quarta-feira, 13 de março de 2013

[SGM] Hollywood vai à Guerra

Resenha do livro HOLLYWOOD GOES TO WAR: HOW POLITICS, PROFITS AND PROPAGANDA SHAPED WORLD WAR II MOVIES, de Clayton R. Koppes e Gregory D. Black (1987).



Propaganda pode ser definida como a tentativa de manipular a opinião pública com o objetivo de ajudar ou prejudicar uma causa, indivíduo ou grupo particular. O propagandista procura controlar ao invés de informar.

Hollywood vai à Guerra (em tradução livre) é a biografia de uma agência federal governamental, o Escritório de Informação de Guerra (OWI, Office of War Information, 1942-45). O OWI – não confundir com o OSS, OGR, OCD ou qualquer outra agência com iniciais parecidas – foi uma criação da administração Roosevelt cujo propósito era controlar a mensagem contida nos filmes americanos durante a guerra. Em outras palavras, era uma agência de propaganda que, como os autores Koppes e Black explicam no prefácio, emitia manuais para os estúdios, comparecia às reuniões de roteiristas, revia os roteiros, pressionava os estúdios para mudar os textos, chegando a editar os filmes e, em alguns casos, reescrever o diálogo das falas principais. A Segunda Guerra Mundial era vista como uma “guerra total” e controlar o conteúdo dos filmes (empregando o que eles chamavam de “estratégia da verdade”) era visto como uma necessidade.

O conteúdo dos filmes tornou-se orgulhosamente internacionalista e anti-isolacionista muito antes de Pearl Harbor. Em 1938, o estúdio United Artists produziu Blockade, um relato pró-republicano da Guerra Civil espanhola estrelando Henry Fonda. Organizações católicas protestaram contra a exibição deste tipo de filme haja vista o recorde de atrocidades cometidas pelos exércitos republicanos pró-comunistas contra padres e freiras. Joseph Breen, o jornalista católico conservador e chefe da Administração do Código de Produção (criado em 1934 pela Associação Cinematográfica da América), acusou Hollywood e, em particular, a Liga Anti-Nazista de Hollywood de uma tentativa de “utilizar o cinema americano para fins de propaganda comunista.” Breen era conhecido por seu anti-semitismo e afirmou que a Liga era “conduzida e financiada quase inteiramente por judeus.”

De fato, como Koppes e Black explicam, “Os homens que orientaram a indústria em sua transição para o grande negócio eram, em sua maioria, proprietários judeus de salas de cinema, que eram adequados para esta tarefa. O autor e roteirista Ben Hecht certa vez observou que Hollywood constituía “um Renascimento Semita sem rabinos e Talmude.”

Os mais conhecidos entre estes judeus de Hollywood eram Carl Laemmle, que fundou os estúdios da Universal, Adolph Zukor, o criador da Paramount Pictures, William Fox, o idealizador da 20th Century-Fox, Harry, Sam, Albert e Jack, os irmãos criadores da Warner Brothers, Marcus Loew, da rede de cinemas Loews, Harry Cohn, presidente da Columbia Pictures e Louis B. Mayer, chefe do maior dos estúdios, a Metro-Goldwyn-Mayer. A maioria dos judeus europeus orientais que conseguiram sucesso no negócio na virada do século nos Estados Unidos, veio do ramo da moda. Entretanto, um punhado destes emigrantes empreendedores criou o universo americano a partir de um mundo de ilusão e fantasia. Eles mais tarde acabariam sendo conhecidos como “Os Magnatas de Hollywood”.

“Dentro dos estúdios e nas telas,” escreve Neal Gabler, autor de An Empire of Their Own: How the Jews Invented Hollywood (1989), “os judeus podiam simplesmente criar um novo país – um império próprio, por assim dizer – onde eles não seriam apenas admitidos, mas também o governariam. Eles criariam seu império segundo a imagem da América, assim como criariam sua própria imagem como americanos bem sucedidos. Eles estabeleceriam seus valores e mitos, suas tradições e arquétipos. De fato, estes homens criaram a América e os valores americanos. “Os valores americanos vieram a ser definidos grandemente pelos filmes que os judeus faziam, criando sua América ideal nas telas, de modo que eles reinventaram o país na imagem de sua ficção,” diz Gabler. Curiosamente, a América forte, saudável, honrada e incorruptível em seus filmes não apresentava traços judaicos. Atores de ascendência judaica, por exemplo, mudavam seus nomes para esconder a natureza étnica. Por outro lado, o sistema de estúdios foi aperfeiçoado por uma segunda geração de judeus e mesmo hoje, em uma Hollywood profundamente alterada pela chegada da televisão, a indústria por trás das câmeras, de sua liderança executiva até o pessoal envolvido com produção, divulgação, seleção de talentos, administradores e advogados, ainda é preponderantemente judaica, apesar da diminuição do senso de comunidade que existia no período pré-Segunda Guerra Mundial.

