Recentemente,
escrevi uma resenha do livro de Peter Longerich Não Sabíamos de Nada! ("We Knew Nothing About That!" The
Germans and the Persecution of Jews 1933-1945), no qual ele examinou o que o público
alemão sabia do Holocausto na Alemanha Nazista. Fiquei impressionado pela sua
profunda e sistemática erudição. Nesta biografia de 2010, Heinrich Himmler: Uma
Vida, Longerich escreveu O trabalho definitivo sobre o Reichsführer-SS –
indubitavelmente a segunda figura mais importante no regime nazista. Li a
tradução no inglês (trabalho excelente de tradução de Jeremy Noakes e Lesley
Sharpe) que possui mais de 1.000 páginas, incluindo 200 páginas de notas de
rodapé.
Em
épocas normais, uma pessoa do calibre de Heinrich Himmler, o produto de uma
educação restrita de uma família católica de classe média, poderia crescer e
alcançar o status de um Filialleiter –
gerente de departamento – de um Sparkasse
(banco de economia) local. Mas aqueles não eram tempos normais e Himmler foi
capaz de usar seus talentos organizacionais, sua energia obsessiva compulsiva e
frenética e acesso ao aparato de terror nazista para tomar o controle da
estrutura completa de segurança do Terceiro Reich, tanto no interior do Reich
Alemão quanto nos territórios ocupados durante a guerra. No auge de seu poder,
Himmler estava no comando de toda a organização SS, incluindo o braço militar
Waffen-SS, a rede inteira de campos de concentração, os Einsatzgruppen envolvidos em campanhas de extermínio nos
territórios ocupados, da segurança interna e organizações policiais, incluindo
a Gestapo e a Kripo, assim como um serviço burocrático gigantesco que fornecia
centenas de milhares de recursos de trabalho escravo para a indústria alemã e
para os projetos grandiosos de Albert Speer. E mesmo assim, Longerich mostra,
apesar de seu vasto poder e lealdade absoluta ao der Führer, Himmler nunca pertenceu ao círculo íntimo de Hitler.
Longerich
transformou completamente minha compreensão sobre Heinrich Himmler. Sempre o
imaginei como um competente funcionário emitindo ordens sob o comando do Führer
– uma caracterização da “banalidade do mal”. Mas Himmler era exatamente o
oposto do burocrata sem rosto sentado atrás de uma mesa. Himmler era dinâmico,
visitando campos de concentração, recrutando novos membros para a SS, fazendo
discursos para os comandantes da polícia. Ele tinha interesse pessoal em todo o
aspecto da SS, incluindo dieta, higiene pessoal e vida sexual dos homens. E não
apenas deles: Himmler era interessado em história racial e capacidade de
gravidez de suas esposas e namoradas. Longerich escreve: “A posição (Himmler)
construída ao longo dos anos pode ao invés disso ser descrita como um exemplo
extremo da quase personalização total do poder político.”
Longerich
gasta muito tempo reconstruindo a visão de mundo de Himmler. É fascinante ler
como o Reichsführer-SS desenvolveu uma hostilidade em relação ao Cristianismo e
ao invés disso abraçou um tipo de misticismo teutônico, que então encontrou
expressão nos rituais da SS. Basicamente, a SS, como criada por Himmler, era
uma organização religiosa, um culto baseado em pseudociência (Teoria do Gelo
Cósmico*) e a grosseira ideologia racial que era central ao pensamento e
política nazistas. Himmler, é claro, estava convencido de que os judeus eram
uma raça estrangeira à cultura alemã. Mas ele também odiava o homossexualismo e
o aborto, que ele encarava como catastróficos para o destino biológico da
Alemanha.
O
sistema de crença bizarro de Himmler seria engraçado se ele não tivesse tido
consequências catastróficas. Ele tinha a autoridade e poder para agir de acordo
com suas crenças, em estabelecer a rede de campos de concentração primeiro na
Alemanha e depois na Polônia e nos territórios orientais. Seus planos de
reassentamento maciço, elaborados de acordo com suas fantasias raciais,
resultaram em caos total e morte. E a invasão da União Soviética foi vendida
como uma batalha entre o ideal teutônico e a subhumanidade judaica-bolchevista:
Isto é uma luta de ideologias e uma batalha
racial. De um lado, temos o Nacional Socialismo, uma ideologia baseada no valor
de nosso sangue nórdico, germânico, um mundo que visionamos como lindo,
decente, justo socialmente... um mundo culto, alegre e lindo. Do outro lado,
temos 180 milhões de pessoas, uma mistura racial e de povos cujos nomes são
impronunciáveis e cuja aparência física é tal que podemos fuzilá-los sem
compaixão e remorso.
Longerich
mostra que é inútil buscar a data exata na qual as ordens para o Endlösung – a “Solução Final” para a “Questão
Judaica” – foram emitidas. Mas podemos argumentar que Himmler colocou a coisa
em movimento muito antes da Conferência de Wannsee. Primeiro, quando tornou-se
claro que o sonho fantástico de deportar 10 milhões de judeus para Madgascar
jamais seria realizado, Himmler criou os Einsatzgruppen para assassinar dezenas
de milhares de judeus masculinos “bandidos”. Segundo, quando ele presenciou em
primeira mão como o fuzilamento contínuo estava causando grande estresse entre
seus homens, ele veio com a ideia de usar monóxido de carbono e depois o Zyklon
B para matar os prisioneiros. Finalmente, quando tornou-se difícil lidar com
todas as mulheres e crianças deixadas para trás, Himmler os matou também –
ostensivamente “sob as ordens do Führer”. De fato, Himmler estava agindo “com o
espírito do Führer” e não foi somente bem tarde que ele convenceu Hitler da
necessidade de matar mulheres e crianças.
