sábado, 18 de março de 2017

Matadores por Cristo: Os cavaleiros templários

Tiago Cordeiro


Os cristãos estavam diante de uma derrota certa naquele ano de 1177. Eram 3 mil soldados, liderados por um rei de 16 anos carcomido pela lepra. As tropas de Balduíno 4º estavam cercadas. O general Saladino se aproximava com 26 mil soldados e preparava o ataque. O plano original dos europeus, chegar a Ascalon para abrir uma linha de defesa, teve de ser abandonado. Mas Saladino cometeu um erro: sem acreditar no poder militar dos cristãos, dividiu suas tropas em 3 grupos e seguiu pilhando tudo o que encontrou no caminho para Jerusalém, em especial as cidades de Ramala, Lyda e Arsuf, nos atuais Israel e Palestina. Aproveitando-se do descaso do inimigo, os cristãos se lançaram em ofensiva contra a retaguarda muçulmana. As tropas eram conduzidas pelo grupo de elite mais temido da Terra Santa: os cavaleiros templários. Com barbas compridas, grande disposição e pouco medo de sacrificar a própria vida, enfrentaram ferozmente o inimigo.

A maior parte dos inimigos foi cercada na região montanhosa de Montgisard, perto de Ramala, na Palestina. Depois de se ajoelharem diante de uma relíquia sagrada, um suposto pedaço da cruz de Cristo, o rei, seus soldados e 500 cavaleiros se lançaram ao ataque. Pegos de surpresa e cansados da longa marcha, os muçulmanos mal esboçaram reação ao massacre que se seguiu. A luta só durou um dia: 25 de novembro. Morreram 23 mil adversários. Saladino quase não escapou com vida durante a retirada. Milhares de corpos ficaram abandonados no campo de batalha, incluindo o cadáver de um sobrinho do general. Ele nunca mais subestimaria um grupo de templários. Para comemorar o feito e homenagar os 1,1 mil cristãos mortos na batalha, Balduíno 4º mandou erguer um mosteiro no local da vitória.

Em defesa dos peregrinos

No fim do século 12, a cruz vermelha dos templários estava estampada em toda a faixa que vai da Europa a Jerusalém. Os cavaleiros eram influentes em Londres (Temple é nome de um bairro central da cidade), mantinham uma fortaleza dentro de Paris (a rue du Temple marca o local até hoje), lutavam ao lado de portugueses e espanhóis pela reconquista da península Ibérica, controlavam a ilha de Chipre, possuíam fortalezas no Oriente Médio e tinham acesso irrestrito ao local onde teria existido o Templo de Salomão, em Jerusalém. Poderosos politicamente, eram muito ricos e suas façanhas militares encantavam a cristandade. Saladino foi derrotado numa segunda batalha após Montgisard. Pouco mais de 100 anos depois, o grão-mestre templário Jacques de Molay ardia em uma fogueira, sobre uma ilha do rio Sena. A ordem desapareceu de forma tão rápida e surpreendente quanto havia surgido e crescido. Como herança, deixou lendas que ainda habitam o imaginário ocidental e estão nas prateleiras de livros (de O Pêndulo de Foucault, de Umberto Eco, a O Código Da Vinci, de Dan Brown), nos consoles de videogames (casos de Broken Sword e Assassin's Creed) e nos filmes (lembrando A Lenda do Tesouro Perdido e Indiana Jones e a Última Cruzada).

Como explicar tamanha fascinação por um grupo de cavaleiros que desapareceu há 700 anos? "Os templários personalizaram todas as formas de poder que existiam na Europa medieval", afirma Alan Butler, historiador britânico e autor de The Warriors and the Bankers (Os Guerreiros e os Banqueiros, inédito em português). Eram monges em um tempo de predomínio cristão, banqueiros quando o dinheiro era escasso e guerreiros quando a igreja conclamava os fiéis a retomar a Terra Santa.

