domingo, 11 de agosto de 2013

[POL] Churchill: O Fim da Glória

Stephen Berry

 
Em uma crítica recente de “Um Mundo em Armas”, de Gerhard L. Weinberg, no The Times, o historiador Norman Stone expressou o pensamento britânico sobre a Segunda Guerra Mundial. Os britânicos, ele acha, são os heróis deste livro. Stone acha notável que os britânicos, junto com os franceses e os holandeses, não tenham feito um pacto com o governo alemão para manter seus impérios marítimos. A Alemanha tinha ambições imperiais na Ucrânia. Por que não um pacto, com a Europa Ocidental buscando os oceanos e a Europa Central buscando as estepes? Ao invés disso, a guerra tornou-se a Guerra da Sucessão Britânica – um quarto do globo para divisão – com a América emergindo como o claro vencedor. E Stone está contente que tudo isto tenha acontecido. “Aquela guerra, desastrosa como foi para os britânicos... tinha que ser lutada, e hoje temos a Alemanha que precisamos e queremos.”

Apesar de A.J.P Taylor ter escrito um livro afirmando que Hitler não era um louco com intenções de dominação mundial, ele considerou (no seu História Oxford da Inglaterra) que a Segunda Guerra Mundial foi uma guerra do povo, onde os britânicos atingiram sua maioridade, uma guerra de ter orgulho. No meio de suas efusões, Taylor é desleixado o suficiente para conceber o custo da guerra para o povo britânico. Aproximadamente 400.000 pessoas foram mortas, e a isto deve ser adicionado o número de mutilados e feridos. O Reino Unido recorreu a dívidas com o resto do mundo no valor de £ 4 bilhões (número relativo ao valor da libra esterlina em 1946). Um pouco mais de £ 1 bilhão foi levantado com a venda de ativos estrangeiros. £ 3 bilhões de dívida estrangeira foi criada e, portanto, um peso para as futuras gerações. Renda invisível* caiu pela metade para £ 120 milhões ao ano e as exportações ficaram 40% menores em relação ao número do pré-guerra.

Isto não chega perto de um cálculo final do custo real da guerra. De vez em quando me deparo com pequenos petiscos que me fornecem evidência da deterioração dos padrões de vida durante aqueles anos. Recentemente, estatísticas foram publicadas mostrando que mortes no trânsito estão caindo (acho que ano passado foram em torno de 4.000). Os dois anos em que as fatalidades nas estradas atingiram seu ápice foram 1940 e 1941 (aproximadamente 9.000 em cada ano), presumivelmente como resultado dos blackouts devido aos ataques aéreos. Durante a recente controvérsia na queda da idade de leitura das crianças, alguém mencionou que a última vez que a idade de leitura das crianças tinha caído ocorreu entre 1937 e 1946. Estou certo de que exemplos como estes podem ser multiplicados e que a qualidade de vida caiu dramaticamente entre 1939 e 1945 para a maioria das pessoas.

Aos poucos, a visão oficial da Segunda Guerra Mundial começa a mudar. Churchill brincou, “A História não olhará bem para Neville Chamberlain – Eu sei, eu devo escrevê-la.” Ele então resolveu escrever uma coleção de livros sobre a história da guerra que moldou a percepção geral dela. John Charmley escreveu recentemente uma biografia de Churchill que questiona a visão oficial, churchulliana e oferece algumas percepções do destino do liberalismo no começo do século XX na Grã-Bretanha.

A vida juvenil de Churchill é aquela de um jovem aristocrata ambicioso que está ansioso em deixar sua marca. Ele escreve alguns livros nos últimos anos do século XIX, os quais descrevem suas experiências como soldado no exército do império cujo Sol nunca se põe. Nestes livros, ele era crítico da “política do futuro” do governo Salisbury – a política de mais expansão imperial. É agradavelmente surpreendente saber que o imperialista tabagista dos anos posteriores ficou uma vez satisfeito que um quarto do mapa mundial estivesse pintado de vermelho.