O início da “Era de Ouro”, também conhecida como a “Era dos Estúdios”, começou em 1927, com a produção do filme The Jazz Singer, o primeiro filme a ter som sincronizado. Em 1929, a indústria cinematográfica estabeleceu sua própria premiação para os melhores filmes e profissionais, Os Prêmios da Academia, conhecidos mais tarde como “Festa do Oscar”. O sucesso de Hollywood durante a Era de Ouro foi construído sobre o sistema de estúdios, que começou ainda na Era Muda, mas realmente emplacou nesta época. O sistema de estúdios era um modelo de integração vertical – os “Cinco Grandes” (MGM, Paramount, Warner Bros., RKO e Fox) tinham controle absoluto nas suas próprias redes de salas de cinema, garantindo a distribuição dos filmes, enquanto os “Três Pequenos” (Universal, Columbia e United Artists) dependiam de salas independentes para exibir seus filmes.

No final dos anos 1930, o sistema de estúdios dominava os mercados doméstico e internacional. Em 1940, as principais companhias cinematográficas refinaram o sistema de produção de acordo com as condições do mercado e com a estrutura verticalmente integrada da indústria. O sistema era essencialmente um esquema de produção em série onde os lucros da distribuição e exibição permitiam que os estúdios trabalhassem com capacidade máxima. Este sistema permitia que as companhias entregassem um filme por semana junto a séries, curta-metragens, documentários e assim por diante. O principal produto de Hollywood era, sem dúvida, o longa-metragem, que em 1940 contava com um orçamento de 90% dos U$ 150 milhões investidos na produção.

Como os autores Koppes e Black nos dizem: “Eles (os estúdios) controlavam todo o processo, desde o recrutamento de atores até a exibição. Os Oito Grandes abocanhavam 95% dos lucros com a indústria cinematográfica dentro dos EUA no final dos anos 1930. Seu controle sobre as redes de salas de cinema, particularmente as urbanas que determinavam o futuro dos filmes, era crítico.”

Em 1939, a Warner Bros. estreou Confissões de um Espião Nazista, cuja mensagem era que a Alemanha desejava conquistar o mundo. “Usando técnicas de documentários e longos períodos de narração, o filme identificou a Liga Teuto-Americana como um braço do governo alemão, cujo propósito era destruir a Constituição americana e o Código de Leis.” Fritz Kuhn, líder da Liga, respondeu a essa campanha difamatória com um processo de U$ 5.000.000. Após Kuhn ser, por sua vez, indiciado e considerado culpado por roubar fundos da Liga, o processo foi retirado. Estas acusações contra Kuhn foram politicamente motivadas, haja vista o apoio da Liga a ele mesmo após este episódio.

Também realizado em 1939 foi Bestas de Berlim, aproveitando o enredo do infame filme de 1917, Kaiser, a Besta de Berlim, que provocou manifestações anti-alemãs em muitas cidades americanas durante a Primeira Guerra Mundial.

Os anos de 1940 e 1941 viram o surgimento de filmes pró-guerra como a paródia de Hitler e Mussolini em O Grande Ditador, de Charles Chaplin, assim como Caçada Humana, dirigida pelo emigrante alemão Fritz Lang, Tempestade Mortal, Um Ianque na RAF, Sargento York, Casei com um Nazista e uma variedade de outros filmes. Estes filmes eram parte integral da vigorosa campanha de vários interessados em colocar os Estados Unidos na guerra contra a Alemanha.

Ligações íntimas entre Hollywood e a administração Roosevelt são indicadas pelo seguinte trecho do livro de Koppes e Black:

“Em agosto (1940), FDR pediu a Nicholas Schenck, presidente da Loew (pai da MGM) para fazer um filme sobre defesa e política externa. Em meados de outubro, Olhos da Marinha, um filme que o executivo prometeu ao presidente resultaria em milhares de votos, estreou nos cinemas. O interesse de Schenck pode ter sido pessoal assim como patriótico. Seu irmão Joseph, chefe da 20th Century-Fox, foi acusado de evasão de impostos. O presidente Roosevelt pediu ao Promotor Público Robert Jackson (que mais tarde iria presidir o julgamento dos líderes nazistas em Nuremberg) para apenas multar o chefe do estúdio, e assim fez o filho de Roosevelt, James, para quem Joseph havia emprestado U$ 50.000. Mas o correto Jackson insistiu na sentença de prisão. Schenck ficou quatro meses na prisão até receber condicional.”

