um plebiscito com resultado totalmente previsível para um regime ditatorial, 99% da população aprovou o Anschluss.

Apesar da crise do Anschluss ter surgido rapidamente e os nazistas tenham agido de maneira brutal  e improvisada, seria um erro compartilhar a visão de Taylor de que o modo pelo qual a Áustria caiu sob o controle alemão foi para Hitler “um acidente enfadonho, uma interrupção de sua política de longo prazo.” Ele foi de fato uma conseqüência direta dos objetivos ideológicos, estratégico-militares e econômicos interligados da política nazista que haviam sido desenvolvidos nos últimos cinco anos. O imperativo ideológico de expansão, necessitando de rápido rearmamento, que garantiu o apoio a Hitler na liderança militar e nos altos negócios, tornou a Áustria um alvo estratégico – mesmo independentemente do desejo de Hitler em unir sua pátria com o Reich e o crescente clamor pela união entre os simpatizantes nazistas austríacos (cerca de um terço da população). A velocidade do rearmamento tinha levado a graves gargalos econômicos. A Áustria oferecia depósitos desejados de minério de ferro, outras matérias-primas e mão de obra.

Não é de se estranhar que houvesse uma pressão crescente pela união política entre a Alemanha e a Áustria, que já era muito dependente economicamente do Reich. Na segunda metade de 1937, Hitler falou ameaçadoramente sobre agir logo contra a Áustria. E quando, em 12 de fevereiro de 1938, Hitler se encontrou com Schuschnigg, ele o intimidou por grandes concessões usando a influência alemã lá. Os planos para uma gradual absorção da Áustria pela Alemanha foram então colocados em risco pelo anúncio prematuro de Schuschnigg do plebiscito. A crise logo se seguiu. Mas foi uma crise que aguardava acontecer. Ela foi, de fato, provocada por Schuschnigg, ao invés de Hitler, como Taylor afirmou, mas somente no sentido de que um carro com a porta aberta pode estimular alguém a roubá-lo. A reação furiosa de Hitler ao movimento de Schuschnigg não deve ser tomada como evidência de que a crise não foi bem vinda ao ditador alemão. Pelo contrário: foi uma oportunidade que ele estava ávido em agarrar com as duas mãos.

Hitler sabia que sua ação seria engolida pelas potências ocidentais. Halifax já havia dado uma indicação disso quando ele se encontrou com Hitler em novembro último. Chamberlain certamente não gostava dos métodos brutais usados. Mas, falando diante do comitê de política externa do gabinete dois dias após o Anschluss, ele disse “ele não pensou que nada do que acontecera poderia provocar uma alteração por parte do governo de sua política atual” de buscar uma solução geral para os problemas da Europa através do apaziguamento da Alemanha. Ele estava, de fato, mais certo de que esta política era correta. O apaziguamento estava para ser submetida a um teste muito mais severo na crise tcheca que era grandemente esperada após o triunfo de Hitler na Áustria.

O controle alemão na Áustria deixou a Tchecoslováquia completamente exposta. E ela era muito mais importante do que a Áustria considerando-se os objetivos expansionistas alemães. Mas a agressão alemã estava carregada de perigo. Desde que a França tinha um tratado de segurança com a Tchecoslováquia no caso de uma agressão e a Grã-Bretanha era aliada da França, um ataque alemão significava um risco muito alto de uma guerra européia. A União Soviética, também, tinha obrigações diplomáticas com os tchecos e havia indicado seu desejo de ajudar os franceses.

