terça-feira, 20 de agosto de 2013

[POL] Heinrich Himmler: Uma Biografia


 
 
Recentemente, escrevi uma resenha do livro de Peter Longerich Não Sabíamos de Nada! ("We Knew Nothing About That!" The Germans and the Persecution of Jews 1933-1945), no qual ele examinou o que o público alemão sabia do Holocausto na Alemanha Nazista. Fiquei impressionado pela sua profunda e sistemática erudição. Nesta biografia de 2010, Heinrich Himmler: Uma Vida, Longerich escreveu O trabalho definitivo sobre o Reichsführer-SS – indubitavelmente a segunda figura mais importante no regime nazista. Li a tradução no inglês (trabalho excelente de tradução de Jeremy Noakes e Lesley Sharpe) que possui mais de 1.000 páginas, incluindo 200 páginas de notas de rodapé.

Em épocas normais, uma pessoa do calibre de Heinrich Himmler, o produto de uma educação restrita de uma família católica de classe média, poderia crescer e alcançar o status de um Filialleiter – gerente de departamento – de um Sparkasse (banco de economia) local. Mas aqueles não eram tempos normais e Himmler foi capaz de usar seus talentos organizacionais, sua energia obsessiva compulsiva e frenética e acesso ao aparato de terror nazista para tomar o controle da estrutura completa de segurança do Terceiro Reich, tanto no interior do Reich Alemão quanto nos territórios ocupados durante a guerra. No auge de seu poder, Himmler estava no comando de toda a organização SS, incluindo o braço militar Waffen-SS, a rede inteira de campos de concentração, os Einsatzgruppen envolvidos em campanhas de extermínio nos territórios ocupados, da segurança interna e organizações policiais, incluindo a Gestapo e a Kripo, assim como um serviço burocrático gigantesco que fornecia centenas de milhares de recursos de trabalho escravo para a indústria alemã e para os projetos grandiosos de Albert Speer. E mesmo assim, Longerich mostra, apesar de seu vasto poder e lealdade absoluta ao der Führer, Himmler nunca pertenceu ao círculo íntimo de Hitler.

Longerich transformou completamente minha compreensão sobre Heinrich Himmler. Sempre o imaginei como um competente funcionário emitindo ordens sob o comando do Führer – uma caracterização da “banalidade do mal”. Mas Himmler era exatamente o oposto do burocrata sem rosto sentado atrás de uma mesa. Himmler era dinâmico, visitando campos de concentração, recrutando novos membros para a SS, fazendo discursos para os comandantes da polícia. Ele tinha interesse pessoal em todo o aspecto da SS, incluindo dieta, higiene pessoal e vida sexual dos homens. E não apenas deles: Himmler era interessado em história racial e capacidade de gravidez de suas esposas e namoradas. Longerich escreve: “A posição (Himmler) construída ao longo dos anos pode ao invés disso ser descrita como um exemplo extremo da quase personalização total do poder político.”

Longerich gasta muito tempo reconstruindo a visão de mundo de Himmler. É fascinante ler como o Reichsführer-SS desenvolveu uma hostilidade em relação ao Cristianismo e ao invés disso abraçou um tipo de misticismo teutônico, que então encontrou expressão nos rituais da SS. Basicamente, a SS, como criada por Himmler, era uma organização religiosa, um culto baseado em pseudociência (Teoria do Gelo Cósmico*) e a grosseira ideologia racial que era central ao pensamento e política nazistas. Himmler, é claro, estava convencido de que os judeus eram uma raça estrangeira à cultura alemã. Mas ele também odiava o homossexualismo e o aborto, que ele encarava como catastróficos para o destino biológico da Alemanha.

O sistema de crença bizarro de Himmler seria engraçado se ele não tivesse tido consequências catastróficas. Ele tinha a autoridade e poder para agir de acordo com suas crenças, em estabelecer a rede de campos de concentração primeiro na Alemanha e depois na Polônia e nos territórios orientais. Seus planos de reassentamento maciço, elaborados de acordo com suas fantasias raciais, resultaram em caos total e morte. E a invasão da União Soviética foi vendida como uma batalha entre o ideal teutônico e a subhumanidade judaica-bolchevista:

Isto é uma luta de ideologias e uma batalha racial. De um lado, temos o Nacional Socialismo, uma ideologia baseada no valor de nosso sangue nórdico, germânico, um mundo que visionamos como lindo, decente, justo socialmente... um mundo culto, alegre e lindo. Do outro lado, temos 180 milhões de pessoas, uma mistura racial e de povos cujos nomes são impronunciáveis e cuja aparência física é tal que podemos fuzilá-los sem compaixão e remorso.

Longerich mostra que é inútil buscar a data exata na qual as ordens para o Endlösung – a “Solução Final” para a “Questão Judaica” – foram emitidas. Mas podemos argumentar que Himmler colocou a coisa em movimento muito antes da Conferência de Wannsee. Primeiro, quando tornou-se claro que o sonho fantástico de deportar 10 milhões de judeus para Madgascar jamais seria realizado, Himmler criou os Einsatzgruppen para assassinar dezenas de milhares de judeus masculinos “bandidos”. Segundo, quando ele presenciou em primeira mão como o fuzilamento contínuo estava causando grande estresse entre seus homens, ele veio com a ideia de usar monóxido de carbono e depois o Zyklon B para matar os prisioneiros. Finalmente, quando tornou-se difícil lidar com todas as mulheres e crianças deixadas para trás, Himmler os matou também – ostensivamente “sob as ordens do Führer”. De fato, Himmler estava agindo “com o espírito do Führer” e não foi somente bem tarde que ele convenceu Hitler da necessidade de matar mulheres e crianças.  