Pelo fato do pai de Churchill ter sido um dos líderes do partido Tory, o jovem Winston sentiu-se obrigado a juntar-se aos Conservadores. De fato, suas visões políticas eram próximas dos membros do Partido Liberal da época, e não foi surpresa quando ele mudou de partido (não pela última vez) e juntou-se aos Liberais em 1905. Sua recusa em trabalhar em equipe, um egocentrismo intenso que ele não fazia questão de esconder e uma predileção por ataques pessoais fizeram com que o Rei dissesse, “Churchill é um gigolô,” e como Charmley diz, o Rei não era o único que tinha este ponto de vista.

Apesar de Churchill ter se oposto a investimentos navais em 1909 enquanto estava no Departamento de Comércio, ele apoiou um aumento de gastos quando foi para o Almirantado. Ele parece ter sido um ministro que aumentava sua própria importância lutando para aumentar a verba de seu departamento, um fenômeno de modo nenhum único. Ele apoiou totalmente uma corrida armamentista naval com a Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial. Ele parecia amar a guerra e tudo em torno dela. No meio da crise de Sarajevo em 1914, ele escreveu para sua esposa, “Estou interessado, entusiasmado e feliz. Não é horrível estar deste modo?”

Em 1914, as opiniões de Churchill estavam formadas e não acho que elas mudaram muito. Ele era a favor de intervenção ativa no estrangeiro (logo evidenciadas por suas visões em relação à Guerra Civil Russa e à Turquia) e intervenção no país em questões sociais. Ou seja, as típicas visões de um político do século XX, um pouco mais na política externa ao invés dos assuntos domésticos já que ela era mais importante para ele. Mas este tipo de pensamento não é incomum, sendo Bush nos EUA um exemplo.

Churchill achava que a Grã-Bretanha deveria se aliar com a segunda potência mais poderosa da Europa, a ideia central da doutrina do Departamento do Exterior. Alianças foram criadas contra a Espanha de Felipe II, a França de Louis XIV e a Alemanha do Kaiser Guilherme II no sentido de prevenir que estes países dominassem a Europa. Mantenho o ponto de vista que alianças contra a potência mais forte na Europa faz sentido para o governo do Reino Unido, mas somente se as intenções daquele país forem hostis à Grã-Bretanha. Baldwin, e provavelmente Chamberlain, assumiram o ponto de vista que Hitler queria se mover para o leste. Se haveria qualquer luta a ser feita na Europa, Baldwin queria ver os bolchevistas e os nazistas nela. Baldwin estava certo neste ponto, enquanto Churchill estava errado. Uma rápida olhada no Mein Kampf teria despertado os políticos britânicos em relação às visões políticas de Hitler. Hitler queria converter a Ucrânia numa colônia alemã. Isto era deplorável, mas não era da conta do governo inglês – assim como atualmente os eventos na Iugoslávia não são da conta do governo britânico. Tal política é consistente com uma política externa não-intervencionista e é consistente com o Liberalismo.

Em fevereiro de 1938, o Gabinete concordou que os gastos com defesa fossem de £ 1,57 bilhão nos próximos cinco anos. Isto, foi sentido, era a máxima quantidade para uma nação do porte da Grã-Bretanha. Charmley mostra que as visões de Churchill antes da Segunda Guerra Mundial levaram pouco em conta suas implicações de longo prazo para o Reino Unido. O Estado poderia exercer mais controle sobre a economia e aumentar o gasto com defesa, mas quais seriam as consequências para a economia? Talvez Churchill tenha pensado que trazer os sindicatos para o governo, gastando quantidades enormes de dinheiro e intervindo na economia em grande escala poderia rapidamente ser desfeito. A maioria dos cidadãos britânicos vivos hoje tem vivido com as consequências da economia de guerra construída entre 1939 e 1950 e sabem que ela não pode ser desfeita rapidamente. O Partido Trabalhista não teria alcançado o sucesso entre 1945 e 1950 sem as estruturas econômicas herdadas da guerra. Estas são as implicações de uma política externa intervencionista.