Logo,
Himmler, como descrito em detalhes na biografia de Longerich, era um Vordenker – um pioneiro – do Holocausto,
senão seu planejador. Mas ele foi cuidadoso em envolver e implicar outros
líderes nazistas, assim como os generais da Wehrmacht, no genocídio. Em maio de
1944, ele falou abertamente sobre o Endlösung
numa reunião de generais:
A questão judaica foi resolvida brutalmente de
acordo com ordens e uma avaliação racional da situação... Não achei justo –
estou me referindo aqui às mulheres e crianças judias – em permitir que gente com
espírito vingativo crescesse naquelas crianças, que então matariam nossos pais
e netos. Teria sido uma covardia fazer isso. Consequentemente, as questões
foram resolvidas de forma inflexível.
A
série de discursos honestos sobre o extermínio em massa lança dúvidas sobre a
teoria das “mãos limpas” da Wehrmacht.
No
final, quando o Terceiro Reich colapsou, Himmler comportou-se da maneira mais
covarde, primeiro tentando enganar sua captura assumindo uma falsa identidade
de Heinrich Hitzinger e depois, quando pego, suicidando-se com uma cápsula de
cianureto, nos negando hoje de uma compreensão mais detalhada de como ele foi
capaz de alcançar tanto poder. Mas, graças à pesquisa exaustiva de Peter Longerich,
ainda sabemos muito sobre Himmler – o suficiente para chamá-lo de um dos
grandes criminosos dos tempos modernos.
Nota:
*
Welteislehre (Teoria do Gelo Cósmico), conhecida também como “Cosmogonia
Glacial”, é uma teoria cosmológica proposta por Hans Hörbiger, um engenheiro e
inventor austríaco.
Hörbiger não chegou à sua teoria por meio de
pesquisa, mas disse que ele a havia recebido por uma “visão” em 1894. De acordo
com sua teoria, gelo era a substância básica de todos os processos cósmicos, e
luas geladas, planetas gelados e o “éter global” (também feito de gelo) havia
determinado o desenvolvimento inteiro do Universo.
Ela não recebeu muita atenção na época, mas após a
Primeira Guerra Mundial, Hörbiger decidiu mudar sua estratégia, promovendo a
nova “verdade cósmica” não somente às pessoas nas universidades e instituições
de ensino, mas também ao grande público. Hörbiger achava que se “as massas”
aceitassem sua ideia, então elas poderiam pressionar o establishment acadêmico a divulgar sua teoria nos meios de
comunicação.
Duas organizações foram criadas em Viena baseadas
nesta teoria, a Kosmotechnische
Gesellschaft e o Instituto Hörbiger. O primeiro foi criado em
1921 por um grupo de entusiastas da Teoria, que incluía engenheiros, médicos,
funcionários públicos e empresários. A maioria era pessoalmente ligada a
Hörbiger e participava de suas palestras. Entre os seguidores de Hörbiger
estava o escritor vienense Egon Friedell, que explicou a Teoria do Gelo Cósmico
em seu livro de 1930 História Cultural da Modernidade.
Heinrich Himmler, um dos líderes nazistas mais
poderosos, tornou-se um seguidor ativo da teoria e dizia que se ela fosse
corrigida e ajustada de acordo com as novas descobertas científicas ela poderia
ser muito bem aceita como trabalho científico. Entretanto, o Ministério da
Propaganda sentiu-se obrigado a esclarecer que “uma pessoa pode ser um bom
nacional socialista sem acreditar na teoria.”
Adolf Hitler, um seguidor entusiasta da teoria,
adotou-a como a cosmologia oficial do partido nazista. Ele afirmava que
Hörbiger não era aceito pelo establishment científico porque “o fato é que os
homens não querem conhecer.” A Teoria do Gelo Cósmico deveria fazer parte do
planetário que Hitler queria construir no monte Pöstling em Linz. De acordo com
o projeto estrutural, o piso térreo seria o centro em torno do Universo
Ptolomaico, o piso médio teria a teoria de Copérnico e no piso superior, a
teoria de Hörbiger.
Especula-se que a razão real do interesse de Hitler
e Himmler na teoria era a tentativa de contrabalançar a influência judaica
percebida nas ciências, semelhante ao movimento Física Alemã. A teoria de
Hörbiger era, por exemplo, oposta à teoria da relatividade de Albert Einstein.
Dezenas de jornais científicos, livros e mesmo romances foram publicados sobre
este assunto. As teorias de Hörbiger tornaram-se aceitas de forma generalizada
entre a população da Alemanha nazista e uma organização teve milhares de
membros.
Após a Segunda Guerra Mundial, a teoria desapareceu.
Mas foi reavivada um pouco depois, continuando a ter membros tanto na Alemanha
quanto na Inglaterra por muitos anos, mesmo tendo sido desacreditada novamente.
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