Em 1095, um grupo de nobres respondeu ao apelo do papa Urbano 2º para retomar Jerusalém, ocupada por muçulmanos desde o século 7. Com o sucesso da 1ª Cruzada, surgiu o Reino Latino de Jerusalém, uma ilha cristã que ia de Beirute a Gaza, cercada por inimigos religiosos de todos os lados. Em 1119, para garantir a segurança da cidade, 9 cavaleiros, sob o comando do francês Hugo de Payns, receberam de Balduíno 2º, o rei do novo território, permissão para ocupar uma ala da Mesquita Al-Aqsa, considerada o local do Templo de Salomão - daí o nome da organização que fundaram, Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão. O objetivo era defender os peregrinos cristãos a caminho de Jerusalém.

Por 10 anos, até o reconhecimento oficial da Igreja, em 1129, não há registro de atividade militar ou de defesa de peregrinos. Sabe-se apenas que passaram esse tempo escavando no templo. Foi quando lendas a respeito de relíquias encontradas ali se multiplicaram. Sim, eles encontraram peças e documentos valiosos - a abadia francesa de Clairvaux foi erguida só para estudar pergaminhos desenterrados. Também acharam algo que, diziam, era um pedaço da cruz de Cristo, depois levado às batalhas como amuleto. "Dependendo da lenda, teriam tomado posse da Arca da Aliança, do Santo Graal e do Santo Sudário", diz Patrick Geary, da Universidade da Califórnia.

É certo que, até o reconhecimento papal, após o Concílio de Troyes, eles treinaram e definiram seu código de conduta. Escrito por são Bernardo, sobrinho de um dos fundadores da ordem, o Livro de Regras estabelecia 72 normas. Por exemplo, que o dormitório deveria estar "iluminado até de manhã" e que tinham de dormir "vestidos com camisa e calções e sapatos e cinto" - a fim de garantir prontidão e, claro, barrar contatos físicos homossexuais. A compilação combinava regras religiosas e militares: "As necessidades (de Jerusalém) são cavaleiros que combatam, não monges que cantem e se lamentem". As normas de alimentação afirmavam que "comer carne corrompe o corpo", mas liberavam o consumo 3 vezes por semana para fortalecer os soldados. Além de orações, os 10% dos integrantes da ordem que eram cavaleiros mantinham o hábito de correr, exercitar-se levantando pedras e praticar com espadas de madeira (os outros 90% eram padres, administradores, soldados de infantaria e serviçais). Depois de cada confronto, o caráter religioso vinha à tona. No campo de batalha, os templários se ajoelhavam, apoiados em suas espadas, para rezar e agradecer a Deus pela vitória.


Militares implacáveis

A combinação de força e fé funcionou. Os templários eram temidos porque não costumavam recuar e lutavam com disposição rara. Muitos de seus grãos-mestres morreram em campo de batalha. "Os muçulmanos os respeitavam porque percebiam que estavam diante de inimigos implacáveis, dispostos a lutar até o fim em nome de sua crença", diz Geary. Em 1190, com a ajuda de uma esquadra genovesa, os cristãos tomaram a cidade de Acre, importante porto na região de Jerusalém, que tinha sido perdida para os muçulmanos dez anos depois da vitória de Montgisard.

No ano seguinte, outra conquista, em Arsuf, sob o comando do rei inglês Ricardo Coração de Leão. Como se tornou tradicional nas batalhas na Terra Santa, os 30 mil cristãos foram liderados por 1,2 mil templários, que sempre assumiam a vanguarda dos ataques. Mais uma vez, Saladino, agora em minoria, com seus 20 mil homens, foi derrotado. Enquanto os cristãos finalizavam a Terceira Cruzada e faziam um acordo para ter acesso a Jerusalém, os templários viraram o século como uma força militar fundamental para manter o controle da região.