Após a queda da França, muitas pessoas ficaram interessadas na paz. Beaverbrook disse, “Ele poderia não ver outra alternativa na época, mas negociar um acordo honroso, permanecer dentro das fronteiras de nosso império, nos armar até os dentes, deixar o continente traçar seu próprio destino e defender o Império com toda nossa força.” Lloyd George acreditava que uma vez que Hitler visse que a Grã-Bretanha não pudesse ser derrotada facilmente, chegaria a época para negociar os termos. A Grã-Bretanha estava isolada do continente de um modo que ela nunca este antes. Para derrotar a Alemanha, ela precisaria se equipar, criar e desembarcar um exército maciço no continente para sustentar uma guerra por anos. Depois de um tempo, a Grã-Bretanha estaria falida.

Churchill jamais faria isso. Ele conseguiu o emprego de Primeiro Ministro graças à ajuda da Dama Sorte. Em 10 de maio de 1940, o dia da Blitzkrieg alemã na Holanda e Bélgica, um funcionário público falhou em dizer a Halifax que R. A. B. Butler estava esperando fora do escritório com a mensagem que os trabalhistas serviriam em uma coalizão com ele. Halifax saiu do escritório direto para o dentista. À noite, Churchill era o Primeiro Ministro e já era tarde demais. Ele não iria abandonar sua ambição de vida sem uma luta. Ao final de 1940, vários códigos alemães foram quebrados e Churchill sabia que os alemães não iriam invadir. A Luftwaffe foi expulsa dos céus da Grã-Bretanha e os italianos derrotados na África do Norte. A possibilidade de uma paz honrosa nos próximos meses teria sido bem real. R. A. B. Butler entrou em contato com o ministro sueco em Londres e supõe-se que Hess viajou para a Escócia porque algumas pessoas importantes estavam interessadas na paz (os detalhes deste episódio ainda estão envoltas em mistério e governos britânicos sucessivos não se mostram dispostos a nos dizer a verdade).

Churchill novamente permaneceu firme. Ele lutaria contra os nazistas nas praias – por trabalho e país. O início da guerra o trouxe para o Almirantado e seu final poderia ver sua partida ao estilo Lloyd George. Ele ainda era impopular para uma grande parte do Partido Conservador que não havia esquecido sua oposição ao Ato da Índia e suas gafes durante a Crise da Abdicação. Churchill pensou em dois métodos com os quais a guerra poderia ser ganha.

1. A RAF bombardearia os alemães até o pó. A condução subsequente do conflito lançou dúvidas sobre a praticabilidade e moralidade desta política.

2. Ele também contava com a ajuda do Ocidente, da terra de nascimento de sua mãe. Mas haveria um preço.

A política de Chamberlain de construir caças ao invés de bombardeiros garantiu a independência da Grã-Bretanha em relação à Alemanha. A continuidade da guerra por Churchill substituiu isto pela dependência em relação aos EUA. No outono de 1940, as reservas em dólar estavam exauridas. O secretário do Tesouro americano Morgenthau exigiu uma lista completa dos bens britânicos no hemisfério ocidental, diferenciando-os de acordo com sua liquidez. Quando Roosevelt viu a lista, ele lembrou, “Bem, eles não são pobres, há muito dinheiro lá.” Na primavera de 1941, Roosevelt estava em um estado mais alegre, “Estamos mamando na vaca financeira britânica, que tem muito leite, mas deve acabar secando.” Em 10 de março, Halifax recebeu um ultimato (Churchill livrou-se de seu adversário nomeando-o embaixador na América). Os britânicos deveriam vender suas companhias importantes nas próximas semanas como marca de boa fé; uma subsidiária da Courtaulds foi vendida a preço de banana.

À medida que a guerra se aprofundou, assim também aconteceu com seu custo. Charmley teve grande alegria ao comparar as semelhanças entre a política de Churchill em relação à Polônia após 1944 e a de Chamberlain em relação à Tchecoslováquia em 1938. Ele compara a atitude de Chamberlain para a Alemanha em 1938 e 1939 com o apaziguamento de Churchill para a Rússia no final da guerra. Mesmo assim, tenho simpatia por Churchill aqui. No que a Grã-Bretanha poderia ajudar a Polônia em 1944 e 1945? Nossas tropas estavam na Polônia nesta época? A opinião pública britânica estava tão pró-soviética que Orwell teve dificuldades em encontrar uma editora para publicar seu livro antibolchevista, “A Revolução dos Bichos”.

