sábado, 21 de setembro de 2013

E a revolução esbarrou no Paraná

Gazeta do Povo, 21/09/2013

Tropa de Candido Dulcídio Pereira, em terras paranaenses, durante a Revolução Federalista (1893 - 1895)
 
No momento em que o então presidente marechal Floriano Peixoto convocou o veterano da Guerra do Paraguai coronel Gomes Carneiro, ele não se arrependeu. A ordem era conter o avanço da Revolução Federalista no Sul do Brasil. Em cinco dias, ele chegou à região para se tornar um dos protagonistas da História.

Era novembro de 1893 e a tropa revolucionária já avançava em direção ao Paraná.

O objetivo era chegar à capital brasileira da época, Rio de Janeiro, e derrubar o governo de Floriano. Os rebeldes também lutavam contra o governador do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos. Com a revolução, que teve início há 120 anos, os três estados do Sul se tornaram palco de um derramamento de sangue que deixou cerca de 10 mil mortos. Durante as batalhas, houve muitas degolas.

Os federalistas ganharam ânimo no mesmo ano. Na capital nacional, eclodia a Revolta da Armada, sob a liderança do almirante Custódio de Melo, que também lutava contra Floriano. Depois de algumas trocas de tiros com o Exército, os revoltosos seguiram para o Sul do país. Desembarcaram na atual Florianópolis, chamada de Desterro, e proclamaram a cidade como uma nova capital do país. Os interesses fizeram com que as duas revoltas chegassem a se unir, principalmente por parte de Custódio de Melo.

“Eles juntaram forças para derrubar Floriano. Pelo mar, Custódio de Melo foi responsável pela tomada de Paranaguá, que aconteceu em janeiro de 1894”, conta o desembargador e estudioso do tema Paulo Hapner. Pela terra, Gumercindo Saraiva avançou em direção à capital do Paraná.

Cerco da Lapa

No mesmo período em que o litoral foi tomado, os maragatos, como eram chamados os soldados rebeldes, passaram por Tijucas do Sul e chegaram à Lapa – a 60 km de Curitiba.

A situação do Paraná estava um caos. Com o avanço dos rebeldes, o governador do estado, Vicente Machado, tinha fugido de Curitiba. Com apenas 639 homens, poucas armas e falta de alimentos, o coronel Carneiro tinha a missão de conter os federalistas na Lapa.

“As tropas dos maragatos fizeram um verdadeiro cerco à cidade”, relata Hapner. Durante 26 dias, Carneiro e sua tropa, chamados de pica-paus, resistiram bravamente aos ataques dos 3 mil combatentes comandados por Gumercindo Saraiva.

Pelo menos 500 pessoas morreram no Cerco da Lapa, entre elas Carneiro. Com a morte do comandante em fevereiro, a Lapa se rendeu e deixou a passagem aberta para que os revolucionários tomassem de vez Curitiba.

Apesar da derrota, a batalha em Lapa foi fundamental para que os rebeldes fracassassem. Hapner considera um erro estratégico dos maragatos. “Se eles queriam ir para o Rio de Janeiro não poderiam perder tempo em Lapa. Isso fez com que o Exército de Floriano se organizasse e derrotasse os federalistas”, afirma.

Para o historiador Dennisson de Oliveira, “trata-se de um episódio mítico que, para o poder estabelecido sob Floriano, ‘salvou’ a República.”

Libertação de Curitiba acaba em injustiça

Com a tomada de Paranaguá, Tijucas do Sul e Lapa, e a ausência de governador e força militar no Paraná, os rebeldes entraram facilmente em Curitiba. Segundo o estudioso Paulo Hapner, a evacuação das tropas legalistas provocou verdadeiro caos na cidade. Gumercindo Saraiva e Custódio de Melo não tiveram obstáculo. Chegaram a nomear um governador – coronel Teófilo Soares Gomes, que ficou somente quatro dias no poder. “Depois eles se reuniram em uma mansão que existia no bairro Alto da Glória e nomearam outro governador, o João Menezes Dória , que ficou até março”, relata Hapner.