Para Hitler, contudo, não havia como voltar atrás. Precisamente por causa das alianças entre os inimigos da Alemanha a leste e a oeste, não havia tempo a perder em destruir a Tchecoslováquia se suas intenções expansionistas deveriam ser realizadas. Economicamente também o país era uma alternativa tentadora, com sua forte base industrial, grandes fábricas de armamentos e importantes fontes de matérias primas. A poderosa minoria de três milhões de alemães étnicos nos Sudetos, adjacente à Alemanha, oferecia o pretexto para uma política alegadamente nacionalista publicamente direcionada para trazê-la “de volta para o Reich”. Ao longo do verão de 1938, Hitler forçou uma pressão sobre os tchecos. A guerra parecia ser iminente. Ma a maioria dos alemães estava horrorizada com a possibilidade de outro conflito apenas 20 anos após o final da Primeira Guerra Mundial. Relatórios internos falavam de uma “psicose de guerra” entre a população alemã. O exército estava dividido. O chefe do staff geral, Ludwig Beck, defendia uma parada coletiva pela liderança militar, mas foi deixado isolado e demitiu-se em agosto. Apesar de suas apreensões, a maioria dos generais permaneceu leal. Entretanto, pela primeira vez, houve traços de resistência entre indivíduos bem posicionados, e planos começaram a ser elaborados para depor Hitler no caso de um ataque contra a Tchecoslováquia.               

Provavelmente nada teria se materializado. Havia pontos fracos inevitáveis no planejamento clandestino, o mais óbvio sendo uma dependência na vontade do comandante-em-chefe do exército, Walter Von Brauchitsch para apoiar o golpe. Mas, de qualquer forma, as esperanças dos conspiradores foram destruídas por Chamberlain. Casado com sua política de acalmar Hitler e determinado a salvar a paz européia, Chamberlain embarcou desesperadamente na diplomacia de estrada, voando em 15 de setembro para visitar Hitler em Berchtesgaden, então uma semana depois em Bad Godesberg. O ditador alemão simplesmente aumentou suas exigências. Mesmo agora, Chamberlain foi persuadido de que Hitler estava dizendo a verdadeem querer não mais do que a “unidade racial” com os alemães sudetos. Mas seu apelo pessoal a Hitler caiu em ouvidos surdos. A guerra parecia inevitável.

Então, o quase impossível aconteceu: Hitler recuou. A Grã-Bretanha, apoiada pela França, pressionou os tchecos na cessão da região dos Sudetos para a Alemanha. Mussolini interveio então, apelando para Hitler para uma postergação da mobilização e da aceitação de uma negociação em torno das linhas propostas pelos britânicos. Sendo efetivamente dado o que ele exigia, Hitler aceitou com má vontade. O resultado foi a dilaceração da Tchecoslováquia no acordo de Munique em 30 de setembro, decidida em uma conferência entre alemães, franceses, italianos e britânicos. Os próprios tchecos não estavam presentes à mutilação de seu país.      

Hitler queria a guerra para destruir a Tchecoslováquia completamente, não um acordo negociado para parte do país. Seus planos foram além da “volta ao lar” dos sudetos alemães. Mas quando a Grã-Bretanha e a França concordaram em lhe dar o que ele publicamente queria sem guerra ele não tinha pretexto para lutar. “Você não pode levar a cabo uma guerra mundial por causa de modalidades,” lembrou seu ministro da propaganda, Joseph Goebbels.

Nascido da fraqueza, com recursos e compromissos militares (em diferentes partes do mundo) estendendo-se ao máximo, e programas de rearmamento (recusado até o final pelo Partido Trabalhista e liberais) ainda em seus estágios iniciais, o direcionamento de Chamberlain pelo apaziguamento era um resultado lógico dos anos de deriva, hesitação  e esperança para o melhor em política externa britânica, aliado a medos profundos de uma repetição de 1914-18. Seus chefes militares desaconselharam o caminho para a guerra. Os governantes não queriam lutar pela Tchecoslováquia. Apesar de seu grande exército, os franceses também não tinham desejo por uma luta: Verdun ainda estava freco em suas memórias. A Liga das Nações era, por volta desta época, mera figura decorativa, desprovida de credibilidade já que suas divisões internas e pusilanimidade haviam sido expostas após a invasão da Abissínia no outono de 1935.

E do outro lado do Atlântico, o militarmente fraco EUA** estava apenas saindo da confortável ilusão do isolacionismo e começando a mostrar preocupação sobre os desenvolvimentos na Europa. Ao saber que Chamberlain estava a caminho de Munique, onde uma vitória da ameaça alemã estava começando a surgir no horizonte, Roosevelt transmitiu a mensagem “Bom homem!” para o primeiro-ministro britânico.

