quinta-feira, 26 de setembro de 2013

[SGM] Os Alemães na Normandia

Resenha do livro The Germans in Normandy, Richard Hargreaves, Stackpole Books, 2008.

 

Hargreaves afirma que a estória da Normandia de 1944 tem sido registrada “quase que exclusivamente” do ponto de vista Aliado. Pessoalmente, acho isso de certa forma exagerado; relatos como os de Seis Exércitos na Normandia, de Max Hastings, e Invasão: Eles estão Chegando!, de Paul Carell, incluem testemunhos dos alemães, e, é claro, temos também os tipos de David Irving cujos trabalhos, independentemente do que pensamos sobre sua confiabilidade no plano político, inclui um caminhão de entrevistas com os comandantes alemães, por exemplo, seu livro sobre Rommel. Mesmo assim, Hargreaves afirma ter trabalhado por 15 anos em seu livro, analisando não somente as histórias, mas também diários e cartas.

Os Alemães na Normandia se propõe a focar no combatente comum alemão ao invés de ser uma história da campanha, uma afirmação que é de fato impossível de se alcançar, já que qualquer exame do assunto deve incluir o contexto da própria campanha. Não obstante, há uma impressionante lista de vozes representadas no livro, dos bem conhecidos (Rommel, Von Rundstedt, Kurt Meyer e Michael Wittman) até os postos mais baixos da Wehrmacht. Extraordinariamente, Hargreaves também inclui o pessoal da Luftwaffe e da Kriegsmarine, apesar dos poucos relatos, já que o número de equipamentos aeronáuticos e navais disponíveis para os alemães não era grande, mesmo após o reforço na força aérea.

O livro começa com um olhar nas atitudes dos alemães em relação à iminente invasão da França pelos Aliados em 1944, que era um “segredo aberto”. Uma das principais surpresas do livro e pontos de interesse é que muitos alemães, de Hitler até os defensores na praia, estavam impacientes com a chegada dos Aliados, de modo que para o soldado comum a apreensão pela espera terminaria e para Hitler havia a possibilidade de destruir os exércitos ocidentais e voltar ao combate na Frente Oriental com força máxima. Esta atitude de antecipação ansiosa era aparentemente comum também na Alemanha (o livro discute as atitudes variadas da população, como mostrada nas pesquisas de opinião do SD durante a campanha). Apesar de a Kriegsmarine e a Luftwaffe (a última comandada no Ocidente pelo indolente Sperrle) não poderem dar muita contribuição, Dönitz exortou às tripulações dos U-boats a darem o seu máximo, mesmo que enviando U-boats que não haviam ainda sido convertidos ao mecanismo Schorkel* contra os navios Aliados fosse equivalente ao suicídio. O Exército, por outro lado, acreditava firmemente em sua paridade, senão superioridade, em relação à qualidade de seus homens e armamentos – e isto era certamente verdade que tanques como o Tiger e o Panther eram superiores a qualquer coisa do arsenal Aliado.

Qualquer superioridade tática que os alemães pudessem ter, pelo menos com seus equipamentos e unidades de primeira linha tais como as divisões panzer e as tropas aerotransportadas, era infelizmente para eles anulada pelo quadro estratégico. Aniquiladas na frente oriental, as forças armadas ainda estavam lutando para recuperar suas perdas em homens e materiais, resultando no emprego de homens que normalmente teriam sido rejeitados para o serviço militar pesado, tais como georgianos, poloneses e russos recrutados dos campos de prisioneiros, ou homens idosos e sem forma física nas fracas divisões de defesa costeira. Apesar de sua impressionante organização no papel, as unidades novas ou reformadas como a 116ª. e a 21ª. Panzer ainda aguardavam por blindados ou se viravam com veículos obsoletos. Mais sério ainda, o bombardeio Aliado das áreas de desembarque francesas e da Alemanha levaram prontamente a uma escassez de materiais e dificuldades de transporte de qualquer coisa que estivesse disponível na frente de batalha. As supostas fortificações pesadas da Muralha do Atlântico, como apresentadas nas fotografias de propaganda alemãs mostrando artilharia pesada protegida, eram na realidade poucas e longe entre si: apesar da fúria de Rommel no trabalho nos primeiros meses de 1944, as defesas ainda não haviam sido concluídas em 6 de junho. Finalmente, a inteligência alemã falhou em discernir precisamente tanto as intenções dos Aliados quanto suas formações, e a estrutura de comando estranha e contraditória criada por Hitler, efetivamente deixando os principais comandantes às escuras entre si e tornando-o o juiz supremo, destruíram a capacidade de tomada de decisões.