Depois dele, foram nomeados outros dois governadores. O último governador maragato no Paraná foi Antônio José Ferreira Braga, no início de maio de 1894.

Barão do Serro Azul

Os federalistas exigiam ainda “empréstimos de guerra” para não saquear a cidade. A população estava inquieta. Foi neste período que Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, exerceu papel fundamental para libertar Curitiba dos maragatos.

Ele tomou a decisão de cuidar de Curitiba por meio de uma junta governativa. Considerava desnecessário derramar mais sangue. Por isso, decidiu negociar. Em troca da paz e da inexistência de saques, o barão emprestou, com o apoio de alguns comerciantes, dinheiro a Gumercindo Saraiva, chefe dos maragatos. A negociação, entretanto, foi vista como uma traição por parte dos defensores de Floriano. “Ele foi político. Mas as pessoas não entenderam isso na época”, diz Hapner.

Dessa forma, os maragatos saíram do município e em maio Vicente Machado retornou ao poder. No entanto, Serro Azul e mais cinco companheiros foram presos sob a alegação de que deveriam ser julgados pelo Conselho Militar pela “ajuda” que teriam dado aos maragatos. Foram levados de trem, em direção a Paranaguá, sob o pretexto de que embarcariam de navio até o Rio de Janeiro onde receberiam a sentença. Mas era uma emboscada. O Barão de Serro Azul e seus amigos foram fuzilados no meio do caminho.

Contraofensiva garante vitória à República

Quando a vitória dos federalistas parecia inevitável, o presidente Floriano conseguiu organizar a ofensiva contra as tropas da Revolta da Armada e da Revolução Federalista. Adquiriu cerca de 10 navios de guerra dos Estados Unidos para iniciar os combates. Além disso, havia organizado um exército de quase seis mil homens em São Paulo. Isso fez com que os maragatos, ainda se recuperando do combate da Lapa, desistissem de invadir o estado paulista.

Não restou alternativa senão recuar e voltar ao Rio Grande do Sul. Em agosto de 1894, Gumercindo Saraiva estava passando em revista seu exército quando foi alvejado por um atirador escondido em uma mata. Após sua morte, a Revolução Federalista perdeu força.

Mas, a derrota final veio em junho de 1895, durante o combate de Campo Osório, no qual o almirante Luís Felipe Saldanha da Gama e seus 400 homens resistiram até o fim. A maioria morreu em combate e os que sobreviveram fugiram para o Uruguai. O acordo de paz foi assinado perto de Pelotas em agosto de 1895.

Privilégios

Fim das benesses aos banqueiros criou as condições para a revolta

Após a Proclamação da República, quem assumiu a presidência foi marechal Deodoro da Fonseca, que adotou uma política econômica que favorecia os banqueiros e o capital especulativo financeiro em geral.“Foi dado a bancos privados o direito de emitir papel moeda sob a forma de empréstimos ao setor privado, supostamente para promover a industrialização. Na prática, os tais bancos emissores concediam tais emprés­timos para membros das suas próprias diretorias, para empresas fantasmas, de laranjas e empresas de fachada”, revela o historiador e professor da Universidade Federal do Paraná Dennisson de Oliveira.

As articulações

O historiador explica que com o marechal Floriano Peixoto essa política foi suspensa. Os banqueiros teriam se articulado com opositores políticos e com os militares da marinha, marginalizados num regime dominado pelo Exército, levando à Revolta da Armada.

“Essas tensões se somaram à guerra civil então em curso no Rio Grande do Sul na qual os partidos políticos se digladiavam em torno de questões como a reeleição e o regime de governo a ser adotado na constituição do estado”, diz Oliveira.

Ele ressalta ainda que o Rio Grande do Sul estava dividido entre os que apoiavam a centralização do poder na capital federal, favorecendo o intervencionismo estatal, e os que defendiam um regime federalista, com maior autonomia para os estados.

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