No geral, Chamberlain estava estendendo a mão errada, e continuou agindo de forma ruim através de suas ideias enganosas sobre os objetivos de Hitler e sua extrema apatia em aplacar o ditador com concessões territoriais. A única esperança residia, como Churchill defendeu, em criar uma “grande aliança” com a União Soviética para deter e colocar pressão sobre Hitler. Chamberlain se opôs a isso. Uma antipatia ao comunismo certamente teve influência em sua decisão. Mas sua razão de estadista era a de que uma aliança da Grã-Bretanha, França e União Soviética, lembrando o alinhamento antes de 1914, garantiria que Hitler partiria para a guerra ao invés de afastá-lo do conflito. Ele estava provavelmente certo que isto teria sido visto como uma provocação a Hitler ao invés de uma intimidação.

De qualquer forma, a “grande aliança” tinha, na prática, pouco a oferecer. Apesar de Stalin afirmar que suas tropas estavam prontas para marchar se Hitler invadisse a Tchecoslováquia, o Exército Vermelho – devastado pelos recentes expurgos – teria sua passagem bloqueada pela Polônia e Romênia. No ocidente, a França estava procurando um jeito de honrar seu comprometimento com a Tchecoslováquia e a Grã-Bretanha não queria estar amarrada por sua aliança à França para lutar por um povo em “um país distante”, de quem “não sabemos nada”. Assim, Chamberlain tendo colocado suas cartas na mesa em Berchtesgaden e Bad Godesberg, foi forçado a se render – e com isso o destino da Tchecoslováquia – em Munique.

Aplausos vibrantes vieram de todos os lados do Parlamento quando Chamberlain anunciou que estava indo a Munique. Membros de todos os partidos estavam ansiosos em cumprimentar o primeiro-ministro, apesar de estar claro para todos que a viagem a Munique significava apenas uma coisa: a paz só poderia ser salva através do sacrifício dos tchecos. A alegria por ter preservado “paz para o nosso tempo”, que Chamberlain declarou a uma multidão delirante em seu retorno de Munique (ele recebeu 40.000 cartas de congratulações), evaporou quase que instantaneamente. Vergonha e humilhação nacional do que foi feito em nome da Grã-Bretanha substituiu a euforia. Por outro lado, muitos que escracharam Chamberlain após o evento haviam antes apoiado a política de apaziguamento.

Chamberlain estava apenas ganhando tempo, como ele ainda afirmava em 1940, quando permaneceu inflexível ao achar que havia feito a coisa certa? O que teria acontecido se a Grã-Bretanha tivesse ido à guerra pela Tchecoslováquia no outono de 1938? Nenhuma ajuda militar da Grã-Bretanha ou da França teria chegado à Tchecoslováquia. Provavelmente, as forças de Hitler teriam derrotado rapidamente os tchecos (como os jogos de guerra previram). A oposição interna na Alemanha não teria conseguido nada. Uma guerra silenciosa semelhante á que ocorreu em 1939 teria ocorrido um ano antes. É claro, as forças e defesas alemãs em 1938 não eram tão fortes quanto as que existiam na primavera de 1940. Em compensação, as forças britânicas na época eram proporcionalmente ainda mais fracas. Dada a pressão por agir, a fraqueza dos seus adversários e seu próprio temperamento, Hitler provavelmente teria invadido a França em 1939, o que teria necessitado um acordo (temporário) no leste com os poloneses ou os russos. Os franceses teriam caído assim como caíram em 1940.

Se Churchill tivesse assumido o cargo e fosse bem sucedido em alimentar o moral e coragem se a guerra tivesse começado um ano antes não pode, como todo o resto, ser sabido. Mas sem sua liderança, a Grã-Bretanha poderia ter sido tentada a buscar um acordo que teria deixado a Alemanha na ascendência na Europa. Quem sabe? O que deixou de acontecer está aberto somente ao reino da fantasia, não aos métodos de pesquisa histórica. Mas é pelo menos possível que a capitulação de Chamberlain em Munique provou ser ao final benéfica à Grã-Bretanha – mesmo que às custas dos tchecos e acabando com a ignomínia nacional.