Esta confusão no comando alemão ficou evidenciada nas primeiras 24 horas da invasão, quando mesmo o pouso de paraquedistas não convenceu o comando nazista de que mais do que uma simulação estava acontecendo, e quando um comandante de alto posto não conseguiu liberar os blindados porque Hitler estava dormindo. Não obstante, o desembarque em Omaha, como ele é conhecido, foi um verdadeiro banho de sangue para as tropas americanas pois elas encontraram a 352ª. Divisão de Infantaria razoavelmente em boas condições e o desembarque quase fracassou. Juno também ofereceu uma resistência dura até os tanques chegarem. Em Utah e nas praias britânicas a estória foi diferente, contudo, já que elas estavam com as defesas incompletas, com poucos canhões antitanque e pouca barreira. Um comandante de reconhecimento alemão relatou ver milhares de tropas aliadas desembarcando na praia. Portanto, em face à pesada artilharia naval e superioridade aérea aliadas, seria impossível interromper o avanço aliado. A confiança inicial alemã de que seus blindados pudessem empurrar o inimigo de volta para o mar evaporou-se rapidamente à medida que a realidade do ataque aéreo constante tornou-se aparente, um tema que percorre o texto inteiro como uma sinfonia completa.

Contrariamente à impressão geral algumas vezes dada, a Luftwaffe e a Kriegsmarine tentaram intervir contra os desembarques. Entretanto, a imensa rede protetora criada pelos caças aliados à frente dos exércitos americanos e britânicos tornou praticamente impossível à Luftwaffe atacar alvos terrestres, pelo menos durante o dia, e de modo similar a atualmente desenvolvida tática de cobertura aeronaval e de superfície tornou Brest, a base dos U-boats, uma viagem ao inferno. Nenhum avião aliado foi perdido em 6 de junho no enfrentamento com a Luftwaffe, e à noite 175.000 soldados aliados já estavam a salvo em solo francês. Além disso, apesar de sua confiança inicial, parece que alguns alemães sentiam que a batalha balançava numa corda, senão já totalmente perdida, somente pela superioridade esmagadora de materiais pelos Aliados. O que segue no resto do livro é a tragédia homérica das vidas dos homens sendo desperdiçadas numa causa perdida e odiosa, a derrota estratégica se aproximando cada vez mais apesar dos sucessos táticos em Bocage, na Montanha 112 (próximo a Caen) e contra as Operações Epsom e Goodwood.