À medida que os velhos soldados da Segunda Guerra Mundial deixam este mundo, um julgamento mais equilibrado pode e será feito. À luz dos eventos dos últimos 50 anos, as razões de Chamberlain para evitar a guerra tornam-se mais convincentes**:

1. Outra guerra de grandes proporções enfraqueceria o poder britânico ainda mais. A Grã-Bretanha não poderia manter uma guerra longa, e era impossível vencê-la com poucos recursos militares.

2. A guerra colocaria o Reino Unido em dependência da América, cujas ideias teriam uma parte ainda maior nas discussões do pós-guerra em relação ao que aconteceu em 1919. O internacionalismo wilsoniano tornar-se-ia a nova ordem mundial.

3. A expansão da Alemanha seria no Leste europeu, uma área que tradicionalmente tinha pouca importância para o Reino Unido.

4. A intervenção na Europa Oriental exigiria a ajuda da URSS e o preço seria muito alto.

“Mas este louco precisava ser parado!” é lembrado como o argumento decisivo pela brigada do pós-guerra neste ponto. Não estou convencido. Imagine se a Grã-Bretanha e a França não tivessem declarado guerra à Alemanha em setembro de 1939 e Hitler tivesse eventualmente continuado seu plano mestre de atacar a União Soviética. Uma grande guerra entre a URSS e a Alemanha poderia ter tido um número de resultados possíveis. Um atolamento, com as duas potências totalitárias se arrastando atrás de arames farpados. A Alemanha ganhar. Robert Harris retrata esse cenário em sua obra de ficção “Pátria”. Hitler disse em 1942, “As pessoas de vez em quando dizem para mim: ‘Seja cauteloso! Você terá 20 anos de guerrilha em suas mãos.’ Eu me delicio com essa expectativa... a Alemanha permanecerá em estado de alerta perpétuo.” As consequências de um Império Alemão na Rússia europeia teria sido de uma guerrilha (sem dúvida financiada pelo Ocidente) em uma escala que teria feito o Afeganistão parecer uma briga de salão. Em ambos os casos, existe a possibilidade de populações descontentes gozando das alegrias de economias totalitárias – tornadas pior pela realidade da guerra. Se compararmos o desempenho deste tipo de Estado com aquele da economia mista do Bem Estar Social, a superioridade deste último é óbvia – especialmente para as pessoas vivendo no anterior. O colapso do Comunismo demonstra que as pessoas se cansam das ditaduras e das condições miseráveis de vida. Países com mercados livres deveriam agir como exemplos do que é possível conseguir.

Os objetivos de Churchill eram preservar o Império Britânico e garantir a continuidade das instituições britânicas. Seu trabalho de vida teve o efeito oposto. A guerra quebrou o Reino Unido e sedimentou o caminho para a dissolução do Império ao aumentar a importância da URSS e dos EUA. Churchill gostava de destacar que Cromwell foi um grande homem que cometeu um erro terrível. Obsecado pelo poder da Espanha em sua juventude, Cromwell falhou em notar o crescimento da França. O mesmo pode ser dito de Churchill em relação à Alemanha e à URSS. A derrota completa da Alemanha aumentou proporcionalmente a importância da Rússia Soviética no período do pós-guerra. Se isto não fosse o suficiente, a guerra ajudou na disseminação das ideias intervencionistas e socialistas que ajudaram a enfraquecer o sistema econômico e social da Grã-Bretanha do pós-guerra. Os controles de troca comercial com o exterior, impostos em 1939, foram somente abolidos em 1979. “Um perigo de longe muito maior do que os alemães,” lembrou o Primeiro Lorde do Mar Fisher em 1915. Esta descrição de Churchill parece ser a correta no mundo atual.


Notas:

* Renda invisível: renda conseguida no exterior com negócios ao invés de venda de mercadorias. Pode incluir ganhos com osistema bancário, seguros, investimento, transporte e turismo.

** No dia 5 de junho de 2013 ocorreu na Sociedade Geográfica Real um debate entre historiadores sobre o legado de Chamberlain e, mesmo com as críticas de estudiosos pró-Churchill, como Richard Evans, parece haver consenso que o Primeiro Ministro estava certo em sua política de manter a Grã-Bretanha fora da guerra na Europa.


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