Cada uma das crises na Áustria e na Tchecoslováquia tiveram um efeito crucial na política anti-judaica nazista e pavimentou o caminho para a terceira grande crise de 1938: “A Noite dos Cristais”. Apesar da política externa e da perseguição aos judeus serem geralmente tratados separadamente na literatura – “Anti-Semitismo no Terceiro Reich” de Hermann Graml (1992) e “A Alemanha Nazista e os Judeus” de Saul Friedländer (1997) serem um ponto de referência para o último caso – é importante reconhecer as conexões. Estas surgem claramente nos eventos envolvendo o pogrom nacional da noite de 9-10 de novembro de 1938.          
O pogrom não foi planejado. Entretanto, não foi um desenvolvimento acidental. A ocasião foi a execução de Ernst Von Rath em 7 de novembro por um jovem judeu na embaixada alemã em Paris. Goebbels, com a expressa aprovação de Hitler, aproveitou a oportunidade para liberar os radicais do partido através da Alemanha para dar vazão à “fúria popular” e promover a orgia de violência que destruiu sinagogas e outras propriedades, conduziu a surras brutais e morte de centenas de judeus, terminando com 30.000 judeus masculinos sendo presos e enviados a campos de concentração como chantagem para levantar dinheiro para eles pagarem para sua emigração. Legislação foi aprovada apressadamente para obrigar os judeus a ficar fora da economia e obter uma poderosa e cínica fiança por terem provocado a destruição de sua própria propriedade.

Violência anti-judaica cresceu durante meses antes do pogrom. Hitler deu sinal verde para uma nova onda de ataques contra os judeus em um discurso para o partido em setembro de 1937. Em seguida, foi iniciado o processo de “arianização” da economia, o qual foi acelerado em 1938 já que os grandes negócios alemães, ávidos em maximizar lucros com a indústria armamentista crescente, uniram-se ao governo na pressão para forçar os preocupados judeus a vender suas empresas a preços de banana. O assalto econômico sobre os judeus foi acompanhado por legislação discriminatória tornando os judeus párias vivendo à margem da sociedade. À medida que o ano progredia, ataques violentos contra os judeus, sua propriedade, negócios, sinagogas e cemitérios drasticamente foram intensificados. A crescente assertividade do regime teve sua influência. Assim aconteceu a radicalização da política anti-judaica que seguiu ao Anschluss.***

A selvageria sobre os judeus nas ruas de Viena imediatamente seguiu o Anschluss, libertando o espírito agressivo das hordas nazistas, sobrepujando mesmo o que aconteceu na própria Alemanha desde 1933. A violência fora de controle logo foi seguida de violência mais orquestrada através da expulsão nas mãos do homem cuja habilidade para forçar os judeus austríacos a irem embora estabeleceu a reputação que o tornaria o responsável pela “solução final”: Adolf Eichmann. Na Alemanha, ataques contra os judeus revelaram-se uma distração útil para as gangues nazistas em um verão de tensão sempre crescente. Então, o acordo de Munique deu um grande impulso à autoconfiança do regime. Por volta do outono, o clima anti-semita era extremamente ameaçador aos judeus. O barril de pólvora estava prestes a explodir. Só precisava de uma fagulha. Von Rath foi morto. A Noite dos Cristais seguiu-se.

Havia agora uma multidão para deixar o país, produzindo uma crise de refugiados. Cerca de 120.000 escaparam nos próximos meses. Mas a porta para a emigração estava apenas parcialmente aberta. As barreiras contra a aceitação de refugiados judeus, recentemente reforçadas na conferência internacional em Evian, na França, em julho de 1938, preveniu que muitos fossem embora. Chamberlain concordou em facilitar um pouco a admissão de refugiados judeus da Alemanha na Grã-Bretanha. Mas o apaziguamento estava somente temporariamente suspenso, não abandonado. Ele expressou esperança de que os “moderados” na Alemanha pudessem mesmo agora limitar Hitler.