Em seu uso de testemunhos de combatentes individuais, Hargreaves não despreza a política da situação, baseando-se também nos diários de Goebbels e declarações de comandantes de alta patente. Dos últimos, parece que somente Rommel estava ciente das restrições práticas que seriam impostas pela superioridade aérea e material dos Aliados, mas seus colegas e sucessores logo compartilhariam esse pensamento. De fato, outro tema interessante ao longo do livro é a transformação do otimismo em pessimismo por parte de homens como Kluge e Model que seguiram após Rommel na linha de frente com Hitler pressionando-os por resultados. Na verdade, somente Model, um favorito de Hitler, foi capaz de finalmente convencer o ditador que a França à oeste do Sena deveria ser abandonada. Hitler, é claro, é mostrado como vivendo fora da realidade, mas mesmo assim sua estranha habilidade em influenciar pessoas é mencionada em sua conferência com Rommel e Von Rundstedt, que deixou o último temporariamente mais otimista apesar de seus medos terem se tornado realidade. A bomba voadora V-1, que esperava-se matar britânicos em número suficiente para derrotar a Grã-Bretanha ou pelo menos levá-la à mesa de negociações, inicialmente elevou o moral alemão mas após o fiasco delas como armas de destruição em massa, ele despencou no front e no país. Um elemento interessante e satisfatório são os obstáculos que as publicações de propaganda nazista tiveram que superar para retratar a situação sob um ponto de vista positivo, mesmo quando cidades como Cherbourg e Paris caíram. À medida que a campanha avançava, homens como Rommel e Von Rundstedt foram obrigados a se submeter à verdade em relação à Frente Ocidental, e finalmente sugerir que era tempo para a política entrar em jogo – uma sugestão de Rommel que foi bruscamente rejeitada por Hitler. Ao invés disso, a falha da tentativa de assassinato de Hitler em 20 de julho levou ao fim da independência do Exército, ao suicídio de Von Kluge (que estava em cima do muro em relação ao plano) e ao Rommel mais tarde e a rigidez da Alemanha não seria quebrada até a morte do Führer. É digno lembrar, contudo, que muitos soldados e civis alemães da época ficaram indignados contra os conspiradores e ainda colocavam fé nos poderes de Hitler e das novas armas.

Os capítulos finais do livro registram a esperança e o desespero alternados dos combatentes alemães, muitos dos quais foram feitos prisioneiros ou mortos em ação. Juntamente à esperança com as novas armas estava o desespero do desmoronamento do front, a falta de reposição de tropas e o aparente poder ilimitado dos Aliados. Em Falaise, milhares de alemães foram cercados e mortos ou capturados em uma carnificina terrível que impressionou e trouxe compaixão mesmo em seus inimigos; formações sobreviventes atravessaram o Sena onde era possível, uma sombra do que já haviam sido, com apenas um punhado de tanques e poucas centenas de homens cada uma. Assim, o maior desejo era atravessar a fronteira e voltar à Alemanha. Como Rommel mencionou em um de seus últimos escritos, “O céu sobre a Alemanha tornou-se cinzento.”

http://www.cyberlizard.plus.com/Books/books_germansnormandy.html


Nota:

* Um snorkel (Schnorkel) submarino é um dispositivo que permite a um submergível operar sob a água enquanto capta ar acima da superfície. Pessoal da Marinha geralmente se refere a ele como snort. Até o advento da energia nuclear, os submarinos eram projetados para operar na superfície a maior parte do tempo e submergir somente para evasão ou ataque diurno. Em 1940, à noite, um U-boat estava à salvo mais na superfície  do que debaixo d´agua porque o sonar ASDIC podia detectar embarcações submersas, mas era quase inútil contra um navio de superfície. Entretanto, com o melhoramento contínuo nos métodos de radar à medida que a guerra avançava, os U-boats foram forçados a gastar mais tempo sob a água utilizando motores elétricos que davam velocidades de apenas alguns poucos nós e com pouca capacidade de duração.

A Kriegsmarine olhou o snorkel primeiramente como um meio de jogar ar fresco dentro dos submarinos, mas não viu necessidade de desenvolver motores diesel para aplicações submarinas. Entretanto, em 1943 mais U-boats foram perdidos, de modo que o snorkel foi adaptado às classes VIIC e IXC e projetado para os novos tipos XXI e XXIII.

O primeiro submarino da Kriegsmarine a ser readaptado com um snorkel foi o U-58, que experimentou o equipamento no Mar Báltico durante o verão de 1943. As embarcações começaram a usá-lo operacionalmente no início de 1944 e por volta de junho cerca de metade dos submarinos estacionados nas bases francesas tinham snorkels adaptados.

Nos U-botas do tipo VII, o snorkel era lançado para frente e estava armazenado em uma escotilha lateral do convés, enquanto que nos tipos IX, o encaixe estava no lado do estibordo. Os tipos XXI e XXIII tinham ambos mastros telescópicos que erguiam verticalmente da torre de observação próximos do periscópio.


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