Em setembro de 1941, um subcomitê do Comitê de Comércio Exterior começou a audiência pública sobre “propaganda de guerra disseminada pela indústria cinematográfica e do monopólio na produção, distribuição ou exibição de filmes.” Esta investigação foi idealizada pelo senador isolacionista de Dakota do Norte, Gerald P. Nye. O chefe de conselho para Hollywood era Wendel Willkie, internacionalista e candidato presidencial republicano em 1940. Este último esforço dos isolacionistas chegou tarde demais e foi muito tímido. O ataque japonês a Pearl Harbor três meses depois encerrou as audiências.

Uma vez que os Estados Unidos estavam em guerra com a Alemanha (que havia declarado guerra aos EUA imediatamente após Pearl Harbor), os estúdios produziram filmes anti-nazistas um após o outro. As platéias de hoje são capazes de rir de tais “clássicos” feitos na época, como Blitzkrieg Rústica, Mulheres em Cativeiro, O Diabo com Hitler, Escapei da Gestapo, As Crianças de Hitler, A Moléstia Nazista, A Estranha Morte de Adolf Hitler, Inimigo das Mulheres, Os Loucos de Hitler, A Raça Superior, A Gangue de Hitler, Hotel Berlim e Tarzan Triunfa. (N. do T.: é engraçado como mesmo após 70 anos do fim da Guerra, produções desta natureza ainda continuem sendo feitas, alguns casos recentes são Bastardos Inglórios, Lago dos Zumbis e Outpost, ambos retratando soldados zumbis da SS, e Iron Sky.) Koppes e Black resumem a estória de Tarzan Triunfa:

“Agentes nazistas descem de pára-quedas no reino pacífico de Tarzan e ocupam uma fortaleza, esperando explorar petróleo e estanho. Johnny Weissmuller, ingênuo, porém capaz de comandar os selvagens nobres, reúne os nativos (curiosamente todos brancos) contra o Eixo. ‘Matem os nazistas!’ ordena Tarzan aos nativos. Eles balançam a cabeça positivamente. Os alemães são tão detestáveis que até mesmo os animais se voltam contra eles. Tarzan persegue o líder das tropas nazistas na floresta e, quando o oficial alemão em estado desespero chama Berlim pelo rádio, Tarzan o mata. Em Berlim, o operador de rádio reconhece o pedido de socorro e avisa o general responsável pela campanha africana. Enquanto Tarzan, o Rei da Floresta, olha dando gargalhadas, o chipanzé Cheetah tagarela no transmissor. Ignorante da batalha nas profundezas da floresta, o general ouve o chipanzé no rádio, bate os pés, faz a saudação nazista e avisa seus subordinados que eles estão ouvindo não a África, mas o próprio Führer.”

Os papéis de nazistas sádicos, pervertidos e malucos nestes filmes eram feitos por “malvados” típicos de Hollywood, como George Siegman, Erich Von Stroheim, Walter Long e Hobart Bosworth. O ator Bobby Watson manteve-se ocupado nestes anos interpretando Adolf Hitler. Entretanto, Hollywood produziu alguns filmes de qualidade entre os 2400 realizados entre 1939 e 1945, por exemplo, Casablanca (Warner Bros, 1943), The Story of G.I. Joe (United Artists, 1945) e Lifeboat (Fox, 1944). Contudo, os melhores filmes apareceram após a guerra terminar.

Os japoneses não tiveram destino melhor nas mãos dos fabricantes de sonhos de Hollywood. Em Pequena Tóquio, EUA (Fox, 1942), todos os descendentes de japoneses são retratados como leais ao Imperador e capazes de sabotagem e traição. Este filme defendia vigorosamente o internamento de todos os americanos de ascendência japonesa. No final do filme, quando “um policial verdadeiramente americano de Los Angeles”, chamado Mike Steele, após desbaratar a rede de espiões japoneses, realiza o sonho de todo americano sedento por vingança, nocauteia o vilão japonês proclamando “Isto é por Pearl Harbor, olhos puxados!”