Na própria Alemanha, a impopularidade, que penetrou fundo nos círculos nazistas, da violência do pogrom (embora não o objetivo de remover os judeus) significou que tal ultraje escancarado não seria tentado outra vez dentro do Reich. Algo muito mais sinistro aconteceu. Em janeiro de 1939, a responsabilidade por encontrar uma solução para a “Questão Judaica” (ainda nesta época através da emigração forçada) foi colocada nas mãos da polícia de segurança – abrindo caminho que terminaria nas câmaras de gás. Não havia nenhum tipo de pensamento em relação a câmaras de gás no final de 1938. Mas na fétida atmosfera anti-judaica antes e após o pogrom, noções de que a guerra seria uma prova final em relação aos judeus – vistos como os responsáveis pela derrota alemã na Primeira Guerra Mundial e agora vistos como agentes malignos agitando por uma nova guerra – foram defendidas pelas lideranças nazistas. Estas marcas de uma mentalidade genocida encontraram sua expressão sincera na “profecia” fatal de Hitler feita durante um grande discurso ao Reichstag em 30 de janeiro de 1939 que “se os judeus financistas internacionais dentro e fora da Europa forem bem sucedidos em jogar as nações mais uma vez em uma guerra mundial, então o resultado não será a bolchevização da terra, e assim a vitória da judiaria, mas a aniquilação da raça judaica na Europa.”

No final de 1938, então, os objetivos irmãos do nazismo – expansão para ganhar a dominação da Europa e a “remoção” dos judeus – foram misturados na visão de uma guerra logo a ser lutada e a destruição dos judeus como uma consequência daquela guerra. Os apaziguadores, por meio da entrega da Tchecoslováquia em Munique, conseguiram uma pausa. Eles não tinham, mesmo agora, desistido. Somente quando, em março de 1939, Hitler rasgou o acordo de Munique e ocupou o que restou das terras tchecas, a venda caiu de seus olhos. Outra crise, agora sobre a Polônia, era inevitável, com a Grã-Bretanha e a França finalmente comprometidas com a ação no caso de uma agressão alemã. Hitler achou que as democracias ocidentais aceitariam dar Danzig como foi feito com os Sudetos. Desta vez ele estava errado. Desta vez haveria guerra.

Olhando de volta para 1938, vemos a “velha Europa” se aproximando de seu fim, antes da guerra a envolver e antes da entrada em cena das superpotências que determinariam o destino do pós-guerra do continente em ruínas. Não é uma visão bonita - uma Europa de nações amargamente concorrentes, dividida pelos confrontos antigos de dominação, agora acontecendo em uma época de hiper-nacionalismo com seu cortejo de ambições imperialistas, apoiado pelas tecnologias de guerra total e extermínio em massa.

           
Setenta anos depois, nossa atual Europa, com todas as suas falhas e faltas, fornece um contraste perfeito, de modo que não é difícil de ver o projeto europeu que nasceu das lições da Segunda Guerra Mundial e da visão ampla do pós-guerra dos estadistas alemães e franceses como uma estória de sucesso. O principal objetivo destes visionários do pós-guerra era prevenir as circunstâncias novamente de levar as nações europeias à guerra entre si. A antiga Iugoslávia dá um exemplo do que, há não muito tempo atrás, ainda era possível fora do sistema que se tornou a União Européia. Apesar de “1938” jamais ocorrer novamente, as crises pontuais moveram-se para outros lugares. Os perigos para a paz mundial são diferentes, mas ainda presentes. Chegando assim tão longe, a lógica sugere que precisamos olhar para um futuro no qual, sem qualquer perda da identidade nacional, uma voz europeia possa falar com mais força e urgentemente para os interesses de um continente unido ao invés da atual e persistente dissonância.


 
Notas:

* Logo após o fim da PGM, houve iniciativas por parte de alguns setores austríacos para um “Anschluss” com a Alemanha, ou seja, uma união, e não como o termo é empregado até hoje, como anexação. Um referendo de 1919 no Tirol, por exemplo, indicou 98% de aprovação a uma união com a Alemanha. A própria manifestação popular exaltando Hitler em sua chegada ao país é uma forma de mostrar o apoio a essa união.