Logo, Himmler, como descrito em detalhes na biografia de Longerich, era um Vordenker – um pioneiro – do Holocausto, senão seu planejador. Mas ele foi cuidadoso em envolver e implicar outros líderes nazistas, assim como os generais da Wehrmacht, no genocídio. Em maio de 1944, ele falou abertamente sobre o Endlösung numa reunião de generais:

A questão judaica foi resolvida brutalmente de acordo com ordens e uma avaliação racional da situação... Não achei justo – estou me referindo aqui às mulheres e crianças judias – em permitir que gente com espírito vingativo crescesse naquelas crianças, que então matariam nossos pais e netos. Teria sido uma covardia fazer isso. Consequentemente, as questões foram resolvidas de forma inflexível.

A série de discursos honestos sobre o extermínio em massa lança dúvidas sobre a teoria das “mãos limpas” da Wehrmacht.

No final, quando o Terceiro Reich colapsou, Himmler comportou-se da maneira mais covarde, primeiro tentando enganar sua captura assumindo uma falsa identidade de Heinrich Hitzinger e depois, quando pego, suicidando-se com uma cápsula de cianureto, nos negando hoje de uma compreensão mais detalhada de como ele foi capaz de alcançar tanto poder. Mas, graças à pesquisa exaustiva de Peter Longerich, ainda sabemos muito sobre Himmler – o suficiente para chamá-lo de um dos grandes criminosos dos tempos modernos.


Nota:

* Welteislehre (Teoria do Gelo Cósmico), conhecida também como “Cosmogonia Glacial”, é uma teoria cosmológica proposta por Hans Hörbiger, um engenheiro e inventor austríaco.

Hörbiger não chegou à sua teoria por meio de pesquisa, mas disse que ele a havia recebido por uma “visão” em 1894. De acordo com sua teoria, gelo era a substância básica de todos os processos cósmicos, e luas geladas, planetas gelados e o “éter global” (também feito de gelo) havia determinado o desenvolvimento inteiro do Universo.

Ela não recebeu muita atenção na época, mas após a Primeira Guerra Mundial, Hörbiger decidiu mudar sua estratégia, promovendo a nova “verdade cósmica” não somente às pessoas nas universidades e instituições de ensino, mas também ao grande público. Hörbiger achava que se “as massas” aceitassem sua ideia, então elas poderiam pressionar o establishment acadêmico a divulgar sua teoria nos meios de comunicação.

Duas organizações foram criadas em Viena baseadas nesta teoria, a Kosmotechnische Gesellschaft e o Instituto Hörbiger. O primeiro foi criado em 1921 por um grupo de entusiastas da Teoria, que incluía engenheiros, médicos, funcionários públicos e empresários. A maioria era pessoalmente ligada a Hörbiger e participava de suas palestras. Entre os seguidores de Hörbiger estava o escritor vienense Egon Friedell, que explicou a Teoria do Gelo Cósmico em seu livro de 1930 História Cultural da Modernidade.

Heinrich Himmler, um dos líderes nazistas mais poderosos, tornou-se um seguidor ativo da teoria e dizia que se ela fosse corrigida e ajustada de acordo com as novas descobertas científicas ela poderia ser muito bem aceita como trabalho científico. Entretanto, o Ministério da Propaganda sentiu-se obrigado a esclarecer que “uma pessoa pode ser um bom nacional socialista sem acreditar na teoria.”

Adolf Hitler, um seguidor entusiasta da teoria, adotou-a como a cosmologia oficial do partido nazista. Ele afirmava que Hörbiger não era aceito pelo establishment científico porque “o fato é que os homens não querem conhecer.” A Teoria do Gelo Cósmico deveria fazer parte do planetário que Hitler queria construir no monte Pöstling em Linz. De acordo com o projeto estrutural, o piso térreo seria o centro em torno do Universo Ptolomaico, o piso médio teria a teoria de Copérnico e no piso superior, a teoria de Hörbiger.

Especula-se que a razão real do interesse de Hitler e Himmler na teoria era a tentativa de contrabalançar a influência judaica percebida nas ciências, semelhante ao movimento Física Alemã. A teoria de Hörbiger era, por exemplo, oposta à teoria da relatividade de Albert Einstein. Dezenas de jornais científicos, livros e mesmo romances foram publicados sobre este assunto. As teorias de Hörbiger tornaram-se aceitas de forma generalizada entre a população da Alemanha nazista e uma organização teve milhares de membros.

Após a Segunda Guerra Mundial, a teoria desapareceu. Mas foi reavivada um pouco depois, continuando a ter membros tanto na Alemanha quanto na Inglaterra por muitos anos, mesmo tendo sido desacreditada novamente.


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