O sucesso levou muitos nobres a aderir à ordem. Para isso, era preciso doar todos os bens, o que aumentou o patrimônio do grupo. Mas o principal motivo para o seu rápido enriquecimento foi a invenção de um sistema para garantir a segurança financeira dos viajantes à Terra Santa. Para impedir que fossem roubados durante o trajeto, eles deixavam seu dinheiro com os cavaleiros, que lhes davam cartas de crédito - resgatáveis em Jerusalém ou em qualquer outra propriedade dos templários na Europa (veja na pág. 34). "A ordem fundou um sistema muito parecido com as contas correntes atuais", diz Johnathan Edgeller, historiador da Universidade do Texas e autor de Taking the Templar Habit: Rule, Initiation Ritual, and the Accusations Against the Order (Usando o Hábito Templário: Regra, Ritual de Iniciação e as Acusações Contra a Ordem, sem edição no Brasil). A transação, é claro, pagava uma taxa que a ordem investia em novos patrimônios. Era, sim, usura, mas ela se provaria essencial ao futuro do grupo. "Rapidamente, os cavaleiros se viram em uma situação contraditória. Haviam feito votos de pobreza e não tinham nada de seu, mas viviam em castelos e fortalezas luxuosos, com acesso a banquetes e bebidas", afirma Edgeller. Com tanto poder, as arruaças se tornaram frequentes. Eram vistos bebendo em tabernas e por vezes se envolviam em brigas típicas de soldados comuns, e não de monges.

Os casos de abusos se tornaram recorrentes. Em 1291, a viúva de um templário escocês foi expulsa de casa por ordem do chefe da região, que ignorou o acordo prévio de que, em caso da morte do nobre, sua família retomaria suas posses. A casa da mulher foi arrombada, e seus dedos, decepados. Os exageros se refletiam na conduta individual. Na Alemanha, beber "como um templário" é sinônimo de encher a cara. Os conflitos com outras ordens religiosas e militares também eram constantes.

Os maiores rivais eram os membros da Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, conhecidos como hospitalários. Criada com o mesmo objetivo, ela era menos militarizada e mais voltada ao atendimento de feridos e doentes. Eles se odiavam. De um lado, os hospitalários quase puseram a perder a Batalha de Arsuf, quando desobedeceram ao rei Ricardo e partiram para o ataque antes da hora. De outro, os templários perseguiam os rivais abertamente nas ruas de Jerusalém. Chegaram a invadir uma missa, rezada na Igreja de São João por um sacerdote da outra ordem. Gritando e rindo, 20 deles quebraram os bancos de madeira e provocaram uma chuva de flechas dentro do templo.

Na ocasião, os templários já sustentavam guerras dentro da Europa com seus empréstimos a juros altos - como a mantida entre a Inglaterra e a França. Os monarcas europeus temiam que eles chegassem a criar seu próprio país - já dominavam Chipre e tinham territórios suficientes na França para seguir o exemplo de outra ordem militar, a dos Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria de Jerusalém, que entre 1229 e 1279 conseguiu ocupar e controlar quase toda a Prússia. "Os templários passaram a ser temidos, mas suportados porque eram muito úteis", afirma Edgeller. "Muitos de seus procedimentos, como os rituais de iniciação, eram secretos, o que provocava desconfiança. E o poder que eles alcançaram era grande demais."

Logo os templários não se mostrariam tão úteis. A partir da metade do século 13, os cristãos perdiam espaço rapidamente na Terra Santa. O grão-mestre Gerard de Ridefort, por exemplo, cometeu graves erros em Acre. Rendeu-se aos muçulmanos e acabou devolvido aos cristãos só para morrer em outra batalha. Ridefort passou a ser lembrado como prova de incompetência. As derrotas e humilhações se seguiram até 1291, quando os mamelucos invadiram a Fortaleza de São João de Acre, o último bastião templário no Oriente Médio. Os cavaleiros resistiram por 10 dias e receberam autorização para se retirar. Ao abrir os portões, viram que, do lado de fora, os cristãos estavam sendo massacrados. Voltaram para dentro e lutaram até a morte. Jerusalém só seria controlada por cristãos, de novo (e por pouco tempo), no século 20.


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