** Quando a guerra na Europa começou em 1º. de setembro de 1939, com a invasão alemã da Polônia, o exército dos EUA era o 17º. Lugar em tamanho e poder de fogo entre os exércitos do mundo inteiro, logo atrás da Romênia. Ele tinha 190.000 soldados (cresceria para 8,3 milhões em 1945). Quando a mobilização começou em 1940, o exército tinha um corpo profissional de oficiais de apenas 14.000 membros. A idade média dos majores – um posto médio entre capitão e tenente-coronel – era de aproximadamente 48 anos; na Guarda nacional, quase ¼ dos tenentes tinha mais de 40 anos e os postos superiores eram dominados por apadrinhados políticos com incompetência militar certificada. Nenhum oficial em ação em 1941 havia comandado uma grande unidade maior do que uma divisão na Primeira Guerra Mundial. Na época de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, somente uma divisão americana estava totalmente preparada.

Em relação à Marinha, a construção naval, especialmente de encouraçados, estava limitada pela Conferência Naval de Washington de 1921-22. A construção de porta-aviões foi acelerada após o New Deal (política econômica de Roosevelt no seu primeiro mandato), que forneceu os recursos para a construção do USS Yorktown e o USS Enterprise. Em 1936, com a construção do USS Wasp, a Marinha americana adquiriu uma frota de 165.000 toneladas. Contudo, ela transformou-se em uma força extraordinária nos anos precedentes à Segunda Guerra Mundial, com a produção de encouraçados em 1937.

*** A historiografia oficial geralmente se preocupa em descrever a perseguição aos judeus e as medidas anti-econômicas contra eles, como a expropriação de propriedades. Entretanto, é interessante saber qual a lógica por trás dessas medidas, já que da forma como são descritas parece que as autoridades nazistas o faziam apenas por fazer.

Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha estava quebrada e refém do pagamento maciço de indenização a outros países, estabelecido pelo Tratado de Versalhes. Em 1923, a situação na Alemanha tornou-se desesperada e a inflação atingiu níveis astronômicos. Em 1921, a taxa de câmbio era de 75 marcos para um dólar. Em 1924, a taxa passou a 5 trilhões de marcos para um dólar. Isto virtualmente destruiu a classe média alemã, reduzindo a poupança nos bancos a zero.

E aí entra a questão do enriquecimento dos judeus na Alemanha às custas do povo alemão. Segundo Arthur Bryant (“Unfinished Victory”, 1940), judeus na Alemanha quebrada faziam empréstimos pessoais ou junto a instituições fora da Alemanha, por exemplo, EUA, utilizando suas ligações devido à religião. Assim, um judeu nos EUA emprestava em dólar para o seu primo na Alemanha, e este convertia em marcos com um poder de compra extraordinário. E não restava outra alternativa aos alemães venderem a preço de banana suas propriedades, já que não havia dinheiro para manter as famílias. De acordo com Bryant, a investida judaica sobre os bens dos alemães foi tão grande que em 1938, após cinco anos de legislação anti-semita, eles ainda detinham 1/3 das propriedades no Reich.

Em seu livro “Hitler, os Alemães e a ‘Questão Judaica’”, a autora Sarah Gordon essencialmente confirma o que Bryant diz. De acordo com ela, os judeus nunca excederam 1% da população alemã entre 1871-1933, mas em 1923 Berlim possuía 150 bancos de propriedade de judeus contra 11 de não-judeus. Eles detinham 41% das siderúrgicas e 57% das indústrias metalúrgicas. Em 1928, 80% dos membros do mercado de ações eram judeus, sendo que 85% foram exonerados em 1933. Cerca de ¼ dos professores universitários e de ensino básico tinham ascendência judaica, assim como 75% dos advogados e médicos. Em 1931, 50% dos diretores de teatro na Alemanha eram judeus (80% em Berlim).  

Um dos objetivos de Hitler era destruir o Comunismo, um fato que lhe garantiu imenso ódio e animosidade entre organizações judaicas e meios de comunicação e políticos simpatizantes da causa marxista. De acordo com Chaim Bermant, um escritor judeu, apesar dos judeus formarem menos de 5% da população russa, em 1934 38,5% dos membros do aparato de segurança soviético tinham ascendência judaica. (Sever Plocker, http://www.ynetnews.com/articles/0,7340,L-3342999,00.html )

Evidentemente, esses fatos explicam o ódio dos nazistas contra a população judaica, mas não justificam as atrocidades cometidas contra este povo.

 

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