O militarismo sanguinário japonês foi retratado em The Purple Heart, Diário de Guadalcanal, Wake Island, Ameaça do Sol Nascente, Relembrando Pearl Harbor, Perigo no Pacífico e outros. Koppes e Black nos lembra que “Era raro um filme que não empregasse termos pejorativos como ‘japas’, ‘bestas’, ‘macacos amarelos’, ‘retalhos’ ou ‘ratos de olhos puxados’. Os soldados japoneses eram frequentemente mostrados estuprando mulheres brancas, em geral loiras ‘turbinadas’. Outra imagem freqüente era a do piloto de caça japonês sendo metralhado em sua cabina, com o sangue jorrando pelo vidro e gritando em agonia enquanto seu avião mergulha no oceano.

O auge do absurdo na escalação de elenco aparece em Semente do Dragão (MGM, 1944) no qual brancos altamente maquiados, incluindo a loira Katherine Hepburn, interpretam chineses, enquanto chineses verdadeiros interpretam japoneses.

Em 1943, a Warner Bros estreou Missão em Moscou, baseado em um livro homônimo de Joseph E. Davies, embaixador americano na União Soviética entre 1936 e 1938. Os autores de Hollywood vai à Guerra classificam esse filme como “o mais notável exemplo de propaganda sob o disfarce de entretenimento já produzido m Hollywood.” Missão em Moscou copia o estilo documentário a carreira de Davies como embaixador e os eventos ocorridos na União Soviética e no mundo de meados dos anos 1930 até 1941.

A administração Roosevelt estava intimamente envolvida na produção do filme, o qual representava o presidente como grande internacionalista e anti-fascista. Davies tinha poder sobre a aprovação do roteiro e foi o grande responsável pelo encobrimento dos crimes de Stalin em Missão em Moscou. Davies insistia que a invasão soviética da Finlândia deveria ser retratada como um “convite” da Finlândia aos soviéticos para ocupar posições estratégicas contra a Alemanha. Analogamente, outros crimes soviéticos dos anos 1930 são ignorados: a invasão da parte oriental da Polônia em 1939, a agressão contra os países bálticos e a coletivização forçada dos kulaks (camponeses) na Ucrânia, que resultou na morte pela fome de milhões de pessoas. O filme apresentou os julgamentos de expurgo em Moscou como o resultado das tentativas de Trotsky, Bukharin, Krestinsky e outros “Velhos Camaradas” de entregar a União Soviética para a Alemanha e Japão. Missão em Moscou usou técnicas de documentário para agregar realidade, descrevendo os isolacionistas americanos como um complô secreto para submeter a vontade do povo à “segurança coletiva”. A União Soviética era descrita como uma terra rica em contraste com a Alemanha nazista, que carecia de comida e outros bens. O público foi levado a crer que a União Soviética era uma “democracia” e o povo russo era “parecido com os americanos.”

A maioria dos grandes estúdios produziu filmes pró-soviéticos nos últimos anos da guerra, incluindo Canção da Rússia (MGM, 1943), Três Garotas Russas (United Artists, 1943), Estrela Polar (MGM, 1943), O Garoto de Stalingrado (Columbia, 1943), Dias de Glória (RKO, 1944) e Contra-ataque (Columbia, 1945).

Sem dúvida, os estúdios de Hollywood queriam contribuir com o esforço de guerra e derrotar o Eixo, embora simultaneamente os magnatas do cinema não quisessem ser aconselhados a administrar suas corporações monopolistas. Mais importante para estes executivos de estúdios eram os lucros. No início e meados dos anos 1930, os estúdios mudaram o conteúdo dos filmes para permitir-lhes serem exibidos nos mercados lucrativos crescentes da Alemanha, Itália, Espanha e América Latina. Cerca de 5.000 salas de cinema na América Latina exibiram filmes americanos, 6.000 salas na Ásia e incríveis 35.000 salas na Europa.

Hollywood vai à Guerra fornece um quadro claro do que acontece quando uma indústria poderosa e o governo tentam controlar a opinião púbica. Como expresso na Conclusão:

“Hollywood sempre afirmou que somente dava ao público o que ele queria, e citou a popularidade dos filmes como prova. Mas, desde que o cartel controlava o poder de escolha, Hollywood estava apenas dizendo que o povo comprava o que lhe era dado.”

Fontes:

http://encyclopedia.jrank.org/articles/pages/2910/The-Hollywood-Studio-System-in-1940-1941.html

http://tvtropes.org/pmwiki/pmwiki.php/Main/GoldenAgeOfHollywood

http://www.ihr.org/jhr/v08/v08p104_Wikoff.html

http://www.freerepublic.com/focus/f-news/1083144/posts

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